Renda per capita familiar não pode ser único critério para concessão de benefício assistencial

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16/03/2019 às 17:00
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2 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA 

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) também denominado de amparo social é assegurado pela CF/88 equivalendo-se a um valor de um salário mínimo de benefício mensal destinado à pessoa com deficiência e ao idoso que possam comprovar insuficiência econômica para prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, de acordo com os preceitos legais.

A previsão deste benefício encontra-se no art. 203, V, da CF/88, estando disciplinado pelos arts. 20 e 21 da LOAS, com regulamentação do Decreto nº. 6.214, de 26.09.2007 e redação dada pelo Decreto nº. 7.617/2011. Para efeitos da concessão considera-se idoso e deficiente:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 

[...]

§ 2º.  Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015).

A concessão do benefício, para pessoas com deficiência, encontra-se relacionada à prévia avaliação da deficiência e da condição de impedimento. Significa dizer que, é imprescindível que a perícia indique qual a deficiência constatada conforme o § 2º citado, além de apontar o grau de impedimento para o trabalho e para a integração social.

Não se deve desprezar que a Lei nº. 12.470/2011, movida, certamente, pelos anseios da doutrina, acrescentou ao art. 20, o § 10, em que identifica-se a possibilidade de percepção do amparo assistencial àquelas pessoas com impedimentos de longo prazo, isto é, os incapacitados para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 anos.

Realçando que esse benefício tem caráter personalíssimo, ou seja, não tem natureza previdenciária, sendo assim, não origina nenhum direito de pensão em caso de morte (art. 23 do Decreto nº. 6.214/2007). Igualmente não gera nenhum direito a abono anual (art. 22 do mesmo Decreto), caso venha a óbito o beneficiário, os dependentes não tem direito à pensão.

De acordo com Folmann e Soares (2012), a cada dois anos o beneficio é revisto e não gera direito ao 13º salário, o seu cancelamento se dá conforme esses critérios: óbito do beneficiário; ao cessar a incapacidade; renda per capita for superior o estipulado em lei; acumulo com outro benefício (exceto de assistência médica).

Um novo entendimento trazido pelo Decreto nº 6.214/2007, em seu art. 23; § único, foi que: “O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil”. Ressaltando que no dispositivo legal anterior não havia essa previsão. Oportuno realçar que ao implantar o BPC alguns benefícios foram extintos, tais como: renda mensal vitalícia, auxílio-natalidade e auxílio-funeral, visto que anteriormente estes existiam no âmbito da Previdência Social.

O BPC também faz parte da proteção social básica no âmbito do SUAS e encontra-se integrado pela PNAS, que dentre outras coisas tem o intuito de erradicar e/ou minimizar os índices de pobreza, garantir a proteção social e prover condições adequadas de atendimento aos contingentes sociais e universalizar os direitos sociais, conforme estabelecido no art. 2º; § único, da  Lei nº. 8.742/1993.

O BPC destina-se às pessoas que vivem em extrema situação de pobreza ou carentes, inclusive àquelas que não possuem família ou moradia. O Decreto nº 6.214/2007 traz em seu arcabouço no art. 13, § 6º, que a “pessoa em situação de rua” (grifo nosso), também faz jus ao beneficio.  Nesse caso, de acordo com Aguiar (2017), a referência adotada deve ser o endereço do serviço da rede socioassistencial que o acompanha, ou, caso contrário, pessoas com as quais tenha relação de proximidade e convive na mesma situação. Por relação de proximidade entende-se indivíduos apontador pelo requerente e do seu convívio que podem ser facilmente localizados (§ 8º).

A Portaria Conjunta SPS/INSS/SNAS nº 2 de 19 de setembro de 2014, no art. 2º, inciso VII define população de rua da seguinte forma:

[...] grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente [...].

O grupo familiar a ser considerado é o mesmo elencado acima e convivam com o requerente também em situação de rua. Devendo, neste caso, ser  relacionadas na Declaração da Composição e Renda Familiar.

Não obstante, no entendimento de Lazzari e Castro (2016), embora o benefício seja de uma prestação derivada da assistência social, a instituição jurídica responsável por sua concessão, manutenção e fiscalização é o INSS, conforme disposto no art. 29, § único, da Lei n. 8.742/1993. Desse modo, os recursos de responsabilidade da União designados para financiar o BPC devem ser repassados pelo Ministério da Previdência diretamente ao INSS.

Em suma, para fazer jus ao BPC à pessoa idosa, deficiente ou àquela que por algum motivo não tem como se manter deve possuir uma renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. À título didático pedagógico é  importante realçar que o fato de certas pessoas, ainda que estejam doentes com patologia de câncer, doenças cardíacas crônicas, AIDS dentre outras não são consideradas deficientes.

A esse respeito assim se pronuncia Pierotti (2011), doença não é a mesma coisa que deficiência, embora algumas pessoas sofram das patologias elencadas ou outras de origem crônica e são incapacitantes para atividades laborais, mas se não tiverem sequelas motoras, intelectual, mental, cegueira, entre outras, não se enquadram como pessoas com deficiências. E para fazer jus ao beneficio precisa se enquadrar na renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

2.1 Renda Per Capita: Características e Conceitos

Um dos principais critérios, senão o principal, para conceder o benefício assistencial se esbarra em reconhecer a renda familiar, que de acordo com a Lei 8.742/1993 não pode ultrapassar ¼ do salário mínimo, qualquer valor acima disso há o indeferimento do beneficio.  A LOAS no art. 20 § 3o dispõe: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. Todavia, analisando literalmente o texto infraconstitucional, pode esbarrar na real condição da família.

Sob a ótica da Lei nº 8.742/93, a família conforme estabelecido no art. 20; §1º é composta: “pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. Em que pese essa definição, em linhas gerais, pessoas que habitam sob o mesmo teto constitui requisito geral de admissibilidade para ser integrantes do mesmo grupo familiar.

Ao estipular um valor absoluto que comprove a miserabilidade, considera-se o parâmetro de pobreza estabelecido pelo Programa Nacional de Acesso a Alimentação (PNAA), que de acordo com a Lei nº. 10.839/2003, dispõe:

Art. 2º O Poder Executivo definirá:

§ 2º Os benefícios do PNAA serão concedidos, na forma desta Lei, para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a meio salário mínimo.

§ 3º Para efeito desta Lei, considera-se família a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e mantendo sua economia pela contribuição de seus membros (grifo nosso).

§ 4º O recebimento do benefício pela unidade familiar não exclui a possibilidade de recebimento de outros benefícios de programas governamentais de transferência de renda, nos termos de regulamento.

§ 5º Na determinação da renda familiar per capita, será considerada a média dos rendimentos brutos auferidos pela totalidade dos membros da família, excluídos os rendimentos provenientes deste Programa, da Bolsa-Alimentação, e da Bolsa-Escola.

§ 6º No levantamento e na identificação dos beneficiários a que se refere esta Lei, será utilizado cadastro unificado para programas sociais do Governo Federal.

Todavia, Lazzari e Castro (2016), enfatizam que embora vivendo sob o mesmo teto, existem pessoas que podem permanecer excluídas do grupo, tire como exemplo, indivíduos sem relação de parentesco, e também alguns parentes, incluindo-se aí: filhos e enteados casados (divorciados ou viúvos), netos, irmãos casados (divorciados ou viúvos), sobrinhos e avós, entre outros. Os filhos solteiros de qualquer idade passaram a compor o grupo familiar, o limite de 21 anos de idade não existe mais.

Entretanto, importante destacar que esta conceituação de grupo familiar é estabelecida pelo art. 20, § 1º., da Lei n. 8.742/1993, já elencada, tendo excepcionalmente e exclusivamente a finalidade precípua de fazer os cálculos relacionados a renda per capita.

O questionamento pronunciado anteriormente continua em evidência, ou seja, os critérios de renda individual dos membros familiares no caso concreto podem ser flexibilizados, adotando outros critérios mais apropriados, v.g., abater da renda familiar os gastos com medicamentos que não estão disponíveis no SUS. Sobre esses critérios a própria Lei nº 8.742/93, prevê essa flexibilização, pois em seu art. 39, dispõe:

Art. 39. O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), por decisão da maioria absoluta de seus membros, respeitados o orçamento da seguridade social e a disponibilidade do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), poderá propor ao Poder Executivo a alteração dos limites de renda mensal per capita definidos no § 3º do art. 20 e caput do art. 22.

Mesmo havendo essa possibilidade e por ser um assunto um tanto complexo, o CNAS por meio dos seus membros nem cogitaram entrar nesta seara, assim, essa providência, jamais foi adotada.

Em julgamento da ADI 1.232/1998 o STF decidiu que o art. 20, § 3º da LOAS é critério objetivo e, plenamente constitucional, portanto tem que ser cumprido, mas de acordo com Amado (2018), mesmo que a Corte Suprema tenha se posicionado pela constitucionalidade do dispositivo, não restou clarividente que não utilizasse outros critérios para comprovar a renda mínima. Embora várias discussões a respeito, em 2013 ao julgar os Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963 o STF decidiu: “por maioria de votos, o STF pronunciou a inconstitucionalidade material incidental do §3º, do artigo 20, da Lei nº 8.742/93, que prevê o critério legal da renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo para a caracterização da miserabilidade” (AMADO, 2018, p. 54, grifos do autor).

Não obstante, que a decisão em tela resta clara o posicionamento da Suprema Corte é relevante arrolar a decisão, mesmo que sucintamente para efeitos didáticos e melhor entendimento. Neste viés a decisão foi:

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Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. [...] 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei nº 8.742/93. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. [...] Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado Brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronuncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº. 8.742/93. (STF, RE 567985, de 18/04/2013).

A decisão em voga não tem efeito vinculante, visto que não foi decidido em controle abstrato de constitucionalidade, esse é o motivo pelo qual o INSS continua adotando administrativamente o critério de renda per capita estipulada na Lei nº 8.742/93, qual seja, ¼ inferior ao salário mínimo.

Ademais, caso o INSS deixasse de lado o critério legal invalidado pelo STF, não haveria nenhum outro a adotar, pois o Congresso Nacional não tomou nenhuma posição para a sua validação, logo é válida a decisão postural da autarquia previdenciária até que haja uma solidificação legislativa sobre o tema.

2.2 Incongruências Administrativas e Judiciárias acerca da Renda per Capita

Não se pode deixar de lado que foi para assegurar e garantir a dignidade humana que o art. 203 da CF/88 atribuiu ao Estado o dever de oferecer assistência social para todos que necessitam, mesmo que não tenham contribuído para a seguridade social, a partir do momento em que for verificada uma limitação física ou mental que impeça ou dificulte o exercício de uma atividade laboral e, por conseguinte, não obtenha meios de se prover à própria manutenção, desde que essa pessoa esteja convivendo em um grupo familiar e social que não o ampare.

A CF/88, fixou em um salário mínimo a remuneração mínima e o valor dos benefícios previdenciários, demonstrando que ninguém pode ter seu sustento provido com valor inferior. Porém, fixando em ¼ do salário mínimo o fato discriminante para aferir a necessidade, pode-se dizer que o legislador optou pela inconstitucionalidade do instituto, mesmo porque promoveu aos necessitados conceitos distintos de bem-estar social, utilizando como presunção que a renda per capita superior a ¼ do mínimo seria a ideal e suficiente para a sua manutenção.

Ora, como bem explanado por Canotilho (2007), ao quantificar o bem-estar social em valor inferior ao salário mínimo é a mesma coisa que “retroceder no tempo” em se tratando de direitos sociais. A ordem jurídica constitucional e infraconstitucional não pode “retroceder” em termos de direitos fundamentais, pois se assim o fizer estará indo na contramão ao princípio do não retrocesso social.

O STJ, julgando processos sobre esse assunto, tem decidido conforme o posicionamento do STF que ao não retirar a possibilidade de aferição da necessidade por outros meios de prova que não a renda per capita familiar; aquela de ¼ do salário mínimo estaria configurada presunção absoluta de miserabilidade, dispensando outras provas. Daí que, ultrapassado o limite, outros meios de prova poderiam ser utilizados para demonstrar a condição de miserabilidade, expressa na situação de absoluta carência de recursos para a subsistência. O STJ em Recurso Especial, assim se manifestou:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFPÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. [...] 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº. 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e da sua família. 4. Recurso especial a que s e dá provimento (STJ – Resp. 841.060/SP – Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura – DJU 25.06.2007).

Na seara desse entendimento a Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso exclui do cômputo, para cálculo da renda per capita, o benefício de prestação continuada anteriormente concedido a outro idoso do grupo familiar (art. 34, § único). O Decreto nº 6.214/2007 repete o comando da lei conforme o art. 19, § único. A Turma de Uniformização Nacional (TUN) entende da mesma forma, a interpretação análoga é perfeitamente possível com o Estatuto do idoso, em conformidade com o julgado do processo nº 2006.63.06.001310-9/SP (PIEROTTI, 2011).

Essa condição é plenamente justificável, afinal é notório que na velhice as despesas, principalmente com medicamentos são maiores, sem falar em planos de saúde, pois o sistema de saúde pública deixa muito a desejar. Assim, a título de exemplo, se um casal de idosos, em que um deles já recebe o BPC, como pela regra do Estatuto não é computado a título do cálculo da renda, é perfeitamente possível os dois receberem o benefício.

Mas, em se tratando de pessoa com deficiência, também existe essa possibilidade? Entende-se que essa decisão abre precedente, logo deve ter a sua aplicabilidade adotando o mesmo critério, por analogia, excluindo-se para computar a renda per capita familiar o benefício assistencial também concedido à outra pessoa com deficiência do grupo familiar. Existem julgados que também entendem que até mesmo o benefício previdenciário com renda mensal de um salário mínimo não deve ser computado.

“[...] VII — Embora o dispositivo legal refira-se a outro benefício assistencial, nada impede que se interprete a lei atribuindo-se à expressão também o sentido de benefício previdenciário, de forma a dar-se tratamento igual a casos semelhantes. A avaliação da hipossuficiência tem caráter puramente econômico, pouco importando o nomen juris do benefício recebido: basta que seja no valor de um salário mínimo. É o que se poderia chamar de simetria ontológica e axiológica em favor de um ser humano que se ache em estado de penúria equivalente à miserabilidade de outrem [...]” (TRF 3ª Região, AC 200761110005413, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, DJF3 CJ2 13.01.2009, p. 1636).

Posição diferente vem do STJ, ao se posicionar de maneira contrária o emprego interpretativo analógica da Lei Assistencial com o Estatuto do Idoso, o parecer do Ministério Público, no posicionamento do Ministro Nilson Naves foi: “nesse cálculo somente serão desconsiderados os benefícios assistenciais, restando incabível o entendimento de que a expressão alcançaria qualquer tipo de beneficio, inclusive o previdenciário” (RESp. 1.056.306-SC; Rel. Min. Nilson Naves; 11.06.2008).  O entendimento é que o critério de miserabilidade deve ser interpretado conforme o caso em concreto cabendo ao magistrado lograr essa condição.

Em casos que o idoso ou a pessoa com deficiência esteja em situação de cuidados de saúde especiais, não se tem a necessidade que estes sejam interditados judicialmente para requerer o BPC, mesmo porque em conformidade com o artigo 35 do Decreto nº. 6.214/2007: “O beneficio devido ao beneficiário incapaz será pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta, e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento”. O período de 6 (seis) meses poderá ser prorrogado por iguais períodos se tiver a comprovação do andamento de processo legal de tutela ou curatela.

Santos e Lenza (2013), esclarecem que embora esses indivíduos estejam abrigados em instituições de longa permanência, o idoso e a pessoa com deficiência preenchendo os preceitos legais têm direito ao benefício (art. 20,§ 5º, da LOAS). O art. 6º do Decreto nº. 6.214/2007 dispõe que esse internamento, no caso, deve ser em hospital, abrigo ou instituição congênere.

Cabe, portanto, ao INSS operacionalizar o BPC, tendo como fundamento o art. 3º do Regulamento. A tramitação de todo o procedimento administrativo de operacionalização do BPC se dá no âmbito do instituto em tela. O requerente deve submeter-se às avaliações médica e social por peritos do INSS. Nos casos em que há indeferimento do benefício, caberá processo recursal à Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social, no prazo de 30 dias, contados do recebimento da comunicação.

Pode-se dizer que o real escopo da CF/88, não encontra-se resumido à concessão de uma salário mínimo à pessoa com deficiência, idosos, crianças e adolescentes e pessoas em situação de miserabilidade, mas também assegurar a proteção a essa clientela. Logo, a verdade é que a renda per capita de ¼ do salário mínimo não pode e não deve ser o único requisito para pleitear o amparo social.

2.3 A Relativização da Renda Per Capita Familiar em Face dos Princípios Constitucionais

Como já apontado em tópicos anteriores, o BPC é concedido aos idosos e pessoas com deficiências que não reúnem condições de prover a sua subsistência, nem tampouco a sua família, estes agentes estão na linha de pobreza, ou seja, são vistos em uma situação de carência de recursos. Por linha de pobreza, segundo Crespo e Gurovitz (2002, p. 3) se entendem:

Uma linha de pobreza relativa pode ser definida, por exemplo, calculando a renda per capita de parte da população [...].  A percepção da pobreza como conceito relativo é uma abordagem de cunho macroeconômico, assim como o conceito de pobreza absoluta. A pobreza relativa tem relação direta com a desigualdade na distribuição de renda. É explicitada segundo o padrão de vida vigente na sociedade que define como pobres as pessoas situadas na camada inferior da distribuição de renda, quando comparadas àquelas melhor posicionadas.

O âmbito da segurança de proteção aos mais necessitados, por conseguinte, inclui disposições institucionais fixas, como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes, além de v.g., a distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados. A assistência social positivada na Carta Magna assegura isso aos cidadãos.

Interpretando sistematicamente o texto constitucional, é possível admitir que o maior objetivo da assistência social brasileira e prestar atendimento ao cidadão incapaz e privado do mínimo para ter a sua dignidade restaurada. Qualquer entendimento diverso desse seria como deixar o cidadão excluído socialmente, bem como deixado à mercê do Estado Social de Direito.

Savaris (2005), aduz que o incapaz é considerado para fins de adquirir beneficio assistencial, previsto na CF/88, art. 203, V, a pessoa que tem dificuldade de inclusão na sociedade por motivos psicológicos, fisiológicos ou anatômicos. Independentemente se esta dificuldade de inserção esteja repercutindo no trabalho ou na vida cotidiana. Isso tem a ver com a dignidade humana.

Tendo por propósito sintetizar o entendimento acerca dos princípios norteadores da seguridade social e, por conseguinte, àqueles que colaboram à assistência social, oportuno destaca-los, conforme colacionado no quadro 1.

Quadro 1 – Princípios da Seguridade Social e suas Características

PRINCÍPIOS

CARACTERÍSTICAS

Universalidade da Cobertura e do Atendimento

Confere a maior abrangência possível às ações da seguridade social no Brasil, na medida dos recursos disponíveis.

Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais

Proíbe qualquer discriminação em desfavor das populações urbanas ou rurais, devem ser tratados todos de forma isonômica.

Seletividade

Escolhe e seleciona os benefícios e serviços da seguridade social, bem como os requisitos para sua concessão, conforme as necessidades sociais e disponibilidade de recursos.

Irredutibilidade do valor dos benefícios

Não é permitido reduzir os valores do beneficio e ainda a Constituição garante reajuste para manter seu valor real

Diversidade da base de financiamento

O financiamento da seguridade social deverá ter múltiplas fontes, no sentido de garantir a sua solidez.

Gestão quadripartite

A gestão será democrática e descentralizada, envolvendo representantes dos trabalhadores, empregadores, aposentados e do Poder Público.

Solidariedade

A solidariedade visa proteger as pessoas em momento de necessidades.

Precedência da fonte de custeio

Nenhum benefício ou serviço poderá ser criado, majorado ou estendido sem citar a fonte correspondente.

Fonte: Com algumas adaptações de Amado (2018).

Com a implantação do estado provedor, as medidas assistenciais de cunho social passaram compor uma categoria de um dever governamental, pois a partir de então o Poder Público evidenciou a obrigação do Estado conceder a quem delas necessitasse. É válido dizer, portanto que a questão da miserabilidade é algo que precisa ser combatido veemente.

Corrobora com esse entendimento Folmann e Soares (2012, p. 45), ao trazerem a seguinte explicação:

Neste sentido, é necessário utilizar, no caso concreto, de elementos subjetivos que comprovem o real estado de necessidade do requerente, servindo-se do requisito objetivo apenas como mais um instrumento na identificação do contexto socioeconômico em que vive o requerente

Por esse entendimento não há o que se falar em restrição da renda per capita em ¼ do salário mínimo, pois taxar a questão da pobreza e miséria baseada neste critério (como já apontado) não condiz com a realidade fática e concreta da situação das pessoas que necessitam do amparo social.

Com o julgamento da ADIn 1.232 do STF não reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93. Surgiram duas correntes de argumentação no tocante ao critério da renda per capita positivada no dispositivo legal: a corrente governamental em que o INSS é seu maior defensor e o STF que reconhecendo a constitucionalidade, não se deve deixar de lado o caso concreto, ou seja, deve-se reconhecer efetivamente o assistencialismo brasileiro.

O entendimento dos Ministros julgadores da ADIn supracitada reconheceram a necessidade de agregar outros instrumentos de análise para constatar a condição do indivíduo ao beneficio assistencial. Folmann e Soares (2012), realçam que o fato do dispositivo em julgamento ser considerado constitucional não exclui outros meios de prova à condição de miserabilidade da pessoa, ao menos é isso que transparece a Carta Magna e os Ministros por ocasião do julgamento.

O Ministro Gilmar Mendes em julgamento de Reclamação nº 4.374, assim se pronunciou: “[...] não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão [...]”. Em seu parecer o Ministro vai além ao ponderar que: “[...] constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais tem feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova [...]” (STF – RECLAMAÇÃO 4374 MC/PE, 2006).

Ainda que a Suprema Corte admita outros meios de comprovação de renda per capita, acima do estipulado no preceito legal da Lei nº 8.742/93 adota esse preceito como critério objetivo, é justamente nessa corrente que o INSS se fundamenta.

A outra corrente mais assistencial parece ser a mais acertada, pois parte do entendimento adequado do interesse do Estado Social de Direito, ao analisar o dispositivo em apreço, presume-se a iuris et iure[1] a ser complementada por outros meios probantes das necessidades da pessoa em situação de miserabilidade.

O STJ de maneira reiterada tem interpretado dessa forma, o que pode ser verificado no texto a seguir: “na hipótese de comprovada a renda por pessoa inferior a ¼ do salário mínimo, presume-se absolutamente, iuris et iure (!), a miserabilidade. Tal presunção não obsta a demonstração da penúria por outros meios de prova em direito admitidas, juris tantum” (RESp. 478.379/RS – Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa – j. em 16.03.2006 – DJ 03.04.2006).

Em outro julgado, o posicionamento não foi diferente, como constatado no parecer do Ministro Napoleão Nunes:

A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para provar a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo (REsp. 1.112.557/MG – 3ª Seção – Rel. Min.  Napoleão Nunes Maia Filho – Dje 20.11.2009).

Esta parece ser a decisão mais acertada e congruente com a situação de necessidade das pessoas que necessitam amparo social. Coerentemente a jurisprudência tem mantido o entendimento da admissibilidade de outros meios de prova para a configuração da necessidade do indivíduo. Este também é o posicionamento pacificado no STF no julgamento dos Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963 julgados em 18/04/2013.   

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Sobre o autor
José Carlos Sabadini Junior

Advogado, Bacharel em Direito - Faculdades Associadas de Ariquemes/RO (FAAR), Bacharel em Turismo (Centro Universitário de Jales/SP), Mestrando em Direção e Gestão dos Sistemas de Seguridade Social, pela Organização Iberoamericana de Seguridade Social (OISS) e Universidade de Alcalá - Madrid (Espanha). Pós-Graduado em Gestão Ambiental - Faculdades Integradas de Ariquemes/RO (FIAR) e Especialista em Direito Constitucional e Direito e Processo Previdenciário (Faculdade Damásio Ariquemes/RO). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Participações no XXVII Simpósio Brasileiro de Direito Previdenciário (2017) - Teresina/PI, IX Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário/Belo Horizonte/BH, X Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário e IV Congresso de Direito Previdenciário do Mercosul/Florianópolis/SC. Participação do III Congresso Jurídico Online - Direito do Trabalho e Previdenciário - CERS

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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