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A finalidade do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade

22/06/2005 às 00:00
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No STF, o amicus curiae vem sendo prestigiado, culminando na Emenda Regimental nº 15/2004, que regulamentou a possibilidade de sustentação oral nos julgamentos de ADI e ADC, além de na ADPF, como previsto na Lei nº 9.882/99.

            O controle concentrado de constitucionalidade (1) desenvolve-se em um processo tipicamente objetivo, cuja caracterização foi paulatinamente construída pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

            O processo objetivo, na dicção que foi a ele conferida pelo Supremo Tribunal Federal (2), denota-se pelo seu escopo de defesa da Constituição e de manutenção da ordem constitucional, o que pressupõe a inexistência de interesses subjetivos deduzidos à lide e a ausência de partes propriamente ditas.

            Associadas a esse caráter objetivo está a legitimação restrita aos entes indicados no rol do art. 103 da Constituição Federal e a eficácia erga omnes das decisões proferidas no exercício do controle concentrado de constitucionalidade. A rigor, o controle de constitucionalidade da lei em tese mais se aproxima de um controle político, que de uma prestação jurisdicional pura e simples (3).

            De fato, a Constituição de 1988 ampliou o rol dos entes legitimados para o desencadeamento do controle concentrado de constitucionalidade. Contudo, o acesso limitado à jurisdição constitucional (o que restringe o debate constitucional às manifestações dos proponentes e demais partes constitucionalmente autorizadas), somado à eficácia erga omnes das decisões proferidas, acaba por gerar um déficit de legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal, proferidas em sede de controle abstrato. A necessidade de superação desse déficit contribui para o crescente alargamento da participação dos amici curiae na via abstrata de controle da constitucionalidade.

            Observe-se o que Edgar Silveira Bueno Filho colaciona a respeito:

            "(...) E, havendo dúvida sobre a constitucionalidade, é necessária, para garantir a segurança jurídica e a coerência do sistema, a solução do conflito. Se determinado ato normativo provoca dúvidas quanto a esse importante aspecto de sua validade, a ponto de justificar a movimentação das pessoas constitucionalmente designadas para exercer o processo de controle, nada melhor do que esmiuçá-lo, de forma exaustiva, de modo a se obter uma decisão mais segura e completa possível.

            Em outras palavras, a decisão proferida na atividade de controle da constitucionalidade deve ter sido precedida de exame exaustivo do ato normativo suspeito, de forma a mostrar aos jurisdicionados a sua conformidade ou desconformidade com a Constituição, espancando toda e qualquer dúvida suscitada.

            Não é por outra razão que o juiz norte-americano e presidente da Suprema Corte, num dos períodos mais férteis da atividade jurisdicional, advertiu: ‘Um tribunal que é final e irrecorrível precisa de escrutínio mais cuidadoso que qualquer outro. Poder irrecorrível é o mais apto para auto-satisfazer-se e o menos apto para engajar-se em imparciais auto-análises. Em um país como o nosso, nenhuma instituição pública ou o pessoal que o opera pode estar acima do debate público’. (Warren E. Burger,U.S. Chief Justice)

            No entanto, esse amplo debate público dos temas constitucionais era difícil de se obter, pois a discussão no processo de ADIn ou ADC era restrita ao autor da ação e demais pessoas designadas para dela participar pelo texto constitucional (Advogado-Geral da União, Procurador-Geral da República e representante do órgão ou entidade que produziu o ato normativo).

            Atenta ou não a isso, a recente Lei n. 9.868, de 10 de novembro de1999, introduziu novidades de grande importância para o aperfeiçoamento do processo de controle abstrato da constitucionalidade. Destaque-se, dentre elas, a do § 2º do art. 7º da Lei n. 9.868/99. Com efeito, apesar de o caput não admitir a intervenção de terceiros, o referido § 2º criou uma exceção à regra, de modo a permitir a manifestação de órgãos ou entidades, desde que os postulantes demonstrem a sua representatividade e a relevância da matéria. Este último dispositivo serviu para a consagração da presença do amicus curiae no processo de controle da constitucionalidade.(...)." (4) (destaques atuais)

            No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a figura do amicus curiae vem sendo largamente prestigiado e encontrando crescente guarida, que culminou, recentemente, na Emenda Regimental nº 15 (5), de 30.3.2004, que regulamentou a produção de sustentação oral pelo amicus curiae, nos julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs). Até então, essa prerrogativa era franqueada aos amici curiae, apenas, nos julgamentos de argüições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), tendo em vista a autorização expressa da Lei nº 9.882/99.

            O voto do Exmo. Sr. Min. Celso de Mello, no julgamento da ADI nº 2.777-8, em 26.11.2003, fixou a perspectiva a partir da qual a intervenção do amicus curiae passou a ser interpretada no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

            Naquela assentada, o eminente Ministro Celso de Mello destacou que não se pode perder de vista a IDÉIA NUCLEAR que anima os propósitos teleológicos da participação do amicus curiae, a saber, a PLURALIZAÇÃO DO DEBATE CONSTITUCIONAL, que permite ao Supremo Tribunal Federal dispor de todos os elementos informativos POSSÍVEIS e necessários à resolução da controvérsia.

            Nos dizeres do Min. Celso de Mello, a referida abertura procedimental visa, ainda, à superação da grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas pelo Supremo Tribunal Federal, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade.

            Mais adiante, Celso de Mello traz à lume o magistério de Gilmar Ferreira Mendes, Relator da presente ADPF, cuja transcrição mostra-se oportuna para a compreensão da exata dimensão do papel exercido pelo amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade:

            "(...)

            Tenho presente, neste ponto, o magistério do eminente Ministro GILMAR MENDES ("Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade", p. 503/504, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor), expendido em passagem na qual põe em destaque o entendimento de PETER HÄBERLE, segundo o qual o Tribunal ‘há de desempenhar um papel de intermediário ou de mediador entre as diferentes forças com legitimação no processo constitucional’ (p. 498), em ordem a pluralizar, em abordagem que deriva da abertura material da Constituição, o próprio debate em torno da controvérsia constitucional, conferindo-se, desse modo, expressão real e efetiva ao princípio democrático, sob pena de se instaurar, no âmbito do controle normativo abstrato, um indesejável ‘DEFICIT’ DE LEGITIMIDADE DAS DECISÕES QUE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VENHA A PRONUNCIAR NO EXERCÍCIO, ‘IN ABSTRACTO’, DOS PODERES INERENTES À JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL.

            Daí, segundo entendo, A NECESSIDADE DE ASSEGURAR, AO "AMICUS CURIAE", MAIS DO QUE O SIMPLES INGRESSO FORMAL NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE, a possibilidade de exercer a prerrogativa da sustentação oral perante esta Suprema Corte.

            Cumpre rememorar, nesta passagem, a irrepreensível observação de nosso eminente colega, Ministro GILMAR MENDES, no fragmento doutrinário já referido, constante de sua valiosíssima produção acadêmica, em que expõe considerações de irrecusável pertinência em tema de intervenção processual do ‘amicus curiae’ (op. loc. cit.):

            ‘Vê-se, assim, que, enquanto órgão de composição de conflitos políticos, passa a Corte Constitucional a constituir-se em elemento fundamental de uma sociedade pluralista, atuando como fator de estabilização indispensável ao próprio sistema democrático.

            É claro que a Corte Constitucional não pode olvidar a sua ambivalência democrática. Ainda que se deva reconhecer a legitimação democrática dos juízes, decorrente do complexo processo de escolha e de nomeação, e que a sua independência constitui requisito indispensável para o exercício de seu mister, não se pode deixar de enfatizar que aqui também reside aquilo que Grimm denominou de ´´RISCO DEMOCRÁTICO´´ (...).

            Essas singularidades demonstram que a Corte Constitucional não está livre do perigo de converter uma vantagem democrática num eventual risco para a democracia.

            Assim como a atuação da jurisdição constitucional pode contribuir para reforçar a legitimidade do sistema, permitindo a renovação do processo político com o reconhecimento dos direitos de novos ou pequenos grupos e com a inauguração de reformas sociais, pode ela também bloquear o desenvolvimento constitucional do País. (...)

            O equilíbrio instável que se verifica e que parece constituir o autêntico problema da jurisdição constitucional na democracia afigura-se necessário e inevitável. TODO O ESFORÇO QUE SE HÁ DE FAZER É, POIS, NO SENTIDO DE PRESERVAR O EQUILÍBRIO E EVITAR DISFUNÇÕES.

            Em plena compatibilidade com essa orientação, Häberle não só defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma ABERTURA HERMENÊUTICA QUE POSSIBILITE A ESTA MINORIA O OFERECIMENTO DE ´´ALTERNATIVAS´´ PARA A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. Häberle esforça-se por demonstrar que a interpretação constitucional não é - nem deve ser - um evento exclusivamente estatal. Tanto o cidadão que interpõe um recurso constitucional, quanto o partido político que impugna uma decisão legislativa são intérpretes da Constituição. Por outro lado, é a inserção da Corte no espaço pluralista - ressalta Häberle - que evita distorções que poderiam advir da independência do juiz e de sua estrita vinculação à lei.

            Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo sobre o tema (‘Un´´Amicizia Interessata: L´´amicus curiae Davanti Alla Corte Suprema Degli Stati Uniti’, in ‘Giurisprudenza Costituzionale’, Fasc. 6, nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffré), a admissão do terceiro, na condição de ‘amicus curiae’, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize a possibilidade de participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.

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            Essa percepção do tema foi lucidamente exposta pelo eminente Professor INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO (‘As Idéias de Peter Häberle e a Abertura da Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro’, in RDA 211/125-134, 133):

            ‘Admitida, pela forma indicada, a presença do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, não apenas se reitera a impessoalidade da questão constitucional, como também se evidencia que O DESLINDE DESSE TIPO DE CONTROVÉRSIA INTERESSA OBJETIVAMENTE A TODOS OS INDIVÍDUOS E GRUPOS SOCIAIS, ATÉ PORQUE AO ESCLARECER O SENTIDO DA CARTA POLÍTICA, AS CORTES CONSTITUCIONAIS, DE CERTA MANEIRA, ACABAM REESCREVENDO AS CONSTITUIÇÕES.’

            Presente esse contexto, e consideradas as razões expostas, entendo que a atuação processual do ‘amicus curiae’ não deve limitar-se à mera apresentação de memoriais ou à prestação eventual de informações que lhe venham a ser solicitadas.

            ESSA VISÃO DO PROBLEMA - QUE RESTRINGISSE A EXTENSÃO DOS PODERES PROCESSUAIS DO ‘COLABORADOR DO TRIBUNAL’ - CULMINARIA POR FAZER PREVALECER, NA MATÉRIA, UMA INCOMPREENSÍVEL PERSPECTIVA REDUCIONISTA, QUE NÃO PODE (NEM DEVE) SER ACEITA POR ESTA CORTE, SOB PENA DE TOTAL FRUSTRAÇÃO DOS ALTOS OBJETIVOS POLÍTICOS, SOCIAIS E JURÍDICOS VISADOS PELO LEGISLADOR NA POSITIVAÇÃO DA CLÁUSULA QUE, AGORA, ADMITE O FORMAL INGRESSO DO "AMICUS CURIAE" NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE.

            Cumpre permitir, desse modo, ao "amicus curiae", em extensão maior, o exercício de determinados poderes processuais, como aquele consistente no direito de proceder à sustentação oral das razões que justificaram a sua admissão formal na causa.

            Tenho para mim, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que o ‘amicus curiae’ poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo - como o de controle abstrato de constitucionalidade - cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância, de indiscutível magnitude e de inquestionável significação para a vida do País e a de seus cidadãos. (...)" (6) (grifos atuais)

            Nas ADPFs a intervenção de terceiros na qualidade de amicus curiae encontra previsão no § 2º do art. 7º da Lei nº 9.882/99. Não é preciso realçar que, nas ADPFs, a participação do amicus curiae cumpre a mesma função desempenhada nas ADIs e ADCs, qual seja, a de pluralizar o debate constitucional, conferindo fator de legitimação às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no exercício desse mister.

            Nesse sentido, anota o Min. Gilmar Mendes, acerca da abertura procedimental propiciada pela figura do amicus curiae, nos processos de ADPF:

            "O instituto em questão, de longa tradição no direito americano, VISA A UM OBJETIVO DOS MAIS RELEVANTES: VIABILIZAR A PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DE INTERESSADOS E AFETADOS PELAS DECISÕES TOMADAS NO ÂMBITO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. COMO HÁ FACILMENTE DE SE PERCEBER, TRATA-SE DE MEDIDA CONCRETIZADORA DO PRINCÍPIO DO PLURALISMO DEMOCRÁTICO QUE REGE A ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA.

            Para além disso, o dispositivo em questão acaba por ensejar a possibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações." (7) (destaques atuais)

            Nesse ponto, afigura-se útil destacar as nuanças que distinguem o trato legislativo da figura do amicus curiae nos processos de ADI e ADC (Lei nº 9.868/99) e nas ADPFs (Lei nº 9.882/99). Com esse objetivo, transcreve-se, na tabela abaixo, os dispositivos que autorizam a participação do amicus curiae nas ADI e ADC e na ADPF, respectivamente:

            LEI Nº 9.868/99

            LEI Nº 9.882/99

            Art. 7º - Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

            § 1º (VETADO)

            § 2º - O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

            Art. 6º - Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias. (...)

            § 2º - Poderão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo.

            Em ambos os dispositivos inexiste previsão legal de prazo para o ingresso do amicus curiae.

            No caso das ADI e ADC há vedação expressa à intervenção de terceiros – ainda que, mais adiante, a lei oportunize o acesso ao amicus curiaejá na hipótese da ADPF, não há norma expressa de vedação.

            Nas ADI e ADC os critérios da relevância da matéria e representatividade do postulante serão determinantes, na ADPF, a admissão do amicus curiae é viabilizada aos interessados no processo, ficando sujeita ao critério do relator.

            Nas ADI e ADC o despacho do relator, que não admite o ingresso do amicus curiae, é irrecorrível, nas ADPFs não.

            A sustentação oral do amicus curiae já era oportunizada no julgamento das ADPFs, sendo que, nas ADIs e ADCs, o exercício da referida prerrogativa decorreu de construção jurisprudencial dessa Excelsa Corte.

            Verifica-se, nesse compasso, que a Lei nº 9.868/99 conferiu à figura do amicus curiae um tratamento marcadamente mais rigoroso do que é dispensado pela Lei nº 9.882/99, tendo em vista o caráter puramente objetivo dos processos de ADI e ADC.

            Esse caráter rigorosamente objetivo nem sempre se mostra presente nas ADPFs, especialmente em sua modalidade incidental, na qual interesses objetivo (preservação da ordem constitucional vigente) e subjetivo (solução de questão constitucional incidente, já deduzida em juízo) fundem-se para desencadear um processo de controle abstrato sui generis, haja vista o seu nascedouro em processos subjetivos, a envolver situações concretas. A duplicidade de interesses, ainda quando prevalente o interesse objetivo, compromete a natureza estritamente objetiva do processo de ADPF.

            Somadas, as referidas distinções desautorizam a aplicação analógica, pura e simples, das disposições e regramentos inerentes ao procedimento das ADI e ADC, previstos na Lei nº 9.868/99, ao procedimento da ADPF, objeto de regramento próprio e específico pela Lei nº 9.882/99.

            Fixadas as premissas interpretativas, a partir das quais deverá incidir o juízo do relator do processo, no que diz respeito à oportunidade do ingresso do amicus curiae, há de se perquirir acerca do bem a tutelar com a admissão ou negativa do referido ingresso no feito.

            A conveniência do ingresso do amicus curiae no processo de controle concentrado de constitucionalidade, especialmente na ADPF, se mostrará presente sempre que a sua participação reverter-se na ampliação e no enriquecimento do debate acerca da questão constitucional controvertida. Logo, a referida intervenção legitima-se nas razões que a tornem útil e desejável, de forma a proporcionar meios que viabilizem a adequada solução do litígio.

            Se, de um lado, impera a necessidade do hábil desenvolvimento do processo, sem incidentes que o tumultuem, de outro, exsurge a democratização e pluralização do controle abstrato de constitucionalidade, subjacente ao ingresso de terceiros interessados no processo.

            Em se contrapondo o adiantado estágio da lide e o princípio democrático que se busca preservar com a admissão do amicus curiae, qual deverá prevalecer? Verifica-se que o sentido teleológico do ingresso do amicus curiae dá prevalência aos princípios democráticos em detrimento da avançada fase processual na qual é solicitada a intervenção. Seguramente, os princípios democráticos e a pluralização do debate constitucional mostram-se bem mais caros ao Estado Democrático de Direito que eventual fase processual extemporânea.

            O acesso dos interessados no processo não deverá ser obstaculizado pela sua adiantada fase de tramitação, desde que o julgamento não tenha se iniciado e que a participação do amicus curiae não acarrete nenhum prejuízo ou dano processual.

            Não se está, com a presente argumentação, a postular a admissibilidade do ingresso do amicus curiae a qualquer momento do processo, o que poderia inviabilizar a sua tramitação. Sustenta-se a conveniência do ingresso do ‘colaborador da Corte’ até o momento em que ele seja útil e desejável, contribuindo para a efetivação da justiça com a segura manutenção da ordem constitucional vigente, sem prejudicialidade ao normal andamento do feito.

            De outro turno, não há de se por em xeque a amplitude da competência do relator do processo objetivo em questão para decidir acerca da oportunidade e conveniência do ingresso do amicus curiae, que se dará, conforme a lei bem assevera, a CRITÉRIO DO RELATOR. Decerto, a motivação da inoportunidade poderá repousar na fase processual, desde que a intervenção acarrete palpável prejuízo processual ou se afigure completamente inútil. Por exemplo, em casos nos quais o julgamento já tiver se encerrado, o amicus curiae não poderá prestar-se a nenhuma utilidade, pois não haverá de se falar em distribuição de memoriais ou produção de sustentação oral.

            Entretanto, afora as hipóteses acima enunciadas, reitera-se, a vinculação da oportunidade e conveniência do ingresso do amicus curiae ao simples estágio do processo, sem a configuração de nenhum prejuízo decorrente da intervenção, não se justifica.

            Vale destacar que a Lei nº 9.868/99, na redação original do § 1º do art. 7º, autorizava o requerimento do amicus curiae no mesmo prazo em que deveriam ser prestadas as informações. Contudo, o referido dispositivo legal sofreu veto presidencial (8), sob o argumento de que as questões dessa natureza e minúcias deveriam ser deixadas completamente ao alvedrio do relator da ADI ou ADC (9). A Lei nº 9.882/99, por sua vez, não prevê prazo para que os interessados no processo requeiram o seu ingresso na ADPF, na qualidade de amicus curiae.

            Dessa ausência de fixação de prazo legal para o referido requerimento, decorre o fato de o exame acerca da conveniência - ou oportunidade - da intervenção não poder cingir-se, exclusivamente, ao momento processual do pedido, sob pena de se conferir uma interpretação reducionista ao instituto do amicus curiae.

            Submetendo-se o exame acerca da conveniência do ingresso do amicus curiae ao momento processual de seu requerimento, estar-se-ia fixando prazo, criando restrição onde o legislador não o fez.

            É claro que o E. Min. Relator e o Supremo Tribunal Federal poderiam fazê-lo, pois, além da Lei nº 9.882/99 submeter o ingresso ao critério do relator, ou à aferição dos requisitos da relevância da matéria e representatividade dos postulantes, no caso da Lei nº 9.868/99, existe o compromisso com a viabilidade da Corte, como bem ressaltou o Min. Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI nº 2777-8 (10).

            Entretanto, ao assim decidir, a Corte acabaria por reduzir as possibilidades de acesso dos interessados à privilegiada via abstrata de controle de constitucionalidade, mesmo nas hipóteses em que o ingresso não representa nenhum prejuízo à regular tramitação do feito. Restringir-se-ia o debate constitucional e a possibilidade de sua pluralização a uma mera questão temporal (fase processual), olvidando-se os benefícios que adviriam da participação de um terceiro interessado no processo para a crescente concretização do um Estado Democrático de Direito.


Notas

            1

No presente artigo, entende-se por controle concentrado de constitucionalidade aquele exercido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (inclusive por omissão), da ação declaratória de constitucionalidade e da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

            2

STF: Representação nº 1.016 e nº 1.405 e Ação Rescisória 878.

            3

RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Sergio Antonio Fabris: Porto Alegre, 2003.

            4

BUENO FILHO, Edgar Silveira. Amicus Curiae – A Democratização do Debate nos Processos de Controle da Constitucionalidade, in: Revista Diálogo Jurídico, n. 14, junho/agosto, Salvador, 2002.

            5 A Emenda Regimental nº 15/04 acrescentou o § 3º ao art. 131 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

            6

Fonte: transcrição do voto do Min. Celso de Mello veiculada pelo site Consultor Jurídico (http://conjur.uol.com.br)

            7

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: uma análise das Leis 9.868/99 e 9.882/99, in: Revista Diálogo Jurídico, nº 11, Salvador, fevereiro/2002.

            8

Mensagem de Veto nº 1.674/99 - § 1º do art. 7º da Lei nº 9.868/99: "A aplicação deste dispositivo poderá importar em prejuízo à celeridade processual. A abertura pretendida pelo preceito ora vetado já é atendida pela disposição contida no § 2º do mesmo artigo. Tendo em vista o volume de processos apreciados pelo STF, afigura-se prudente que o relator estabeleça o grau da abertura, conforme a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes. Cabe observar que o veto repercute na compreensão do § 2º do mesmo artigo, na parte em que este enuncia "observado o prazo fixado no parágrafo anterior". Entretanto, eventual dúvida poderá ser superada com a utilização do prazo das informações previsto no parágrafo único do art. 6º."

            9 É interessante notar que, na sua justificativa de veto, o Poder Executivo já explicita a tônica que, a nosso ver, deverá permear a atuação do amicus curiae no âmbito do Supremo Tribunal Federal, cujos limites deverão ser fixados pelos próprios Ministros da Corte.

            10

Voto do Min. Sepúlveda Pertence na ADI nº 2.777-8: "(...) Comovido sinceramente pelos valores que os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto e Gilmar Mendes realçaram hoje nessa questão, aparentemente menor tenho, porém - talvez pela responsabilidade de estar sentado agora nesta cadeira de decano, tenho de recordar, também - como o faria o meu insigne antecessor nela - uma outra responsabilidade do Tribunal: a responsabilidade com a sua sobrevivência, sua viabilidade e sua funcionalidade. Com as manifestações havidas, vou admitir, hoje, a sustentação requerida para provocar o Tribunal. Mas entendo urgente, que, mediante norma regimental, venhamos a encontrar uma fórmula que, sem comprometer a viabilidade do funcionamento do Tribunal - nesta, que é a sua função mais nobre: o julgamento dos processos objetivos do controle de constitucionalidade -, possamos, ouvir, o que me parece extremamente relevante, o amicus curiae admitido. Admito, hoje, a sustentação oral e insto o Tribunal a que imaginemos uma fórmula regimental que a discipline, em especial, para as hipóteses em que sejam muitos os admitidos à discussão da causa." (Fonte: Informativo nº 349 do STF).
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Sobre a autora
Damares Medina

Advogada, mestre em Direito e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Damares. A finalidade do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 717, 22 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6917. Acesso em: 23 dez. 2024.

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