Capa da publicação A solidariedade como direito fundamental
Artigo Destaque dos editores

A histórica aplicação do princípio da solidariedade como direito humano na Constituição Federal de 1988

Exibindo página 2 de 3
04/05/2019 às 14:10
Leia nesta página:

3 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE COMO DIREITOS HUMANOS IMPLEMENTADO EM CONSTITUIÇÕES ESTRANGEIRAS HISTÓRICAS

Neste capítulo, será discorrido sobre o princípio da solidariedade na qualidade de direitos humanos em constituições federais históricas, assim como suas contribuições tanto em matéria de solidariedade como direitos humanos e da concretização daquele princípio no plano social. Vale salientar que não se visa aqui fazer um comparativo de qual é a melhor constituição federal.

3.1 O Princípio da Solidariedade na Constituição Mexicana de 1917

  A Constituição do México configura o reconhecimento das reivindicações da Revolução Mexicana, iniciada em 1910. Representa a vitória da reivindicação do maciço número de camponeses pobres do País, que por muitos anos tiveram seus direitos violados ou negligenciados pelo Estado, que na época era uma Ditadura governada por um militar, Porfírio Diaz.   

A Constituição Mexicana de 1917 foi a primeira a assumir no rol das garantias constitucionais um conjunto de regras voltadas para a proteção do ser humano, no sentido de coletividade.

Diversos juristas reconhecem a Constituição mexicana de 1917 como a primeira do planeta a garantir os direitos sociais aos trabalhadores, juntamente com as liberdades individuais e políticas. (CASABONA, 2007)

Realmente, a Carta Mexicana é um marco para os direitos humanos a nível mundial, pois consagrou os direitos que a população majoritariamente pobre do País tanto aspirava.

Dentre os vários direitos humanos da primeira dimensão, CASABONA (2007) destaca os seguintes: proibição da escravidão (art. 2º); igualdade entre os sexos (art. 4º); liberdade de expressão e de informação (art. 6º); vedação à censura prévia (art. 7º); direito de petição (art. 8º); liberdade de reunião e de associação (art. 9º); direito à livre circulação (art. 11); princípio do juiz natural e proibição de juízo de exceção (art. 13); irretroatividade das leis (art. 14); devido processo legal (art. 14, § 1º); legalidade em matéria penal (art. 14, § 2º).

Já os direitos e garantias de segunda dimensão se encontram principalmente no artigo 27 (questão agrária no México, a propriedade da nação relativamente às terras e águas, a possibilidade de desapropriação de terras por utilidade pública, mediante indenização, a proteção da pequena propriedade) e artigo 123 (direito ao emprego e correlata obrigação do Estado de promover a criação de postos de trabalho; jornada de trabalho máxima de 8 (oito) horas; jornada noturna de 6 (seis) horas; proibição do trabalho aos menores de 14 e jornada máxima de 6 (seis) horas aos maiores de 14 e menores de 16; um dia de descanso para cada 6 dias trabalhados; direitos das gestantes; salário mínimo digno. (CASABONA 2007)

Por sua vez, os direitos de terceira geração estão no artigo 25 (trata sobre a intervenção do Estado no domínio econômico, dispõe que os setores sociais e privados da economia sujeitam-se aos interesses públicos e ao uso, em benefício geral, dos recursos produtivos) e no artigo 27 (está disciplinada a reforma agrária e o modo de organização dos assentamentos. (CASABONA 2007)

De fato, a Constituição do México de 1917 inovou no cenário mundial, adotando pioneirismo que refletiu na Europa, uma vez que positivou os direitos de primeira até terceira geração, sendo que também os uniu de forma recíproca mútua influência com outros direitos fundamentais.

3.2 O Princípio da Solidariedade na Constituição Alemã de 1919

A Constituição Alemã de Weimar, cidade da Alemanha em que foi promulgada, nasceu de forma parecida com a mexicana, em um período de intensas perturbações sociais, pois surgiu logo após a Primeira Guerra Mundial, sendo que o País foi um dos perdedores. Isto acarretou na diminuição da qualidade de vida de sua população, que sofreu pela fome e superinflação de sua moeda. Ou seja, o poder de compra das famílias era ínfimo.

Neste cenário de pobreza, o sistema capitalista mostrava-se impotente para reerguer a economia. Após o Tratado de Versalhes, o governo da Alemanha encontrava-se em frangalhos, pois teve de pagar uma robusta indenização aos vencedores da guerra e outras concessões humilhantes.

Esta situação alarmante fez o País cair nas mãos de socialistas, integrantes do Partido Social Democrático, por isso a nova constituição representava uma nova coalizão de socialistas centristas católicos e liberais democratas. (MOTTA DA SILVA, 200?)

A nova Constituição Alemã de 1919 era dividida em dois livros. O primeiro livro, relativo à "Estrutura e Fins da República", já o segundo, relacionado aos "Direitos e Deveres Fundamentais do Cidadão Alemão". (CASABONA, 2007)

Mas, a referida carta possuía uma contradição entre os dois livros, que estabeleciam uma organização liberal de Estado, de um lado, e conferiam direitos de natureza socialista de outro.

De primeiro plano, foi incluído um extenso rol de direitos fundamentais de primeira dimensão, sendo os principais: direito à igualdade; igualdade cívica entre homens e mulheres; direito à nacionalidade; liberdade de circulação no território e para fora dele; inviolabilidade de domicílio. (CASABONA, 2007)

Entre os direitos de segunda dimensão, que conferem não só caráter social à Constituição de Weimar, mas também está incluído o princípio da solidariedade, que se encontra implícito no conjunto dos dispositivos: proteção e assistência à maternidade; direito à educação da prole; proteção moral, espiritual e corporal à juventude; direito à pensão para família em caso de falecimento e direito à aposentadoria, em tema de servidor público. (CASABONA, 2007)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Interessante destacar que existe um único artigo que contempla direitos fundamentais de terceira dimensão, ao dispor sobre os monumentos de arte, históricos e naturais, bem como a paisagem, gozam da proteção e incentivo estatais. (CASABONA, 2007)

Nesta senda, pode-se dizer que a solidariedade na Constituição de Weimar (1919) é mais evidente e incisiva do que na Constituição Mexicana (1917), pois nela está previsto, além dos direitos de primeira a terceira geração, o princípio da solidariedade.

Destaca-se, entre eles, o avançado sistema de educação pública, obrigatória e gratuita, que previa a gratuidade do material escolar para famílias carentes, possibilitando para que seus filhos pudessem ir à escola. (CASABONA, 2007)

Existe evolução na proteção dos direitos humanos na Constituição de Weimar, pois vários direitos sociais (segunda dimensão), passam a exigir para sua efetivação a solidariedade entre grupos humanos e entre os indivíduos, passando a forma de direito à fraternidade (terceira dimensão).

3.3 O Princípio da Solidariedade nas Constituições Francesas

Os três princípios fundamentais de direitos humanos são a liberdade, a igualdade e a fraternidade, que têm sua formação histórica devida à Revolução Francesa, revolta do Terceiro Estado (burgueses e quem não fazia parte da nobreza e clero) que tomou o poder da nação, que se encontrava nas mãos do Segundo Estado (nobreza) e Primeiro Estado (clero). Todavia, os primeiros textos constitucionais só mencionavam os valores liberdade e igualdade. A consagração oficial da fraternidade (solidariedade) em textos jurídicos só se fez tardiamente.

Na Constituição Francesa de 1793, a solidariedade não é mencionada, mas é implícita. Contudo, na Constituição de 1795, pela primeira vez, aparecem, além dos direitos do homem, os deveres de não fazer ao outro o que não gostaria que fosse feito a você e fazer ao outro o que gostaria de receber (CASABONA, 2007). Aqui estaria a atuação da solidariedade, como uma obrigação de poder e dever para com os outros. É a primeira vez que uma lei tem força de comanda com relação à aplicação da solidariedade em sociedade.

Em 1848, quando da redação da nova Constituição Francesa, o lema "liberdade, igualdade, fraternidade" foi definido como um princípio fundamental da República. (CASABONA, 2007)

A Constituição Francesa de 1946 reafirma solenemente os direitos e liberdades do homem e do cidadão consagrados pela Declaração de Direitos de 1789 e, indiretamente, faz menção ao direito de fraternidade, quando menciona reconhecer os princípios fundamentais da república. (CASABONA, 2007)

Por fim, é cediço que os três princípios da Revolução Francesa revolucionaram o direito humano no mundo, tendo em vista que influenciou não somente a constituição, mas também a bandeira de muitos países que conseguiram a independência e herdaram a força normativa dos direitos fundamentais e da solidariedade.

3.4 A Constituição Italiana de 1948

Outro texto constitucional importante para o estudo do princípio solidariedade é a Constituição italiana de 1948, não podendo se estudar o referido princípio sem mencionar a Constituição daquele País. Isto se deve ao fato de a Carta ter exalado mais o princípio da solidariedade muito mais do que outras constituições. (CASABONA, 2007)

Nesse contexto, a solidariedade é um dever público constitucional, que deve permanecer sempre como garantia de unidade coletivo, mesmo diante de diferentes visões políticas. Outrossim, o princípio da solidariedade é um parâmetro de avaliação das leis ordinárias. (SACCHETTO, 2005)

SACCHETTO (2005, p. 14), analisa, ao estudar o artigo 2º da Constituição italiana, que “a solidariedade se coloca como critério de avaliação primária para o legislador ao decidir se os interesses que irá regular devem ser entregues à autonomia privada ou a disciplina de natureza pública. ”

Importante dizer que, na Constituição italiana, a solidariedade é um princípio de valor constitucional. Neste aspecto, é diferente a proteção dos direitos sociais na Itália com relação dos Estados Unidos e da Inglaterra, pois a referida proteção é confiada à lei ordinária e, em razão disto, pode ser alterada dependendo do posicionamento de quem está no poder. (CASABONA, 2007)

O tema da solidariedade na Constituição italiana está mergulhado em juízos de valor, pois os patres conscripti (senadores) que a redigiram propunham precisamente criar um modelo de Estado republicano fundado em valores sociais e morais, direitos fundamentais do indivíduo e os valores da socialidade e da solidariedade. (CASABONA, 2007)

Convém notar que, na Constituição Italiana (1948), a expressão é utilizada como dever e não apenas como um direito, e nisto diverge da Francesa (1946). (CASABONA, 2007)

Importante ressaltar que, na Carta Constitucional italiana, os deveres públicos colocam-se em estreita correlação aos direitos, dos quais representam a exata contraposição. Ou seja, apesar de o indivíduo ser dotado de direitos, ele também possui deveres para com sua sociedade e no Estado em que vive.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ricardo Werner Friedrich

Graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e advogado atuante na Comarca de Santa Cruz do Sul/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDRICH, Ricardo Werner. A histórica aplicação do princípio da solidariedade como direito humano na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5785, 4 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68109. Acesso em: 3 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos