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Princípios da seguridade social

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03/06/2019 às 13:45
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PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DA PREVIDENCIA SOCIAL

A Seguridade Social está conceituada no caput do art. 194 da Constituição Federal de 1988, o qual assim dispõe: “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Verifica-se, assim, que pela definição constitucional, a seguridade social “compreende o direito à saúde, à assistência social e à previdência social, cada qual com disciplina constitucional e infraconstitucional específica”.

Uma vez que os princípios relativos à seguridade social já foram especificados em linhas anteriores, far-se-á, nas linhas a seguir, uma análise, ainda que breve, dos princípios específicos da previdência social, que corresponde a uma das estruturas do grande sistema de seguridade.

Da filiação obrigatória

Este princípio está contido no caput do art. 201, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual a previdência social deverá ser organizada em forma de regime geral de filiação obrigatória.

De acordo com Miguel Horvath Júnior (2014, p. 92), o princípio da obrigatoriedade de filiação surgiu “em decorrência da convicção de que as formas voluntárias de seguro resultaram inadequadas para a solução dos problemas decorrentes dos riscos econômicos e fisiológicos que atingiam os trabalhadores”.

Por este princípio, “todo trabalhador que se enquadre na condição de segurado é considerado pelo regime como tal, desde que não esteja amparado por outro regime próprio” (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2018, p. 28). Isto se dá, pois no momento em que ocorrer os eventos geradores das necessidades sociais, a previdência deve estar apta a garantir a proteção social, e, para isso depende de “um lastro contributivo que garanta segurança ao sistema” (HORVATH JÚNIOR, 2014, p. 92).

Do caráter contributivo

Por este princípio entende-se que, a Previdência Social, tanto no regime geral (art. 201, caput, da CF/88), quanto no regime próprio (art. 40, caput, da CF/88) terá caráter contributivo, sendo custeada, portanto, através de contribuições sociais.

Assim, pode-se observar que no ordenamento jurídico brasileiro não se admite o recebimento de benefícios previdenciários sem a devida contribuição específica para o regime, exceto quando a obrigação de recolher tal contribuição tenha sido transferida, por força da lei, a outrem que não o próprio segurado. No entanto, “isso não significa dizer que haja possibilidade jurídica de se estabelecer, na ordem vigente, benefício previdenciário sem que tenha havido a participação do segurado no custeio” (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2018, p. 29).

Do equilíbrio financeiro e atuarial

Este importante princípio também está expresso no art. 201, caput, da Constituição Federal, o qual prevê que a previdência social deverá observar os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Entende-se por este princípio que:

O Poder Público deverá, na execução da política previdenciária, atentar sempre para a relação entre custeio e pagamento de benefícios, a fim de manter o sistema em condições superavitárias, e observar as oscilações da média etária da população, bem como sua expectativa de vida, para adequação dos benefícios a essas variáveis. (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2018, p. 30).

Seguindo-se a orientação emanada do princípio em comento é que se criou o chamado fator previdenciário, o qual deve ser aplicado no cálculo da renda mensal inicial da aposentadoria por contribuição e da aposentadoria por idade, e que resulta de variáveis demográficas e atuariais relativas à expectativa de vida, comparada à idade de jubilação.

Da garantia do benefício mínimo

Por este princípio entende-se que os benefícios concedidos pela Previdência Social que substitutivos do salário de contribuição ou do rendimento do trabalho, não poderão possuir renda mensal inferior ao valor do salário mínimo, apresentando conteúdo semelhante ao princípio da irredutibilidade nominal, já apresentado em linhas anteriores.

Importante consignar que, “antes da previsão constitucional vigente (art. 201, § 2º), os segurados recebiam como valor mínimo a metade do salário mínimo devido aos trabalhadores. Mas desde a Constituição de 1988 essa anomalia foi corrigida” (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2018, p. 31).

Portanto, em perfeita consonância com o princípio em tela, tem-se que o auxílio-acidente e o salário-família, uma vez que não atuam como substitutivos do salário do trabalhador, poderão apresentar valor inferior ao salário mínimo.

Da correção monetária dos salários de contribuição

O art. 201, parágrafo terceiro, da Constituição Federal de 1988 é que traz a previsão deste princípio, aduzindo que:“todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei”.

Exige-se, assim, que:

O legislador ordinário, ao fixar o cálculo de qualquer benefício previdenciário no qual se leve em conta a média de salários de contribuição, adote fórmula que corrija nominalmente o valor da base de cálculo da contribuição vertida, a fim de evitar distorções no valor do benefício pago (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2018, p. 31).

Ressalta-se que, antes da previsão contida neste princípio, muitos salários de contribuição adotados no cálculo do valor dos benefícios não eram corrigidos monetariamente, o que causava evidentes prejuízos aos beneficiários, com o achatamento do valor pago.

A partir de 1999, com a edição do Decreto nº. 3048, se assegurou que os salários-de-contribuição utilizados no cálculo do salário-de-benefício serão corrigidos, mês a mês, de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preço ao Consumidor – INPC.

Da preservação do valor real dos benefícios

Diretamente relacionado à irredutibilidade real do valor dos benefícios, este princípio visa “assegurar o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme os critérios definidos em lei” (LAZZARI; KRAVCHYCHYN; CASTRO, 2018, p. 31).

Neste diapasão, a Lei de Benefícios da Previdência Social (8.213/1990), disciplinou a matéria em seu art. 41-A, segundo o qual o valor dos benefícios em manutenção será reajustado, anualmente, na mesma data do reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do último reajustamento, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, apurado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Da facultatividade da previdência complementar

Por este princípio entende-se que não há vedação aos segurados do Regime Geral de Previdência Social de se filiarem aos planos de previdência privada, os quais, de acordo com o art. 202 da Constituição Federal, terão um caráter complementar e serão de participação facultativa.

Sobre isso, decidiu o E. Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REGIME DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. CARÁTER COMPLEMENTAR. ADESÃO. FACULDADE. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. 1. A faculdade que tem os interessados de aderirem a plano de previdência privada decorre de norma inserida no próprio texto constitucional [artigo 202 da CB/88]. 2. Da não-obrigatoriedade de adesão ao sistema de previdência privada decorre a possibilidade de os filiados desvincularem-se dos regimes de previdência complementar a que aderirem, especialmente porque a liberdade de associação comporta, em sua dimensão negativa, o direito de desfiliação, conforme já reconhecido pelo Supremo em outros julgados. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. ”

(RE 482.207-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe de 29/5/2009).

Havendo, portanto, interesse por parte do segurado da previdência social de se filiar a um regime de previdência privada, este poderá o fazê-lo a qualquer tempo e, de igual modo, lhe é assegurado a desvinculação do regime complementar também a qualquer tempo, em razão da não obrigatoriedade de adesão, conforme decisão retro transcrita.

Da indisponibilidade dos direitos dos beneficiários

Os benefícios assegurados pela Previdência Social possuem natureza alimentar e, consequentemente, não haverá perda do direito ao benefício pelo seu não exercício no decorrer do tempo, o que caracteriza a imprescritibilidade.

A Lei nº. 8.213/19913 apenas prevê prazo decadência em se tratando de pedidos de revisão do cálculo do benefício, o que não acarreta a perda do direito ao benefício em si.

O princípio ora analisado também veda a penhora, arresto ou sequestro do benefício concedido pela Previdência Social, e, conforme o art. 114, da Lei de Benefícios, é nula de pleno direito a sua venda ou cessão, ou a constituição de qualquer ônus sobre ele, bem como a outorga de poderes irrevogáveis ou em causa própria para o seu recebimento.

No entanto, o próprio art. 114 e também o art. 115 da Lei n. 8.213/1991 apresentam exceção à regra mencionada no parágrafo anterior nos casos de: (i) valores devidos pelo segurado à Previdência Social; (ii) devolução de valor de benefício concedido indevidamente pela previdência; (iii) tributação sobre a renda; (iv) cumprimento de ordem judicial decorrente da obrigação de prestar alimentos.


REGRA DA CONTRAPARTIDA

Conforme já exposto neste trabalho, os princípios da Seguridade Social encontram-se previstos no art. 194 da Constituição Federal e, este dispositivo não trata acerca da contrapartida. Em razão disso, a contrapartida “não é qualificada como princípio, mas sim como regra, embora tenha importância capital para a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário” (HORVATH JÚNIOR, 2014, p. 116).

É no art. 195, parágrafo 5º, da Carta Magna que se prevê esta importante regra, de modo que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.” Ressalta-se que, esta denominação (“regra da contrapartida”) foi dada pelo professor Wagner Balera, ao discorrer sobre o texto constitucional ora transcrito.

Como ensina Marisa Ferreira dos Santos (2016, p. 45) “a seguridade social só pode ser efetivada com o equilíbrio de suas contas, com a sustentação econômica e financeira do sistema”.

Em virtude disso, a regra da contrapartida assume importante papel, pois:

Funciona como garantia do sistema, evitando criação de novas contribuições sem o consequente aumento do nível de proteção social, bem como evita que por motivos paternalistas, eleitoreiros, sejam criados benefícios sem suporte técnico-financeiro capazes de gerar desequilíbrio na equação financeiro-atuarial do sistema (HORVATH, JÚNIOR, 2014, p. 118).

Para se assegurar que o sistema de seguridade social seja capaz de atender de maneira eficaz os eventos geradores de necessidades sociais, torna-se imprescindível se observar a regra da contrapartida, sob pena de se perder o seu respectivo equilíbrio contábil.

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Deste modo, todo benefício ou serviço da seguridade social a ser criado, majorado ou estendido, deve possuir a correspondente fonte de custeio, ao contrário, se violará a regra da contrapartida.


CONCLUSÃO

Assim como nos demais ramos da ciência jurídica, os princípios exercem importante papel no direito previdenciário, orientando a forma de atuação do legislador, dos beneficiários, dos responsáveis pelo custeio do Sistema de Seguridade Social, e de todos aqueles que de maneira direta ou indireta tenham contato com esta matéria.

Os princípios trazem conteúdos de caráter geral e apresentam os valores a serem protegidos pela ordem jurídica, de modo que não podem deixar de serem observados na atuação prática, daí a real necessidade de se estudar e buscar o conteúdo jurídico de cada um deles.


BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 22. ed. São Paulo: Método, 2014.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latien, 2014.

LAZZARI, João Batista; KRAVCHYCHYN, Jefferson Luis; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Prática Processual Previdenciária: Administrativa e Judicial. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 6. ed. São Paulo: LTr, 2014.

OLIVEIRA, Thiago Albani; CRUZ, Caio Cesar Nunes. A vedação ao retrocesso em direitos sociais infraconstitucionais e o direito às férias dos agentes políticos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 157, fev. 2017. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18441&revista_caderno=9>. Acesso em: 13.05.2019.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.


Notas

1 OLIVEIRA, Thiago Albani; CRUZ, Caio Cesar Nunes. A vedação ao retrocesso em direitos sociais infraconstitucionais e o direito às férias dos agentes políticos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 157, fev. 2017. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18441&revista_caderno=9>. Acesso em maio 2019.

2 Art. 154. A União poderá instituir:

I - Mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.

3 Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de dez anos, contado:

I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou

II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.

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Sobre o autor
Lucas Adolfo da Cruz Corrêa

Advogado. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Bauru, mantido pela Instituição Toledo de Ensino (ITE). Participou do curso de extensão universitária na modalidade de Difusão: “Temas atuais de Direito do Trabalho”, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em 2017. É pós-graduando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Lucas Adolfo Cruz. Princípios da seguridade social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5815, 3 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74142. Acesso em: 5 mai. 2024.

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