Capa da publicação Mutação constitucional
Artigo Destaque dos editores

Mutação constitucional

Exibindo página 2 de 2
Leia nesta página:

5. CONCLUSÕES

            1.O Poder Constituinte Originário é um poder de fato, não estando condicionado aos limites da ordem jurídica precedente;

            2.Quanto à estabilidade constitucional, classificam-se as constituições, segundo Nelson Sampaio, em imutáveis, fixas, rígidas e flexíveis;

            3.O processo formal de mudança da constituição rígida realiza-se mediante a emenda e a revisão constitucional;

            4.A competência reformadora possui limites intrínsecos e extrínsecos. Os intrínsecos são os referentes aos direitos e garantias fundamentais, à titularidade do poder constituinte originário, à titularidade do poder constituinte derivado, e ao próprio processo de reforma. Os extrínsecos são os limites formais, temporais, circunstanciais e materiais;

            5.A constituição contém todos os valores primários e superiores do ordenamento estatal, apresentando, assim, a estrutura do Estado. Presume-se, desta forma, seja ela dotada da estabilidade imprescindível à manutenção plena das instituições, da segurança jurídica e da garantia aos direitos fundamentais dos cidadãos;

            6.O ordenamento jurídico constitucional, além de ser dotado dessa estabilidade, apresenta, simultaneamente, caráter dinâmico, em virtude do que as constituições não se mantêm estáticas frente à realidade social cambiante que lhe é subjacente;

            7.Nesse sentido, forçoso é compreender as constituições como organismos vivos, intimamente relacionadas ao meio circundante, às forças sociais, políticas, econômicas, religiosas e morais atuantes na sociedade – os chamados fatores reais do poder (Lassalle) –, que ditam os novos anseios populares;

            8.Destarte, para que as constituições possuam efetividade, devem coadunar-se aos fatores reais do poder, estando sujeitas, portanto, às modificações por eles determinadas, adaptando-se às exigências sociais;

            9.Entretanto, constata-se, normalmente, na vida dos Estados que essas mudanças não ocorrem apenas mediante os mecanismos instituídos formalmente para a reforma da constituição (revisão e emenda);

            10.O dinamismo do ordenamento jurídico constitucional propicia o redimensionamento desta realidade normativa, sendo que o texto constitucional assume novos significados com o passar do tempo, sem a necessidade de se recorrer a revisões ou emendas que alterem sua literalidade e conteúdo expressos;

            11.Essas modificações informais do texto constitucional atuam fora das modalidades organizadas de exercício do poder constituinte reformador, representando manifestação do chamado poder constituinte difuso (Burdeau), decorrência lógica da Lex Legum, vez que objetiva a sua complementação, continuando a obra do constituinte originário;

            12.Denomina-se, assim, mutação constitucional o conjunto de alterações materiais do texto constitucional, produzidas pelo poder constituinte difuso, que não atingem a letra expressa da Lei Maior, limitando-se tão somente à atribuição de novos sentidos, significados e alcances às suas disposições;

            13.Como decorrência da constante necessidade de adequação dos preceitos constitucionais à realidade social – do que decorre a sua natureza fática –, o fenômeno da mutação constitucional dá-se de forma lenta, espontânea e sem qualquer previsibilidade, exigindo-se, via de regra, para a sua configuração, determinado lapso temporal mais ou menos longo;

            14.O fenômeno da mutação constitucional abrange as espécies da mutação via interpretação e via costume;

            15.A interpretação constitucional é de suma importância para a mutação constitucional. Neste sentido, avultam de relevância os métodos hermenêuticos tradicionais e modernos, dentre os quais se destaca o científico espiritual, preconizado por Rudolf Smend;

            16.A mutação por meio da interpretação tem lugar no âmbito dos três Poderes do Estado, sendo conceituada como interpretação orgânica;

            17.A interpretação legislativa visa à complementação, integração e concretização da Constituição, que é composta de normas de eficácia contível e limitada;

            18.A lei complementar desempenha importante papel na fixação do sentido e alcance das prescrições constitucionais, função também realizada pela lei ordinária;

            19.A interpretação administrativa ocorre tanto quando da perpetração de atos administrativos stricto sensu quanto dos de caráter político. O juízo de constitucionalidade deve balizar o exercício do Poder Executivo, o qual, por meio da interpretação, pode deflagrar o processo mutacional;

            20.A interpretação judicial também contribui para desencadear a mutação constitucional, vez que orienta a praxis da jurisdição comum e da jurisdição constitucional. O Supremo Tribunal Federal, por meio da construção, colabora para a atualização do sentido do texto constitucional, notadamente mediante as modernas técnicas de controle de constitucionalidade, quais sejam, a interpretação conforme a constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto;

            21.O costume, por seu turno, pode ser classificado como secundum legem, praeter legem,e contra legem;

            22.As três espécies de costume auxiliam o cumprimento do espírito da constituição, efetivando seus comandos, mediante a complementação, definição e restrição de seus sentidos, e colmatação de lacunas, conduzindo à mutação constitucional;

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            23.Pelo fato de o presente trabalho também se referir às mutações inconstitucionais, denota-se a presença de limites a tais processos informais. Por estes objetivarem os mesmos fins do processo de reforma constitucional, devem submeter-se aos limites materiais implícitos;

            24.A violação aos limites explícitos e inerentes presentes no texto constitucional faz com que a mutação seja inconstitucional, a qual não é válida nem legítima, na medida em que não se coaduna com o interesse geral e o caráter uno e integrador da lei fundamental;

            25.As mutações inconstitucionais podem ser repelidas da ordem vigente por meio do controle de constitucionalidade, nas suas modalidades difusa ou concentrada, se exercidas de forma eficaz pelos tribunais competentes;

            26.Tais mecanismos anômalos representam fator de grande instabilidade para a ordem jurídica constitucional e uma forte ameaça ao Estado Democrático de Direito, devendo, por isso, ser extirpados.


6. BIBLIOGRAFIA

            BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Portugal: Almedina, 1994.

            BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

            _____. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2001.

            BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

            BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.

            _____. Ciência Política. São Paulo, Malheiros Editores, 1994.

            BRITO, Edvaldo. Limites da Revisão Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1993.

            BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.

            CAMPOS, Milton. Constituição e realidade. Revista Forense, v. 187, ano 57, 1960.

            DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 9 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997.

            FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição: Mutações Constitucionais e Mutações Inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986.

            GALLO, Ronaldo Guimarães. Mutação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003.

            HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997.

            LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 4 ed. Rio de Janeiro: Lummen Juris, 1998.

            MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. 2 ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 1999.

            SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder da reforma constitucional. Salvador: Livraria Progresso, 1954.

            SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

            _____. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.


Notas:

            01

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.54.

            02

BRITO, Edvaldo. Limites da Revisão Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1993. p. 72.

            03

BRITO, Edvaldo. Ob. cit. p. 75-76.

            04

SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder da reforma constitucional. Salvador: Livraria Progresso, 1954, p. 37.

            05

MORAES, Alexandre de. Ob. cit.p.546.

            06

SAMPAIO, Nelson de Souza. Ob. cit. p. 93.

            07

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 62.

            08

SILVA, José Afonso da. Ob. cit. p. 62.

            09

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 9 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 61.

            10

BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.p 3-6.

            11

LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 4 ed. Rio de Janeiro: Lummen Juris, 1998. p 32.

            12

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição: Mutações Constitucionais e Mutações Inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 10.

            13

Apud BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997.p 57.

            14

BULOS, Uadi Lammêgo Ob. cit. p 57.

            15

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha.Ob. cit. p.12.

            16

BULOS, Uadi Lammêgo. Ob. cit., p. 63.

            17

CAMPOS, Milton. Constituição e realidade. Revista Forense, v. 187, ano 57, 1960, p. 19.

            18

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Ob. cit. p. 13.

            19

BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 71.

            20

HABERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 24.

            21

HABERLE, Peter. Op. cit. p. 13.

            22

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 131.

            23

HÄBERLE, Peter. Ob. cit.p. 11.

            24

Idem, ibidem, p.129.

            25

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 402.

            26

BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p.132.

            27

Idem, ibidem, p. 136.

            28

MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. 2 ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.79.

            29

BONAVIDES, Paulo. Ob. cit. p. 437-438.

            30

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha Ferraz. Ob. cit. p. 38-39.

            31

No particular, discordamos do entendimento de Uadi Lammêgo Bulos no sentido de que o caráter político seria inerente ao processo de elaboração de todas as normas (BULOS, Uadi Lammêgo. Ob. cit. p. 99). Entendemos que esta característica é específica das normas constitucionais, tendo em vista seu peculiar mecanismo de elaboração (a Constituição é o estatuto jurídico do político, conforme menciona Gomes Canotilho).

            32

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 67.

            33

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Ob. cit. p. 81.

            34

CAMPOS, Milton. Ob. cit. p. 20.

            35

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 104.

            36

Idem. p. 137.

            37

BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 61.

            38

Idem, ibidem.

            39

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Ob. cit. p. 67.

            40

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Ob. cit. p. 89.

            41

Idem. p. 148.

            42

Idem. p. 154.

            43

Idem. p. 163.

            44

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 118.

            45

Ibidem, p. 117.

            46

BASTOS, Celso Ribeiro. Ob. cit. p. 70.

            47

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Ob. cit. p. 128-130.

            48

BARROSO, Luís Roberto. Ob. cit. p. 145.

            49

BULOS, Uadi Lammêgo. Ob. cit. p. 71.

            50

BARROSO, Luís Roberto. Ob. cit. p. 186.

            51

BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 175.

            52

BULOS, Uadi Lammêgo. Ob. cit., p. 176.

            53

Idem. p.191.

            54

BULOS, Uadi Lammêgo. Ob. cit. p.91.

            55

SAMPAIO, Nelson de Sousa. Ob. cit. p. 10.

            56

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo, Malheiros Editores, 1994, p.427.

            57

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha Ob. cit.p. 245, 246 e 247.

            58

GALLO, Ronaldo Guimarães. Mutação constitucional Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003.

            59

BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução de José Manuel M. Cardoso da Costa. Portugal: Almedina, 1994, p. 39.

            60

ADIN 1484-6 – DISTRITO FEDERAL Relator Ministro Celso de Mello.
Assuntos relacionados
Sobre os autores
Gabriel Dias Marques da Cruz

Bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Manuelita Hermes Rosa Oliveira Filha

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Iuri Falcão Xavier Mota

bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Bianca Bárbara Malandra Carneiro

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Caroline Marinho Boaventura Santos

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Denise Possobom da Rosa

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Fernanda Barretto

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Juliana Feitoza

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Rômulo Bittencourt

bacharelando em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Gabriel Dias Marques ; OLIVEIRA FILHA, Manuelita Hermes Rosa et al. Mutação constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 841, 22 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7433. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado na disciplina "Temas Aprofundados de Direito Constitucional", ministrada pelo professor doutor Paulo Roberto Lyrio Pimenta, na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos