O preconceito só produz ignorância

23/03/2019 às 00:38
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Quanto mais os indivíduos se associam em torno das suposições – sem conhecimento avaliado – mais produzem dissociações com os outros, com a realidade, com os significados verificáveis e com as relações sociais.

O pré-conceito, numa linguagem moderna, é fake news. 

Os povos antigos criavam Mitos quando eram incapazes de explicar objetivamente algum fenômeno, de forma que a resposta pudesse ser avaliada com algum rigor mínimo de critérios. Mas, sem saber do que se tratava de fato. Em outros grupos humanos criávamos totens e tabus, assim, um ramo de folha poderia ser sagrado porque se conectava com a chuva. A ideia óbvia, dos totens e tabus, era de que a chuva alimentava a vida social. E o ramo renovava as crenças e esperanças no amanhã. A seu modo, participavam da teleologia.

O pré-conceito está em paralelo ao Mito. Porém, o pré-conceito persistente, renitente, resulta e é resultante da ignorância. Tanto produz quanto é indutor da ignorância. O Mito, por sua vez, se desfaz diante da realidade. O Mito de Prometeu, por exemplo, que trata da obtenção do conhecimento pela Humanidade, foi em seguida devorado pela ciência, filosofia, pela Política grega. O pior do pré-conceito – aquilo que supomos sem conhecer de verdade – é, obviamente, entender tudo errado e agir de forma a só produzir avaliações e ações equivocadas. Em outras palavras, o pré-conceito é uma associação de suposições sem conhecer os fatos, a realidade, a situação como um todo.

O pré-conceito, como visão parcelada das questões, míope, distópica, avalia o todo pelas partes, a essência pela aparência, o interior pelo exterior, o mais pelo menos, o certo pelo errado. O resultado mais claro é que: quanto mais os indivíduos se associam em torno das suposições – sem conhecimento avaliado – mais produzem dissociações com os outros, com a realidade, com os significados verificáveis, com as relações sociais.

 O pré-conceito (da realidade) está atrelado ao preconceito (de pessoas). Ambos se retroalimentam: a ignorância dos processos, da realidade, das substâncias, dos fatos, das origens e das causas, dos efeitos duradouros ou passageiros, está incutida nas relações sociais e nos outros. O pior do preconceito é apenas produzir incompreensões, falta de empatia e dor. Muita dor. Os preconceitos são de inúmeros tipos, como o racismo, o machismo, a xenofobia, a homofobia e tantos outros.

Mas, o que me interessa hoje é falar de um tipo específico, que é o preconceito contra deficientes físicos. Porque é algo que conheço bem. Preconceitos contra deficientes físicos ocorrem, quando:

1. Sente-se pena ou dó.

2. Pensam que não conseguimos ler um cardápio ou pedir um chop, por conta própria.

3. Não acreditam sermos capazez de amar ou namorar.

4. Os outros têm medo de ser algo contagioso.

5. Se "supõe" que somos incapazes de trabalhar e de pensar.

6. Imaginam que precisamos de proteção porque não somos autônomos.

7. Imaginam que precisamos de tutores.

8. Logo, presumem que, incapazes, não podemos usar paletó e gravata, e falar ou descrever sentidos e sentimentos de forma inteligente e interessante.

9. Vivem em Esparta e sonham (errado) que é a força física que move o mundo.

10. Não entendem que a virtù, um tipo especial de virtudes, é astúcia e não virilidade.

11. Enfim, não se compreende que só o conhecimento nos liberta dos pré-conceitos - ou seja, quando não há consciência de que o conhecimento não precisa de uma coleção de braços ou de pernas para se expandir. Mas sim de uma teia de mentes, sentidos, sentimentos e generosidade no coração.

Precisamos ver com clareza. A começar pela certeza de que os deficientes físicos podem estudar, fazer doutorado, usar paletó e gravata – ou não, se não quiserem. Deficientes físicos fazem ciência, participam da política, votam e podem ser eleitos. Deficientes físicos podem constituir famílias, filhos, podem engordar ou emagrecer, como todos. Deficientes físicos podem acertar ou errar – como todo mundo. 

Hoje, mais do que tudo, espero ter acertado no coração de vocês, porque para combater o preconceito – seja qual for – é preciso de muita ciência e razão, mas é indispensável a linguagem generosa das emoções.

Obrigado!

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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