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Sigilo da fonte

18/08/2005 às 00:00

Resumo:

Dois jornalistas americanos foram processados por se recusarem a revelar a fonte que lhes forneceu a identidade de uma agente secreta.


A Suprema Corte dos EUA negou examinar o caso, indicando que o sigilo da fonte não é protegido pela Primeira Emenda, o que levou um dos jornalistas a depor e o outro a ser preso.


No Brasil, a Constituição assegura o sigilo da fonte para jornalistas, garantindo o acesso à informação e protegendo a liberdade de imprensa, com leis estaduais que respaldam essa proteção.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

            Dois jornalistas americanos, Judith Miller, do New York Times, e Matt Cooper, da revista Times, foram processados e ameaçados de prisão por se recusarem a fornecer o nome da fonte que lhes revelou a identidade da agente secreta Valerie Plane.

            Recorreram à Suprema Corte mas esta se negou a examinar o caso sob o argumento de que não se trata de matéria constitucional. Na prática a mais alta corte do país reconheceu que o sigilo da fonte não tem amparo na Primeira Emenda, que assegurou a liberdade de expressão e de informação.

            Voltando a decisão para a instância inferior, o jornalista Matt Cooper acabou depondo e, alegando que a pessoa que lhe havia dado as informações liberou-o do compromisso de confidencialidade, forneceu a sua identidade e se livrou da prisão. Judith Miller, contudo, recusou-se a prestar depoimento e acabou presa. "Se não se pode confiar nos jornais para garantir confidencialidade, os jornalistas não têm como trabalhar corretamente, e não há como termos uma imprensa livre", declarou (Jornal Folha de São Paulo, 07.07.2005, p. A-13).

            O episódio mostra-se mais grave quando as notícias dão conta de que o processo teria motivação política e que a revelação da identidade da agente teria sido feita pelo jornalista Robert Novak, mais próximo do governo e que sequer foi intimado a apontar o seu informante.

            O sigilo da fonte é, sem dúvida, a grande garantia de trabalho do profissional da imprensa. Sem ela, nenhum jornalista tem condição de fazer bom jornalismo, mormente o investigativo. Não conseguirá informar os leitores e ouvintes sobre fatos que são revelados off the record, porque os que detêm a informação muitas vezes não podem torná-la pública sob pena de sofrerem sanções dos mais variados tipos. Entre nós, tem se revelado de extrema importância essa garantia, especialmente para desvendar atos de improbidade administrativa dos agentes públicos.

            Nos Estados Unidos sempre se pensou que a garantia do sigilo da fonte tivesse amparo na Primeira Emenda da Constituição, embora vez por outra jornalistas sejam presos por não revelarem suas fontes. A interpretação caiu por terra, entretanto, com a decisão da Suprema Corte.

            Todavia, conforme informa a advogada Laura Handman, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo (07.07.2005, p. A-13), existem leis estaduais que protegem o jornalista da obrigação de revelar as suas fontes, de sorte que a decisão da Suprema Corte apenas mostra a inexistência da garantia no âmbito constitucional.

            No Brasil, ao contrário, a Constituição é expressa quanto à garantia. Dispõe o art. 5º, inciso XIV, que "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".

            Para o jornalista, como vimos, o sigilo da fonte é necessário para o desenvolvimento da profissão, porque sem ele, nem sempre terá condições de garantir o direito constitucionalmente assegurado a todos de acesso à informação.

            Constitui-se, assim, nas palavras de Alexandre de Moraes, em "dupla garantia ao Estado de Democrático de Direito: proteção à liberdade de imprensa e proteção ao acesso das informações pela sociedade" (Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, 2005, p. 254).

            Apesar de ter ganho foro constitucional com a Carta de 1988, a Lei de Imprensa, a despeito de ter sido editada em pleno governo militar, já assegurava a garantia do sigilo da fonte ao jornalista, conforme dispõe o art. 7º: "No exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação não é permitido o anonimato. Será, no entanto, assegurado e respeitado o sigilo quanto às fontes ou origem de informações recebidas ou recolhidas por jornalistas, radio-repórteres ou comentaristas".

            E o art. 71 completa: "Nenhum jornalista ou radialista, ou, em geral, as pessoas referidas no art. 25 [o correto é 28], poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade."

            Como corolário da garantia constitucional do direito ao livre acesso à informação, conforme expõe o constitucionalista citado, e, portanto, inserido no âmbito da liberdade de manifestação do pensamento, só em situações excepcionais de estado de sítio o sigilo da fonte pode ser atingido, porque permite a própria Constituição a restrição à prestação de informações e à liberdade de imprensa, nos termos do art. 139, inciso III.

            Aqui, nas poucas vezes em que fato semelhante ao verificado nos Estados Unidos chegou a ser discutido nos Tribunais, prevaleceu o entendimento de que o jornalista não pode ser compelido a revelar a sua fonte.

            Assim decisão do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: "O jornalista ou radialista, nos termos da Lei de Imprensa, não pode ser compelido a indicar o nome da infração (sic) ou indicar a fonte da sua informação; o seu silêncio não implica imposição de qualquer sanção." (Ap. n. 247.737, 1ª Câm., v.u., j. 20.10.1980, Rel. Marcondes de Moura – JTACrSP 64/316).

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            E do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região: "Configura manifesto constrangimento ilegal o ato de autoridade que determina o indiciamento de jornalista em inquérito policial caso não quebre o sigilo de suas fontes de informação jornalística." (RHC, Proc. 1999.61.81.002202-0/SP, 2ª Turma, v.u., j. 7.12.1999, Rel. Juiz Arice Amaral, DJU 22/3/2000, RTRF 44/255).

            Como afirmou o e. Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: "a proteção constitucional que confere ao jornalista o direito de não proceder à disclosure da fonte de informação ou de não revelar a pessoa de seu informante desautoriza qualquer medida tendente a pressionar ou a constranger o profissional da Imprensa a indicar a origem das informações a que teve acesso, eis que - não custa insistir - os jornalistas, em tema de sigilo da fonte, não se expõem ao poder de indagação do Estado ou de seus agentes e não podem sofrer, por isso mesmo, em função do exercício dessa legítima prerrogativa constitucional, a imposição de qualquer sanção penal, civil ou administrativa." (Inq. n. 870/RJ, despacho de 06.04.1996, DJU 15.04.96, p. 11.461).

            Em suma, sob as leis brasileiras, os jornalistas americanos não teriam sofrido qualquer sanção, pois não estariam obrigados a revelar a fonte de suas informações, mesmo sendo o fato tornado público – revelação da identidade de agente secreto – considerado crime, como ocorre naquele país.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Barretto

advogado, procurador de Justiça no Estado de São Paulo aposentado é autor dos livros "Os procedimentos Penais na Lei de Imprensa" (2ª ed., Juarez de Oliveira), "Lei de Imprensa Interpretada pelos Tribunais" (2ª ed., 2005, Juarez de Oliveira) e "Direito de Resposta - Comentários à Lei n. 13.188/2015", 1ª ed., Letras Jurídicas..

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO, Carlos Roberto. Sigilo da fonte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 776, 18 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7167. Acesso em: 22 dez. 2024.

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