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A educação na Constituição Federal de 1988

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10/04/2005 às 00:00
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O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva descritiva da temática da educação na Constituição Federal de 1988, analisando a inserção do direito à educação no rol dos direitos sociais, buscando avaliar a atribuição de direitos subjetivos ao cidadão.

Introdução

O Brasil parece ter despertado para a relevância da temática da educação. Ao lado da atuação governamental orientada pelos objetivos de expansão de todos os níveis de ensino e implementação de políticas de avaliação e controle de qualidade, também a sociedade civil demonstra interesse e participa do processo de reconhecimento da necessidade de melhoria dos índices de escolaridade, como requisito para real possibilidade de desenvolvimento do País.

A educação, enquanto dever do Estado e realidade social não foge ao controle do Direito. Na verdade, é a própria Constituição Federal que a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só tempo, a educação representa tanto mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere.

O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva descritiva da temática da educação na Constituição Federal de 1988, analisando a inserção do direito à educação no rol dos direitos sociais, buscando avaliar a atribuição de direitos subjetivos ao cidadão.

Se o melhor entendimento das normas que regulam a educação se mostra relevante no momento em que sua importância no contexto da sociedade brasileira é realçada, a avaliação acerca da existência de direitos subjetivos relacionados ao tema coloca-se como importante elemento de afirmação dos direitos do cidadão frente ao Estado, garantindo em última análise, meio de conferir efetividade aos preceitos constitucionais.

Por fim, analisamos dois casos atuais relacionados ao direito à educação, que têm repercussão constitucional: o acesso ao ensino superior de estudantes que não concluíram o ensino médio e a adoção do sistema de cotas de acesso ao ensino superior para minoria afro-descendente.


1. A temática da educação nas Constituições brasileiras

Com maior ou menor abrangência e marcadas pela ideologia de sua época, todas as Constituições brasileiras dispensaram tratamento ao tema da educação.

A Constituição Imperial de 1824 estabeleceu entre os direitos civis e políticos a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos e previu a criação de colégios e universidades.

A Constituição Republicana de 1891, adotando o modelo federal, preocupou-se em discriminar a competência legislativa da União e dos Estados em matéria educacional. Coube à União legislar sobre o ensino superior enquanto aos Estados competia legislar sobre ensino secundário e primário, embora tanto a União quanto os Estados pudessem criar e manter instituições de ensino superior e secundário. Rompendo com a adoção de uma religião oficial, determinou a laicização do ensino nos estabelecimentos públicos.

A Constituição de 1934 inaugura uma nova fase da história constitucional brasileira, na medida em que se dedica a enunciar normas que exorbitam a temática tipicamente constitucional. Revela-se a constitucionalização de direitos econômicos, sociais e culturais.

Fica estabelecida a competência legislativa da União para traçar diretrizes da educação nacional. Um título é dedicado à família, à educação e à cultura. A educação é definida como direito de todos, correspondendo a dever da família e dos poderes públicos, voltada para consecução de valores de ordem moral e econômica.

A Constituição de 1934 apresenta dispositivos que organizam a educação nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano nacional de educação e competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo, criação dos sistemas educativos nos estados, prevendo os órgãos de sua composição como corolário do próprio princípio federativo e destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Também há garantia de imunidade de impostos para estabelecimentos particulares, de liberdade de cátedra e de auxílio a alunos necessitados e determinação de provimento de cargos do magistério oficial mediante concurso.

O retrocesso na Constituição de 1937 é patente. O texto constitucional vincula a educação a valores cívicos e econômicos. Não se registra preocupação com o ensino público, sendo o primeiro dispositivo no trato da matéria dedicado a estabelecer a livre iniciativa. A centralização é reforçada não só pela previsão de competência material e legislativa privativa da União em relação às diretrizes e bases da educação nacional, sem referência aos sistemas de ensino dos estados, como pela própria rigidez do regime ditatorial.

A Constituição de 1946 retoma os princípios das Constituições de 1891 e 1934. A competência legislativa da União circunscreve-se às diretrizes e bases da educação nacional. A competência dos Estados é garantida pela competência residual, como também pela previsão dos respectivos sistemas de ensino.

A educação volta a ser definida como direito de todos, prevalece a idéia de educação pública, a despeito de franqueada à livre iniciativa. São definidos princípios norteadores do ensino, entre eles ensino primário obrigatório e gratuito, liberdade de cátedra e concurso para seu provimento não só nos estabelecimentos superiores oficiais como nos livres, merecendo destaque a inovação da previsão de criação de institutos de pesquisa. A vinculação de recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino é restabelecida.

A Constituição de 1967 mantém a estrutura organizacional da educação nacional, preservando os sistemas de ensino dos Estados. Todavia, percebemos retrocessos no enfoque de matérias relevantes: fortalecimento do ensino particular, inclusive mediante previsão de meios de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo; necessidade de bom desempenho para garantia da gratuidade do ensino médio e superior aos que comprovarem insuficiência de recursos; limitação da liberdade acadêmica pela fobia subversiva; diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

A Constituição de 1969 não alterou o modelo educacional da Constituição de 1967. Não obstante, limitou a vinculação de receitas para manutenção e desenvolvimento do ensino apenas para os municípios.

Como se vê, o tratamento constitucional dispensado à educação reflete ideologias e valores. Conforme registra Herkenhoff (1987, p.8), "educação não é um tema isolado, mas decorre de decisões políticas fundamentais. Isto é, a educação é uma questão visceralmente política".

Nesse contexto, mais do que em virtude de constituir um direito ou por ter valor em si mesma, a natureza pública da educação se afirma em função dos interesses do estado e do modelo econômico, como também por constituir eficiente mecanismo de ação política (Ranieri, 2000, p. 37).

A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos, como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional.

A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um direito social no artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos 22, XXIV e 24, IX; dedica toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da federação.

Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).


2. O direito à educação como um direito fundamental

Captar toda a dimensão do direito à educação depende de situá-lo previamente no contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais, os chamados direitos de 2ª dimensão, no âmbito dos direitos fundamentais.

A expressão direitos fundamentais guarda sinonímia com a expressão direitos humanos. São direitos que encontram seu fundamento de validade na preservação da condição humana. São direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis para a própria manutenção da condição humana.

A despeito da "fundamentalidade", Bobbio (1992, p.5) destaca que os direitos fundamentais ou direitos humanos são direitos históricos, ou seja, são fruto de circunstâncias e conjunturas vividas pela humanidade e especificamente por cada um dos diversos Estados, sociedades e culturas. Portanto, embora se alicercem numa perspectiva jusnaturalista, os direitos fundamentais não prescindem do reconhecimento estatal, da inserção no direito positivo.

O sentido do direito à educação na ordem constitucional de 1988 está intimamente ligado ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, bem como com os seus objetivos, especificamente: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalidade, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum.

Numa palavra, o tratamento constitucional do direito à educação está intimamente ligado à busca do ideal de igualdade que caracteriza os direitos de 2ª dimensão. Os direitos sociais abarcam um sentido de igualdade material que se realiza por meio da atuação estatal dirigida à garantia de padrões mínimos de acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem não conseguiu a eles ter acesso por meios próprios. Em última análise, representam o oferecimento de condições básicas para que o indivíduo possa efetivamente se utilizar das liberdades que o sistema lhe outorga.

Nesse contexto, oportuno traçar em linhas gerais a distinção entre a perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.

A idéia atrelada à perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, segundo Sarlet (1998, p. 152), consiste na "possibilidade que tem o titular (...) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito de ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão". Essa perspectiva tem como referência a função precípua dos direitos fundamentais, que consiste na proteção do indivíduo.

A perspectiva objetiva implica o reconhecimento dos direitos fundamentais como "decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos" (Sarlet, 1998, p.140). Transcende-se a dimensão de proteção do indivíduo, implicando nova função para os direitos fundamentais que abrange a tutela da própria comunidade.

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A dimensão axiológica dos direitos fundamentais implica a adoção do ponto de vista da sociedade na valoração da eficácia dos direitos fundamentais. O reconhecimento social coloca-se como elemento condicionante do exercício de direitos fundamentais. Daí decorre inegável limitação dos direitos fundamentais em sua perspectiva individual quando contrapostos ao interesse da comunidade, preservando-se, em todo caso, o seu núcleo essencial.

Além disso, da perspectiva objetiva decorre o caráter vinculativo dos direitos fundamentais em relação ao Estado, impondo-lhe o dever de promover sua concretização.

A perspectiva objetiva representa a autonomia dos direitos fundamentais, apontando Sarlet (1998, p.145/147) como principais corolários a sua eficácia irradiante, ou seja, a capacidade de servir de diretrizes para o entendimento do direito infraconstitucional, constituindo modalidade de interpretação conforme a Constituição; a eficácia horizontal, que implica na oponibilidade de direitos fundamentais não só frente ao Estado, mas também nas relações privadas; a conexão com a temática das garantias institucionais, traduzidas como o reconhecimento da relevância de determinadas instituições públicas e privadas, através de proteção contra intervenção deletéria do legislador ordinário, que não obstante, se mostram incapazes de gerar direitos individuais; criação de um dever geral de proteção do Estado voltado para o efetivo resguardo dos direitos fundamentais em caráter preventivo, tanto contra o próprio Estado, como contra particulares ou mesmo outros Estados e, finalmente, a função dos direitos fundamentais de atuar como parâmetro para criação e constituição de organizações estatais.

No contexto da sociedade da informação e da globalização, o traço de direito fundamental do direito à educação se acentua. Sob a perspectiva individual, potencializa-se a exigibilidade direta pelo cidadão e no plano objetivo solidifica-se o dever do Estado em promover sua efetividade. Se no plano subjetivo se resguarda o desenvolvimento da personalidade humana e mesmo a qualificação profissional, no plano objetivo o direito à educação se afirma indispensável ao próprio desenvolvimento do País.


3. Natureza principiológica das normas constitucionais sobre educação

Canotilho (1999, p. 1177), a partir da lição de Dworkin afirma que:

"(...) princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica."

Regras, ao contrário, "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)". A conjugação de princípios e regras é percebida por Canotilho (1999, p.1124) que entende a Constituição como sistema aberto de regras/princípios/procedimento1.

Sem dúvida alguma, das normas que tratam da educação na Constituição Federal de 1988, algumas apresentam um comando operativo bastante evidente. Exemplo eloqüente é a previsão do ensino fundamental obrigatório e gratuito, inserta no inciso I do artigo 208, cujo parágrafo primeiro garante não só a imediata aplicabilidade e eficácia da norma, como também a indiscutível possibilidade de tutela jurisdicional.

Mas, em grande parte, as normas que tratam da educação apresentam-se sob a forma de princípios. E isso se justifica, pois se por um lado a Constituição ao enunciar direitos sociais impõe obrigações de fazer para o Estado, por outro essa imposição de obrigações de fazer não é detalhada ao ponto de instituir normas do tipo regra, prescrevendo objetivamente condutas e suas conseqüências.

Embora com uma perspectiva genérica, essa peculiaridade é destacada por Campello (2000, p. 9) ao afirmar que "na norma educacional não têm sido encontradas, amiúde, sanções que caracterizem punições ou que estabeleçam um grau elevado de coercitividade para aquele ‘dever-ser’ que impõe um fazer ou deixar de fazer alguma coisa".

A principal conseqüência do modelo da norma de natureza principiológica é a irradiação de efeitos por todo o sistema normativo, "compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência (...)", conforme salienta Bandeira de Mello (apud Campello, 2000, p. 8).

Revela-se a importância da técnica legislativa na construção da norma constitucional. O modelo principiológico, se por um lado não esgota ou não encerra em termos definitivos o tratamento jurídico de determinada questão, por outro confere abertura para solução de conflitos através da ponderação de valores. Este é o caminho que se apresenta para composição de conflitos em uma sociedade complexa, onde se salienta o papel e a responsabilidade do Judiciário.

Nesse contexto, destaca Canotilho (1999, p. 444/445) as possibilidades de conformação jurídica dos direitos sociais, ou seja, as possibilidades de caracterização dos direitos sociais no âmbito da Constituição. Podem os direitos sociais se apresentar como normas programáticas, normas de organização, garantias institucionais e como direitos subjetivos públicos.

A linha de diferenciação está justamente na potencial criação de pretensões oponíveis contra o Estado, deduzíveis diretamente pelo cidadão.

Grosso modo, os direitos sociais como normas programáticas revelam vinculação voltada à idéia de pressão de natureza política sobre os órgãos competentes. Como normas de organização, determinam a instituição de competências determinadas aos órgãos públicos, mas com capacidade de vinculação também limitada ao plano político. A idéia de garantias institucionais está dirigida ao respeito e à proteção de determinada instituição social, que por sua natureza está atrelada à concretização de direitos de cunho social, econômico e cultural. Finalmente, os direitos sociais como direitos subjetivos públicos estatuem direitos fruíveis diretamente pelo cidadão e oponíveis contra o Estado, que tem o dever de implementá-los.


4. Indeterminabilidade do conteúdo do direito à educação

Em caráter preliminar à questão do conteúdo do direito à educação, nos convém destacar que para os fins do presente trabalho não nos importa estabelecer uma distinção entre educação e ensino.

Ranieri (2000, p. 168), embora se referindo à Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, destaca que os conceitos de educação e ensino agrupam realidades semelhantes e que cabe ao intérprete estar atento ao contexto em que se inserem as expressões para captar seu exato sentido. Registra:

"Educação (...) constitui o ato ou efeito de educar-se; o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, visando a sua melhor integração individual e social. Significa também os conhecimentos ou as aptidões resultantes de tal processo, ou o cabedal científico e os métodos empregados na obtenção de tais resultados. E, ainda, instrução, ensino.

Ensino, por sua vez, designa a transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação; os métodos empregados para se ministrar o ensino; o esforço orientado para a formação ou modificação da conduta humana; educação. "

Salvo melhor juízo, o mesmo pode ser dito em relação ao emprego das duas expressões na Constituição Federal.

Canotilho (1999, p. 450) reconhece a dificuldade de delimitação de conteúdo dos direitos sociais. Registra que a adoção de entendimentos que limitem a eficácia dos direitos sociais, tornando-os dependentes de modo absoluto da intervenção legislativa ordinária significa retirar toda a sua vinculação jurídica. Raciocinar dessa maneira representa retrocesso em relação ao atual entendimento que se tem sobre a eficácia e a busca da efetividade das normas constitucionais.

Conforme salienta Silva (2001, p.261), "todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica e imediatamente aplicáveis nos limites dessa eficácia". Por eficácia se entende a aptidão para produzir efeitos jurídicos.

No âmbito da verificação dos efeitos da norma jurídica, uma problemática que se afirma é a de reconhecer direitos originários e direitos derivados em matéria de direitos sociais.

Direitos originários se caracterizam pela conjugação da previsão constitucional de um direito social, do reconhecimento do dever do Estado na criação de pressupostos materiais para o exercício desses direitos e na possibilidade de o cidadão exigir prestações relacionadas a esse direito (Canotilho, 1999, p. 447). Fica patente a necessidade de intervenção dos poderes públicos para a garantia desses direitos, a partir da qual surge a idéia da reserva do possível, traduzindo a dependência de recursos econômicos para a permitir a efetividade de direitos. O melhor sentido aos direitos de 2ª dimensão nesse âmbito é o reconhecimento de sua força vinculativa da atuação estatal, representando verdadeira imposição constitucional voltada à transformação econômica social.

Direitos derivados, por outro lado, estão ligados à idéia de igual acesso, igual participação nas prestações de natureza econômica, social e cultural, à medida em que o Estado concretiza suas responsabilidades nessa área (Canotilho, 1999, p. 448). A perspectiva subjetiva, nesse caso, está na garantia de proibição de retrocesso, ou seja, impossibilidade de supressão ou cancelamento da esfera já implementada desses direitos.

Não nos parece possível reduzir o direito social à educação a uma ou outra tipologia, pelo simples fato de a realidade demonstrar, seja agora, seja no exato momento de promulgação da Constituição, a pré-existência de todo um arcabouço organizacional do sistema educacional brasileiro, determinante das mais diversas posições jurídicas. Se por um lado isso não revela uma tarefa acabada, acentuando-se em grande parte a necessidade de um papel redistributivo do Estado voltado para a idéia de igual acesso e igual participação, de outro não retira a possibilidade de casos específicos em que seja possível exigir de modo imediato o adimplemento de prestações relacionadas ao direito à educação.

A partir desse exemplo, necessário reconhecer a relevância da normatização infraconstitucional para a efetividade dos direitos sociais.

Todavia, nos atemos à simples previsão constitucional do direito à educação para concluir que dela decorre para o Estado o dever de desenvolver atos concretos e determinados dirigidos à sua implementação.

Por outro lado, e a primeira vista isso nos parece um diferencial em relação aos demais direitos sociais, o tratamento constitucional do direito à educação não se limita a um mero enunciado. Existem comandos normativos relativos à competência legislativa, indicativos de critérios de acesso e de qualidade, elementos para organização do sistema educacional, previsão de financiamento, distribuição de encargos e competências entre os entes da federação suficientes para balizar a atuação estatal.

A natureza principiológica das normas não lhes retira a capacidade de vinculação da atuação estatal e, por outro lado, delineia os valores e objetivos que devem ser perseguidos de modo permanente e disperso nas diversas iniciativas estatais.

Mesmo inserido no contexto dos direitos sociais, o direito à educação apresenta densificação muito maior do que inicialmente imaginamos ao nos confrontar com o disposto no artigo 6º. Ou seja, as normas dos artigos 205 a 214 conferem ao direito à educação um espaço normativo mais preciso e delimitado.

Se por um lado o direito social à educação previsto no art. 6º não se confunde ou não se limita às imposições constitucionais dos artigos 205 a 214, por outro não há como negar a conexão óbvia entre estes dispositivos constitucionais que, em última análise, são capazes de determinar o mínimo de atuação estatal necessária para que se implemente o direito à educação. De certa maneira, a Constituição delimita o núcleo essencial do direito à educação.

Reconhecendo que um dos entraves à efetividade dos direitos sociais reside na inércia do legislador, que o direito positivo não apresenta mecanismos eficientes para sanar a inconstitucionalidade por omissão, ao lado da interpretação não concretista dominante no Supremo Tribunal Federal acerca dos efeitos do Mandado de Injunção, esse nos parece um posicionamento que pode conduzir ao reconhecimento de direitos individuais2 em matéria de educação previstos na Constituição, passíveis de serem deduzidos diretamente pelo cidadão perante o Judiciário.

Enfim, se a marca de indeterminabilidade típica dos direitos sociais também se apresenta no direito à educação, não sendo dispensável a complementação legislativa em nível ordinário, é certo que as disposições dos artigos 205 e 214 são suficientes para garantir um mínimo de sua exeqüibilidade e implementação, o que é extremamente relevante especialmente para garantir a possibilidade de tutela jurisdicional.

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Sobre o autor
Gustavo de Resende Raposo

Procurador da Fazenda Nacional ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAPOSO, Gustavo Resende. A educação na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 648, 10 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6574. Acesso em: 22 nov. 2024.

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