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Teoria do objeto do processo.

Algumas possibilidades de reflexão e reconstrução de significado

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12/07/2005 às 00:00
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4. Breves conclusões sobre os temas debatidos

            4.1.A doutrina pátria tem debatido há tempos o significado da expressão objeto do processo e objeto litigioso do processo e, mesmo assim, ainda hoje, não há uma uniformidade de entendimento quanto a significação mais técnica da questão terminológica, o que, por vezes, culmina por dificultar a compreensão do alcance da matéria, que, gize-se, é de suma importância, pois acerca dela giram outros importantes institutos processuais, como por exemplo, cumulação, modificação da demanda, litispendência e coisa julgada;

            4.2. Há quase que uma pacificidade no que tange a afirmativa de que é o autor, exclusivamente, quem delimita o conteúdo do objeto material do processo, restando divergência apenas, em se saber se este é delimitado exclusivamente pelo pedido ou pela composição de outros elementos, como pedido e causa de pedir. Assim, Apesar da doutrina majoritária considerar o objeto material do processo delimitado exclusivamente através do pedido do autor na propositura da inicial, ao que parece, dentro da sistemática do CPC pátrio, que adotou a teoria da tríplice identidade da demanda no art. 301, §2°, o objeto material, em verdade, compõe-se de, no mínimo, dois elementos objetivos: pedido e causa de pedir, sendo que, esta última demonstra ser o ponto mais delicado e problemático do tema;

            4.3.Com relação a causa de pedir, no direito pátrio, em especial pela sistemática do CPC afirma-se que foi adotada a teoria da substanciação da demanda em detrimento da teoria da individualização, competindo ao autor da demanda, com a propositura da inicial indicar os fatos (causa próxima) e fundamentos (causa remota) do pedido (art. 282, III), sob pena de indeferimento (art. 295, I, combinado com o Parágrafo único, I, mesmo artigo), muito embora existam vozes em contrário que sustentam que o CPC adotou, em verdade, a teoria da substanciação atenuada;

            4.4.Apesar de o CPC exigir que a inicial exponha os fatos e fundamentos de direito e, apesar da doutrina distinguí-los em significado e delimitá-los de forma diversa, ao final, quanto aos fundamentos jurídicos, mencionam que, quase de forma unânime, que estes, quando muito, servem a influenciar a decisão do juiz ou para fixar a competência, sendo, portanto, prescindíveis, em especial pela aplicação do brocardo iura novit curia (da mihi factum, dabo tibi ius), resumindo, em suma, a essência da causa pedir, basicamente, à exposição e identificação de fatos jurídicos.


5. Análise critica dos significados até então adotados – algumas possibilidades de reflexão

            5. 1 A inadequação da idéia "privatista" de interpretação e aplicação da Ciência do Direito em vista da dinâmica da vida atual - reconstrução de significado

            Do que se percebe, o resumo do significado da causa de pedir no processo, em suma, à exposição de fatos jurídicos mencionados pelo autor, remonta a antiga idéia "privatista" de interpretação e aplicação da Ciência do Direito, que analisa os fenômenos jurídicos e processuais dentro do plano da incidência da norma jurídica, na concepção de que incide o preceito da norma toda vez que na vida concreta das pessoas venha acontecer um fato absorvido na sua previsão (50).

            Tal concepção, defendida em suas origens por Pontes de Miranda, parte do pressuposto de que a incidência da lei independe de sua aplicação e que não falha (infalibilidade da incidência da regra jurídica), pois o que falha é o atendimento a ela, que é em maior número, e melhor, na medida do grau de civilização. Desta maneira, "ocorridos certos fatos-conteúdo, ou suportes fáticos, que têm de ser regrados, a regra jurídica incide. A sua incidência é como plancha da máquina de impressão, deixando sua imagem colorida em cada folha" (51).

            Note-se, ainda, que para o referido autor os princípios, em verdade, não são mais do que regras jurídicas, que devido a seu grau de importância, se foram feitos regras constitucionais. Nestes termos, "a incidência das regras jurídicas é sobre todos os casos que a lei têm como intangíveis, pois, em sendo elas de conteúdo determinado, não se poderia deixar ao arbítrio de alguém a incidência delas ou não" (52).

            A eficácia jurídica, desta forma, proveria da juridicização dos fatos (= incidência das regras jurídicas sobre fatos, tornando-os fatos jurídicos). Fato jurídico seria, pois, o fato ou o complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica (53).

            Percebe-se, portanto, que a função do intérprete/aplicador do direito, nesta perspectiva, é tão somente verificar se houve a existência de fatos expostos que se enquadrem a hipótese abstratamente prevista em uma determinada norma, para que, então, julgue o caso, confirmando (dando eficácia) ou não a existência do direito, que já preexiste ao julgamento do caso concreto, e que não restou atendido (54).

            Ocorre que, pela dinâmica na vida atual, tem-se como inadequada esta idéia de que a função da Ciência do Direito é mera descrição e aplicação de subsunção de significado, quer na perspectiva da comunicação de uma informação ou conhecimento a respeito de um texto, quer naquela intenção de seu autor (55).

            Deste modo, a atividade do intérprete – quer julgador, quer cientista – não consiste meramente em descrever o significado previamente existente dos dispositivos, tampouco na mera subsunção entre conceitos prontos à fatos antes mesmo do processo de aplicação, chega-se a conclusão de que sua atividade consiste em constituir esses significados (56).

            De um lado, a compreensão do significado como conteúdo conceptual de um texto pressupõe a existência de um significado intrínseco que independa do uso ou da interpretação. Isso, porém, não ocorre pois o significado não é algo incorporado ao conteúdo das palavras, mas algo que depende precisamente de seu uso e interpretação, como comprovam as modificações de sentido dos termos no tempo e no espaço e as controvérsias doutrinárias a respeito do qual o sentido mais adequado se deve atribuir a um texto legal. Por outro lado, a concepção que aproxima o significado da intenção do legislador pressupõe a existência de um autor determinado e de uma vontade unívona fundadora do texto. Isso, no entanto, também não se sucede, pois o processo legislativo qualifica-se justamente como um processo complexo que não se submete a um autor individual, nem a uma vontade específica. Sendo assim, a interpretação não se caracteriza como um ato de descrição, de um significado previamente dado, mas como um ato de decisão que constitui a significação e os sentidos de um texto. A questão nuclear disso tudo está no fato de que o interprete não atribui o significado correto aos termos legais. Ele tão só constrói exemplos de uso da linguagem ou versões de significado – sentidos -, já que a linguagem nunca é algo pré-dado, mas algo que se concretiza no uso, ou melhor, como uso" (57).

            Por conseguinte, pode-se afirmar que o intérprete não só constrói, mas reconstrói sentido. É necessário, portanto, abandonar a idéia de que o aplicador apenas soma aquelas conexões às circunstâncias do caso a julgar ou que o Poder Judiciário só exerce função de legislador negativo, para compreender que ele concretiza o ordenamento jurídico dentro do caso concreto (58).

            Aliás, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira afirma que "é que também no direito — e sobretudo no direito como entidade prática — a determinação da "essência" não comprova a "existência": o direito não é (não é direito) sem se manifestar na prática e como prática. Não temos direito só porque pensamos a essência jurídica ou a juridicidade, ou porque construímos um sistema de normatividade jurídica — teremos quando muito a possibilidade (ideal) do jurídico e nada mais" (59).

            Realmente, casos há em que a conseqüência estabelecida prima facie pela norma pode deixar de ser aplicada em face de razões substanciais consideradas pelo aplicador, mediante condizente fundamentação, como superiores aquelas que justificam a própria regra ou, se examina razão que fundamenta a própria regra para compreender o conteúdo de sentido da hipótese normativa, ou se recorre a outras razões, baseadas em outras normas, para justificar o próprio descumprimento da regra e, isto tudo para demonstrar que não é adequado afirmar que as regras possuem um "tudo ou nada" de aplicação. Há, ainda, regras que contém expressões cujo âmbito de aplicação não é (total e previamente) delimitado, ficando encarregado o interprete de decidir pela incidência ou não da norma diante do caso concreto, perdendo o caráter "absoluto" da regra em favor de um modo mais ou menos de aplicação (60).

            E, isto só por se falar em regras! Por óbvio, decidir pela preponderância (e não incidência) ou não de um princípio será trabalho exclusivo do intérprete em cada caso concreto, não sendo mais adequado entender princípios, dentro da moderna doutrina Constitucional, como sendo, em verdade, regras, conforme sustentara outrora Pontes de Miranda.

            Nesse panorama, um dado importante é o declínio do normativismo legalista, assumido pelo positivismo jurídico, e a posição predominante, na aplicação do direito, dos princípios, conceitos jurídicos indeterminados e juízos de equidade, com toda sua incerteza, porque correspondem a uma tomada de decisão não mais baseada em um prius anterior ao processo, mas dependente dos próprios elementos que nele serão colhidos (61).

            Aliás, são vários os exemplos de diplomas legais, como por exemplo, o CDC (Lei 8.078/90) e o CCB/2002 (Lei 10.406/02) que optaram por incluir várias hipóteses de indeterminação do preceito. Nesse sentido, menciona Miguel Reale ao explanar a visão geral do "novo" Código Civil, que no novo diploma legal são previstas várias hipóteses de indeterminação do preceito, cuja aplicação in concreto caberá ao juiz decidir em cada caso e conforme as circunstâncias ocorrentes, pois, somente assim se realiza o direito em sua concretude (Teoria do Direito concreto e não puramente abstrato) (62).

            Nesta resignificação da idéia de interpretação e aplicação da Ciência do Direito, o intérprete trabalhará antes de concretizá-lo dentro da complexidade do processo, na conjunção de duas matérias primas antes de construir/reconstruir o seu significado: a) reconstrução fática dos acontecimentos; b) interpretação dos fatos ao sistema normativo a que estiver submetido (neste compreendido princípios, regras e postulados – o que são coisa distintas). Daí porque afirma-se que o modo de aplicação não está determinado pelo texto objeto da interpretação, mas é decorrente de conexões axiológicas que são construídas (ou, no mínimo, coerentemente intensificadas), pelo interprete, que pode, inclusive, inverter o modo de aplicação havido inicialmente como elementar (63).

            Em suma, parece que se deve readequar a idéia de interpretação e aplicação da Ciência do Direito, em especial, na dinâmica dos fenômenos processuais, pois este será o trabalho do intérprete, diante de cada caso concreto.

            5.2 Possibilidade de reconstrução de significado à delimitação do conteúdo do objeto do processo

            A partir destas considerações, pode-se reconstruir o significado do conteúdo do objeto do processo, em sentido amplo, seja ele objeto material ou processual. Nestes termos, ao que tudo indica, a idéia, no sentido de que o objeto do processo se fixa exclusivamente pelo delineamento dado pelo autor da demanda não resiste a um exame lógico e sistemático da confluência de normas que regem o processo. Parece, assim, inadequada a idéia, até então plenamente aceita, de que o objeto do processo é delimitado segundo a vontade exclusiva do demandante, conforme exposto e requerido na petição inicial e, uma vez feito isto, está plenamente composto o objeto do processo e sobre ele irá pronunciar-se o juiz. (64).

            A primeira reflexão sobre a assertiva acima nos leva a uma verdadeira "quebra" à regra da eventualidade, da formação do processo e da estabilidade da demanda.

            Da análise da sistemática do CPC percebe que este, inclusive, gize-se, de forma muito paritária, impõe não só ao demandante à exposição, na inicial, dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, III), sob pena de indeferimento da inicial (art. 295, I, combinado com Parágrafo único, I, do mesmo artigo), lhe incumbindo o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 333, I), como impõe ao réu concentrar toda sua matéria de defesa, especificando os fatos e o direito com o qual impugna o pedido do autor (art. 300), o que gera o ônus da impugnação especificada (art. 302) sob pena de responder por sua inércia (total ou parcial – por exemplo, com a presunção de veracidade dos fatos alegados, nas formas do art. 319), e, impondo-lhe o ônus de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, II).

            Nestes termos, manifesta-se Guilherme Freire de Barros Teixeira no sentido de que a regra da eventualidade impõe não só ao autor, na inicial, como ao réu o ônus de concentrar, em seu primeiro ato defensivo, todas as alegações de defesa disponíveis, ainda que incompatíveis entre si, sob pena de preclusão. Logo, a causa petendi do autor corresponderá a causa excipiendi do réu (65).

            Gize-se, ademais que pela dicção do art. 263 do CPC a ação considera-se proposta e não formada com a distribuição da inicial. Ademais, o art. 264 (denominado "princípio da estabilidade da demanda") deduz que "feita a citação é defeso o autor modificar o pedido ou a causa de pedir" e, note-se, que o Parágrafo único do mesmo artigo não menciona mais autor, mas impõe a regra a ambos os participante dos processo ao mencionar que "a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo". E, toda esta sistemática leva a crer que o réu participa verdadeiramente da formação do processo e, por conseqüência, na formação do objeto do processo.

            É verdade que o réu não está obrigado a participar da formação do objeto do processo, eis a apresentação da contestação não passa de mera faculdade (art. 297). No entanto, em assim o fazendo, total ou parcialmente, não se mostra adequado afirmar que ele em nada contribui. Se, este em nada contribuísse para a formação do objeto do processo, esvaziar-se-ia de sentido a regra do art. 303, que proíbe o réu de deduzir novas alegações, salvo nas hipóteses ali mencionadas.

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            Ademais, o verdadeiro alcance do conteúdo do objeto do processo, seja ele matéria de mérito ou mesmo de ordem puramente processual, só se formará ao intérprete com a colaboração do autor e do réu, quando e se este contestar a demanda (aí sim, uma vez não contestada a demanda pode-se afirmar que os limites da lide fora traçados exclusivamente pelo autor), tanto na pesquisa dos fatos, quanto na valorização jurídica da causa, através da comunicação de idéias subministradas por cada um deles, capazes de ser empregados convenientemente na decisão (66).

            Carlos Alberto de Oliveira, ao analisar a problemática frente o formalismo e órgão judicial afirma que "a faculdade concedida aos litigantes de pronunciar-se e intervir ativamente no processo impede, outrossim, sujeitem-se passivamente à definição jurídica da causa efetuada pelo órgão judicial. E, exclui, por outro lado, o tratamento da parte como simples "objeto" de pronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crítico e construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado" (67).

            Aliás, não há como deixar de admitir que, em contestando a matéria colocada a luz da tutela jurisdicional, através da apresentação de sua defesa, estará o réu aumentando a cognição sobre a área de atividade lógica do juiz, controvertendo os fatos e fundamentos jurídicos do pedido invocados pelo autor como causa de pedir, ou aduzindo fatos novos, extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor (68).

            A segunda reflexão diz respeito ao significado dos fatos com que o réu impugna o direito do autor com relação ao seu interesse em dar continuidade à demanda mesmo em caso de desistência de algum pedido por parte do autor ou mesmo em caso de abandono da própria ação.

            Como restou demonstrado nos tópicos superiores o significado que a doutrina empresta aos fatos que o autor deve narrar na exposição de sua peça exordial são os denominados fato essenciais, ou seja, fatos jurídicos ou ainda os fatos constitutivos de seu direito. Ocorre que, quando se trata dos fatos alegados pelo réu pelos quais pretende obstar o direito invocado pelo autor, estes são tidos apenas como fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor, como se o réu não invocasse em sua defesa fatos próprios, com o qual impede, modifica ou extingue, por conseqüência, o direito do autor.

            E, esta é uma sutil, mas substancial diferença: os fatos alegados pelo réu não são fatos jurídicos? Não poderia o réu vir impugnar o direito do autor consubstanciado, por exemplo, em "direito próprio", diverso daquele que se funda o pedido do autor?

            Parece que os doutrinadores do processo civil pátrio, em especial os que tratam do conteúdo do objeto do processo ainda estão atrelados a idéia "privatista" de interpretação e aplicação da Ciência do Direito, pela qual, como anteriormente mencionado, a regra jurídica abstratamente prevista, quando colorida pelo suporte fático, é infalível ao incidir e, por óbvio, coloca uma só pessoa numa "posição de vantagem", ou seja, o autor da demanda, que requer do Estado a prestação da tutela jurisdicional para dar eficácia a regra.

            Ocorre que, atualmente, vivemos numa verdadeira "crise" institucional, inclusive do Poder Legislativo. Percebe-se assim que, em tempos atuais, efetivamente, a multiplicação das leis mostra-se um fenômeno universal e inegável. Com segurança pode-se dizer que nunca se fizeram tantas leis em tão pouco tempo. Por um lado, essa multiplicação é fruto da extensão do domínio em que o governante se intromete, em razão das novas concepções sobre a missão do Estado. A lei é hoje onipresente. Não há campo da atividade humana, não há setor da vida humana, onde não esteja o governo a ditar regras, o que torna o mundo jurídico uma babel (69).

            Essa mudança incessante de leis repercute sobre todas as relações sociais e afeta todas as existências individuais. Ela as afeta tanto mais quanto nelas se põe mais arrojo, quanto a elas mais se dá ambição, quanto se pensa faze-las mais livremente. O cidadão, aí, já não está protegido por um direito certo, pois a Justiça segue as leis cambiantes. Não mais está ele garantido contra os governantes cuja audácia lhes permite legislar segundo seu capricho. As desvantagens ou vantagens que uma lei nova pode produzir ou trazer são tais que o cidadão aprende a tudo temer ou a tudo esperar de uma alteração legislativa (70).

            Isso tudo demonstra que não se espera mais do Estado a prestação da tutela jurisdicional simplesmente para se dar eficácia a regra que, não em raras vezes, são contraditórias entre si, razão pela qual, faz-se imprescindível a missão do intérprete na aplicação do direito diante de cada caso concreto.

            Assim, tomaremos como primeiro exemplo o caso da recente notícia publicada no site do Colendo Superior Tribunal de Justiça: "segundo o processo, o Banco Fiat entrou com ação de busca e apreensão contra Marcelo Laroca Teixeira, mecânico de Juiz de Fora (MG), em razão da falta de pagamento, para reaver um Fiat Pálio 96/97 que o consumidor havia adquirido para facilitar sua locomoção ao trabalho. Ao contestar os argumentos do banco, Marcelo Laroca Teixeira alegou que o montante da dívida cobrada era extremamente elevado por causa de cláusulas abusivas contidas no contrato, tais como autorização de cobrança de juros remuneratórios em taxa superior a 12% ao ano, multa contratual cumulada com honorários advocatícios e comissão de permanência cumulada com correção monetária" (71).

            Como antes demonstrado, a rigor, se o objeto do processo é delimitado exclusivamente pelo autor, no momento da propositura da inicial, e, sabendo das estreitas possibilidades de defesa da ação fulcrada com base no Dec. Lei 911/69, poderia Marcelo, além de purgar a mora (se já pagos pelo menos 40% do bem), contestar a ação alegando excesso de cobrança por clausulas abusivas? Os fatos alegados por Marcelo na contestação dizem respeito exclusivamente aos fatos e fundamentos desenvolvida na inicial proposta pelo Banco autor?

            Note-se que, no caso concreto, a Segunda Seção do Colendo STJ ao julgar o REsp (267758) interposto pelo Banco Fiat afirmou, por maioria, conforme noticiado no site, com base em voto do ministro Aldir Passarinho Junior, que "é permitido ao devedor discutir a ilegalidade ou a abusividade das cláusulas contratuais na própria ação de busca e apreensão em que a financeira pretende retomar o bem adquirido", rejeitando, desta forma o recurso do Banco Fiat S/A contra Marcelo Laroca Teixeira (72).

            Já o segundo exemplo, desborda das dinâmicas relações negociais empresariais atuais, em especial as que envolvem consumidores, para se adentrar na ceara do Direito Civil: suponhamos que João da Silva ingresse em juízo com "ação reivindicatória" contra Maria Riveiro, alegando ser legítimo proprietário do imóvel, o qual pretende reaver. Maria Riveiro contesta a ação afirmando residir no local por um período superior a 5 anos, o que impõe como forma aquisitiva do imóvel, porque manteve uma posse mansa e pacífica, e que este imóvel é bem de família, albergando todos seus familiares, sendo que o referido imóvel não ultrapassa os 250 metros quadrados e que possui a posse de boa-fé.

            Pergunta-se: poderia Maria Riveiro contestar a ação alegando tais fatos que não dizem respeito diretamente ao pretendido por João? Tais fatos, além de serem impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de João, não são, acima de tudo, fato constitutivo de seu direito?

            Em caso análogo, o Egrégio TJRS por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº 70009400359, muito embora não tenha reconhecido a exceção de usucapião pela falta de posse com ânimo de dono durante o lapso temporal de 5 anos, deferiu o direito indenização e retenção do imóvel por acessões (73).

            Sem se pretender debater a "justiça’ de tais decisões, os citados exemplos, tendem a demonstrar que a delimitação final do conteúdo do objeto do processo parece estar, em verdade, mais diretamente ligado a postura adotada pelo réu após a citação (inércia, reconhecimento do pedido ou contestação), do que exclusivamente pelo desenho dado pelo autor com a propositura da inicial. Assim, distribuída a inicial será o objeto ali proposto, de sorte que, em sendo a mesma contestada, da tensão existente entre os pedidos, fatos e fundamentos jurídicos alegados pelo autor na inicial aos fatos e fundamentos jurídicos com que o réu impugnará o(s) pedido(s) do autor, é que se formará o conteúdo do objeto do processo, podendo também, através de uma intervenção ativa do magistrado, delimitar este o tema sobre o qual proferirá a sentença, por ocasião das providências preliminares (art. 331 do CPC) (74).

            Inadmitir tal hipótese, de plano, sob o argumento de que o objeto é proposto exclusivamente pelo autor com a propositura da inicial, levaria a equivocada conclusão de que, em caso de improcedência da demanda, o processo, em verdade, não teve objeto e, por conseguinte, não estaria abarcada pela imutabilidade da coisa julgada.

            Assim, suponhamos o seguinte exemplo: João da Silva ingressou em juízo com ação ordinária revisional de contrato bancário de abertura de crédito em conta corrente contra Banco ABX S.A, fundamentando sua pretensão no CDC (Código de Defesa do Consumidor), pedindo, ao final, a declaração de nulidade das clausulas contratuais abusivas e a limitação dos juros no patamar de 12% a.a., com pedido de compensação dos valores cobrados a maior. Citado, o Banco apresentou contestação fundamentada na legalidade dos encargos financeiros cobrados e das clausulas contratuais entabuladas, com base em Resoluções permissivas do Conselho Monetário Nacional e da Lei 4.595/64. Ao final, os pedidos da ação foram julgados totalmente improcedentes, transitando em julgado. No caso, poderia o Banco executar a sentença, visando o pagamento do saldo devedor existente?

            Se a resposta for negativa, sob o argumento de falta de titulo executivo judicial, como aliás, vêm se manifestando algumas Câmaras do Egrégio TJRS (75), estaríamos lançando o Banco ao ingresso de um novo e desnecessário processo de conhecimento, uma vez que a orientação do Colendo STJ, pelo enunciado na Súmula n° 233 é de que "o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo". E, mais, sendo este lançado a um novo processo de conhecimento para a "cobrança" (para posterior execução), poderia o consumidor rediscutir toda a matéria já enfrentada com a sentença transitada em julgado?

            E se a hipótese fosse inversa: O banco ingressasse em juízo contra o consumidor visando a cobrança do saldo apurado no contrato de abertura de crédito em conta corrente e, após, a contestação, estabelece-se na sentença, que transita em julgado, a total improcedência do pedido do banco, com base no direito do consumidor à limitação à taxa de juros ao teto de 12% a.a durante todo o período da contratação e a compensação dos valores pagos a maior. O consumidor, com transito em julgado, através de simples cálculo aritmético (art. 604 do CPC), chega a conclusão de que, em compensando os valores, é ele, em verdade, credor do Banco em alguma determinada quantia e, com base nisso executa a sentença, visando a cobrança do saldo apurado. Não há título executivo judicial? Devemos lançar o consumidor a um novo e desnecessário processo de cobrança, para posterior execução? Poderá o banco, na contestação, rediscutir o já definida no anterior processo?

            Nestes termos, parece mais adequada a decisão do Colendo STJ, por ocasião do julgamento do REsp 160037/RS, onde se discutia a existência ou inexistência de título executivo judicial proveniente de sentença que revisou alugueres, optou, ao final, pela existência título executivo judicial (76).

            Ainda, quem sabe, se o objeto é proposto exclusivamente pelo autor, logo, poderia ele desistir a qualquer momento da ação, uma vez que, em não influenciando em nada a defesa do réu na sua formação, não possuiria este interesse jurídico para continuá-la.

            No entanto, de análise do posicionamento adotado, em especial, pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, parece que não é essa a visão adotada. O referido Tribunal orienta no sentido que: a) uma vez sendo o réu citado a desistência da ação ou de pedidos do autor só se poderá com a anuência do réu (77); b) Não se faculta ao juiz, na hipótese do inciso III do art. 267, CPC, extinguir o processo de ofício, sendo imprescindível o requerimento do réu, eis que inadmissível presumir-se desinteresse do réu no prosseguimento e solução da causa (Enunciado da Súmula 240) (78); uma vez que, se deferido sem anuência do réu (sendo este citado), em sendo um instituto que tem natureza eminentemente processual, acarretaria a extinção do processo sem julgamento do mérito, de modo que a demanda poderia ser novamente proposta (79).

            Das assertivas acima se pode perceber que o Tribunal afirma, em última análise, que mesmo tendo o autor desistindo de um ou mais pedidos, da própria ação ou mesmo abandonando esta, tem o réu interesse jurídico em que o juiz se pronuncie sobre o mérito da causa, a ponto de impedir que o autor ingresse novamente com a demanda. Ocorre que, se é o autor quem delimita exclusivamente o objeto do processo no momento da propositura da inicial, haveria o almejado interesse?

            Ao que tudo indica, dentro da confluência de idéias aqui expostas, há o interesse pelo fato do réu também participar (contestando a ação) ativamente na formação do objeto do processo e, por conseqüência, cada vez que contesta a ação, possui uma pretensão, mesmo que implícita, de ver julgado total ou parcialmente os pedidos do autor, consubstanciado na afirmação de argüir, além de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, eventualmente, como mostram os exemplos supracitados, fatos constitutivos próprios.

            É de bom alvitre ressaltar que não se está a cogitar a possibilidade de mudança do objeto do processo após a citação do demandado. O que se está a dizer é que o réu, contestando a ação, participa não só na formação do processo, como na formação do objeto do processo.

            Ademais, pode-se perceber que há uma tendência, na prática forense, mesmo que não dito explicitamente, em delimitar o conteúdo do objeto do processo não só pela propositura da inicial do autor, mas pela participação ativa do réu, quando contestar a ação, podendo o juiz através de uma posição participativa, por ocasião das providências preliminares, definir o seu conteúdo, sobre o qual recairá a sentença.

            5.3 Readequação dos limites do brocardo ‘iura novit cúria’ (da mihi factum, dabo ti ius)

            A idéia pátria de que a causa de pedir se resume a exposição de fatos jurídicos (fatos essenciais ou constitutivos), não se prendendo, de forma alguma, aos fundamentos jurídicos, parece igualmente inadequada dentro da perspectiva até aqui desenvolvida.

            Torna-se necessário mencionar, no entanto, que, muito embora nossos tribunais estaduais e a doutrina pátria majoritária tenham pela aplicabilidade máxima do brocardo iura novit curia (da mihi factum, dabo ti ius) o Pretório Excelso possui posicionamento firme no sentido de que "não se revela aplicável o princípio ‘jura novit curia’ ao julgamento do recurso extraordinário, sendo vedado, ao Supremo Tribunal Federal, quando do exame do apelo extremo, apreciar questões que não tenham sido analisadas, de modo expresso, na decisão recorrida" (80).

            Ademais, pelo posicionamento majoritário do Colendo STJ e do posicionamento firme do STF exige-se o denominado prequestionamento (muito embora o STJ aceite o denominado prequestionamento implícito, o que não é aceito do STF), e mais, exige-se a indicação expressa do dispositivo legal ou constitucional tido por violado para a interposição e admissão de REsp ou REXT (81).

            Tais exemplos já contradizem de per si a idéia da aplicação máxima do referido brocardo, no sentido de que pode-se extrair do material fático trazido pelas partes conclusões jurídicas não aportadas por elas nos autos, além do que, em o fazendo, seja o tribunal ou mesmo o juiz, estará em prejudicar a garantia ao contraditório. Nestes termos, afirma-se que, em verdade, em face da tomada de consciência quanto ao inafastável caráter dialético do processo, modificou-se de forma significativa o alcance do antigo brocardo da mihi factum, dabo tibi ius (82).

            Como salienta Carlos Alberto Alvaro de Oliveira "antes de nada, afigura-se algo arbitrário valorizar abstratamente a disquisição ou o juízo sobre o fato, como se totalmente divorciados do juízo de direito. Não somente se exibe artificial a distinção entre fato e direito – porque no litígio fato e direito se interpenetram -, mas perde força, sobretudo no tema ora em exame, em virtude de necessidade do fato na construção do direito e da correlativa indispensabilidade da regra jurídica para determinar a relevância do fato" (83). Entendimento contrário, sustenta, "significa transformar o juiz numa máquina, pois, como já se ressaltou com agudeza, dentro de uma concepção puramente silogística o juiz diria às partes date mihi factum e as leis date mihi ius e, recebidos tais elementos, emitiria a decisão com mecânica indiferença, como um aparelho emissor de bilhetes a toda introdução de moedas" (84).

            No entanto, ao que tudo indica, mais do que ofensa a garantia do contraditório, o que, sozinho já é capaz de limitar a aplicação do brocardo, parece que os "fundamentos jurídicos" aduzidos pelo autor na inicial e as "razões de direito" invocadas pelo réu por ocasião da defesa significam, em verdade, fundamentação jurídica sobre a qual se formará a tensão dialética do processo relacionada aos fatos e fundamentos jurídicos do autor em contraposição as razões de fato e de direito com que o réu impugna o alegado pelo autor ou, como anteriormente visto, afirma direito seu, integrando a denominada causa petendi e causa excipiendi, o que, em última análise compõe um elemento da própria formação do objeto do processo e, por isso, quando o intérprete prevê a possibilidade de sua mudança, mesmo nas hipóteses em que a lei lhe faculta intervir de ofício, exsurge a primordial necessidade de intimação das partes para que se manifestem sobre a nova possibilidade de delimitação percebida pelo juiz.

            Assim, a própria sistemática do CPC que, como já dito, impõe ao autor da demanda expor os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, III), como requisito da inicial e, ao réu, as razões de fato e de direito com que impugna os pedidos do autor na contestação (art. 300), percebe-se que não se pode emprestar o significado da expressão como mera exposição de fatos, sejam eles essenciais, jurídicos ou constitutivos do direito do autor, ou mesmo impeditivos, modificativos ou extintivos com que o réu impugna o direito do autor, pois se trata, em verdade de fundamentação jurídica.

            A expressão fundamentação jurídica, nestes termos, parece de adequar ao significado de coerência substancial entre os fatos e a(s) norma(s), nestes entendidos princípios e ou regras, da qual decorre os pedidos da inicial ou mesmo a pretensão obstativa do réu na contestação. Nestes termos, afirma-se que "a fundamentação será um tanto mais coerente quanto mais a justificação recíproca dos seus elementos. A justificação recíproca existe num sistema quando há uma relação entre dois elementos, de modo que o primeiro elemento pertence a uma premissa da qual o segundo elemento decorre logicamente, ao mesmo tempo que o segundo elemento faz parte de uma premissa faz parte de uma premissa da qual o primeiro elemento também decorre logicamente" (85).

            Não se pretende afirmar com isto que o juiz está preso a indicação de ou dos dispositivos invocados pelas partes no iter processual, eis que a fundamentação jurídica não consiste em mera indicação, como argumentado supra, mas sim na justificação recíproca de determinados elementos, através de coerência substancial (v.g, o autor, na inicial, deve fundamentadamente, através de uma coerência substancial, justificar reciprocamente os fatos aos fundamentos jurídicos – neste entendidos o aspecto normativo, seja princípios ou regras, e o modo pelo qual se ligam aos fatos, determinando as razões porque devem ter eles preponderância ou eficácia, ou ineficácia no caso concreto, para, a partir daí, expor os pedidos com suas especificações), o que dependerá, evidentemente da extensão e da intensidade da fundamentação.

            Isto significa que, dentro da tensão dialética travada entre os participantes do processo, poderá o magistrado, se houver mero erro de indicação do dispositivo legal, corrigir as partes. O que não pode ele fazer, no entanto, é transbordar da tensão de justificações recíprocas existente nos autos para outra que achar mais conveniente, sem qualquer chance de manifestação prévia das partes, por exemplo, por ocasião da prolação da sentença.

            Vale dizer: "o juiz, ao sentenciar, não pode fundamentar o decidido em causa não articulada pelo demandante, ainda que por ela seja possível acolher o pedido do autor. Trata-se de decorrência do dever de o juiz decidir a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte" (art. 128 do CPC). Tal vedação, em razão do princípio da igualdade das partes no processo, aplica-se não só ao demandante, mas, também, ao réu, de sorte que o juiz não pode conhecer matérias que seriam favoráveis ao demandado, mas que dependem da sua iniciativa. Assim, v.g., o juiz não pode reconhecer ex officio de uma exceção material em prol do réu, como por exemplo, a exceção de usucapião ou a exceptio inadimpleti contractus" (86).

            Em face da própria garantia do contraditório, e não apenas pelo fato de parecer que, efetivamente, a fundamentação jurídica integra a causa de pedir, ou melhor, fazendo parte do objeto do processo, não se mostra adequada a idéia amplamente sustentada que, na motivação do ato decisório, ao Juiz é facultado aplicar o direito em conformidade com o seu livre convencimento, por aplicação do brocardo do iura novit cúria (da mihi factum, dabo tibi ius).

            Se chega a esta conclusão, não só pelo fato de o nosso CPC não ter qualquer regra que trate do brocardo iura novit cúria, mas pela própria sistemática constitucional que, ao contrário, não liberta o juiz para alçar vôo ao seu livre convencimento, mas, da leitura do art. 93, IX, da carta magna combinado com o seu art. 5°, LV, percebe-se que sempre o ato decisório deve ser fundamentado e assegurando a ampla defesa e contraditório com os meios e recursos a ela inerentes. Deve haver, pelo que se percebe, uma necessária adequação e coerência substancial, também através de justificação recíproca de determinados elementos, entre a fundamentação exposta na sentença com relação a tensão das justificações recíprocas delineadas no decorrer do iter processual pelas partes envolvidas, sob pena de nulidade.

            Nestes termos, não se pode concordar com a afirmativa de que "como se trata de verdadeiro dever, o sentenciante tem de suprir a ignorância normativa do autor e do réu ou sanar o erro cometido por eles na motivação de sua respectivas pretensões e defesas" (87).

            Assim, vejamos o seguinte exemplo: João da Silva, pedestre, ao atravessar uma Rua na cidade de Porto Alegre é abalroado por um ônibus da empresa COROCAP Transportes Ltda., fato pelo qual ingressa em juízo, consubstanciado na regra do art. 37, §6° da CF, visando à reparação pelos danos sofridos, sustentando a responsabilidade objetiva da concessionária de transportes públicos. Citada, a empresa apresenta contestação argüindo a culpa exclusiva do particular pela ocorrência do evento danoso. Instigadas as partes sobre as provas que pretendem produzir, afirma a parte autora estarem plenamente presentes os pressupostos da responsabilidade objetiva, ou seja, a presença do dano e do nexo causal, razão pela qual requer o julgamento antecipado da lide. A parte ré não se manifesta e vão os autos conclusos para sentença. Na sentença, o douto magistrado, invocando a regra e aplicação máxima do brocardo iura novit curia, sustenta que, muito embora não seja o ponto discutido nos autos, não se trata em verdade de hipótese de aplicação da regra do art. 37, §6°, da CF, eis que o pedestre não se encontra na posição de "tomador" dos serviços públicos prestados pela empresa, mas sim de aplicar-se a regra do art. 186 do CCB/2002 e, como não restará comprovada a culpa do preposto da ré, julga improcedente o pleito do autor. Inconformado, o autor apela o Tribunal local reforma integralmente a sentença ao entendimento de que, efetivamente, no caso, se aplica a regra do art. 37, §6°, da CF à empresa ré, sendo, portando, prescindível a demonstração de culpa. A empresa, irresignada, interpõe Recurso Extraordinário que, ao final, é conhecido e provido pelo Pretório Excelso, restabelecendo os termos da sentença de primeiro grau.

            Do extenso exemplo acima mencionado, pode-se perceber que, em nenhum momento, até a prolação da sentença de primeiro grau, discutiu-se a existência ou não de culpa no caso concreto. Note-se que, em não sendo isto sequer debatido nos autos, até a sentença, também não houve interesse na produção de prova, sobre tal aspecto. Isto vem a demonstrar que, cada aspecto normativo justificado reciprocamente aos fatos articulados pelas partes, pressupõe a configuração e comprovação de determinados elementos, que são diferentes entre si, conforme a discussão travada na causa, razão pela qual, o juiz, aplicando ao caso o brocardo iura novit curia não só mudou completamente a configuração da discussão colocada a sua apreciação (objeto do processo), como prejudicou, efetivamente, o contraditório das partes, em especial, do autor, que ficou tolhido de realizar a prova, eis que pego de "surpresa".

            Entendimento contrário, no sentido de que é plenamente válida a aplicação sem limites da regra do iura novit curia, pode levar a conclusão lógica, mas equivocada de que o melhor é argüir apenas fatos e articular pedidos, deixando o direito, ou melhor, a fundamentação jurídica por conta e a livre escolha do juiz. Aliás, é bom registrar, como delineado por Ada Pellegrini Grinover, que os limites objetivos da coisa julgada são estabelecidos a partir do objeto do processo, isto é, da pretensão deduzida pelo autor – abrangente do pedido e à luz da causa de pedir – a ser apreciada pela sentença, o que nos leva ao necessário exame da relação entre os limites objetivos da coisa julgada e a fundamentação da sentença. A par desta afirmativa, conclui a autora que "muito embora seja certo que a regra do direito brasileiro, em consonância com a autorizada doutrina, é no sentido de que apenas o dispositivo da sentença passe em julgado, e não assim os motivos, certo é que estes últimos tem relevante papel ao se determinar a real extensão dos efeitos da sentença e respectiva imutabilidade" (88).

            Portanto, parece adequado afirmar que, em verdade, a fundamentação jurídica integra não só a causa de pedir como o próprio objeto do processo e se traduz na justificação recíproca de determinados elementos, através de uma coerência substancial, devidamente fundamentada.

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Sobre o autor
Rodrigo Oppitz Alves

Advogado em Estância Velha/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Rodrigo Oppitz. Teoria do objeto do processo.: Algumas possibilidades de reflexão e reconstrução de significado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 737, 12 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6976. Acesso em: 26 abr. 2024.

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