Interfaces entre Conselho Tutelar e escola: limites e possibilidades

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11/02/2019 às 15:35
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3. Escola e CONSELHO TUTELAR (CT): Limites e Possibilidades

A sociedade contemporânea tem sido inquietada pela busca de maior organização para a resolução dos problemas. O liame que permeia Escola e CT é o cenário perfeito para colocar em xeque esses limites e possibilidades em razão dos reflexos multifacetados dos problemas envolvendo crianças e adolescentes.

Embora num primeiro momento pareça que a Escola e o CT não precisariam manter qualquer contato, tal assertiva não procede, uma vez que os dois juntos podem resolver uma série de problemas, os quais dificilmente seriam solucionados sem a ajuda mútua, dentre eles a evasão escolar, que a cada dia preocupa mais em virtude das consequências negativas que gera.

Osório (1999, p.39-45) e Suguihiro (1999, p.67-70) enfatizam incisivamente que, intramuros, os professores questionam qual a relação dos CTs com a Escola e o que ambos podem fazer em relação aos direitos e deveres, por exemplo, dos agentes envolvidos em situações de ato infracional.

É tênue a linha correlativa que os une, pois o ECA não disciplinou a hipótese por completo. Entretanto, não se olvida que o CT é um órgão que possui o dever de velar pelo respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, sem, contudo, se transformar em uma espécie de polícia da família ou Escola, como querem alguns.

Cumpre observar que vários autores, dentre outros Konzen (2000, p.185) e Cyrino (2000, p.279), debatem sobre a função do CT e sua respectiva relação com a Escola através de seus conselheiros. Entretanto, em que pese a deliberada intenção positiva do CT, a verdade é que o órgão, na maior parte das vezes, está desprovido dos recursos necessários para satisfazer a crescente procura, por isso deve ser articulada com os demais segmentos sociais, mormente a Escola na perspectiva que se investiga neste trabalho.

Na mesma direção, as Escolas e seus professores devem ser incentivados a participar das instâncias de discussão e deliberação que vêm ocorrendo extra muro. Deve-se discutir o modo peculiar das relações entre CT e Escola, aproveitando as possibilidades de complementação. No que tange a este aspecto, algumas unidades da federação têm se voltado mais para esta questão e, como exemplo disto, mencionam-se no Estado de São Paulo as atividades do tipo mesas-redondas promovidas pelo Programa Avizinhar e a Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP.

Outro exemplo é o Estado de Mato Grosso que desenvolve o projeto "Escola de Referência Estadual em Gestão Escolar", através da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), entregando diplomas, bem como um kit de materiais pedagógicos às escolas vencedoras que atendam plenamente aos critérios do Prêmio.

As escolas vencedoras representam o Estado de Mato Grosso no "Prêmio Nacional de Referência em Gestão Escolar", que é outra excelente iniciativa, promovida pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED), Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas/United Nations Educational Scientific and Cultural Organization (UNESCO), Fundação Roberto Marinho e Secretarias de Educação de todo o Brasil.

O CT tem participação nesses projetos, haja vista que uma Escola de Araputanga/MT foi escolhida entre 2.909 escolas, de 27 Estados brasileiros, graças a um projeto em conjunto com o CT da cidade, envolvendo pais e professores, vez que todos os envolvidos trabalharam no combate à evasão, o que foi determinante para a conquista do Prêmio mencionado.

Devido à participação do CT, atuando junto à população de periferia e área rural, nos últimos três anos, segundo informações da Escola "Dr. Joaquim Augusto Costa Marques" a mesma deixou de perder alunos (site SEDUC/MT e MEC).

Também há outro programa de combate à evasão escolar que conta com atuação do CT, mostrando as possibilidades na sua interface com a Escola. Trata-se do programa APÓIA que é uma ação de parceria entre o Poder Judiciário, Procuradoria da Justiça - Coordenadoria Geral da Promotoria da Infância e Adolescência, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, Secretaria de Direito Econômico (SED), União Nacional dos Dirigentes Municipais (UNDIME), Federação Catarinense de Municípios (FECAM), Sindicato dos Estabelecimentos particulares de Ensino (SINEPE), CTs, Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares (ACCT) e outros apoiadores.

Esclarece-se que é programa inicial, inserido em um plano geral denominado de Justiça na Educação, influenciado por cursos que vêm sendo promovidos no Brasil, em convênio da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP) com o Ministério da Educação/Fundo de Fortalecimento da Escola (MEC/FUNDESCOLA).

O desiderato do Projeto APÓIA é garantir a permanência na escola, de crianças e adolescentes com idade de 7 a 18 anos, visando à conclusão do Ensino Fundamental. O APÓIA também fomenta o regresso à escola de crianças e adolescentes nessa faixa etária, que se evadiram da educação formal.

A participação do CT se justifica na medida em que os motivos da evasão são tanto intrínsecos quanto extrínsecos à Escola. O Projeto APÓIA visa uma intensa reflexão e consequente ação da comunidade escolar em relação à falta de frequência e evasão, violência (maus tratos), insucesso escolar (repetência), inacessibilidade e dificuldades com alunos envolvidos em atos infracionais, o que mais uma vez evidencia a correlação produtiva entre CT e Escola.

O CT, nesse projeto, atua de forma integrada e interinstitucional visando apoio ao aluno que não frequenta a aula, bem como a sua família. A atuação integrada e interinstitucional se deve ao fato do CT atuar em conjunto com o Promotor de Justiça da Infância (CF, artigos 21, 129, II e 201, VIII), Secretário Municipal da Educação, Coordenador Regional da Educação entre outras instituições.

No Estado de Santa Catarina o projeto APÓIA tem sido desenvolvido da seguinte forma: elaborou-se um formulário padronizado denominado “aviso por infrequência de estudante”, o qual é preenchido pelo professor quando houver a reiteração de faltas e remetido à Direção da Escola e por esta ao CT. Este último órgão diligencia tentando solucionar a questão. Em caso negativo, a situação é encaminhada ao Promotor da Infância. Até o momento, apurou-se que o formulário facilita o acompanhamento do programa e é importante ferramenta para a formulação de políticas públicas.

Em Ouro Preto do Oeste/RO também tem ocorrido atuação complementar do CT e Escola, em que pese não ser uma unanimidade. Observe-se a resposta dada por um dos conselheiros expressando-se sobre a prática desenvolvida:

Quanto aos conselheiros em geral, realizamos palestras nas Escolas (levamos informações dos direitos e deveres), entretanto, há profissionais da educação, sabe alguns diretores, que não gostam que o Conselho trabalhe desta maneira, porque às vezes eles estão agindo fora dos parâmetros e não gostam de ser cobrado, mas o bom é que isso é exceção. Na maioria das vezes os próprios diretores e professores chamam os conselheiros porque eles pensam que é importante. Algumas vezes, trabalhamos com adolescentes tidos como problemáticos. (entrevista com conselheiro tutelar “E”)

Em entrevistas com os conselheiros tutelares integrantes da 2ª, 3ª e 4ª composições (2001/2003, 2004/2006 e 2007/2009, respectivamente), verificou-se que diante da credibilidade que o Conselho passou a ter perante a comunidade local, começou a atender uma gama maior de casos, pois a população, incluindo diretores, professores e pais passaram a entender que o CT poderia ser um aliado no combate à questão da evasão escolar.

Essa análise comprova exatamente o quanto a ligação entre a Escola e o Conselho é importante, pois é através da Escola que o Conselho tem maiores chances de tomar conhecimento acerca das evasões e tantos outros problemas, para, só então, tentar resolvê-los. Desse modo, a relação com o CT tem-se revelado como um potente espaço para propiciar novas ideias e abordar situações definidas como problemáticas dentro das Escolas.

As questões aqui propostas devem ser discutidas, pois haverá benefícios de toda ordem para a criança, adolescente, seus pais ou responsáveis, para a Justiça da Infância e Juventude e, enfim, para toda a sociedade. Por esse motivo devem os operadores do direito e educadores, fomentar a necessidade de fortalecimento institucional do CT. Na medida em que o Conselho desempenhe seus atributos previstos no artigo 136 do ECA, bem como aplique as medidas de proteção, haverá uma complementar atuação educativa preventiva com o escopo de que no futuro não ocorram aplicações de medidas socioeducativas pela Justiça da Infância e Juventude.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do conjunto de elementos investigados foi possível concluir que a interface entre Escola e CT com seus limites e possibilidades está presente nas atividades desenvolvidas pelo CT de Ouro Preto do Oeste, bem como em outras localidades citadas.

Trata-se de procedimento contínuo envolvendo os sujeitos criança, adolescente, Escola e CT, atuando este último, em regra, quando é acionado, em especial nos casos de evasão escolar, reiteração de faltas injustificáveis e repetência em nível elevado, problemas esses que desencadeiam inúmeras outras dificuldades sociais.

O CT pode atuar em complementação à Escola nesses assuntos, conforme se demonstrou nas várias experiências desveladas, contudo não será a panacéia para esse problema, até porque depende da interface com outros órgãos governamentais e não governamentais e, principalmente, apoio da família e da própria criança e adolescente.

Este estudo tem o escopo de tentar contribuir para o avanço do conhecimento nessa área na medida em que o aspecto da complementação entre CT e Escola pode ser muito mais explorado, além de sinalizar para outros aspectos como de uma prática suplementar do CT em relação à Escola, que bem explorada evidenciará sua multifacetada relevância social.

O trabalho focalizou apenas alguns pontos da interface entre ambos, quanto ao que Lei dispõe sobre CT e Escola em postura complementar, que pode ser aprofundada em estudo teórico e exercício prático consciente dos envolvidos.

Verificou-se que os conselheiros tutelares têm consciência sobre o que deveriam fazer para se aproximar mais do desenvolvimento dessa interface, contudo, diante das dificuldades enfrentadas essa consciência não chega a se transformar em mudanças práticas radicais, pois o conselheiro ideal em muito se distancia do real. Aquele exerceria suas funções em local adequado, com remuneração justa e boas condições de trabalho. Este desempenha suas atividades sem estrutura suficiente e na maioria das vezes percebendo como remuneração um valor totalmente desproporcional ao trabalho realizado.

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Como debate Bobbio (1992, p.67) “teoria e prática percorrem duas estradas diversas e a velocidades muito desiguais”, por isso há que se considerarem as peculiaridades existentes entre um CT e outro, sejam eles de municípios diferentes ou do mesmo, bem como dos próprios conselheiros do mesmo Conselho.

A lei, em nível municipal e federal, elenca as atribuições atinentes ao CT, porém esse trabalho realizado pelo CT vai muito além dos simples atendimentos e encaminhamentos ou representações, pois não visa somente à resolução de um problema específico, pelo contrário, objetiva, a prevenção de possíveis casos futuros.

Em síntese, é como uma semente positiva que já foi lançada e deve receber todos os cuidados necessários para que possa germinar e dar bons frutos, cabendo à sociedade como um todo incentivar e colaborar com o seu crescimento.


REFERÊNCIAS

ABRANCHES, Mônica. Colegiado escolar: Espaço de participação da comunidade, v. 102. São Paulo: Cortez, 2003.

ALVES JUNIOR, Oscar Francisco. Estatuto da Criança e do Adolescente: O Conselho tutelar e sua prática educativa. Revista da Escola da Magistratura de Rondônia (Emeron), volume 23, ISSN 1983-7283 2012. Porto Velho: 2012.

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos, 15ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CYRINO, Públio Caio Bessa. O papel articulador dos conselhos de direitos e dos conselhos de educação. Em: Pela Justiça na Educação, cap. 7. Brasília: Fundescola/MEC, 2000.

KONZEN, Afonso A. Conselho Tutelar, escola e família: parcerias em defesa do direito à educação, em: Pela Justiça na Educação, cap. IV. Brasília: Fundescola/MEC, 2000.

OSÓRIO, Antônio Carlos do Nascimento. O contexto e o texto: pressupostos da prática pedagógica. Em: Cadernos: Caminhos para a cidadania, vol.1, Infância e juventude, desafios para o século XXI. Campo Grande: UFMS, 1999.

REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO TUTELAR. Ouro Preto do Oeste – Rondônia. 2007.

SUGUIHIRO, Vera Lúcia Tieko. A prática pedagógica dos Conselhos. Em: Cadernos, Caminhos para a cidadania, vol.1, Infância e juventude, desafios para o século XXI. Campo Grande: UFMS, 1999.


Resumen: El objetivo de este estudio fue investigar la interfaz entre el Consejo Tutelar (CT) y la Escuela, analizando sus límites y posibilidades, eligiendo como referencia para la investigación empírica el CT del municipio de Ouro Preto del Oeste en el estado de Rondônia en el período 2001-2007. tanto se utilizó de investigación bibliográfica, documental, así como de la legislación en ámbito federal y municipal. También se utilizó, en la construcción del campo empírico, de la técnica de entrevistas y análisis de las actas de reuniones administrativas y de las actas de los casos atendidos por el CT. El trabajo demostró que en el CT analizado, así como en otros, cuyas experiencias son relatadas en el contexto de correlación entre CT y Escuela, ha ocurrido de forma complementaria a la interfaz investigada, pudiendo ser más desarrollada en la medida en que se superen límites de falta de estructura de los CTs y ampliar la intercomunicación entre el CT y la Escuela.

Palabras clave: Política Educativa. El Consejo Tutelar del Municipio de Ouro Preto del Oeste. Educación básica.

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Sobre o autor
Oscar Francisco Alves Junior

Doutorando pela UNIVALI, Mestre pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Mestre pela Fundação Getúlio Vargas (FGV RJ), Postgrado pela Universidad de Salamanca/España, MBA pela FGV RJ, Bacharel em Direito pela ITE Bauru/SP e em Teologia pela UMESP, Coordenador da Pós-graduação na Escola da Magistratura de Rondônia, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Rondônia. Ji-Paraná, Rondônia/Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este trabalho faz parte da pesquisa elaborada no Mestrado concluído na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Leia também: a) https://jus.com.br/artigos/59026/a-taxonomia-da-saida-temporaria-uma-analise-na-comarca-de-alta-floresta-d-oeste-ro-de-2013-a-2015/ b) https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/12257/8486 c) http://emeron.tjro.jus.br/images/biblioteca/revistas/emeron/revista-emeron-2012-23.pdf

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