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A fiança à locação e a Súmula nº 214 do STJ

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A imensa maioria dos contratos de locação contém cláusula que responsabiliza os fiadores pelo débito do inquilino até que este devolva as chaves do imóvel locado em mãos do locador.

SUMÁRIO: 1. Notas introdutórias — 2. A exegese da Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça: 2.1. A controvérsia; 2.2. Quais são as acepções dos termos aditamento e prorrogação?; 2.3. Artigo 46, e §§, da Lei 8.245/91: Hipótese de prorrogação ou renovação do contrato de locação?; 2.4. Harmonização dos interesses em conflito: é possível a aplicação conjunta do artigo 819 do Código Civil e do artigo 39 da Lei do Inquilinato? 3. Conclusões


1. Notas introdutórias

            Todos aqueles que militam no foro em ações envolvendo locação, notadamente ação de despejo por falta de pagamento ou execução de aluguéis, já constataram que a imensa maioria dos contratos contém cláusula que responsabiliza os fiadores pelo débito do inquilino até que este devolva as chaves do imóvel locado em mãos do locador. De prática tão comum que é, até mesmo os contratos de locação cujos impressos podem ser adquiridos em papelarias consignam tal cláusula, razão pela qual o e. Desembargador Luís Camargo Pinto de Carvalho anotou, em erudito artigo [01], que "fica evidente o arraigamento na consciência jurídica pátria da validade da cláusula contratual que impõe ao fiador responder pela fiança até a efetiva entrega das chaves do imóvel ou entrega do prédio."

            Tal cláusula, na verdade, é a transposição literal para o contrato da regra prevista no artigo 39 da Lei do Inquilinato, que é assim redigido:

            "Art. 39

- Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efétiva devolução do imóvel." (Grifamos)

            Ao adotarem tal cláusula os locadores visam manter o fiador atrelado ao contrato de locação se, após o seu vencimento, vier o inquilino a continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição [02], hipótese essa que gera a chamada prorrogação da locação por tempo indeterminado, "mantidas as demais cláusulas e condições do contrato", isto é, ante a letra da lei mantido será o negócio jurídico sem que seja fixado tempo certo e determinado para encerrá-lo, como expressamente prevê o § 1°, do artigo 46, da Lei do Inquilinato [03].

            E a maioria dos tribunais da federação vinha entendendo, de forma praticamente pacífica, que o vencimento do contrato de locação com a conseqüente manutenção dos inquilinos no imóvel locado por mais de trinta dias sem oposição do senhorio prorrogaria a locação por tempo indeterminado sem que isso afetasse a responsabilidade dos fiadores, a qual se estenderia até a efetiva devolução do imóvel locado, haja vista que tal prorrogação ocorreria por força de lei, e também porque seriam mantidas todas as demais cláusulas e condições do contrato, exceto, por óbvio, a relativa ao seu tempo de duração, a qual já se encontraria vencida.

            No entanto, a partir de 1998 o que era pacífico deixou de sê-lo por força da nova orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça que em 23 de outubro daquele ano publicou [04] a Súmula 214 que consolida a jurisprudência daquele tribunal sobre a limitação da responsabilização do fiador. A referida súmula foi assim redigida:

            "O fiador não responde por obrigações

resultantes de aditamento ao qual não anuiu."

            Uma primeira e apressada leitura da Súmula 214 do STJ levou e ainda tem levado os intérpretes a uma conclusão que, aparentemente, apresentar-se-ia óbvia sobre o seu verdadeiro alcance: a de que o fiador não responderia pela dívida decorrente de "aditamento" contratual ao qual não teria se vinculado.

            Tomada apenas em seu aspecto gramatical, a Súmula 214 não teria trazido nenhuma inovação ao ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que se basearia em princípio secular do direito dos contratos - o da relatividade dos seus efeitos -, porque o aditamento contratual firmado sem a participação do garante seria res inter alios acta e, assim, inoponível ao fiador. Quanto a essa interpretação, entendo não pairarem quaisquer dúvidas.

            Todavia, em que pese a literalidade da Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça, uma análise dos julgados proferidos por esta Corte mostrou-se-nos que "A leira mata e o espírito vivifica." [05]

            Com efeito, apesar da letra em que fora redigida a súmula em questão, o seu espírito tem sido diuturnarnente revelado pela interpretação consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça, que pode ser aferida a partir da leitura de alguns julgados que bem espelham a orientação daquela Corte sobre um tema de capital importância no Brasil, por dizer respeito a uma das modalidades de garantia mais utilizadas em contratos de locação.

            Por exemplo, vejamos o que restou decidido pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 25.09.01, nos autos do REsp n.° 254.409-MG, relatados pelo Ministro Vicente Leal:

            "LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE E INEFICÁCIA DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. FIANÇA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 214/STJ.

            - É cediço o entendimento de que o juiz não está obrigado a responder todas alegações das partes, quando já tenha encontrado motivos suficientes para fundamentar a decisão, nem está obrigado a ater-se aos fundamentos indicados por ela e tampouco a responder um ou todos os seus argumentos.

            - Não ocorre nulidade da sentença, por falta de fundamentação, na hipótese em que afastada, ainda que indiretamente, a alegação de que não restara comprovado que os fiadores anuiram à prorrogação do contrato por prazo indeterminado porquanto proclamado o entendimento de que a responsabilidade dos fiadores estende-se até a efetiva entrega das chaves.

            - Descabida a alegação de ineficácia da sentença em face da ausência de citação válida de um dos listiconsortes necessários porque, tendo os demais fiadores a oportunidade de argüir a ausência de citação de um dos garantes, em diversos momentos processuais, quedaram-se inertes.

            - A jurisprudência assentada nesta Corte construiu o pensamento de que, devendo ser o contrato de fiança interpretado restritivamente, não se pode admitir a responsabilização do fiador por encargos locaticios decorrentes de contrato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a entrega das chaves.

            - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido." (Grifamos)

            Colhe-se do acórdão acima referido o seguinte entendimento:

            "Ora, responsabilizar os fiadores pelos aluguéis e demais encargos vencidos após o prazo de expiração da avença locatícia originária implica conferir à garantia fidejussória interpretação extensiva, ainda que exista cláusula contratual que estenda a obrigação até a efetiva entrega das chaves".

            E neste mesmo sentido vários outros julgados têm sido diariamente proferidos pelo STJ, de modo a não mais haver na atualidade qualquer dúvida com relação ao campo de incidência da Súmula 214: conquanto os contratos de locação possam ser portadores de cláusula estendendo a garantia fidejussória "até a entrega das chaves", a prorrogação da locação por força de lei tem sido considerada como aditamento contratual a exigir, para a sua eficácia perante o fiador, anuência expressa deste quando da sua ocorrência.

            Em que pese a clareza do posicionamento adotado pelo STJ, a exegese meramente literal da súmula em comento tem afastado a sua aplicação em inúmeros casos concretos, principalmente nas demandas oriundas da Lei do Inquilinato (Lei n° 8.245/91), situação essa que se coloca em frontal dissídio à jurisprudência dominante [06] do Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe, por força de preceito constitucional, unificar a interpretação da lei federal.

            É o que tem acontecido, por cxemplo, com a jurisprudência dominante do extinto 2° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo [07], hoje incorporado ao Tribunal de Justiça por força da Emenda Constitucional n° 45 [08]; a resistência ao posicionamento adotado pelo STJ pelas juízos ordinários foi bem apontada pelo e. Desembargador Luís Camargo Pinto de Carvalho no artigo doutrinário [09] dantes mencionado: "Aliás, a inoportunidade e a ilegalidade da interpretação dada pelo STJ a essa Súmula n. 214 têm feito que tanto os juizes de primeiro grau como os Tribunais, na sua generalidade, ignorem o alcance que essa corte lhe tem dado."

            Com efeito, apesar das ótimas decisões em matéria de locação que sempre proferiu, o que o colocou em situação de destaque e vanguarda nesse campo, parece-nos que no que diz respeito ao árido tema objeto da Súmula 214 a jurisprudência predominante do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo tem entrado em rota de colisão com as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, posto proceder a interpretação meramente literal da súmula, o que tem causado apreensão entre os aplicadores do direito pois casos idênticos poderão receber solução diversa, causando perplexidade e gerando instabilidade entre os jurisdicionados, que muitas vezes deixarão, como de fato têm deixado, de ter atendidos os seus reclamos por não conseguirem remetê-los, via recurso especial, à apreciação do Tribunal Superior, seja por ausência de prequestionamento ou por alguma outra deficiência técnica.

            Nesse sentir, pode-se afirmar, em linhas gerais, que da 25ª a 36 ª Câmaras de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, as quais compete julgar recursos que tenham por matéria questões envolvendo locação, têm entendido que a responsabilização dos fiadores deverá perdurar até que ocorra a efetiva descopução do imóvel locado, não obstante o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.

            Foi o que decidiu, por exemplo, a 2ª Câmara do extinto 2° TACivSP, em 24.11.03, nos autos da apelação com revisão n.° 808.159-00/8 relatados pelo ilustre Desembargador Andreatta Rizzo em acórdão bem redigido, razão por que seus termos bem sintetizam per se a posição majoritária do Tribunal:

            "FIANÇA - RESPONSABILIDADE DO FIADOR - LOCAÇÃO - CONTRATO PRORROGADO - SUBSISTÊNCIA ATÉ A EFETIVA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL - RECONHECIMENTO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 39 DA LEI 8245/91

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            A prorrogação da locação sem a anuência dos fiadores não desonera a garantia. Permanecem eles obrigados pelos encargos do afiançado, mesmo após o vencimento do contrato escrito, mormente, quando há cláusula contratual expressa nesse sentido."

            Colhem-se do v. aresto os seguintes fundamentos:

            "De fato, segundo disposto na Cláusula 11ª do Contrato de Locação, os fiadores tornaram-se solidariarnente responsáveis com a locatária por todas as obrigações decorrentes da avença, cuja responsabilidade haveria de perdurar até "a devolução das chaves" (fls. 13 dos autos em apenso).

            Ora, sendo assim, a prorrogação do ajuste não engendrou a desoneração da garantia, permanecendo, os fiadores, obrigados até a entrega do imóvel ao locador, responsáveis, mesmo após o vencimento do contrato escrito, pelos encargos do afiançado, exceção feita à hipótese de aditamento acertado entre locador e locatário, estabelecendo nova pactuação, sem a anuência deles.

            Com isso, longe de se dar interpretação extensiva à fiança, mas, sim, medir a exata responsabilidade dos fiadores, tal como subscreveu a garantia.

            Sem embargo da orientação já firmada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido da limitação da fiança ao prazo contratado,

esta Turma Julgadora e este Tribunal, em casos assemelhados, têm decidido que: "Se a fiança foi prestada não por tempo certo, mas até efetiva devolução do imóvel locado, a garantia persiste em caso de prorrogação da locação por tempo indeterminado, não se configurando novação capaz de exonerar o fiador". (AI 627.110-00/9 10ª Câmara, Rel. Juiz Soares Levada, j. 26.4.2000).

            É curial o entendimento que a prorrogação legal do contrato de locação acarreta a prorrogação automática do contrato de fiança que lhe é acessório, mormente tendo os fiadores assumido expressamente a responsabilidade pelas obrigações daí decorrentes até a efetiva devolução do imóvel.

            Nestas condições, é de se reconhecer que os argumentos contidos no recurso não são convincentes, no que toca à prorrogação do contrato — o que se verifica por força de lei — e no tocante à inexistência de comunicação escrita quanto ao prosseguimento da relação obrigacional.

            De acordo com o artigo 56, parágrafo único, da Lei 8.245/91, o contrato por prazo determinado prorroga-se indeterminadamente quando, após o fim do prazo estipulado, o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador.

            Por isso, a cláusula segunda que condiciona a prorrogação do contrato à prévia anuência por escrito do locador não socorre os apelantes, já que está em desconformidade com a lei e não pode se sobrepor a ela.

            A esse respeito a jurisprudência já decidiu que: "A fiança prestada em contrato de locação esgota sua força no último dia do prazo determinado especificado no contrato, salvo se o fiador expressamente assumiu aquela garantia para a hipótese de prorrogação da avença por prazo indeterminado ou até a entrega das chaves pelo afiançado." (Ap. c/ Rev. 546.261-00/0 Câm. Rel. Juiz Amaral Vieira J. 15.6.99).

            E também: "Existindo a clásula de garantia prevista no contrato até a entrega das chaves pelo inquilino-afiançado, não pode o fiador pretender limitá-la ao vencimento do ajuste por prazo determinado, quando houve prorrogação do contrato de locação por força de lei." (TADF Apel. Cível n° 46998 -2ª Turma Cível - Relatora Juíza Nancy Andrighi J. 11.05.1998)."

            No mesmo sentido do aresto transcrito, cujos precisos termos bem sintetizam a posição majoritária das Câmaras de Direito Privado do TJSP, vários outros precedentes seguem a mesma trilha:

            "Acompanha o douto Juízo a corrente pretoriana pela qual extingue-se a fiança quando consumado o prazo contratual. Assim, desonerar-se-ia o fiador a partir do dia seguinte ao da prorrogação da locação a prazo indeterminado. Com a devida vênia do entendimento esposado em sentença, segue-se jurisprudência em sentido contrário, bem exposta pelo embargado em seu apelo. O art. 3° da Lei n° 8.245/91 é explícito no sentido de que as garantias da locação, como a fiança, subsistem até a entrega das chaves, salvo estipulação em contrário.

            No caso dos autos, a cláusula 20 do contrato em exame reforça aquela norma. Obrigam-se os fiadores até a efetiva entrega das chaves do imóvel, ainda que prorrogado o contrato a prazo incerto. Só não respondem, em conseqüência, pelo que ultrapassar o valor do aluguel estipulado em contrato, com as correções legais. E nada consta nos autos nesse sentido, tampouco erro de cálculo pelo credor. O contrato de fiança, em suma, encontra-se em vigor e o valor da divida permanece íntegro. Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para julgar os embargos improcedentes, invertida a sucumbência." [10]

            "A responsabilidade dos fiadores permanece após o término do prazo estabelecido pelo contrato de locação, circunstância que dispensa qualquer aviso ou notificação prévia, porque:

            Há disposição legal: "Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel."

            Há cláusula (8a) convencionando de forma expressa:

            "... responsabilidades essas que perdurarão até a efetiva entrega das chaves do imóvel através de recibo assinado pela Locadora.. ." (Folha 13 - Apenso).

            Repousa pacífico tal entendimento nesta Corte de Justiça:

            "A prorrogação do prazo contratual não caracteriza extinção da obrigação, ex vi

do artigo 39 da Lei do Inquilinato, quando os fiadores assumiram a responsabilidade solidária pelos afiançados até a efetiva entrega das chaves do imóvel livre de pessoas e coisas. " [11]

            "2. Toda a argumentação contida no agravo parte do pressuposto de ter havido novação contratual, em face da prorrogação do termo inicial do pacto locatício, que passou a viger por tempo indeterminado.

            No entanto, as longuíssimas razões e inúmeros acórdãos e doutrina citados não se aplicam, simplesmente, ao caso concreto, no qual os fiadores garantiram a locação, solidariamente, "até a entrega real e efetiva das chaves do imóvel" (fl. 44).

            Aplicável, em conseqüência, o artigo 39 da Lei n° 8245/91, pelo qual "Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel" (grifei). Não existe disposição em contrário e, ao invés, o que foi contratualmente previsto reforça o entendimento corretamente manifestado pela r. decisão recorrida, no sentido da subsistência das obrigações contratuais dos fiadores em caso de mera prorrogação contratual.

            Ou seja, como a fiança não foi ajustada por prazo certo - caso em que, logicamente, desapareceria a garantia no termo final do contrato -, e sim por prazo indeterminado, até efetiva entrega das chaves, nenhuma aplicação tem os artigos 1483 e 1090 do Código Civil ao caso concreto, pois exonerados não se encontravam os fiadores por ocasião do termo final do contrato. (...) Ou seja, e em suma, a prorrogação do contrato não configurou novo acordo de vontades entre as partes no que se refere à fiança prestada, que o foi até devolução efetiva do imóvel locado. Logo, não tendo sido prestada por tempo certo, subsiste a fiança, para todos os efeitos legais." [12]

            "É intuitivo, portanto, que, se o fiador desejasse fixar limite temporal expresso da garantia, deveria ter exigido a inserção dessa ressalva no instrumento contratual. No que concerne à alegação de que o pagamento de parte do débito pelo locatário teria caracterizado novação ou moratória, equivocou-se, mais uma vez, o apelante.

            Cumpre ressaltar, desde logo, que novação e moratória são institutos completamente distintos, na medida em que a primeira, sem substituição dos sujeitos, ocorre quando nova dívida for contraída em substituição à original, que se extingue, como reza o art. 999, inciso I, do Código Civil, enquanto a moratória representa a concessão de prazo mais dilatado para o devedor cumprir a obrigação.

            De novação, portanto, não há se cogitar, porque eventual pagamento parcial não poderia representar a extinção da obrigação primitiva, sobretudo quando ausente o chamado animus novandi, elemento essencial para a caracterização deste instituto, como observa o festejado Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (v. "Instituições de Direito Civil", Forense, vol. II, p. 191/196).

            A moratória, de outro modo, sobre indemonstrada, somente provocaria a extinção da fiança quando resultasse em prejuízo para o fiador, o que não ocorre com o mero recebimento parcial do débito, como já decidiu esta Corte: "O recebimento parcial da dívida pelo credor não prejudica o fiador, mas só o favorece, diminuindo-lhe a responsabilidade no tocante ao débito. Assim, não evidencia tal circunstância a caracterização de moratória, capaz de determinar a incidência do art. 1.503, inciso I do CPC, de molde a desobrigar o fiador" (EI 145.047 – 1º Grupo - Rel. Juiz MORAES SALLES - J. 28.2.83, in JTA (Saraiva) 82/217)." [13]

            "3. No tema de fundo, a questão principal gira em torno da interpretação do contrato de fiança.

            Objetiva a fiadora a limitação de sua responsabilidade solidária pelos encargos locatícios à data do término do contrato de locação, qual seja, dia 09/09/99.

            Entretanto, a pretensão da recorrente não pode prosperar. Pela cláusula 15a da avença firmada (fls. 26), observe-se, a agravante obrigou-se, como fiadora, até a real e efetiva entrega das chaves do imóvel. Comprometeu-se por todas as obrigações decorrentes do contrato de locação, compreendendo, assim, os aluguéis vencidos, desde a propositura da ação de despejo por falta de pagamento até a data efetiva da desocupação.

            Ora, a par disso, a Lei do Inquilinato, estabelece, no artigo 39, que: salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.

            Dessa maneira, quer pela lei, quer pelo contrato, que, expressamente, consigna o prazo de validade da fiança - até a entrega real e efetiva das chaves do imóvel locado - está obrigada a fiadora á garantia dada, pois esta é a razão de ser da fiança, conforme artigo 1.481, do Código Civil, dá-se o contrato de fiança, quando uma pessoa se obriga por outra, para com o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra.

            Se o fiador expressamente garante os pagamentos dos locativos até real e efetiva entrega das chaves, a eles está obrigado. A permanência do locatário no imóvel, após o término do prazo da avença locatícia, sem expressa anuência do fiador, não configura hipótese capaz de ensejar sua exoneração. Inteligência do art. 39, da Lei do Inquilinato, e art. 1.481, do Código Civil.

            Assim, por qualquer àngulo que se examine, não se visualiza razão para se excluir a responsabilidade solidária da agravante sobre os encargos locatícios sub judice." [14]

            "A tese sustentada pelos embargantes, respeitante à ilegitimidade ad causam não prospera.

            Com efeito, a circunstância de ter sido prorrogado o contrato de locação, fazendo-o vigorar por prazo indeterminado não afastava a responsabilidade solidária dos fiadores, ora embargantes, pois tal garantia se estende até a efetiva desocupação do imóvel pelo afiançado (cláusula 7ª, fls. 09).

            Confira-se, a propósito o magistério de ARNALDO MARMITT, verbis:

            "Frequentemente após o término do pacto locaticio a locação prossegue e os aluguéis são reajustados conforme os parâmetros da legislação especifica. Nessas hipóteses os fiadores que se vincularam até a entrega das chaves e solidariamente com os deveres assumidos pelo locatário, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, respondem tanto pelos locativos ajustados, como pelas correções que no curso da locação até a desocupação do imóvel foram autorizadas pela lei ou pelo contrato." (in Fiança Civil e Comercial, pág. 215, Aide Editora, 1ª ed.).

            A jurisprudência não discrepa:

            "Terminado o prazo do contrato de locação, mas prorrogada esta por tempo indeterminado, ‘perdura a responsabilidade do fiador, se estabelecida até a entrega das chaves’, inclusive quanto aos aluguéis reajustados dentro dos parâmetros legais (JTACivSP-RT 89/370, Rel. CAMARGO DA FONSECA, 2° TAC5vSP,)." (GILDO DOS SANTOS, Locação e Despejo, pág. 203, Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed.)."

[15]

            Assim sendo, delimitada questão a que se refere o presente artigo e dada a importância que o tema possui na atualidade, procuraremos analisar a situação do contrato de fiança à locação sob o influxo da Súmula 214 do Superior Tribunai de Justiça, buscando delimitar a sua real exegese.

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Sobre o autor
Alessandro Schirrmeister Segalla

advogado em São Paulo , especialista em Direito das Relações de Consumo com Extensão em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Aluno Especial do Programa de Mestrado em Direito da USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEGALLA, Alessandro Schirrmeister. A fiança à locação e a Súmula nº 214 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 802, 13 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7281. Acesso em: 24 abr. 2024.

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