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Jurisdição constitucional dos Estados-membros quanto às normas repetidas

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SUMÁRIO: I – Considerações gerais. II – Conceito de normas repetidas. 2.1 – Normas de reprodução.III – Jurisdição constitucional dos Estados-membros. 3.1 Abrangência da competência do Tribunal de Justiça. 3.2 O controle da constitucionalidade das normas de reprodução. 3.3 Eficácia das normas de reprodução no âmbito do Estado-membro. 3.4 Competência recursal do STF. IV – Alcance dos efeitos da decisão do Tribunal de Justiça quanto às normas de reprodução. V – Controle da constitucionalidade das leis municipais frente à Constituição estadual. VI – Conclusões.


I. Considerações Gerais

As normas jurídicas que compõe a ordem jurídica de determinado Estado são postas em diferentes níveis, de forma escalonada. Neste esquema, a Constituição surge como lei maior de uma ordem jurídica estatal, devendo as demais normas ser produzidas conforme o processo constitucionalmente previsto e de forma que o conteúdo das normas produzidas não venha a confrontar-se com as normas constitucionais. [1] No dizer de Canotilho: "A Constituição é a fonte da produção normativa, pois a ela é reconhecido um valor normativo superior, a superlegalidade material". [2]

Como meio adequado para invalidar as normas eventualmente produzidas em desconformidade com a Constituição, criou o constituinte, no âmbito federal, a ação direta de inconstitucionalidade, adequada para a decretação de inconstitucionalidade in abstracto, cuja principal conseqüência consiste na retirada da norma do sistema jurídico, face ao caráter preponderantemente constitutivo negativo da decisão de procedência proferida nesse tipo de processo. [3]

Dentro do sistema federativo brasileiro, o princípio da supremacia da constituição também serve de esteio à estruturação da ordem normativa dos Estados-membros, situando-se a Constituição estadual, dentro do ordenamento jurídico local, por conseqüência, no nível normativo mais elevado em relação às demais regras que nela retiram seu fundamento de validade. Por imposição da Carta Magna, os Estados componentes da federação também criam mecanismos de controle de constitucionalidade contra normas que venham a ferir algum preceito contido na ordem constitucional estadual.

A problemática em torno da jurisdição constitucional dos Estados-membros é recente; sob a égide da Constituição de 1967/69, pouco se discutia na doutrina sobre o assunto. O princípio erigido na nossa Constituição de 1988 é de que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade quando a norma impugnada for estadual ou federal (art. 102, I, "a" da CF).

De outro lado, compete aos Tribunais de Justiça dos Estados-membros processar e julgar as ações de inconstitucionalidade, quando as normas impugnadas forem municipais ou estaduais, tendo-se nesse caso unicamente como paradigma a violação da Constituição estadual (art. 125, § 2º da CF). Algumas questões, contudo, cercam o problema: há determinadas normas as quais, a despeito de se encontrarem inseridas no corpo da Constituição estadual, possuem conteúdo idêntico ou mesmo similar ao de certas normas constitucionais federais.

O objeto deste trabalho, portanto, consiste em analisar a amplitude, assim como os limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem como dos Tribunais de Justiça dos Estados-membros, quanto às chamadas normas de repetição.


II. Conceito de normas repetidas

As normas constitucionais federais modelam, por ser da essência do sistema federativo, a estruturação da Constituição do Estado-membro. Por conseqüência, o constituinte estadual não poderá desenvolver, quanto a determinadas matérias, tratamento diverso do que fora dado na Constituição Federal. Surge, assim, a categoria das normas repetidas (ou normas de repetição), as quais podem ser definidas, em linhas gerais, como aquelas normas constitucionais estaduais que possuem idêntico teor ao de determinada regra jurídica contida na Constituição federal. Não é necessário que o texto legislativo dentro do qual se inserem as normas estaduais seja literalmente idêntico ao texto que contém a norma constitucional federal; para haver a repetição de normas, não é necessário existir a identidade dos textos legais através dos quais elas se exprimem, pois as regras jurídicas não podem ser confundidas com o texto legal por meio do qual se expressam.

As normas repetidas são gênero do qual as normas de reprodução e as normas de imitação são espécie, conforme será tratado a seguir.

2.1 Normas de reprodução e normas de imitação

Segundo Raul Machado Horta, há determinadas normas cuja inserção na Constituição estadual se faz compulsória; são as denominadas normas de reprodução obrigatória. Segundo a lição do citado jurista, "as normas de reprodução refletem a expansividade do modelo federal, que atraiu para seu campo matéria anteriormente entregue à revelação originária do constituinte estadual. A tarefa do constituinte limita-se a inserir aquelas normas no ordenamento constitucional de um Estado, por um processo de transplantação". [4]

Ao lado das normas de reprodução obrigatória, segundo o citado jurista, há também aquelas normas que, conquanto idênticas a determinadas regras constitucionais federais, a sua inserção no texto constitucional estadual não se faz compulsoriamente. O constituinte as introduz na Carta estadual por adesão voluntária a determinados dispositivos constitucionais. Assim, a diferença entre as duas classes de normas residiria no caráter obrigatório da repetição, presente nas normas de reprodução e ausente nas de imitação. [5]

Malgrado a lição do jurista mineiro seja hoje a mais difundida na doutrina nacional e na jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, a classificação merece maiores precisões.

Conforme ensina Pontes de Miranda, [6] há três classes de princípios encontrados na Constituição federal:

a) princípios constitucionais sensíveis, que são aqueles cuja inobservância desencadeia a intervenção federal nos Estados componentes da federação;

b) princípios constitucionais comuns, que são aqueles que se tornam obrigatórios em todos os níveis da federação (União, Estados e Municípios); e

c) princípios constitucionais federais, que apenas são obrigatórios no plano federal.

Essa classificação, ao nosso ver, é exaustiva. Não há qualquer princípio, no texto da Constituição federal, que não se enquadre em uma das três categorias. Os princípios referidos nas letras a) e b), em última análise, é que vão delinear toda a competência do poder constituinte decorrente, pois representam limites à atuação do constituinte estadual. Quanto ao terceiro, este se mostra irrelevante para o constituinte estadual; a sua repetição no seio da Constituição estadual apenas acarretará na existência de "normas de imitação", como será visto adiante.

Quando se fala em normas de reprodução obrigatória, ao nosso ver, cai-se em imprecisão. Analisando-se o nosso sistema jurídico, não é difícil perceber a inexistência na Constituição federal de alguma norma ou princípio que obrigue a inserção de qualquer norma repetida no seio das Constituições estaduais, donde ser inadequada a expressão "normas de reprodução obrigatória", pois não há efetivamente obrigatoriedade na reprodução. O que a nossa Magna Carta estabeleceu, em verdade, foi a necessidade de que haja, nas Constituições estaduais, a observância de alguns princípios constitucionais. Tanto que o art. 25 da CF dispõe: "Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição".

Tal "observância" a que faz alusão o art. 25 da CF, contudo, não redunda na obrigatoriedade de reproduzir-se normas idênticas. A esse respeito é precisa a lição de Gabriel Ivo:

"De pronto concluímos que para observar um princípio constitucional não precisa o constituinte estadual repeti-lo no texto da Constituição do Estado-membro (...)".

Observar e obedecer a um princípio constitucional significa abster-se de emitir regras que com ele sejam incompatíveis ou, de um modo positivo, a emissão de regras que venham a imprimir-lhe eficácia. Não se cumpre um princípio repetindo no texto da Constituição estadual o seu enunciado". [7] (g.n.)

Portanto, entendemos ser equívoco falar-se na existência de normas de reprodução obrigatória. O correto seria chamá-las de normas de observância obrigatória, em face do dever dos Estados-membros em observar os princípios constitucionais comuns, assim como os princípios constitucionais sensíveis, a que antes aludimos.

Assim, ao longo deste trabalho, usaremos a expressão "normas de reprodução" sempre para designar aquelas normas repetidas que são de observância compulsória pelo Estado-membro.

Ao lado das normas de reprodução, como já dito, há aquela classe de normas constitucionais estaduais, as quais embora idênticas a certas normas da Constituição federal, não são de observância compulsória pelo Estado-membro. Como exemplo dessa categoria de normas podemos citar o parágrafo único do art. 70 da Constituição de Alagoas, que estabelece:

"Art. 70... .................................................

Parágrafo único - Os membros da Mesa Diretora cumprirão mandato de dois anos, vedada a reeleição, para o mesmo cargo, na eleição imediatamente subseqüente".

O constituinte estadual se inspirou no paradigma federal [8] com o fito de vedar a recondução para o mesmo cargo da Mesa da Assembléia na eleição subseqüente. Tal vedação, contudo, não é estendida aos Estados-membros, conforme, inclusive, já decidira o próprio STF. [9] O legislador constituinte fê-la norma constitucional estadual e o fato de norma idêntica constar na Constituição Federal aqui se torna irrelevante, pois o constituinte alagoano poderia até mesmo consagrar a possibilidade de reeleição para os membros da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa na eleição subseqüente, o que não redundaria em qualquer inconstitucionalidade, justamente pelo fato de não se constituir regra de observância compulsória.

A distinção entre as normas de reprodução e normas de imitação, insista-se, reside unicamente no caráter obrigatório de sua observância (não de sua reprodução) na Constituição estadual, presente nas primeiras e ausente nas segundas. Tal diferenciação é de grande relevo para o estudo da jurisdição constitucional do Estado-membro.


III. Jurisdição constitucional dos Estados-membros

O princípio geral consagrado na nossa Constituição de 1988, como evidente decorrência do sistema federativo, é de que os Estados deverão instituir o controle de constitucionalidade das leis municipais e estaduais que contrariem normas da Constituição estadual (art. 125, § 2º da CF), paralelamente ao controle exercido pelo STF com relação às leis estaduais ou federais que ofendam dispositivo da Constituição federal. Por simetria, o órgão encarregado de processar a ação direta de inconstitucionalidade no âmbito estadual será o Tribunal de Justiça do respectivo Estado-membro.

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Nos itens anteriores, tratamos das normas de repetição e a tarefa agora consiste em analisar a quem compete processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade relativa a essa classe de normas. Seria do Tribunal de Justiça, por se tratar de regras insertas no texto da Constituição estadual? ou seria do STF, pois a ofensa à norma repetida, em última análise, representaria de certo modo, uma violação a dispositivo contido na Lex Mater?

Buscaremos, a partir de agora, obter as respostas para as indagações.

3.1.Abrangência da competência do Tribunal de Justiça

Conforme já tratado, as normas repetidas podem ser normas de imitação ou normas de reprodução. Independente de qual das duas categorias se esteja a tratar, são elas normas estaduais, ensejando, portanto, a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade respectiva.

O que se deve ter em mira para se precisar a competência, primordialmente, é o "parâmetro de controle". Assim, quando se propõe ação direta de inconstitucionalidade de norma estadual ou municipal que viole preceito contido na Constituição do Estado-membro, a causa petendi da ação direta será a violação da constituição estadual, mesmo que a norma impugnada seja idêntica à norma federal. Não haverá, outrossim, prejuízo da competência do Supremo, que poderá processar e julgar a mesma ADIn (caso a norma impugnada seja estadual), pois a causa petendi, nesta última hipótese agora é outra: a ofensa à Constituição federal. [10]

Portanto, ao Tribunal de Justiça local caberá sempre o controle da constitucionalidade das leis estaduais e municipais mesmo quando venham a ferir preceitos constitucionais estaduais, independentemente do fato de ser a norma violada reprodução ou imitação do texto federal, pois o parâmetro de controle será sempre a Constituição estadual, em outras palavras: a causa petendi da ADIn deverá ser a ofensa à Constituição estadual. [11]

3.2 O Controle da constitucionalidade das normas de reprodução

Já tratamos da distinção entre as normas de imitação e de reprodução. No que concerne às normas de imitação, não há problemas a se levantar: a competência é única e exclusiva do Tribunal de Justiça.

Todavia, quando a norma impugnada for de reprodução (=observância obrigatória pelos Estados), a competência para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade será definida pelo parâmetro de controle: será do Tribunal de Justiça, por se tratar de regra estadual, se o parâmetro de controle for a violação de norma da Constituição estadual; em sendo o dispositivo ofendido apontado da Constituição federal, apenas poderá conhecer da ação o STF.

Embora hoje prevaleça o entendimento segundo o qual os Tribunais de Justiça podem reconhecer a inconstitucionalidade das normas de reprodução, nem sempre se entendeu desta forma.

O STF, ao primeiro se defrontar com o problema, firmou entendimento, na RCL 370-1, em voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual sempre que se estivesse a tratar de normas de reprodução, a competência seria exclusivamente do Supremo, pois tais normas seriam "ociosas" e a reprodução, desnecessária, por se tratar de normas eminentemente federais, de modo que a lei violadora estaria, na verdade, ofendendo a Constituição federal e não a estadual. Segundo o Ministro Pertence, "as normas de reprodução só aparentemente são normas estaduais". [12]

Com o julgamento da RCL 383/SP, o entendimento no Supremo foi modificado. Não se pode afirmar, de fato, que as normas de reprodução não sejam normas jurídicas estaduais. Se assim não o fosse, uma das possibilidades de intervenção dos Estados no Município estaria excluída, conforme asseverou o Ministro Moreira Alves no seu voto:

"A prevalecer a tese de que as normas estaduais de reprodução obrigatória dos preceitos da Carta Magna federal não são normas jurídicas também estaduais, mas exclusivamente estaduais, e estando todos os princípios constitucionais sensíveis previstos na Constituição federal, a intervenção no município, que se faz também por meio da representação de inconstitucionalidade pelo parâmetro da Constituição estadual(e representação que acarreta a suspensão com eficácia erga omnes da execução da norma municipal impugnada como providência preliminar), ou não se poderá fazer, porque as normas de reprodução são ociosas e sem qualquer eficácia, ou –ilogicamente- poderá ser feita, controlando-se, por via dela, a constitucionalidade das leis municipais em face de todos os princípios contidos na Constituição estadual(inclusive os federais obrigatórios inocuamente reproduzidos) e por ela tidos como sensíveis".

De fato, o art. 35, IV da CF prevê a intervenção dos Estados, nos seus respectivos municípios, "quando o Tribunal de Justiça der provimento à representação para observância dos princípios indicados na Constituição Estadual". Levando-se em conta que os princípios constitucionais sensíveis estão todos positivados na Constituição federal, jamais, caso se admitisse o entendimento de não serem as normas de reprodução regras jurídicas estaduais, os Estados-membros poderiam vir a intervir nos municípios, contradizendo, assim, o texto da Carta Magna.

3.3 Eficácia das normas de reprodução no âmbito do Estado-membro

As normas de reprodução são normas jurídicas e produzem seus efeitos na órbita estadual. O argumento segundo o qual a eficácia da norma federal existe independente da reprodução e, conseqüentemente, o controle da constitucionalidade das normas de reprodução pertenceria exclusivamente ao STF, não nos parece acertado.

O fato de ser obrigatória a sua observância não torna a norma reproduzida, por isso, ineficaz. Imagine-se uma lei federal que reproduz em si dispositivos constitucionais. De acordo com raciocínio adotado na RCL 370-1, tais dispositivos repetidos na legislação ordinária seriam ineficazes, pois a eficácia verdadeira seria a irradiada pela norma constitucional, não dando margem, assim, à interposição de recurso especial perante o STJ, caso restasse pré-questionada a matéria federal, o que evidentemente não se coaduna com o nosso sistema jurídico, conforme bem salientou o Ministro Moreira Alves:

"Se verdadeira a tese de que as normas de reprodução não têm eficácia jurídica como tais, mas têm, verdadeiramente, a natureza das normas, de hierarquia superior, reproduzidas, ter-se-á de concluir que a norma federal ordinária, que reproduza preceito da Constituição federal, não tem eficácia jurídica, não dando margem, portanto, à interposição de recurso especial, pois ela dissimula uma norma constitucional que é juridicamente eficaz, que também não dá azo à interposição do recurso extraordinário, porque a questão constitucional não foi prequestionada" [13].

Não se pode olvidar, outrossim, que, segundo o nosso modelo federativo, cada Estado–membro possui não apenas o dever de se abster de violar os princípios cuja observância por cada componente seja obrigatória, mas também o dever de realizar os fins eleitos na Constituição federal, assim como assegurar que os seus princípios sejam observados pela comunidade estadual, na sua esfera de vigência. Uma das formas de garantir esta observância, sem dúvidas, consiste em possibilitar a fiscalização, pelo Estado-membro, da constitucionalidade das normas eventualmente contrárias a princípios constitucionais comuns. Deste modo, a reprodução consiste, muitas vezes, em instrumento eficiente para o Tribunal de Justiça decretar a inconstitucionalidade de normas violadoras de ambas as constituições (federal e estadual).

3.4 Competência recursal do STF

Conforme já anteriormente salientado, o Tribunal de Justiça possui competência para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade quando a norma estadual ou municipal vier a ofender uma norma de reprodução inserida na Carta do Estado-membro.

A jurisdição constitucional para aquela classe de normas, no entanto, não se esgota com o pronunciamento do Tribunal local; o Supremo pode conhecer da questão de inconstitucionalidade, mediante a interposição de recurso extraordinário, com fulcro no art. 102, III, a) ou c) da CF, conforme o caso.

À diferença do que se dá com as normas de imitação, nas quais a jurisdição constitucional do Tribunal de Justiça é exclusiva, as normas de reprodução dão ensejo ao reexame da questão de inconstitucionalidade pelo STF, pois com relação a esta classe de normas há dever por parte dos Estados-membros em observá-las, donde ser necessário que o Supremo verifique se a norma de reprodução fora aplicada devidamente, isto é, se a aplicação ou até mesmo a sua positivação da não se revela incompatível com a Constituição federal.

Há determinadas normas constitucionais estaduais que se mostram incompatíveis com a Constituição federal; neste caso, eventual lei ordinária que viole a Constituição estadual não poderá ser reputada inconstitucional, conforme salienta Gabriel Ivo: "Se a Constituição Estadual tratar de matéria típica de lei ordinária estadual e sobrevier lei estadual dispondo contrariamente à Constituição Estadual, não será a norma inconstitucional em relação à Constituição Estadual, posto que inconstitucional será a Constituição Estadual em relação à Constituição Federal". [14]

Não se pode afirmar, por outro lado, ser vedado ao Tribunal de Justiça decretar, incidentemente, a inconstitucionalidade da norma constitucional estadual em relação à Constituição federal; se assim o fosse, seria admitir que o Tribunal de Justiça estaria obrigado a reconhecer constitucional o que na verdade não o seria. E mais: estaria compelido a decretar a inconstitucionalidade de lei ordinária que, na verdade, não padecia de vício. O Tribunal de Justiça pode, incidentemente, reconhecer a inconstitucionalidade de norma da Constituição estadual, sem que este reconhecimento venha a produzir eficácia vinculante com relação ao Supremo, tal como normalmente ocorre no controle difuso, em que qualquer juiz ou tribunal poderá decretar a inconstitucionalidade de norma (estadual ou federal), sem que haja a retirada desta do ordenamento jurídico. Na verdade, a inconstitucionalidade da norma da Constituição estadual é aqui questão prejudicial, sendo a questão principal o reconhecimento da constitucionalidade da lei ordinária impugnada. Tal pronunciamento, por parte do Tribunal de Justiça, mesmo em sede de controle abstrato, embora aqui não se cogite de norma de reprodução, dá ensejo à interposição do recurso extraordinário, [15] a fim de possibilitar ao STF o conhecimento da questão, posto que o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma da Constituição do Estado-membro em face da Constituição federal é sempre uma questão constitucional federal.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Pedrosa Nogueira

advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Jurisdição constitucional dos Estados-membros quanto às normas repetidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 611, 11 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6413. Acesso em: 24 abr. 2024.

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