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Prescrição do processo disciplinar começa a fluir da data do fato investigado.

Crítica aberta ao § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112/90

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25/06/2005 às 00:00
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Apesar da regra ser a da prescritibilidade, o art. 142 da Lei nº 8.112/90 possui graves equívocos sobre a matéria, pois estabelece em seus parágrafos exatamente o contrário, sendo totalmente incongruente.

I – INTRODUÇÃO

A estabilidade das relações jurídicas é uma preocupação real de toda sociedade, ainda mais quando se trata do poder público. Não é salutar para o direito que nas relações das pessoas, entre si ou com o Estado, não vigore a segurança jurídica, capaz de proteger o passado, pelo decurso do tempo.

Triste seria o ser humano que não pudesse ter no tempo passado a segurança de que seus atos, certos ou errados, após o tempo prescricional decorrido, estão imortalizados.

O transcurso dos prazos elencados pelos diversos ordenamentos legais extingue determinada pretensão, pela falta do exercício no lapso de tempo previsto na lei. [1]

Segundo orientação de Câmara Leal, [2] o prazo de prescrição é verificado quando presentes os seguintes elementos: a) uma ação ajuizável; b) a inércia do titular; c) o tempo e; d) extinção das ações por negligência do seu titular.

Funciona a prescrição, em qualquer área do direito, [3] como matéria de ordem pública, capaz de estabilizar as relações jurídicas, independentemente do direito em que se funda a pretensão.

Essa garantia estabelecida pela ordem jurídica tem como escopo proporcionar a segurança e a paz social, [4] tendo em conta que exceto os direitos inalienáveis e imperecíveis por sua própria natureza – exemplo: direitos da personalidade ou da cidadania – a regra geral estabelece um limite temporal para o exercício de um direito não como punição pela inércia do seu titular, mas como necessidade de evitar-se a perpetuidade de litígios.

O tempo funciona como senhor da razão, cicatrizando chagas de injustiças, ou curando atos defeituosos, que passam por um período de maturação até que se tornem inatingíveis. [5]

Daí porque, Caio Mário da Silva Pereira [6] deixou assente que "a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção", despontando a imprescritibilidade "como imoral e atentatória à estabilidade das relações sociais." [7]

Na área do direito administrativo, desde novembro de 1976, o STF firmou entendimento de que a prescrição não possui limite no processo disciplinar, fluindo normalmente, como se infere na exposição do Min. Moreira Alves: [8] "E, em matéria de prescrição em nosso sistema jurídico, inclusive no terreno do direito disciplinar, não há que se falar em ius singulare, uma vez que a regra é a prescritibilidade."

Todavia, apesar da regra ser a da prescritibilidade, o art. 142, da Lei nº 8.112/90, possui graves equívocos sobre a matéria, pois estabelece em seus parágrafos exatamente o contrário, sendo totalmente incongruente.

Isto porque, apesar de seguir toda a tradição da prescrição pública, estabelecida inicialmente pelo Decreto nº 20.910/32, que impõe o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício de "todo o direito" público, sem exceção, o legislador não foi técnico quando da fixação do seu marco inicial, chegando ao ponto de violar não só a regra da prescritibilidade, como fixar momentos distintos para o dies a quo do aludido instituto, como se isso fosse possível.

Os cultores do direito não podem permitir que tamanha falha legislativa possa se eternizar em nosso ordenamento jurídico para trazer a insegurança para os servidores públicos.

Apesar do art. 142, da Lei nº 8.112/90, fixar para o processo disciplinar o limite temporal de 5 (cinco) anos quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão, os seus §§ 1º, 2º e 3º, são conflitantes entre si e trazem em seu âmago verdadeira insensatez, pois, como visto anteriormente, a regra é a da prescritibilidade, como forma da ordem jurídica contemplar a justiça e a eqüidade, através dos princípios da estabilidade e da segurança.

Não podemos admitir que o parágrafo primeiro do aludido art. 142, da Lei nº 8.112/90, estabeleça o início do prazo de prescrição a partir da data em que o fato jurídico investigado se tornou conhecido, pois é cediço que os efeitos de um ato público ocorrem quando o mesmo é praticado. A publicação do ato em Diário Oficial ou em jornal de grande circulação torna pública para terceiros a existência de determinado procedimento. Mas este fato não é tão relevante, pois não se discute no presente momento a publicidade do ato público e sim se a prescrição será iniciada a contar da data em que o fato foi consumado ou quando se tornou conhecido.

A incoerência é tão grande, que o parágrafo 2º do mesmo art. 142, da citada lei impõe o prazo de prescrição previsto na lei penal para as infrações disciplinares capituladas também como crime. Ou seja, este parágrafo, por seguir similitude com a legislação penal quanto à prescrição estipulada, determina o início de sua fluição a partir do dia em que o crime se consumou, conforme disposto no art. 111, § 1º, do Código Penal, e não da ciência/publicidade do mesmo, eis que esta é a regra da lei penal, havendo exceções.

Não bastassem estas ilegais divergências, o fato jurídico irracional é que o disposto no parágrafo primeiro traz ao ordenamento jurídico exatamente o contrário do que se espera dele, visto que a insegurança jurídica, desde o período da história Medieval não é mais admitida e, em nome da estabilidade das relações jurídicas, o STF colocou limites no disposto pelo parágrafo 3º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, que propugnava pela interrupção da prescrição ad eternum, até que decisão final fosse proferida por autoridade competente quando da abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar.

Estabeleceu-se, na hipótese do parágrafo 3º, do art. 142, da Lei sub oculis que o texto legal é inverso, ou seja, prevalece a "prescrição intercorrente" no procedimento administrativo disciplinar, não vigorando a interrupção da prescrição, [9] tal qual ocorre no direito penal.

Assim, houve a devida e necessária adaptação dos §§ 3º e 4º, da Lei nº 8.112/90, à Constituição Federal, que estipula como imprescritíveis apenas os crimes de racismo, o ressarcimento ao erário e crime praticado pela ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Fora dessas situações legais, a regra é justamente a da prescritibilidade dos atos e fatos praticados.

Por esta razão, o STF estabeleceu, com ampla aceitação doutrinária, a regra da prescrição intercorrente no processo disciplinar e adequando os efeitos da redação dos parágrafos 3º e 4º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, a realidade de nosso ordenamento jurídico.

Sucede que é necessário um redimensionamento da interpretação do retromencionado § 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, por parte da doutrina e da jurisprudência, tendo em vista que ele afronta a regra da prescritibilidade, deixando indefinida a situação jurídica, em total colisão à segurança e a estabilidade que vigoram no ordenamento legal.

Portanto, deixamos explícito o nosso posicionamento quanto à presente ilegalidade legislativa, que deverá ser interpretada com o devido e o necessário ponderamento jurídico, sob pena de criar um grande desserviço ao direito.

A inviolabilidade do passado é regra que encontra fundamento na própria natureza do ser humano, sendo instituído o instituto da prescrição exatamente para resguardar a segurança jurídica. Nunca é demais relembrar as sábias palavras de Portalis, citadas por Vicente Raó: [10] "O homem, que não ocupa um ponto no tempo e no espaço, seria o mais infeliz dos seres se não pudesse se julgar seguro nem sequer quanto à sua vida passada, por essa parte de sua existência, já não carregou todo o peso de seu destino? O passado pode deixar dissabores, mas põe termo a todas as incertezas. Na ordem da natureza, só o futuro é incerto e essa própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira de nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade, querer mudar através do sistema da legislação o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, reviver nossas dores, sem nos restituir nossas esperanças."


II – O FATOR TEMPO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS PÚBLICAS

O direito público, tal qual o privado, elenca a "prescrição" como instituto informador de todo o seu ordenamento jurídico, trazendo a certeza para as relações disciplinadas pelas suas normas. É regra geral de ordem pública [11] a prescritibilidade das relações jurídico-administrativas, eis que condicionada ao tempo, assim como todos os fatores humanos, a começar pelo biológico.

Nessa circunstância, a segurança jurídica funciona como princípio diretor e basilar na salvaguarda da passividade e estabilidade das relações jurídicas. [12]

A proteção da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé dos administrados pertence ao rol dos princípios constitucionais fundamentais do Estado de Direito, segundo observação do insigne mestre Canotilho: [13] "Na actual sociedade de risco cresce a necessidade de actos provisórios e actos precários a fim de a administração poder reagir à alteração das situações fáticas e reorientar a prossecução do interesse público segundo dos novos conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta a proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa-fé dos administrados e os direitos fundamentais."

Sendo certo que a base de toda a formação teórica do direito administrativo é a prossecução do interesse público, razão de ser dos poderes administrativos, segundo ponderação de Fábio Medina Osório. [14]

Assim, a segurança jurídica estabelece limites aos quais se submetem as Administrações Públicas. Sendo que um dos limites mais importantes para o direito público é a estabilidade das situações constituídas pelo transcurso do tempo, capaz de estabelecer inequívoca certeza jurídica.

Certeza esta que se consolida nos célebres institutos desenvolvidos historicamente, com destaque para o direito adquirido, irretroatividade das leis e da coisa julgada, todos alçados à condição de dogmas constitucionais (art. 5º, XXXVI).

Nessa ordem de idéias de proteção ao tempo que já transcorreu, foi firmado o conceito da prescrição, "vale dizer, da estabilização das situações jurídicas potencialmente litigiosas por força do decurso do tempo." [15]

Exatamente enaltecendo o valor fundamental da segurança jurídica e o da justiça quando do julgamento que afastou a validade dos §§ 3º e 4º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, que interrompia o prazo da prescrição quando aberta a sindicância ou instaurado o processo disciplinar, o Ministro Marco Aurélio, relator do RMS nº 23436/DF, [16] enalteceu o fator do transcurso do tempo nas relações jurídicas disciplinares: "É sabido que dois valores se fazem presentes: o primeiro, alusivo à Justiça, a direcionar a possibilidade de ter-se o implemento a qualquer instante; já o segundo está ligado à segurança jurídica, à estabilidade das relações e, portanto, à própria paz social que deve ser restabelecida num menor tempo possível. Não é crível que se admita encerrar a ordem jurídica, verdadeira espada de Dâmodes a desabar sobre a cabeça do servidor a qualquer momento."

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Prestigiou a Excelsa Corte os fundamentos da validade do Estado Democrático de Direito consistente nos dois vetores: a segurança e a justiça.

Especialmente no direito administrativo, como conseqüência do Estado Democrático, foi construída proteção especial para as situações consolidadas, mesmo que irregularmente, como conseqüência da teoria do fato consumado, exatamente para estabilizar a relação do Poder Público com os seus servidores ou com terceiros.

Mesmo contra dispositivos de direito público e privado concebidos de forma irregular, o direito administrativo criou a estabilização do ato nulo e do anulável, exatamente para possibilitar a proeminência do interesse público.

Em perfeita dicção, o saudoso administrativista lusitano, Marcelo Caetano, [17] deixou registrado que a prescrição administrativa cura o ato que possa ser enquadrado no futuro como ilegal: "O ato doente cura-se com o decurso do tempo, e isso se dá porque o legislador pensa que a ilegalidade cometida não é tão grave que deva sobrepor-se ao interesse de pôr termo à insegurança dos direitos. Aos interessados, incluindo os representantes do interesse público, é facultada a anulação do ato; mas se não usarem oportunamente dessa faculdade, o interesse geral impõe que não fique indefinidamente a pesar sobre este ato a ameaça de anulação."

Essa estabilização do transcurso do tempo convalida o ato nulo e anulável, diferentemente do direito civil que preconiza que o ato visceralmente nulo será sempre irregular, podendo ser anulado a qualquer tempo.

Exatamente nesse sentido, a Advocacia Geral da União, acatando posicionamento da sugestão da Consultoria do Ministério da Justiça estabelecido pelo Parecer nº 074/93, para não pairar dúvida nos processos administrativos sob sua alçada, criou o Parecer nº GQ-10, de 6 de outubro de 1993, [18] com poder de vincular os órgãos públicos federais a seguinte determinação: "Ato nulo – Revisão – Prescrição Qüinqüenal. - A prescrição qüinqüenal prevista no artigo 1º, do Decreto nº 20.910/32 abrange tanto o ato nulo, quando o anulável. – Revisão do Parecer JCF, de 30 de novembro de 1992, da Consultoria Geral da República."

Em rigorosa convergência com o posicionamento administrativo declinado, bem antes da sua elaboração, Francisco Campos [19] já escrevia sobre limites temporais para a revisão de atos administrativos que já produziram efeitos, ensinando que: "a irretratabilidade dos atos administrativos, que decidem sobre a situação individual, é, ainda, um imperativo de segurança jurídica."

Ainda sobre a estabilidade das relações jurídicas, Celso Antônio Bandeira de Mello, [20] arremata: "Finalmente, vale considerar que um dos interesses fundamentais do Direito é a estabilidade das relações constituídas. É a pacificação dos vínculos estabelecidos a fim de se preservar a ordem. Este objetivo importa muito mais no direito administrativo do que no direito privado. É que os atos administrativos têm repercussão mais ampla, alcançando inúmeros sujeitos, uns direta, e outros indiretamente, como observou Seabra Fagundes. Interferem com a ordem e estabilidade das relações sociais em escala muito maior. Daí que a possibilidade de convalidação de certas situações - noção antagônica à de nulidade em seu sentido corrente - tem especial relevo no direito administrativo. Não obrigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe o espírito, as soluções que se inspirem na tranqüilização das relações que não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de recomposição da legalidade ferida. Portanto, não é repugnante ao direito administrativo a hipótese de convalescimento dos atos inválidos."

Da mesma forma, Lúcia Valle Figueiredo [21] ensina: "Destarte, por força de erro administrativo, podem surgir situações consumadas, direitos adquiridos de boa-fé. Diante das situações fáticas constituídas, rever tais promoções (hipótese consideradas) seria atritar com princípios maiores do ordenamento jurídico, sobretudo com a segurança jurídica, princípio maior de todos, sobre o princípio, como diz Norberto Bobio."

E José Frederico Marques, se filiando a corrente citada, adverte que o "limite imposto à revogabilidade está no respeito aos direitos subjetivos perfeitos criados pelo ato administrativo." [22]

O processo administrativo disciplinar segue o mesmo princípio de segurança jurídica, onde o tempo possui a força de estabilizar a relação do agente com o Poder Público, não como forma de estímulo à possíveis irregularidades, mas sim para manter efetiva a paz social.


III – DO PRAZO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DISCIPLINAR, CRÍTICA AO § 1º, DO ARTIGO 142, DA LEI Nº 8.112/90

A lei nº 8.112/90, que estabelece o regime estatutário da função pública federal, bem como alguns estatutos dos servidores públicos de vários Estados brasileiros, estabelece a contagem do prazo inicial da prescrição do processo disciplinar a partir do momento em que o fato investigado se tornou conhecido, desprezando a data em que ele ocorreu.

Para melhor reflexão, transcreve-se o aludido artigo 142, da Lei nº 8.112/90:

"Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:

I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência.

§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

§ 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção."

Não se pode concordar com a redação do parágrafo primeiro supra transcrito, pois ela fere o próprio plasmado da prescrição que é possibilitar a segurança jurídica e a paz social. Isto porque a instabilidade do dies a quo do prazo prescricional não é admitido pelo direito, tendo em vista que a regra geral é a da prescrição e não a da sua interrupção ou suspensão definitivamente.

Pelo contrário, o direito sancionatório traz no postulado da segurança jurídica o seu ponto basilar, sendo defeso a eternização de acusações ou de processos disciplinares.

O ius puniendi do Estado decorre da prática do ato ilícito do agente público, não sendo contudo ilimitado o exercício do poder punitivo, que encontra limites temporais como conseqüência da necessidade de não se aviltar o princípio da segurança jurídica, que tanto preconizam os países que estabeleceram em suas normas fundamentais o Estado Democrático de Direito.

Para a ultimação do ius puniendi do Estado, inicialmente é necessário o comportamento contrário às normas legais previamente estabelecidas.

Verificado então a prática do ato ilícito pelo servidor público, o termo inicial da prescrição disciplinar é o do dia em que o mesmo foi praticado, sendo ilegal considerar-se o dia de sua ciência pela Administração, pois, como representante do Poder Público, seus atos produzem efeitos jurídicos a partir da ocasião em que foram praticados.

Ou seja, é totalmente ilegal e contrário ao direito afirmar-se que um preposto do Poder Público, ao praticar um ato ilícito funcional, tenha que aguardar a Administração alegar que tomou conhecimento do fato oficialmente/publicamente.

Ora, o servidor público, como preposto do Estado, quando pratica um ato representando o seu órgão ou repartição pública, ao lesar ou violar direitos de pessoas ou terceiros, concede ao lesado a oportunidade de tentar reformar ou anular seus atos até 5 (cinco) anos do dia em que foi praticado o ato e não do conhecimento do mesmo pela Administração Pública.

Porque inverter este princípio quando se trata de ato ilícito administrativo do servidor público, ao ponto de considerar o dies a quo o da data do conhecimento da Administração Pública?

Não existe justificação para tal ilegalidade, visto que o dia em que começa a fluir o prazo prescricional (dies a quo) é aquele em que se pratica o ato ilícito.

No caso da infração disciplinar, a situação é bem curiosa, pois ela se subdivide em ilícito criminal e em infração que apenas viola normas legais não penais. Assim, elas são divididas em dois grupos: as faltas disciplinares oriundas de um crime previsto no Código Penal e aquelas que não possuem essa característica.

Na infração-disciplinar capitulada como crime, segundo o § 2º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, a prescrição é contada "a partir do fato", independentemente da autoridade

administrativa ter tido ciência do evento, eis que remete os prazos de prescrição previstos para a lei penal. Assim, quando a infração investigada for: peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, facilitação de contrabando, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, abandono de cargo ou função, a prescrição começa a fluir da consumação do fato ilícito praticado e investigado.

Sucede que o mesmo direito administrativo disciplinar estabelece, na infração que não seja capitulada como crime, outro critério para o termo inicial da prescrição, qual seja, é contado da ciência da Administração e não da prática fato tido como irregular (§ 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90).

Ora, o problema relativo a prescrição não pode sofrer uma regra diversa da prevista no Código Penal, pois tanto no momento da consumação do crime, quanto no dia da prática da infração disciplinar, o termo inicial da prescrição é o da data em que o crime se consumou, conforme previsto no art. 111, I ao VI, do CP, onde existe a previsão de exceções à regra geral do inc. I.

Isto porque, o que se torna relevante para o direito é o momento em que o agente público praticou o ato contrário ao comando da lei.

Nosso direito penal inspirou-se na Lei nº 261, da França, onde o seu artigo 34, estatui que o prazo prescricional começa a fluir do dia em que foi cometido o delito.

Por esta razão, o art. 79, do Código Penal Brasileiro de 1890, estabeleceu: "Art. 79 – A prescrição da ação resulta exclusivamente do lapso do tempo decorrido do dia em que o crime foi cometido."

Assim, desde essa fase do direito penal, se estabeleceu como regra geral que o prazo prescricional flui da data em que o crime se consumou e não quando o fato se tornou público/conhecido, para que não ocorra o indevido alargamento extremado da prescrição, criando incerteza nas relações jurídicas, contrário ao estabelecido na atual redação do art. 111, I, do Código Penal (termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final), havendo exceções.

Não é admissível que a Administração Pública se beneficie da sua inércia para trazer a instabilidade jurídica para os seus subordinados.

Contra a instabilidade jurídica gerada pela imprescritibilidade manifestou-se o Min. Moreira Alves, [23] através de seu brilhante voto vencedor no MS nº 20.069, onde asseverou que "se até as faltas mais graves – e, por isso mesmo, também definidas como crimes – são, de modo genérico, suscetíveis de prescrição, no plano administrativo, não há como pretender-se que a imprescritibilidade continue a ser o princípio geral, por corresponder ao escopo da sanção administrativa, ou seja, o interesse superior da boa ordem do serviço público (...) Em matéria de demissão, não há qualquer razão, por causa da gravidade, para se considerar que possa prescrever a pretensão punitiva da Administração Pública, quanto a crimes e à ausência ao serviço, 60 dias interpoladamente sem causa justificada, e não possa prescrever a mesma pretensão, quanto à faltas menos graves do que as definidas como crime e que, como ausência contumaz, são de natureza meramente funcional. Haverá quem sustente que é o interesse superior da boa ordem do serviço público que permite a prescritibilidade, quanto à faltas que configuram crime, e a imprescritibilidade, no tocante a algumas poucas de natureza meramente funcional?"

A seguir, o eminente Min. Moreira Alves [24] arremata: "... noutras palavras, se os crimes ditos contra a Administração, tipificados no Código Penal estão sob o amparo da prescrição penal, por que motivo não introduziu esse instituto também no âmbito administrativo? Fosse por deliberado propósito, fosse por mera omissão, o vigente Estatuto recusou guarida à prescrição da falta disciplinar. Postou-se, assim, como a célebre espada do episódio de Dâmodes sobre a cabeça do servidor público, acessando-lhe com a ameaça de punição em qualquer época até a mais remota, depois de cometido e olvidado o fato."

Não entendemos como a prescrição no direito administrativo sancionador não é a mesma para todos os casos infracionais, tendo em vista que é muito mais amplo do que o direito penal, podendo incidir em campos distintos, como por exemplo: ilícitos fiscais, tributários, econômicos, de polícia, de trânsito, atentatórios à saúde pública, urbanismo, ordem pública, [25] disciplinar, etc.

Vigora em nosso direito positivo, como já dito alhures, a regra da prescritibilidade, ferindo a razoabilidade dividir o termo inicial da prescrição da grave pena de demissão, ou seja, quando for oriunda de uma infração tipificada como crime, o dies a quo é o da data em que este se consumou, ao passo que se a irregularidade funcional for derivada de disposições estatutárias, o termo inicial é o da data do conhecimento da Administração Pública.

Não concordamos com essa ilegal e irrazoável distinção do termo inicial da prescrição para a mesma pena de demissão do servidor público.

A redação do § 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90 é insustentável, pois ela privilegia a tese da imprescritibilidade da sanção administrativa, como averbado por José Cretella Júnior: [26] "... é insustentável a tese da imprescritibilidade da sanção administrativa, defendida por ilustres cultores do Direito Administrativo, porque o fundamento da prescrição tem de ser buscado na categoria jurídica, sendo o mesmo para o Direito Penal e para o Direito Disciplinar, havendo diferenças, é claro, apenas naquilo que o Direito Positivo de cada país preceituou para uma e outra figura. A prescrição penal e a prescrição administrativa são espécies, repetimos, entre outras, da figura categorial ‘prescrição’, que reponta em vários ramos do Direito, definindo-se genericamente, como ‘a perda do direito de punir, em decorrência do tempo.’ ‘Os Estatutos do funcionalismo brasileiro dispõem que a punibilidade da falta administrativa também prevista em lei como crime, prescreve no mesmo prazo correspondente à prescrição da punibilidade deste. No caso, deixam de vigorar as regras estatutárias, estabelecidas pelo Direito Disciplinar e aplicadas quando tudo ainda se passa na esfera administrativa, para prevalecer a orientação do Direito Penal, fixada no capítulo ‘Da extinção da punibilidade’, catalogada na Parte Geral do nosso Código Penal."

Outrossim, no tocante à fixação do dies a quo de incidência da prescrição, José Cretella Júnior [27] defende também a interpretação extensiva das disposições estatutárias, a fim de que o servidor público se beneficie das regras penais da prescrição "a partir do fato" e jamais "a partir da ciência do fato", verbis: "No estudo da prescrição da falta disciplinar, o aspecto mais relevante é a fixação do dies a quo, do momento ‘a partir do qual’ principia a fluir o prazo para a extinção da iniciativa de punir. O prazo, na esfera administrativa, pode escoar-se em decorrência: a) da inércia da Administração que, conhecendo o fato, deixa, por qualquer motivo, de abrir o devido processo administrativo para apura-lo; b) da ignorância ou insciência do fato; c) do processo administrativo aberto, mas indefinidamente prolongado, até a prescrição, pelo decurso do tempo, fixado no Estatuto.’ ‘A terceira hipótese é equiparada também ao que decorre na esfera do Direito Penal quando, cometida a infração, a prescrição atinge o poder punitivo do Estado, antes da condenação, no decorrer do processo, cumprindo à Administração distinguir se trata de ilícito administrativo puro ou ilícito administrativo crime.’ ‘Em suma, a extrema gravidade da pena de demissão, não há a menor dúvida de que se deve dar às disposições estatutárias pertinentes interpretação extensiva, a fim de que o agente beneficie-se com as regras penais da prescrição ‘a partir do fato’ e jamais ‘a partir da ciência do fato’. Do contrário, chegaríamos ao absurdo, repetimos, de ser beneficiado com a regra da prescrição penal o agente público que cometeu crime contra a Administração ao qual o Estatuto comina a pena de demissão e de ser prejudicado com a regra da prescrição estatutária o funcionário que cometeu puro ilícito administrativo, ao qual, também, a pena cominada é a demissão."

Incorporando essas razões, o Min. Fernando Gonçalves, [28] na espécie do inc. IX, do art. 117, da Lei nº 8.112/90, que versa sobre a violação à dignidade da função pública, conferiu interpretação extensiva das disposições estatutárias às regras penais da prescrição e estabeleceu o dies a quo a partir da ocorrência do fato: "... na espécie, o art. 117, IX, da Lei nº 8.112/91, deve a prescrição regular-se pelo art. 142 daquele Diploma Legal, que prevê o prazo de cinco anos, contados a partir da ocorrência do fato, em face da extrema gravidade da pena de demissão."

Também não se pode deixar de olvidar que "a punição administrativa guarda evidente afinidade, estrutural e teológica, com a sanção penal", [29] o que leva a concluir que não existe fundamento razoável capaz de validar a discriminação sub oculis do dies a quo da prescrição, inclusive para as mesmas penas disciplinares.

Avalisando a presente tese, o insigne Procurador Regional da República, Dr. Brasilino Pereira dos Santos, [30] manifestou o seu inconformismo com a separação do direito administrativo do direito penal quando a prescrição for regulada pelo § 1º, do art. 142, da Lei nº 8.112/90, definindo-se como "um tamanho absurdo", tendo em vista que "conta-se a prescrição do momento da consumação do crime, apenas excetuando-se a hipótese de falsidade de assentamento de registro civil."

Para Edmir Netto de Araújo, [31] a presente situação narrada se afigura como aberração dos dispositivos estatutários federais: "... certas aberrações decorrentes dos dispositivos estatutários, especialmente federais, como se acham em vigor, mesmo cumprida a determinação constitucional (art. 37, § 5º) para fixação, por lei, dos prazos de prescrição de ilícitos administrativos. 1) a primeira delas: a prescrição da ação disciplinar do ilícito administrativo que ocasiona demissão, mesmo agravada, tem seu termo inicial da data do conhecimento da infração, ao passo que a falta-crime a tem na data do fato. Ou seja, é provável que, muitas vezes, a infração mais grave deixa de ser punível antes da infração menos grave. 2) A fixação do dies a quo na data do conhecimento da autoridade, e interrupção da prescrição pela instauração do respectivo procedimento administrativo levam a outros absurdos: será quase impossível ao servidor, especialmente federal, na prática livrar-se de punição."

O direito não pode servir como eternização de uma futura punição disciplinar, capaz de ser manejada quando a Administração Pública se dignar a afirmar que tomou conhecimento de um fato após o transcurso do tempo. O ius puniendi não é absoluto e perpétuo, ele se sujeita à regra da segurança jurídica e do princípio da razoabilidade, dentre outros, exatamente para possibilitar a paz coletiva, afastando a idéia de um processo perpétuo. [32]

O prazo de cinco anos, contados a partir do ato tido como irregular não é suficiente para promover a apuração disciplinar, e se for o caso, após o due process of law, estabelecer a penalidade?

Entendendo que este critério é mais do que suficiente para apurar a impunidade.

Em nosso comentário à Lei nº 8.112/90, já havíamos averbado que: "O prazo de prescrição é contado da data do ato tido como violador de deveres funcionais, pois não se admite, em hipótese alguma, que a Administração Pública não conheça seus atos, que são púbicos a todos, sendo-lhe defeso alegar torpeza ou desconhecimento." [33]

Portanto, a interrupção do início da contagem do prazo de prescrição até que a Administração Pública declare que tomou conhecimento do fato tido como ilícito administrativo não se coaduna com o instituto da prescritibilidade que permeia os Estados Democráticos de Direito, como se demonstrará no próximo tópico.

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Prescrição do processo disciplinar começa a fluir da data do fato investigado.: Crítica aberta ao § 1º do art. 142 da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 720, 25 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6931. Acesso em: 25 abr. 2024.

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