EMPRESAS VIRTUAIS E ESCRITÓRIOS COMPARTILHADOS NO MUNDO DAS LICITAÇÕES. SERIA POSSÍVEL HABILITÁ-LOS?

13/03/2019 às 20:37
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O presente artigo traz uma realidade atual de muitas empresas. Compartilhar ambientes se tornou uma alternativa de redução de custos. Em uma licitação, seria possível manter o sigilo das propostas em empresas com mesmo endereço físico? E sua habilitá-las?

As mudanças tecnológicas têm ocorrido numa velocidade realmente incrível e, atrelada a ela, os conceitos de administração e de negócios. Muitas novas atividades surgiram no mercado e o que temos percebido como mais emergente são os negócios em ambientes compartilhados.

Há algum tempo, era comum se deparar nas licitações com empresas cujo endereço era apenas uma casa, sem fachada ou um mesmo grupo ser composto por empresas em um mesmo endereço. Estas situações, quando apuradas, quase sempre evidenciavam práticas incondizentes com a lisura do certame, mas que, mesmo assim, careciam de diligências para averiguação real.

Afastando o olhar sobre tais situações indevidas, compete-nos destacar que existem interessados em tratar com a Administração Pública, que hoje são enquadrados como Microempreendedores individuais ou mesmo Empresários Individuais com empresa recém constituída ou ainda com pouco capital de giro. Estes, quando não utilizam seus próprios endereços (home Office), tendem a utilizar algum tipo de compartilhamento.

Mas o que caracterizaria este tipo de ambiente? Primeiro é preciso entender que existem diversos deles, sendo os mais comuns:

- COWORKING, que trata de um ambiente compartilhado onde profissionais de diversas áreas podem dividir o espaço de trabalho, já existindo mais de 810 espaços de coworking espalhados ao redor do país;

- ESCRITÓRIOS VIRTUAIS, que são condomínios que agrupam diversas empresas no mesmo prédio. A principal diferença do coworking é que mantém a individualidade de cada empresa, inclusive onde alguns espaços podem dispor de entradas separadas; e

- SELF STORAGE, que se tratam de ambientes compartilhados com espaços de armazenagem compatíveis com a necessidade de cada cliente, físico ou jurídico, normalmente localizado nos grandes centros, próximos de sua loja ou escritório, afastando a necessidade de manutenção de galpões próprios.

Não sendo estes os únicos tipos de serviços compartilhados já disponibilizados pelo mercado atual, compete destacar que em uma primeira análise, é notório a economia que trazem para as empresas, que deixam de pagar aluguéis caros, bem como seus custos com IPTU, energia, água, telefonia, dentre muitos outros que disporia, inclusive, em instalações próprias.

Em se tratando dos coworkings, compete observar que essa nova modalidade de negócios pode gerar uma economia à empresa que os adota de aproximados 80% (oitenta por cento) dos custos de manutenção caso optasse pela adoção de instalações próprias.

Em tempos tidos como de crise, este tipo de negócio tem ganhado cada vez mais força. Profissionais liberais, empresas conceituadas, cooperativas e os mais diversos ramos têm optado em abrir ou mesmo transferir suas atividades para ambientes como este, que pode abrigar desde um simples CNPJ de empresa, como uma estrutura empresarial completa.

Destacando os coworkings e escritórios virtuais, estes trazem consigo serviços personalizados contando, por exemplo, com recepção, segurança privada, estacionamento, serviços de copa e limpeza, salas para reuniões, auditórios, dentre outros serviços que, se o empresário fosse fazer, em ambiente próprio, seria altamente dispendioso.

De igual modo, outro conceito que também tem ganhado força, o Self Storage atua com o auto armazenamento. Esse tipo de espaço tem permitido que empresas que dependem de estoques para a manutenção do seu negócio possam dispor de serviços de guarda de seus produtos que não em instalações próprias.

Como já abordado, ramos de negócios como estes têm sido a solução para muitos empreendedores e empresários que atuam tanto com produtos quanto com serviços, principalmente ante a economicidade trazida. E é este ambiente de mudanças que a Administração Pública deve se adaptar, principalmente quando envolver a habilitação ou não de uma empresa licitante.

Embora esteja tramitando o Projeto de Lei nº 8300/2017, o negócio vem se expandindo, sob olhar atento das prefeituras municipais, de modo a manter a arrecadação fiscal. Mas o fato é que possuir mesmo endereço já não é mais sinônimo de mesmo grupo ou sequer deve ser tratado de imediato como possível conluio de empresas. Na verdade torna-se ainda mais necessária a cautela em se promover diligência.

Quando uma licitação exige que a empresa detenha escritório no local de prestação de serviços, a contratação de um ambiente compartilhado, comumente, é a primeira opção, tanto pela praticidade, quanto pela economia.

Mas quando ocorre de uma contratação com objeto mais complexo?

Imaginem, por exemplo, uma licitação para terceirização de mão-de-obra. Determinado interessado participa e apresenta a melhor proposta, mas, por ocasião da habilitação, após realização de diligência, o responsável pela condução do certame opta por sua inabilitação, alegando que não é possível esta se manter em escritório compartilhado, uma vez que não teria como preservar as informações (sigilosas) de seus funcionários em tal ambiente.

Tal assertiva não é mais aceitável. Uma empresa não necessariamente precisa ter um Setor Contábil próprio, podendo substituí-lo por um escritório que tenha este fim. O mesmo vale para o setor de Recursos Humanos ou até Financeiro, podendo dispor de profissionais liberais. O que impede, então, das empresas trabalharem com menos papel e se tornarem mais digitais?!?! Neste sentido, destacamos o gigante Google, com seu serviço de compartilhamento em nuvens, que possibilita a todos acessar seus arquivos em qualquer computador, celular, tablet ou dispositivo que, ligado a uma rede de comunicação virtual, permita desenvolver as atividades normalmente.

Se é difícil o agente público aceitar a modernidade que tem reduzido custos das empresas, então convidamos a observar como anda se comportando a Administração Pública:

Com o Decreto Federal nº 3.931/2001, a logística da Administração Pública entrou numa nova fase, quando iniciou a regulamentação do Registro de Preços, reduzindo a necessidade de armazenagem em Almoxarifados próprios, substituindo-os pela armazenagem nas próprias empresas fornecedoras, afastando a obrigatoriedade em adquirir e, em substituição, permitindo haver apenas possibilidades de negócios futuros.

Com o advento do Decreto nº 5.450/2005, tornou-se ainda mais forte o processo de virtualização das compras públicas, quando este regulamentou a modalidade Pregão na forma eletrônica, permitindo que toda a licitação ocorresse de forma transparente e em tempo real, inclusive permitindo a inclusão digital de toda a documentação dos interessados e, principalmente, visível aos demais interessados (concorrentes).

Dando um salto no tempo, em abril deste ano de 2018, lançou-se uma nova ferramenta de gestão, com o intuito de aprimorar o planejamento das compras públicas: o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC). Com ele, foi editada a Instrução Normativa 1/2018, dispondo sobre o PGC e a elaboração do Plano Anual de Contratações públicas de bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação e comunicações no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, onde cada UASG deverá elaborar e inserir no sistema seu respectivo Plano Anual de Contratações, contendo todas as compras e contratações que irão realizar no ano seguinte, ampliando as compras compartilhadas do Governo Federal. Atualmente, vigora a Instrução Normativa 1/2019, que revogou a Instrução Normativa 1/2018.

Recentemente, a Lei nº 13.726, de 8 de outubro de 2018, afirmou a racionalização dos atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com a instituição do Selo de Desburocratização e Simplificação, passando, por exemplo, a dispensar a exigência de reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento.

Observe que as tendências compartilhadas, digitais e antiburocráticas têm sido cada vez mais fortes, então, porque não compreender o que ocorre também do outro lado do business to government. De fato, é uma nova preocupação, pois quando saber se as empresas realmente são concorrentes ou são parceiras? A resposta é bem simples e legalmente prevista: diligência. O que difere é como se dará o estudo, se fará a aplicação e se comprovará o fato.

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Tem sido comum a exigência de que as empresas vencedoras dos certames para prestação de determinados serviços, disponham de escritórios no local onde estes serão realizados. E qual seria o meio mais rápido de atender tal exigência contratual? Um ambiente compartilhado.

Outrossim, não causaria espanto se a empresa que forneceu um atestado de capacidade técnica tivesse o mesmo endereço da licitante. Sendo ainda mais impactante, suponha que duas licitantes concorrentes diretas apresentem documentos de habilitação com idêntico endereço. Seria caso de fraude? Em outros tempos, as dúvidas seriam remotas, mas não com esta tendência comercial.

Uma empresa, para ser sediada em ambientes como estes, será detentora de toda a documentação de habilitação jurídica como se estivesse em sede própria, inclusive alvará. A regulamentação destes ambientes compartilhados e virtuais são observados pelas prefeituras municipais que apenas expedem alvarás após uma criteriosa análise no tocante a compatibilidade dos CNAEs com o ambiente onde a empresa (licitante) será instalada.

Evidente que, ao compartilhar o mesmo espaço, torna ainda mais polêmica se há ou não conluio de empresas participantes, mesmo que com sócios diferentes, onde concitamos a decisão do TCU contida no Acórdão 2273/2016-P:

“54. (...) não se trata de empresas com sócios em comum, como apontado no Acórdão 526/2013-TCU-Plenário, mas empresas de sócios diferentes que atuam de forma coordenada – como admitiram evitar disputar os mesmos clientes – o que pode ser constatado por meio da descrição idêntica de vários itens do certame, o que não é justificado apenas pelo compartilhamento do sinal de wi-fi, bem como pelo fato de uma ter supostamente desistido de dar lances na sessão pública ao saber que a outra estava participando, o que, repisese, somente é possível por meio do compartilhamento de informações fora do ambiente do Comprasnet” (grifamos) (Acórdão 2273/2016-P. TC-012.062/2014-6. Ministro Relator Marcus Bemquerer Costa)

Este acórdão nos faz refletir sobre como as diligências podem e devem ser operadas, já que envolvem questões relativamente técnicas e em campos que podem avançar além da competência do Pregoeiro ou da Comissão de Licitação. Conveniente destacar que o endereçamento fiscal difere de endereçamento virtual, principalmente no que concerne a IPs (Endereços de Protocolo de Internet). Contudo a coordenação, de empresas que, em tese, são concorrentes, é o que dá sentido à tentativa de burla do sistema.

Quando há participação de uma empresa cujo endereçamento está num local de atividade compartilhada, como um escritório virtual, um coworking ou mesmo um Self Storage, compete apenas observar se seu objeto social está autorizado a atuar naquele local e, se for o caso, diligenciar ao órgão competente que lhe deu permissão ao conceder-lhe o alvará de funcionamento. Não é competência do condutor da licitação entrar nesse mérito, mas sim o de cercar-se de argumentos comprobatórios de quem tem o devido conhecimento, além de tentar assegurar que não houve quebra de sigilo das propostas.

Toda cautela acerca da análise do tema é primaz. Deve sim a Administração Pública cercar-se de todo o cuidado, promovendo seu diligenciamento à luz do art. 43, §3º, da Lei nº 8.666/93. O agente público será o responsável por manter a segurança da contratação, sem restringir a competitividade por apego ao passado. Em que pese todo o cuidado com seu CPF, não poderá fechar os olhos para a modernidade perfeitamente jurídica.

Diante da evolução das informações não cabe mais formalismos exacerbados em detrimento dos Princípios do Formalismo Moderado e da Supremacia do Interesse Público. Este cenário será cada vez mais comum e transcenderá da mera sobrevivência para tempos de crise, diante dos benefícios econômicos trazidos às empresas privadas.

Diligencie-se sempre que se entender necessário e, quando lhe faltar conhecimento técnico, solicite a quem tiver competência para tal. Não se permita que o medo de ser rotulado como agente moroso o influencie negativamente. É dever sim eivar-se dos cuidados necessários para garantir que seu certame seja pautado pela ética e o mais transparente possível.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 8.300/2017. Dispõe sobre a regulamentação e funcionamento dos escritórios virtuais, business centers, coworkings e assemelhados em todo território nacional, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2147960> Acesso em: 15 nov. 2018.

O espaço perfeito para sua empresa: home office, coworking, escritório virtual ou escritório próprio? Como escolher o melhor espaço para construir o seu negócio. Coworking Brasil, 2018. Disponível em: <https://coworkingbrasil.org/guia/home-office-coworking-escritorio-virtual-sala-comercial>. Acesso em: 15 nov. 2018.

Sobre o autor
Daniel da Silva Almeida

Consultor e assessor técnico especializado em licitações, contratos e convênios. Professor Administrador Especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Atualmente Pregoeiro e Membro do Conselho de Ética no Conselho Regional de Administração em Sergipe. Mestre em Administração Pública, é bacharel em Administração, pós-graduado em Direito Público com ênfase em Contratos e Licitações e em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, palestrante e instrutor na área de licitações e contratos, elaboração de planilhas de custos e formação de pregoeiros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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