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A antecipação da tutela nos casos de incontrovérsia como meio de concretização do princípio constitucional da celeridade processual

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27/08/2005 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A parte incontroversa da demanda; 2.1 Da necessidade da prestação jurisdicional; 2.2 A controvérsia como requisito para o prosseguimento da ação; 2.3 O pedido incontroverso; 2.4 Do cabimento da antecipação da tutela; 2.5 Justificativas para a antecipação da tutela com base no § 6° do art. 273 do Código de Processo Civil; 2.5.1 A imediata realização do direito incontroverso; 2.5.2 A imediata prestação jurisdicional ao autor que tem razão; 2.5.3 O abuso do direito de defesa; 2.6 A cognição nos casos de incontrovérsia; 3. A antecipação da tutela com base no § 6° do art. 273 do Código de Processo Civil; 3.1. A antecipação da tutela nos casos de não contestação integral; 3.2. A antecipação da tutela nos casos de reconhecimento parcial do pedido; 3.3. A antecipação da tutela nos casos de incontrovérsia de parcela do pedido ou de um ou mais de um dos pedidos cumulados; 3.3.1. A antecipação nos casos de incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados; 3.3.2. A antecipação nos casos de incontrovérsia de parcela do pedido; 4. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO

Atualmente no direito processual civil brasileiro tem-se a cada dia um aumento significativo no número de demandas, o que gera um grande acúmulo de processos, e, conseqüentemente, uma crescente quantidade de conflitos de interesses esperando por uma decisão.

Estes conflitos de interesses, surgidos da não observância de um direito e da impossibilidade de uma composição amigável, devem, necessariamente, serem resolvidos pelo Estado, através de sua função de prestação jurisdicional, onde será decidido qual o interesse que procede.

Entretanto, junto com a prestação jurisdicional do Estado, as partes, devido ao crescente acúmulo de demandas, têm que arcar com o ônus da demora desta prestação jurisdicional.

Tal demora se justificaria se fosse fruto tão-somente da busca de uma certeza quanto ao conflito de interesses surgido. Todavia, acaba gerando uma insegurança nas partes, uma vez que, tendo as mesmas que esperar por tempo indeterminado pela solução do seu conflito, esta demora gera uma incerteza quanto à eficácia da decisão que sobrevier.

E, ainda, não bastasse a falta de celeridade na prestação jurisdicional, há casos em que o autor, mesmo tendo parcela de um direito seu já incontroverso nos autos, tem que arcar com o ônus dessa morosidade, tendo que aguardar até o provimento final para ver o seu direito satisfeito, eis que no processo civil brasileiro não é permitida a cisão do julgamento.

Nestes casos há uma verdadeira afronta aos princípios de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido, de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão e da necessidade de se evitar o abuso do direito de defesa.

Estes princípios visam garantir ao autor que um direito seu já incontroverso, porém não satisfeito pela parte contrária, seja imediatamente cumprido, uma vez que seria injusto não o fazer, eis que o processo deve prosseguir tão somente quanto à parte controversa da demanda.

Desta forma, visando solucionar esta necessidade de se satisfazer o direito incontroverso do autor, foi criada, com base, principalmente, nos estudos de Luiz Guilherme Marinoni, a Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, oriunda da chamada segunda etapa da reforma processual civil, a qual introduziu ao artigo 273, do Código de Processo Civil, entre outras alterações, o seguinte parágrafo: "§ 6º. A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Com a criação desta nova modalidade de antecipação da tutela, qual seja, com base na incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados ou parcela deles, visa-se dar uma maior agilidade aos processos, sendo que o mesmo seguirá a instrução tão-somente quanto àquela parte que ainda estiver controversa, necessitando, assim, de uma maior produção de provas.

Desta forma, o referido instituto mostra-se como uma das melhores alternativas para a concretização do recém instituído Princípio da Celeridade Processual, introduzido no art. 5º da Constituição Federal, pela emenda constitucional n. 45/2004, com a seguinte redação:

Art. 5º. (...)

...

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O presente trabalho dedica-se ao estudo desta nova modalidade de antecipação da tutela, prevista no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, sem o intuito, entretanto, de esgotar o assunto. Assim, analisar-se-á os casos de antecipação da tutela quanto à parte incontroversa do pedido em face da não contestação integral, do reconhecimento parcial do pedido ou, ainda, nos casos de cumulação de pedidos, buscando esclarecer quais os requisitos para tal antecipação, bem como, quais as vantagens e justificativas para a sua concessão.


2. A PARTE INCOTROVERSA DA DEMANDA

2.1 Da necessidade da prestação jurisdicional

No ordenamento jurídico brasileiro tem-se a proibição da autotutela, ou seja, a solução dos conflitos pelos próprios conflitantes, através da força, onde,

Quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. [01]

A partir do momento em que o Estado obteve poder suficiente para criar leis e fazê-las serem observadas, o mesmo assumiu o papel de mediador dos conflitos, sendo ele o responsável pela análise do caso concreto e a respectiva decisão quanto a quem tem razão, vinculando as partes à prestação jurisdicional como forma de solução dos conflitos.

Assim, segundo Arenhart e Marinoni, através da proibição da autotutela, o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, ofertando àquele que não podia mais realizar o seu interesse através da própria força, o direito de recorrer à justiça ou o direito de ação. [02]

Neste mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior, ensina:

Como o Estado de Direito não tolera a justiça feita pelas próprias mãos dos interessados, caberá a parte deduzir em juízo a lide existente e requerer ao Juiz que a solucione na forma da lei, fazendo, de tal maneira, a composição dos interesses conflitantes, uma vez que os respectivos titulares não encontram um meio voluntário ou amistoso para harmonizá-los. [03]

Desta forma, diante do surgimento de um conflito de interesses proveniente da não observância de um direito ou de um dever, a parte que se sentir prejudicada com esta atitude deverá recorrer ao Estado, por meio de uma ação, para que este, através da prestação jurisdicional que lhe é conferida, analise o caso concreto e, posteriormente, decida sobre quem tem razão, satisfazendo, desta forma, o direito da parte interessada.

Sobre esta prestação jurisdicional do Estado, Humberto Theodoro Júnior explica:

Tomando conhecimento das alegações de ambas as partes, o magistrado definirá a qual delas corresponde o melhor interesse, segundo as regras do ordenamento jurídico em vigor, e dará composição ao conflito, fazendo prevalecer a pretensão que lhe seja correspondente. [04]

Assim, segundo muito bem ensinam Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco, o Estado, através da jurisdição, buscará a solução dos conflitos surgidos entre as partes, aplicando as normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e desenvolvendo medidas para que estas normas sejam efetivadas. [05]

2.2 A controvérsia como requisito para o prosseguimento da ação

Como já mencionado, no direito brasileiro é vedada a autotutela, ou seja, a solução dos conflitos pelos próprios conflitantes, através da força, proibindo-se, assim, a chamada justiça pelas próprias mãos.

Desta forma, ante o surgimento de um conflito, o Estado, através da prestação jurisdicional, assume a função de julgador, devendo solucionar os conflitos, dizendo quem tem razão.

Uma vez iniciado o processo, cabe ao autor expor os fatos e fundamentos jurídicos que embasarão sua pretensão, decorrendo destes o seu pedido ou pedidos. Com base nestes fatos alegados pelo autor, caberá ao réu, caso deles discorde, impugná-los especificamente, um a um, de acordo com a previsão contida no art. 300 do Código de Processo Civil [06], expondo por sua vez, os fatos conforme a sua verdade.

Assim, no momento em que o réu impugna os fatos alegados pelo autor e apresenta versão diferente para os mesmos, surge no processo a controvérsia quanto à alegação posta em tela. Esta controvérsia é a peça fundamental para o prosseguimento da ação, uma vez que, sendo ela verificada, cabe ao juiz prosseguir na prestação jurisdicional, buscando a solução da controvérsia, decidindo qual parte tem razão.

Assim, conforme Rogéria Dotti Doria:

A controvérsia – que nada mais é que a situação decorrente da tomada de posições antagônicas pelas partes a respeito de determinado fato ou assunto – gera a necessidade de instrução e, conseqüentemente, de uma maior duração do processo civil. [07]

Desta forma, a controvérsia não só provoca a necessidade de instrução como também é o fato causador da demora na prestação jurisdicional, uma vez que, constatada a controvérsia entre as alegações do autor e do réu, deverá o processo seguir até o momento em que a mesma seja solucionada, proporcionando ao julgador condições para decidir sobre quem tem razão.

2.3 O pedido incontroverso

O autor da ação, como dito anteriormente, em sua peça inicial apresentará os fatos constitutivos do seu direito e em decorrência destes fatos formulará seus pedidos. Ao réu, em sua contestação, cabe impugnar os fatos alegados pelo autor, um a um, em observância ao ônus da impugnação específica contido no caput do art. 302 do Código de Processo Civil. [08]

Caso o réu não conteste a ação, incidirá sobre o mesmo os efeitos da revelia, ou seja, todos os fatos alegados pelo autor em sua petição inicial serão presumidos verdadeiros. Uma vez presumidos verdadeiros, conseqüentemente, todos os fatos alegados na inicial tornar-se-ão incontroversos.

De outra banda, caso o réu conteste a ação, porém silencie quanto a um ou mais de um dos pontos afirmados pelo autor, deixando de impugná-los, os mesmos serão igualmente presumidos verdadeiros e, conseqüentemente, também se tornarão incontroversos. O mesmo ocorrerá nos casos de confissão quanto a um ou mais de um dos fatos, onde será afastada a necessidade da produção de provas relativamente aos fatos confessados, a teor do disposto no art. 334, II do Código de Processo Civil. [09]

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Todavia, a ausência de impugnação ou a confissão de um ou mais fatos não se confunde com a revelia e seus efeitos, vez que esta última torna todos os fatos incontroversos, devendo o juiz julgar antecipadamente a lide, enquanto que a aquela torna um ou mais de um dos fatos incontroversos, porém não todos, impossibilitando desta forma o julgamento antecipado, em face da impossibilidade de julgamento parcial da lide.

Assim, a partir do momento em que um ou mais de um dos fatos se tornarem incontroversos, torna-se desnecessária a produção de provas em relação a eles, surgindo assim, uma certeza do juiz, certeza esta que habilitará o magistrado a proferir um pronunciamento definitivo acerca da lide. [10]

2.4 Do cabimento da antecipação da tutela

Uma vez tido como incontroverso um ou mais fatos, surge um juízo de certeza acerca do(s) mesmo(s), possibilitando um pronunciamento final acerca da lide, não sendo mais necessária a instrução para a solução do conflito entre as partes, uma vez que este não existe mais.

Diante desta incontrovérsia não há porque o autor, ante a certeza da veracidade de sua alegação, deva esperar o desenrolar do processo para só ao final ter esse direito incontroverso admitido.

Neste sentido, Rogéria Dotti Doria explica que:

A prestação jurisdicional se impõe a partir do momento em que as partes concordam no que diz respeito ao pedido ou aos fatos que deram base ao pedido. Todavia, como não é possível ao órgão julgador apreciar imediatamente uma parte da lide através da sentença (ato judicial final) e deixar de analisar outras questões que dependam de instrução probatória, o caminho a ser adotado é a concessão de tutela antecipada. [11]

Neste ponto, a Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, representou uma fundamental evolução no sentido da solução dos casos de incontrovérsia de parte da demanda, acrescentando o § 6º ao art. 273, do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Desta forma, está o julgador autorizado a antecipar a tutela nos casos de incontrovérsia de parcela do pedido ou de um ou mais dos pedidos cumulados, possibilitando, assim, que o autor veja seu direito reconhecido antecipadamente, não precisando mais aguardar toda fase de instrução, sendo que esta se limitará tão-somente ao conhecimento das matérias controversas, uma vez que, segundo Marinoni [12], é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido.

O referido instituto pôs fim ao problema surgido em face da impossibilidade de um julgamento parcial da lide, que não permitia que o autor visse seu direito incontroverso assegurado tão-logo se constatasse tal incontrovérsia, devendo o mesmo arcar com o ônus da demora na prestação jurisdicional.

Assim, com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, é possível que haja a antecipação da tutela quanto à parte incontroversa da demanda, seja ela referente a um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles. Desta maneira, criou-se um instituto capaz de agilizar a prestação jurisdicional, antecipando a parte incontroversa da demanda e prosseguindo na produção de provas quanto à parte controversa.

2.5 Justificativas para a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil

Nos casos de antecipação da tutela com no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, tem-se como requisito fundamental para a sua concessão a incontrovérsia de parcela do pedido ou de um ou mais de um dos pedidos cumulados.

Pois bem, estando parcialmente incontroversa a pretensão do autor e, mesmo diante desta incontrovérsia, manter-se o réu inerte, nada mais justo do que conceder a antecipação da tutela, visando proporcionar ao autor uma maior celeridade na prestação jurisdicional relativa a um direito seu incontroverso e, todavia, não realizado pelo réu.

Neste ponto, a doutrina aponta três fundamentos para a concessão da antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, quais sejam: a) é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido; b) o processo não pode prejudicar o autor que tem razão; e c) a necessidade de evitar o abuso do direito de defesa. [13]

2.5.1 A imediata realização do direito incontroverso

Como já mencionado anteriormente, o autor da ação, em sua peça inicial, apresentará os fatos e em decorrência destes fatos formulará seus pedidos e ao réu, por sua vez, caberá impugnar os fatos alegados pelo autor, um a um, em observância ao ônus da impugnação específica contido no art. 302 do Código de Processo Civil.

Caso o réu conteste a ação, porém silencie quanto à um ou mais pontos afirmados pelo autor, deixando de impugná-los, ou ainda, caso haja a confissão quanto à um ou mais fatos, os mesmos se tornarão incontroversos, controvérsia esta que poderá decorrer, ainda, do reconhecimento parcial do pedido por parte do réu, ou, também, caso parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados não necessite mais de instrução probatória.

Assim, a partir do momento em que parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados tornem-se incontroversos, torna-se desnecessária a produção de provas em relação a eles, surgindo assim, uma certeza do juiz, certeza esta capaz de habilitar o magistrado a proferir pronunciamento definitivo acerca da lide. Todavia, havendo parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados que ainda necessite de instrução, não poderá o magistrado cindir o julgamento, devendo as partes aguardar o provimento final.

Desta forma, estando incontroversa parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados, e, todavia, havendo outra parcela ou outro pedido que ainda necessite de instrução, nada mais justo do que conceder a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273, do Código de Processo Civil, uma vez que, conforme Marinoni, "é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido". [14]

Assim, a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil proporciona ao autor uma maior celeridade na prestação jurisdicional, não obrigando o mesmo a arcar com ônus da espera pelo provimento final, a fim de ver um direito seu, já incontroverso nos autos, satisfeito.

Neste sentido, Marinoni ensina que:

Se o processo deve continuar, não obstante a evidência de um direito, a falta de disposição de tutela antecipatória, evitando a postergação da satisfação deste direito, estaria em desacordo com a necessidade, cada vez mais premente, de tempestividade da tutela jurisdicional. [15]

2.5.2 A imediata prestação jurisdicional ao autor que tem razão

Da mesma forma que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito seu que não se encontra mais controvertido, o processo não pode prejudicar o autor que tem razão.

Estando, no decorrer do processo, parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados incontroversos, e, conseqüentemente, maduros para julgamento, e, todavia, outra parcela ou outro dos pedidos cumulados ainda necessite de instrução, não deve o autor ser prejudicado pela impossibilidade da decisão do julgamento.

Assim, a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil se mostra o instrumento adequado para a satisfação imediata da parcela da pretensão do autor que se encontre incontroversa nos autos, devendo o processo prosseguir, tão-somente, em relação à parte controversa, respeitando assim o princípio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, tornando a prestação jurisdicional mais efetiva.

2.5.3 O abuso do direito de defesa

Por fim, quando parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados torna-se incontroverso nos autos, não há razão para que o autor não veja seu direito satisfeito. Todavia, como na maioria dos casos, o réu mesmo diante da incontrovérsia do direito do autor não o satisfaz.

Neste ponto, importante salientar o que muito bem ensina Marinoni:

Ninguém pode negar que o réu, justamente porque tem interesse na manutenção do status quo, quase sempre procura obter vantagens econômicas do autor em troca do tempo do processo, como se o tempo fosse problema deste, e não do Estado, que se obrigou a prestar a adequada e efetiva tutela jurisdicional após averiguar a existência do direito afirmado em juízo. [16]

Em assim agindo, ou seja, protelando a realização de um direito que se encontra incontroverso, estará o réu, que não o satisfaz, abusando do seu direito de defesa, uma vez que, segundo muito bem ensina Luiz Guilherme Marinoni, estará o mesmo usando de sua defesa "como fonte de vantagens econômicas, fazendo parecer mais conveniente esperar a decisão desfavorável do que adimplir com pontualidade". [17]

Desta forma, aplicando-se a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, estará o magistrado viabilizando a tutela do direito que se tornar incontroverso no decorrer do processo [18], inibindo, da mesma forma, o abuso do direito de defesa por parte do réu.

2.6 A cognição nos casos de incontrovérsia

Caso ocorra a confissão ou a não impugnação de um ou mais fatos alegados pelo autor, conseqüentemente, os mesmos tornar-se-ão incontroversos, não necessitando mais, nos termos do art. 334, incisos II e III do Código de Processo Civil [19], da produção de provas a seu respeito.

Os fatos que não necessitarem mais da produção de provas, eis que incontroversos, quer porque não impugnados, quer porque confessados, ou ainda por já estarem devidamente provados no curso do processo, formarão um juízo de certeza no magistrado, ficando o mesmo apto a proferir pronunciamento definitivo, baseado em cognição exauriente, cognição esta capaz de produzir coisa julgada material.

Neste sentido, Rogéria Dotti Doria ensina que:

Nos casos (...) em que a tutela antecipada é concedida com base no desaparecimento da controvérsia (tal como ocorre em relação à não contestação, ao reconhecimento parcial do pedido e ainda ao julgamento de pedidos cumulados) a antecipação não tem por base a cognição sumária. Nestas hipóteses, a tutela antecipatória é concedida com base em uma cognição exauriente, pois a lide é conhecida em toda a sua profundidade. [20]

Nesta mesma linha, Leonardo José Carneiro da Cunha explica:

Havendo incontrovérsia ou confissão, prescinde-se da produção de provas. E isso porque exsurge, em relação aos fatos confessados ou incontroversos, uma certeza do juiz. Ante a existência de certeza, já estará o magistrado habilitado a proferir pronunciamento definitivo acerca da lide posta ao seu crivo. E a certeza somente é obtida após o exercício de cognição exauriente que produza coisa julgada material. [21]

Todavia, mesmo estando parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados maduros para julgamento, não poderá o juiz julgar antecipadamente parcela da demanda, ante a impossibilidade da cisão do julgamento, eis que não admitida no ordenamento jurídico brasileiro. [22]

Para solucionar esta impossibilidade, deve ser concedida a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, sendo que, uma vez concedida esta antecipação, estará se evitando que o autor seja prejudicado com a demora da prestação jurisdicional, não precisando mais aguardar até o provimento final para ter um direito seu, já incontroverso, satisfeito.

Complementando, importante salientar os ensinamentos de Leonardo José Carneiro Cunha, o qual explica que:

No caso do pronunciamento do judicial fundado no § 6º do art. 273 do CPC, a cognição do juiz é exauriente, justamente por decorrer de uma certeza, obtida pela incontrovérsia referida no dispositivo. Daí por que tal pronunciamento tem força para gerar coisa julgada material. [23]

Esta cognição exauriente decorre do fato de que a parcela do pedido ou um ou mais de um dos pedidos cumulados já se encontra madura para julgamento, não necessitando mais, desta forma, da produção de provas ao seu respeito.

Assim, Marinoni explica que a tutela antecipada baseada nas técnicas de não contestação e de reconhecimento jurídico do pedido é fundada em cognição exauriente, uma vez que, por ser uma tutela anterior a sentença, não terá fundamento em probabilidade ou verossimilhança, como nos casos de cognição sumária. [24]

E por fim, Rogéria Dotti Doria, explicando o grau de cognição da decisão que concede a antecipação da tutela com base no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil nos casos de incontrovérsia de um ou mais de um dos pedidos cumulados ou parcela deles, ensina que:

Importante destacar que esta apreciação é feita com base em cognição exauriente pois não havendo mais nenhum elemento de prova a ser colhido, nem tampouco nenhuma fase do contraditório a ser superada, o órgão julgador analisa a questão em toda a sua profundidade, deixando de exarar um convencimento a respeito da probabilidade do direito, para proferir decisão a respeito da própria existência ou inexistência desse direito. [25]

Desta forma, uma vez que a cognição não terá por base mera probabilidade ou verossimilhança, não há a necessidade de se preencherem os requisitos previstos no caput do art. 273 do Código de Processo Civil e seus incisos, eis que estes, por sua vez, somente são exigidos para a concessão da antecipação da tutela fundada em cognição sumária. É o que ensina, aliás, Rogéria Dotti Doria:

Nos termos do que estabelece o caput do art. 273 [...], os requisitos para a antecipação da tutela são: a existência de prova inequívoca, ou seja, prova clara, evidente, manifesta; a verossimilhança da alegação, o que corresponde a uma alegação que pareça ser verdadeira; o receio de um dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda um abuso no direito de defesa ou propósito evidentemente protelatório do réu. Sem a presença destas condições não se justifica a antecipação da tutela. No caso do § 6º, porém, não se fazem necessários tais requisitos. Basta que desapareça a controvérsia, independentemente da existência ou não de receio de dano, pois nessa hipótese a tutela não estará sendo concedida com base em mera probabilidade (cognição sumária), mas sim com base em certeza jurídica (cognição exauriente). [26]

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Sobre o autor
Frederico Klein

advogado em Sapiranga (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLEIN, Frederico. A antecipação da tutela nos casos de incontrovérsia como meio de concretização do princípio constitucional da celeridade processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 785, 27 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7204. Acesso em: 26 abr. 2024.

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