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Os princípios do direito público e o Estado:

a dialética dos interesses públicos e dos interesses privados na teoria da justiça de John Rawls e na teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas

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16/07/2005 às 00:00
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CONCLUSÃO

            Como vimos a tensão entre o público e o privado encontra uma relação entre a autoridade e a liberdade dos particulares. O ético cede lugar ao jurídico nas sociedades contemporâneas, balizadas pelo imediatismo e pelo esquema de produção, tal como uma linha de montagem. Nesta instrumentalização das relações sociais, há um risco de as pessoas serem também percebidas como instrumentos, como meios para a realização dos fins de outras pessoas que controlam o Estado, o titular dos interesses públicos.

            Há de se repensar a ordem jurídica, pois esta se tornou extremamente fechada e, de certo modo, distante da realidade factual. Os populares dizem freqüentemente que, algumas vezes, algo pode ser legal, mas injusto. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas pretende resgatar a dimensão ética do Direito, promovendo maior participação popular, em forma de "comunidade ideal de falantes".

            A ordem jurídica pode ser perfeita como sistema, porém, não pode ignorar a realidade, nem ser utilizada como pretexto para a manipulação das pessoas (maioria ou minoria, conforme o contexto), somente para satisfazer aqueles que conseguiram chegar ao domínio do Estado. Há de se ter maior proteção, não somente contra as arbitrariedades, mas também contra o próprio sistema. Igualmente, a ordem jurídica não pode ser assim tão fechada a ponto de ignorar os anseios populares, sendo conduzida tão-somente como uma técnica de controle social, como preceituava a rigidez jurídica do positivismo de Hans Kelsen.

            A distância entre o Direito e a realidade também é sentida na teoria da justiça de John Rawls. Além de proteger as liberdades e os direitos básicos para todos, há necessidade de se prever condições de existência para as pessoas. Então, para se falar em justiça o Direito não pode mais se valer somente das formalidades, pois para legitimar-se diante de um cenário de desigualdade social, deve primar também para a implementação de condições de acesso e fruição de bens primários para todos, para que possam realmente desfrutar dos seus direitos e liberdades.

            Como verificado, o Poder Constituinte Originário inova a ordem jurídica. Os princípios da justiça de Rawls, combinados com a ação comunicativa de Habermas, podem ser o início interessante para a construção de uma sociedade realmente justa, em termos formais e materiais, aliando justiça social e efetiva participação democrática. A partir destes pilares, pode ser erigida uma Constituição justa, de fato e de Direito.


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NOTAS

            01

Para fins deste estudo, utilizaremos os termos "ordem jurídica" e "ordenamento jurídico" como sinônimos.

            02

Repetiremos este pensamento várias vezes ao longo desta monografia, por entendermos ser de vital importância para o entendimento da teoria de Rawls. Esperamos não nos tornarmos demasiadamente repetitivos.

            03

Christian DELACAMPAGNE, A filosofia política hoje, p. 86-87.

            04

José Afonso da Silva entende que a Constituição Federal de 1988 ainda "agasalhou os postulados do liberalismo econômico, com intervenção estatal, mais garantia dele do que caminho para supera-lo". (2001, p. 188) Será que há necessidade de outra Constituição de conteúdo mais socializante, ou de cumprimento dos preceitos da conhecida "Constituição Cidadã"? Não defenderemos reformas mais profundas, mas tão-somente uma análise, pois este trabalho não comporta um ensaio de tal magnitude, que poderá, porém, ser elaborado em outra oportunidade.

            05

Os dois princípios da justiça, de Rawls, são: "Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.

            Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos." (Rawls, 1997, p. 64)

            06

Ou situação de escassez moderada, como entende Rawls.

            07

John RAWLS, Liberalismo político, p. 32.

            08

Por isso, de certa forma, serão utilizadas passagens da nossa dissertação de mestrado A justiça além do discurso jurídico: ensaio sobre o neocontratualismo de John Rawls, que adaptaremos para fins desta monografia.

            09

Os romanos diziam "Dura lex, sed lex".

            10

"Daí a presença de duas ordens jurídicas: a interna e a internacional; aquela é formada pelos princípios jurídicos vigentes em cada Estado; esta se mantém pelas regras superiores aceitas reciprocamente pelos Estados, para a coexistência pacífica das Nações entre si, e dos indivíduos que as compõem, em suas relações externas." (Meirelles, 2002, p. 35-36) Para fins deste estudo, daremos maior enfoque à ordem jurídica interna, pois tratamos das relações entre o Estado e os indivíduos, dentro do território onde exerce sua soberania. Nada impede, no entanto, que possamos dar prosseguimento a esta problemática em estudos posteriores a este.

            11

Não nos alongamos mais sobre as considerações de Thomas Hobbes, porém, tal observação pode ser melhor apreciada em suas obras "De cive" e "The Leviathan".

            12

Roger Moko YABIKU, A justiça além do discurso jurídico: ensaio sobre o neocontratualismo de John Rawls, p. 153.

            13

Hans KELSEN, Teoria pura do Direito, p. 37.

            14

Ibid., p. 48. No nosso entendimento, o "mínimo de liberdade" de Kelsen encontra-se aparado no Direito Positivo brasileiro no Título II "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", Capítulo I "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos", da Constituição Federal de 1988, mais precisamente no "caput" do artigo 5.º: "Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)"

            15

Norberto BOBBIO, Teoria do ordenamento jurídico, p. 69-70.

            16

Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, p. 85.

            17

Interessante notar as posições de Jean-Jacques Rousseau e do abade Emmanuel Joseph Sieyès com relação ao povo. No século XVIII, havia uma tendência de se privilegiar a supremacia da razão, em vez da supremacia dos legisladores. A Lei era mais uma adequação dos supremos interesses da comunidade que da vontade daqueles que a elaboravam. Rousseau, em "O contrato social", diz que o governo legítimo é o da vontade geral, que vigente pela participação dos cidadãos em suas decisões. Para Sieyès, a Nação atribui, a quem quiser, que pode falar em seu nome. "A posição de Rousseau é oposta à de Sieyès. Assim, na concepção de Rousseau, cada indivíduo é detentor de uma parcela de soberania. Na doutrina de Sieyès, nenhum indivíduo é detentor de qualquer parcela da soberania; a soberania pertence a todos, à comunidade, à Nação; ela é, por isso, indivisível." (Ferreira Filho, 1999, p. 25)

            18

"The rule of law, not of men."

            19

Miguel REALE, Lições preliminares de Direito, p. 63.

            20

O princípio universal do Direito é definido por Kant como: "Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal." (Kant, 2003, p. 76-77)

            21

Hans KELSEN, Teoria pura do Direito, p. 33.

            22

As coisas e os animais (bens semoventes) são objetos de Direito. Em épocas nefastas da história humana, os escravos não eram sujeitos de Direito, mas objetos de Direito, quer dizer, podiam ser disponibilizados como coisas.

            23

Apesar de ser uma nota longa, cremos ser importante expor por completo a definição de José Afonso da Silva (2000, p. 67) do conceito de Constituição, que desenvolve um raciocínio que vai do aspecto mais simples (de organismo, por assim se dizer) ao de Lei Magna de um Estado: "A palavra Constituição tem vários significados, tais como: a-) ‘conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa: a constituição do universo, a constituição dos corpos sólidos’; b-) ‘temperamento, compleição do corpo humano: uma constituição psicológica explosiva, uma constituição robusta’; c-) ‘organização, formação de alguma coisa: a constituição de uma assembléia, a constituição de uma comissão’; d-) ‘o ato de estabelecer juridicamente: a constituição do dote, de renda, de uma sociedade anônima’; d-) ‘conjunto de normas que compõem uma instituição: a constituição da propriedade, ou seja, a institucionalização da propriedade’; f-) ‘a Lei fundamental de um Estado: a Constituição Federal do Brasil, a Constituição dos Estados Unidos, a Constituição da Franças, a Constituição da Itália, etc.’.

            Todos esses significados, como se vê, exprimem uma idéia geral comum, porque se referem ao modo de ser de alguma coisa, o modo como alguma coisa ou entidade é formada e organizada, a organização interna dos seres, das entidades e das instituições.

            É nesse sentido que se diz que todo Estado (país) tem Constituição, que é o simples modo de ser da Nação Organizada em Estado. Mas hoje, quando se fala em Constituição do Estado, está se referindo ao modo como o Estado é juridicamente organizado. Assim, é que se diz que a Constituição é a Lei Fundamental, a Lei maior, de uma Nação organizada em Estado." (grifos do autor)

            24

Herbert L. A. HART, O conceito de Direito, p. 117.

            25

Exploraremos a obra de John Rawls no Capítulo II desta monografia com maior propriedade. No momento, nos limitamos a contextualizar sucintamente a relevância do autor na crítica ao Direito Positivo aos moldes kelsenianos.

            26

Hans KELSEN, Teoria pura do Direito, p. 219.

            27

Ibid., p. 221.

            28

"Não matarás", por exemplo.

            29

José Afonso da SILVA, Poder constituinte e poder político (estudos sobre a constituição), p. 66.

            30

Do original em francês: "Qu’est-ce que lê tiers État?"

            31

Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, O poder constituinte, p. 11-12.

            32

Ibid., p. 12.

            33

Ibid., p. 23.

            34

" Ora, Sieyès usa o conceito Nação não no sentido sociológico, mas como equivalente ao Terceiro Estado, ou seja, como um conjunto dos indivíduos que pertence à ordem comum. Nação é um ‘corpo de associados vivendo sob uma lei comum’ e o ‘Terceiro abrange, pois, todos que pertencem à Nação, e quem não é Terceiro não pode ter-se como sendo da Nação." (Silva, 1999, p. 83-84)

            35

Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, O poder constituinte, p. 31.

            36

Apoiamo-nos na lição de Norberto Bobbio (1999, p. 59), o qual versa que a norma fundamental só pode ser aquela que "impõe obedecer o Poder Originário do qual deriva a Constituição, que dá origem às leis ordinárias, que, por sua vez, dão origem aos regulamentos, decisões judiciárias, etc".

            37

Norberto BOBBIO, Teoria do ordenamento jurídico, p. 58.

            38

Paloma Santana MODESTO, Poder constituinte originário, in: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 29.

            39

Cremos ser suficiente conceituarmos soberania como: "(...) a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.." (Dallari, 2000, p. 84, grifos do autor)

            40

Carlos Ari SUNDFELD, Fundamentos de direito público, p. 145.

            41

Ibid., p. 153.

            42

Ibid, 155.

            43

Carlos Ari SUNDFELD, Fundamentos de Direito Público, p. 154.

            44

Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, p. 41.

            45

Maiores informações históricas sobre a Escola de Frankfurt podem ser obtidas diretamente no site do Institut für Socialforschung an der Johann Wolfgang Goethe – Universität. (Cf. FRIEDEBURG, Ludwig v. The

            Institute of Social Research, 1999, URL: http://www.rz.uni-frankfurt.de/ifs/pge/eng/03geschichte/e_geschichite _lvf.html).

            46

F. Javier HERRERO, Ética discursiva, in: Correntes fundamentais da ética contemporânea, p. 166.

            47

Manfredo A. de OLIVEIRA.Ética e racionalidade moderna, p. 11.

            48

Ibid,. p. 19.

            49

Lúcia Maria Carvalho de ARAGÃO, Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas, p.53-54.

            50

Ibid., p. 44.

            51

Ibid., p. 54. Para Aragão, Habermas – apesar de sua crítica ao direito positivo – tem como sustentáculo o próprio direito positivo que, desta vez, é reformulado por um processo legislativo regido pelos conceitos de ação comunicativa. O direito positivo leva em conta a exterioridade, a manifestação do comportamento. Em sua teoria, Habermas inclui o interesse prático, uma interação racionalmente motivada, neste processo, de modo que haja consenso devido a uma discussão racionalmente motivada.

            52

Ibid., p. 45.

            53

Ibid., p. 69.

            54

Ibid., p. 70.

            55

Manfredo A. de OLIVEIRA, Ética e racionalidade moderna, p. 18.

            56

Jürgen HABERMAS, Direito e democracia vol. 1, p. 21.

            57

Ibid., p. 23.

            58

Entenda-se qualquer outra possibilidade fora do ordenamento jurídico e que não atenda os requisitos do processo legislativo que confere legitimidade estatal às leis. É válido aquilo que estiver em conformidade com o ordenamento jurídico, que lhe confere proteção quanto seus efeitos no tempo e no espaço.

            59

Ibid., p. 60.

            60

Ibid.

            61

Ibid.. p. 165.

            62

Ibid., p. 167.

            63

Ibid., p. 168.

            64

Idem, ibidem, p. 198.

            65

Sônia FELIPE, Rawls: uma teoria ético-política da justiça, in: Manfredo A. de OLIVEIRA, Correntes fundamentais da ética contemporânea, p. 143.

            66

Samuel FREEMAN, Introduction, in: ____., The Cambridge companion to Rawls, p.: " The basic structure is the interconnected system of rules and practices that define the political constitution, legal procedures and the system of trials, the institution of property, the laws and conventions which regulate markets and economic production of exchange, and the institution of the family (…)."

            67

Luiz Paulo ROUANET, Igualdade complexa e igualdade de renda no Brasil, in: Jean-Christophe MERLE & Luiz MOREIRA, Direito & legitimação, p. 387.

            68

Sônia FELIPE, Rawls: uma teoria ético-política da justiça, in: Manfredo A. de OLIVEIRA, Correntes fundamentais da ética contemporânea, p. 141.

            69

"In brief, what Rawls has done is to combine the very strong principles of social and economic equality associated with European socialism with the equality strong principles of pluralistic toleration and personal freedom associated with American liberalism, and he has done so in a theory that traces them to a common foundation. The result is closer in spirit to European social democracy than to any mainstream American political movement. (...) Rawls’ liberalism is the fullest realization we have so far of this conception of the justice of a society taken as a whole whereby all institutions that form part of the basic structure of society have to be assessed by a common standard." (Nagel, 2003, p. 63)

            70

"This is a liberalism for the least advantaged, a liberalism that pays moral tribute to the socialist critique. The ‘difference principle’ prevents the poor from falling (even into a safety net) so long as it is possible to raise their life prospects higher. Nothing short of securing their highest practicable life prospects will satisfy Rawlsian demands. Similarly, fair equality of opportunity goes far beyond the classical liberal ideal of careers open to talents. It also requires compensatory education and limits on economic inequalities so that ‘in all sectors of society there should be roughly equal prospects of culture and achievement for everyone similarly motivated and endowed.

            Liberals can consistently support the theory’s egalitarian economic implications because the first principle, the liberal core of Rawls’s theory, rejects equalization at the expense of the basic liberties of any citizen. The income of the least advantaged may not be maximized, for example, by denying freedom of association to professionals or freedom of speech to neoconservatives. Socialists can consistently support the liberalism of the first principle because the second principle (the socialist core of Rawlsian justice) renders liberal freedoms far more than mere formalities for the disadvantaged." (Gutmann, 1989, p. 17)

            71

Eduardo Gonçalves BOQUIMPANI, Rawls e seus críticos, in: Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 40, julho/setembro de 2002, p. 184.

            72

Thomas W. POGGE, Realizing Rawls, p. 136.

            73

"(…) political power is legitimate only when it is exercised in accordance with a constitution (written or unwritten) the essentials of which all citizens, as reasonable and rational, can endorse in the light of their common human reason." (JFR, II, § 12, p. 41)

            74

"(1) the fundamental principles that specify the general structure of government and the political process; the powers of the legislature, executive and judiciary; the limits of majority rule; and

            (2) the equal basic rights and liberties of citizenship that legislative majority must respect, such as the right to vote and to participate in politics, freedom of tought and of association, liberty of conscience, as well as the protections of the rule of law." (JFR, I, § 9, p. 28, grifos nossos)

            75

Ibid., p. 42.

            76

"(a) Each person has the same indefeasible claim to a fully adequate scheme of equal basic liberties, which scheme is compatible with the same liberties for all; and

            (b) Social and economic inequalities are to satisfy two conditions: first, they are to be attached to offices and positions open to all under conditions of fair equality of opportunity; and second, they are to be the greatest benefit of the least-advantaged members of society (the difference principle)." (JFR, II, § 13, p. 42-43, grifos nossos)

            77

Thomas W. POGGE, Realizing Rawls, p. 138.

            78

"Note that the first principle is a principle of strict equality, and the second a principle of permissible inequality. The first applies roughly to the constitutional structures and guarantees of the political and legal systems, and the second to the operation of the social and economic systems, particularly insofar as they can be affected by tax policies and various aproaches to social security, employment, disability compensation, child support, education, medical care, and so forth." (Nagel, 2003, p. 66)

            79

JFR, II, § 12, p. 44.

            80

Ibid., p. 45.

            81

Álvaro de VITA, A justiça igualitária e seus críticos, p. 215.

            82

Samuel FREEMAN, Introduction, in: ____., The Cambridge companion to Rawls, p. 5

            83

Álvaro de VITA, A justiça igualitária e seus críticos, p. 212.

            84

Luiz Paulo ROUANET, Justiça como eqüidade: uma proposta brasileira, in: Social democracia brasileira, maio / junho de 2003, n. 7, ano 2, p. 21.

            85

Frank I. MICHELMAN, Rawls on constitutionalism and constitutional law, in: Samuel FREEMAN (org.), The Cambridge companion to Rawls, p. 394.

            86

"(1) A political (as opposed to a sectarian or comprehensive philosophical) conception of justice for the basic structure of a democratic society is worked up from fundamental ideas that can reasonably be ‘seen as’ having been drawn from the culture of such society. (2) The particular political conception of justice as fairness has been constructed out of a particular set of such fundamental ideas extracted from the public culture of a democratic state. However, (3) there are, presumably, other defensible conceptions of constitutional-democratic justice, each of them perhaps corresponding to a somewhat different ‘take’ on democratic society, a different set of starting-point fundamental ideas that lead to a different conclusion about exactly what ‘political conception’ – what set of principles and ideals for appraising a set of constitutional essentials for a democratic society (on the order of the two principles of justice as fairness) – a reasonable person would endorsee. If so, then (4) the failure of constitutional democracies thus far to resolve certain chronic issues of constitutional right and wrong may reflect a plurality of political conceptions, all of which are defensible, if competing, reconstructions of a more abstractly shared and general vision of a democratic society." (Michelman, 2003, p. 398)

            87

JFR, II, § 13, p. 47-48.

            88

Thomas POGGE, Realizing Rawls, p. 143.

            89

"When normal persons differs, this minimum – the same for all – is defined so that it suffices for the greater needs (within the normal range). I refer to basic social and economic needs, so defined, as the standard basic socioeconomic needs within some social system. What these standard basic socioeconomic needs are is in large part straightforward. Human beings need food and drink, clothing and shelter, as well as some interaction including education and care (for example, in childhood and old age). Hence it is rational in their behalf to require of an institutional scheme that it assure its participants that they can meet these needs. In more traditional societies this requirement might best be satisfied through a solidaristic family or kinship structure coupled with some form of organized charity. In modern societies effective legal rights would presumably be necessary, but these need figure only as a last resort. Basic social and economic needs can be met without an elaborate welfare system or government ‘handouts’ – if economic institutions minimize unemployment, for example, and include adequate insurance provisions for various contingencies and retirement." (Pogge, 1989, p. 144, grifo nosso)

            90

Como senador da República, Eduardo Suplicy é o autor do Projeto de Lei do Senado n.º 80, de 1991, que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM).

            91

Eduardo Matarazzo SUPLICY, Renda de cidadania: a saída é pela porta, p. 34.

            92

"One can defend the first-principle social minimun analogously, as an indispensable institutional condition necessary for making meaningful the basic rights and liberties associated with the freedom and integrity of person, the basic political liberties, and the rule of law. When persons cannot afford food or shelter or when they lack access to education or basic care, they can still have rights to hold personal property or to run for public office (effective legal freedom) but can hardly begin to enjoy or fully to exercise these basic rights (worthwhile freedom). For them the result may be that the integrity of the person is protected against violence even while it collapses through deprivation of food and shelter. For society at large, it may be that a segment of its population cannot (fully) participate in its legal system, political process and associational life." (Pogge, 1989, p. 145, grifo nosso)

            93

Sônia FELIPE, Rawls: uma teoria ético-política da justiça, in: Manfredo A. de OLIVEIRA, Correntes fundamentais da ética contemporânea, p. 140.
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Sobre o autor
Roger Moko Yabiku

Advogado, jornalista e professor universitário. Bacharel em Direito e Jornalismo, graduado pelo Programa Especial de Formação Pedagógica de Professores de Filosofia, MBA em Comércio Exterior, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e Mestre em Filosofia (Ética). Professor do CEUNSP e da Faculdade de São Roque - UNIESP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YABIKU, Roger Moko. Os princípios do direito público e o Estado:: a dialética dos interesses públicos e dos interesses privados na teoria da justiça de John Rawls e na teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 742, 16 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7010. Acesso em: 26 abr. 2024.

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