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Direitos e garantias fundamentais e aplicabilidade imediata

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16/10/2018 às 11:15
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4 Manifestações do STF

  O STF, em suas decisões, de forma geral, tem deferido aos direitos e garantias fundamentais a aplicação imediata, o que fez de forma expressa, quando do julgamento do RE 136.753 (impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela família), bem como  por ocasião do julgamento da Extradição 986, e do MI 712 – Direito de Greve dos Servidores Públicos.  

 Assim, a título exemplificativo, o Pretório Excelso tem dado o mesmo entendimento com relação ao direito de igualdade, por ocasião dos seguintes julgamentos: MI 58; RE-AgR 345.598; HC 95.009;   MS 26.690 e RE 590.409.  Da mesma forma o STF tem se pronunciado em relação a diversos outros direitos  fundamentais, tais como: à intimidade (HC 71.373), à liberdade de expressão (RE 460.880), à inviolabilidade do domicílio (ADPF 130), ao direito de o estrangeiro impetrar habeas corpus (HC 72391-QO), ao direito de os presos terem preservadas suas integridades físicas (MS 25382), à razoável duração do processo (HC 91986), à saúde (STA-Agr 171), bem como à  educação (RE 163231).  

No que tange a direitos configuradores de prestações positivas do Estado, tais como os  direitos sociais e econômicos, o STF, por ocasião do julgamento do RE-AgR 436.996, no qual  se discutia o direito à educação, manifestou-se nos seguintes termos: "a educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. [...]" 

Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. [negrito conforme original]. (RE 436.996)     

 Vê-se, assim, que a Corte Constitucional inclina-se a reconhecer a aplicabilidade  imediata aos direitos fundamentais de forma geral. Quando se trata de direitos que impliquem numa prestação do Estado, embora com ressalvas, também o STF tem admitido que o particular possa recorrer ao Judiciário diante de situações configuradoras de lesão.  


5  Correntes Doutrinárias 

Muito embora o enunciado contido no § 1º do art. 5º da Constituição pareça, à  primeira vista, conciso e cristalino, seu alcance e significado ainda suscitam diversas dúvidas,  sendo objeto de inúmeras discussões.   A despeito dos questionamentos que a aplicabilidade imediata tem provocado, entende-se que a Constituição Federal impôs um respeito aos direitos e garantias fundamentais no momento presente. É consenso também que a aplicabilidade imediata leva ao fato de que os direitos e garantias fundamentais não dependem necessariamente da atuação do Legislativo ou do Executivo.

A questão que se coloca é saber se em toda e qualquer circunstância e em que medida se aplica o enunciado constante do § 1º do art. 5º da Carta Constitucional. Há diversos posicionamentos relativos ao assunto. Ferreira Filho (1998) entende que o mencionado § 1º do art. 5º da CF não tem o condão de alterar a “natureza” das coisas, ou seja, que nem toda norma de direito fundamental tem aplicabilidade imediata. O constitucionalista embasa seu entendimento na previsão normativa do Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI) e na ADIN por omissão (art. 103, § 2º). Tais Direitos e garantias fundamentais e aplicabilidade imediata remédios jurídicos constituiriam sintomas de que o constituinte originário já previa que dados direitos fundamentais iriam depender de normatização ordinária.  

Nessa linha, para Ferreira Filho (1988), afigura-se impraticável conferir-se aplicabilidade imediata a normas constitucionais que dependam de regulamentação da lei ordinária. Para ele, há normas constitucionais que não são auto-aplicáveis, motivo pelo qual o próprio constituinte inseriu os mecanismos para suprir as omissões legislativas – o Mandado de Injunção e a ADIN por omissão. Assim, o doutrinador distingue as normas autoexecutáveis em duas categorias: “bastantes em si” e “não bastantes em si”.  Em sua argumentação, Ferreira Filho (1988) defende que somente teriam aplicação imediata normas completas, que se bastam. Nessa linha, a função do § 1º do art. 5º seria, em conjunto com o Mandado de Injunção e com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por  omissão, “impedir que os direitos fundamentais permaneçam letra morta no texto da Constituição”. 

Já a interpretação proposta por Eros Grau (1997) sugere que os direitos fundamentais  têm aplicabilidade imediata em toda e qualquer situação, independentemente da atuação legislativa ou administrativa. Tal interpretação atribui ao § 1º do artigo 5º da Constituição força máximaDeste modo, as normas configuradoras de direitos e garantias fundamentais teriam imediata exequibilidade e máximo alcance, a despeito de eventual existência de qualquer lacuna ou até mesmo de referência a uma complementação legislativa. Para o doutrinador:  

O dever de aplicação imediata autoriza o Poder Judiciário a suprir, no caso concreto, lacunas (falta de norma legislativa ou medida administrativa) que obstaculizam a exequibilidade imediata de direito ou garantia fundamental; autoriza o Poder Judiciário a ‘inovar o ordenamento jurídico’, a ‘produzir direito’, se necessário for (GRAU, 1997, p. 312-324). 

Em outra mão, numa interpretação que se localiza em um meio termo, Celso Ribeiro Bastos (1989) entende que as normas que definem direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, na medida do possível. Nesse sentido, a aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais seria a regra, que teria duas exceções: a) quando a própria Constituição previr a complementação legislativa; b) no caso de a aplicação imediata da garantia importar em transformar o juiz em legislador (BASTOS, 1989, p.392-393). Acompanhando essa última posição, Silva (1998. p.165) entende que os direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata até onde possam, o que significa dizer que, são efetivos desde que as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Nas palavras do doutrinador: 

A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do direito positivo. A Constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Mas certo é que isso não resolve todas as questões, porque a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto que as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma legislação integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais (SILVA, 1996, p.178-179). 

Outra posição é a defendida por Sarlet (1998, p.49), para quem os termos do preceito do § 1º do art. 5º contêm norma de caráter principiológico, ou seja, trata-se de princípio cuja aplicação pressupõe um mandado de otimização. Para ele, aos Poderes Públicos é dado atribuir a máxima eficácia possível aos direitos e garantias fundamentais, visto que o § 1º do art. 5º contém uma presunção de aplicabilidade imediata que somente poderá ser afastada na hipótese de expressa justificativa para tal. Para Sarlet: "(...) os direitos fundamentais possuem, relativamente às demais normas constitucionais, maior aplicabilidade e eficácia, o que, por outro lado (...) não significa que mesmo dentre os direitos fundamentais não possam existir distinções no que concerne à graduação desta aplicabilidade e eficácia, dependendo da forma de positivação, do objeto e da função que cada preceito desempenha." (SARLET, 1998, p.49). 

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Sarlet (1998) adota a concepção de princípio constitucional como mandado de otimização, nos termos defendidos por Robert Alexy, e tenta conciliar duas visões que parecem contraditórias: a de que o § 1º do art. 5º obriga que as normas de direitos e garantias fundamentais tenham aplicabilidade imediata, e a de que ditas normas são aplicadas obedecendo-se a uma graduação, em virtude das características específicas de que se reveste cada direito ou garantia fundamental. 

 Na concepção brasileira, em termos dogmáticos, o dispositivo do § 1º do art. 5º leva ao entendimento de que normas definidoras de direitos e garantias fundamentais não são meras normas programáticas ou que originam outras normas, ao contrário, geram direitos subjetivos, concretos e autônomos de aplicação direta. Nessa linha, configuram normas de aplicação atual, independem de critérios de oportunidade e conveniência dos Poderes Públicos. Ademais, constituem normas de estatura superior, por se derivarem da própria Constituição, isto é, contam com a vinculação inafastável e imediata dos Poderes Públicos.  

Dessa forma, remanesce o seguinte questionamento: diante do § 1º do art. 5º da CF/88,  toda e qualquer norma de direito fundamental tem aplicação imediata sempre e em qualquer  situação?  

A resposta a essa questão depende de uma determinada análise da conjuntura jurídico constitucional. Assim, há que se atentar para a norma do inciso LXXI do art. 5º da Carta, a qual apregoa caber o Mandado de Injunção ante a falta de norma regulamentadora passível de tornar inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à  nacionalidade, à soberania e à cidadania. Outra questão é atinente à previsão constitucional do § 2º do art. 103, que prevê a ADIN por omissão.  

Ambos os dispositivos, tanto o Mandado de Injunção quanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão levam o intérprete a crer que a própria Constituição brasileira previu a hipótese de normas configuradoras de direitos e garantias fundamentais não serem passíveis de ser concretizadas de forma imediata. Ademais, há normas cuja plenitude de efeitos depende necessariamente de atuação legislativa.  

Ressalte-se, entretanto, que, ainda que se trate de preceito de direito fundamental que requeira intervenção legislativa ou condições materiais mínimas, isso não significa que nessa hipótese não incida a aplicabilidade imediata, a qual continua passível de ser invocada para diversas finalidades, entre as quais: declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, anular ato administrativo, bem como anular ou reformar decisão judicial em desacordo com o preceito.  

Nessa linha, outra não pode ser a interpretação senão aquela que reza que toda norma de direito constitucional tem eficácia, variando apenas o grau de eficácia. Acorde com essa interpretação há uma teoria bastante interessante, que entende que  todos  os direitos fundamentais são constituídos de “feixes de posição”. Para tal teoria, há o  direito fundamental completo (ALEXY, 2008), constituído de diversas posições jurídicas ou  “feixes”.

Significa dizer que, muito embora determinada posição relativa de um direito  fundamental dependa necessariamente de intervenção legislativa, outras posições jurídicas do  mesmo direito fundamental são passíveis de contar com a aplicabilidade imediata.  

Nesse sentido, a aplicabilidade imediata garante que dada ou dadas posições jurídicas que constituem um direito fundamental sejam concretizadas na atualidade, o que não contradiz a acepção que admite a hipótese de uma outra posição jurídica do mesmo direito não contar com a aplicação imediata por depender de intervenção legislativa. Assim, todos os direitos e garantias  fundamentais contam com aplicabilidade imediata ao menos de algumas posições jurídicas,  sendo que a aplicabilidade total do direito, com efeito pleno, às vezes dependerá da lei regulamentadora. Há que se considerar, ainda, que na aplicação dos direitos fundamentais há sempre um  juízo de ponderação, ou seja, no dizer de ALEXY (2008):  Os direitos fundamentais, todos eles, quando constitucionalmente consagrados são, por natureza, imanentemente dotados de uma reserva geral de ponderação que tem precisamente aquele sentido: independentemente da  forma e força constitucional que lhes são atribuídas, eles podem ceder perante a maior força ou peso que apresentam, no caso concreto, os direitos, bens, princípios ou interesses de sentido contrário (ALEXY, 2008, p.248253). 

Exemplo concreto bastante emblemático é a colisão que normalmente se observa entre  o direito fundamental à intimidade em contraposição à liberdade de expressão. Muito embora o  primeiro configure norma de direito fundamental, cuja aplicabilidade imediata é garantida pela  própria Constituição Federal, sua aplicação é restringida pelo âmbito de aplicação do direito à  intimidade, em um juízo de ponderação.  

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Sobre a autora
Marilene Carneiro Matos

Advogada, Formada pela Universidade de Brasília, Pós-Graduada em Direito Constitucional e Processual Civil, Mestra em Direito Constitucional pelo IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público. Assessora Jurídica da Primeira Vice-Presidência da Câmara dos Deputados. Advogada com Área de Atuação em Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Marilene Carneiro. Direitos e garantias fundamentais e aplicabilidade imediata. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5585, 16 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67138. Acesso em: 5 mai. 2024.

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