Se Maquiavel vivesse no Brasil, em 2018...

10/08/2018 às 15:53
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O que nos diria?

É uma complexa reflexão, que deixaria Nicolau Maquiavel complexado: como seria o Famoso livro O Príncipe – do criador da Ciência Política nos anos 1500 – se vivesse no Brasil, de 2018?

Antes do próprio Príncipe, é possível que Maquiavel não escrevesse A Mandrágora – uma novela em verso em que prega a Prudência. Talvez também não fizesse Discursos (outro livro) sobre a República. Na Arte da Guerra é provável que investisse com mais virulência – até pensando no fascismo renitente, em Trump e nas Fake News.

No cenário global da política, teria de formular algumas recomendações do “que-fazer” diante de empresas multinacionais que já têm o valor nominal na casa do trilhão de dólares. Que soberania estatal resiste ao tamanho deste capital?

Enfim, em seu Príncipe pós-moderno, teria que se haver com a tal cordialidade e com o jeitinho brasileiro. Se fosse emprestar a personagem Calímaco (de A Mandrágora), diria, por exemplo – como ouvimos em grupos nazi-fascistas de periferia e nos grandes centros: “o racismo foi inventando pelos negros”; “o escravo não trouxe nada para a cultura brasileira”; “somos a herança branca, da cultura judaico-cristã”. Imaginemos um João Grilo racista...

Porém, talvez por essas bandas tupiniquins dissesse com todas as letras: “os fins justificam os meios”. Pode ser que tenha dito ou ditado isso para alguém, mas o florentino não deixou papel escrito com esses nobres dizeres a respeito da política.

Em contexto bem mais amplo, já imerso nos séculos que lhe advieram, Maquiavel teria de se pautar, talvez ainda mais incisivamente, sobre o “fazer-política”. Mas, a tarefa não seria fácil.

Mesmo definir o que é política, no contexto do século XXI – e especificamente no Brasil de 2018 –, requer elaborações mais sofisticadas do que no período do Renascimento. O que diria do Golpe de 2016?

Uma das possibilidades, com a anuência de Maquiavel ("o objetivo da política é conquistar e manter o poder"), seguiria a máxima do campeonato brasileiro: "é duro chegar à liderança, mas é muito mais difícil manter-se por lá".

Em exemplo mais conceitual, certamente perguntaria: onde andará a “virtù” no século XXI? A nobre arte de dominar (governar) com vigor – porque a política não é para santos –, astúcia e prudência parece perdida.

No entanto, diferentemente do que se pode depreender das lições d’O Príncipe, poderíamos pensar a política como a arte de dirigir, organizar e dominar. Contudo, dependeria do fluxo histórico, se mais conservador ou revolucionário. Assim, a política poderia implicar em dominação ou só administração/organização da vida social.

A política como dominação é um evento histórico e implica na presença do Estado e do direito positivo – e o Estado pode ser extinto. Por outro lado, a política como administração das coisas, obviamente, é algo permanente na vida social humana.

Enfim, mais para embaralhar as cartas do jogo ou diante das imensas dificuldades atuais em se administrar o xadrez político, entre reis e peões, ainda teria de enfrentar a apatia, o desinteresse popular pela política, a começar pela confusão não ocasional entre política e polícia.

Neste caso, como explicaria o fato de que tantos policiais, em 2018, enfileiram-se na disputa política? Como iria avaliar a intervenção federal no Rio de Janeiro, e a dominação territorial feita por milicianos – milícias essas formadas, prioritariamente, por ex-policiais, ex-bombeiros, ex-militares?

O que o florentino diria ao saber que o assassinato da Vereadora Marielle, no Rio de Janeiro, obedeceu ordens de influentes e poderosos políticos locais e que esteve sob a execução de milicianos com treinamento de Forças Especiais?

Ironicamente, em A Arte da Guerra, ao analisar a necessidade de organizar a milícia, naquele momento um tipo de exército próprio e organizado, Maquiavel relaciona o poder político ao poder militar. Aqui acertaria em cheio, ainda que na contramão.

Maquiavel ainda teria de enfrentar o desafio de explicar os Donos do Poder. Esses, aliás, nem sabemos muito bem onde estão; pois, não é raro que deem lances decisivos na política nacional bafejando suas vontades lá do exterior.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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