GERENCIAMENTO DE CRISE – A INTERFERÊNCIA EXTERNA NA ATUAÇÃO POLICIAL

04/06/2019 às 01:15
Leia nesta página:

Aborda a complexidade da atuação policial em casos de ocorrências nas quais há risco de morte aos policiais e outros envolvidos e os prejuízos gerados pela interferência de indivíduos alheios aos quadros policiais.

Dentre as diversas situações que o policial pode se deparar durante sua atividade, uma das mais delicadas é atuar em uma ocorrência que envolva armas, seja uma arma branca (punhal, faca, bastão etc.) seja arma de fogo, vez que colocam em risco a vida do próprio agente de segurança. Quando a ocorrência envolve reféns a crise pode assumir proporções ainda mais trágicas.

O conceito de “crise” adotado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP entende que se trata de “Uma manifestação violenta e inesperada de rompimento do equilíbrio, da normalidade, podendo ser observada em qualquer atividade humana” (DORIA JR., Irio; FAHNING, José Roberto da Silva. Pág. 05)

É um conceito amplo, neste trabalho, ficará restrito ao aspecto relativo à segurança pública. São alguns exemplos de crises que a polícia pode ter que lidar que fogem das ocorrências comuns.

  • Suicidas;
  • Bandidos armados encurralados em recintos fechados;
  • Captura de foragidos em zonas rurais
  • Rebelião em presídios;
  • Sequestro de pessoas;
  • Assaltos a bancos, com ou sem reféns;
  • Ameaças com bombas;
  • Sequestro de ônibus, aeronaves, entre outras.

 

Estas são situações que fazem com que o policial tenha que lançar mão de técnicas de negociação para que a ocorrência seja resolvida com a melhor solução possível e reduzindo os riscos as vidas envolvidas, do refém, do policial, e do próprio agente criminoso.

O conceito de crise adotado pelo Federal Bureau of Investigation - FBI é utilizado por diversas instituições de segurança pelo mundo, e trata de um conceito específico para os casos de ocorrências policiais “crise é um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável.” (grifo nosso)

Não é por acaso que o conceito criado pelo FBI dispõe expressamente que a crise exige uma reposta especial da “POLÍCIA”.

A polícia é a primeira a chegar a uma ocorrência e a estabelecer os primeiros contatos com aqueles que provocaram a situação de crise. O Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Wanderlei Mascarenhas, publicou artigo que trata do assunto mencionando que a solução de uma ocorrência de crise policial depende da aplicação de técnicas e de uma metodologia específica, de interesse, na maior parte das vezes, apenas daqueles que atuam na segurança pública.

A negociabilidade deve ser gerida por policiais preparados para esse mister, que agirão de acordo com procedimentos preestabelecidos, de acordo com diretrizes e políticas norteadas pela doutrina de negociação de crises com reféns” (Mascarenhas, Wanderlei)

A matéria “Gerenciamento de Crises” faz parte dos currículos acadêmicos de todas as academias de polícia e ministrada para todos os policiais. Trata-se de uma metodologia que utiliza determinados protocolos na busca de uma solução aceitável.

Não se trata de verificar se as posições assumidas são legais ou éticas. Trata-se de encarar como um fato que não apresenta uma solução aparente ou imediata. As características mais perturbadoras, decorrentes da intervenção policial, nesses casos, são o desfecho imprevisível, a compressão do tempo e a ameaça existente a uma ou mais vidas(Mascarenhas, Wanderlei)

Quando se fala em “solução aceitável” é por que, infelizmente, nem sempre, a solução será aquela esperada, o mundo real não é como filmes de ação, na qual os heróis sempre conseguem cumprir sua missão com maestria.

Iniciados os trabalhos de negociação, haverá três possibilidades para a solução de uma crise:

I.                Rendição voluntária, com a entrega dos agentes criminosos: é a melhor solução para uma crise, quando os reféns, se houver, são liberados em segurança e os criminosos se entregam sem resistência.

II.                Troca de local: Não se trata, a rigor, de solução da crise, mas sim de uma opção à disposição do negociador que visa deslocar os envolvidos na ocorrência para outro local, geralmente onde oferecerá mais condições para buscar a rendição dos criminosos ou mais opções para uma eventual solução tática.

III.                Resolução tática: resolução mais arriscada e implica, na maior parte das vezes, na neutralização do agente criminoso. Pode ocorrer por meio de atiradores de elite (snipers), com o tiro de comprometimento, ou por meio de uma invasão tática. Trata-se de opção a ser utilizada como último recurso, vez que implica em grande risco aos envolvidos, reféns e policiais.

Implementada uma situação de crise, o policial identificará o grau de ameaça que esta ocorrência gera aos envolvidos. A depender da ameaça, serão colocadas diferentes estruturas policiais e técnicas para solucionar a crise. Uma das classificações doutrinárias divide as ameaças em 4 graus:

1º Grau (alto risco): há armas (branca ou de fogo), mas não há reféns. Nesse caso, o agente criminoso ameaça pessoas ao seu redor podendo, a qualquer momento, causar sérios danos à integridade física e a vida de quem estiver próximo.

Trata-se do nível mais baixo da ameaça, mesmo assim, apresenta grande risco, principalmente ao policial que busca solucionar essa crise.

O uso de arma de fogo contra alguém armado com uma faca, facão, enxada etc. gera grandes discussões, principalmente na imprensa, ao entrevistar “especialistas” que, via de regra, muitas vezes nunca atuaram nas ruas, ou sequer atuaram na atividade policial.

Estudos apontam que ao menos 70% dos confrontos armados ocorrem a curta distância, cerca de 3,4 metros. O que demonstra a letalidade de uma arma branca frente uma arma de fogo.

Em 1983, o Oficial do Departamento de Polícia de Utha, EUA, Dennis Tueller, fez um estudo comprovando que, um agressor com uma faca pode percorrer a distância média de 21 pés (equivalente a 6,4 metros) antes que uma pessoa armada possa reagir sacando a arma e disparando contra ela.

“no período de tempo em que um “atirador médio” saca sua arma e dispara no centro de massa de um alvo, um sujeito comum com uma faca pode percorrer a distância de 21 pés (6,4 metros) e desferir golpes” (LEANDRO, Allan Antunes Marinho. p.80)

Portanto, a solução da crise, mesmo no seu mais baixo grau, demonstra que o tratamento dado a ela deve ser feito por meio de policiais qualificados e treinados.

2º Grau (altíssimo risco): há armas (branca ou de fogo), e há reféns;

3º Grau (ameaça extraordinária): sequestro de maior proporção com grande número de reféns;

A solução de ameaças de grau 2 e 3 passam por, além de uma equipe de negociadores, equipes táticas para o caso de a única opção ser a solução extrema, por meio de uma invasão tática.

4º Grau (ameaça exótica): ameaças que envolvam materiais químicos ou radioativos, uma ameaça exótica. Além de uma equipe policial, exige a expertise de pessoal altamente treinando e capacitado para manusear esses materiais, como bombeiros, pessoal da área de saúde e engenheiros químicos ou nucleares, físicos etc.

COMPLEXIDADE DA ESTRUTURA LOGISTICA PARA ATUAÇÃO NO GERENCIAMENTO DE CRISE

A depender do grau de ameaça serão empregados diversos tipos de estruturas e técnicas para a solução da ocorrência

Há algumas diferenças entre as estruturas a serem utilizadas conforme a doutrina adotada e a realidade de cada país. Países que investem maciçamente em segurança pública colocam à disposição dos órgãos policiais diversos tipos de equipamentos e pessoal para que a solução da crise ocorra da forma mais segura possível.

Neste tópico citaremos algumas das estruturas à disposição segundo a doutrina e realidade do Brasil que, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENAP/MJ, busca padronizar a doutrina e atuação das polícias em todo o país. São elas:

1. Grupo de apoio técnico: equipe responsável por providenciar todo equipamento e necessidades do teatro de operações (nome dado ao local onde se desenvolvem os trabalhos para solução da crise).

Será responsável por equipamentos (câmeras, microfones, roupas), comida para os policiais, viabilizar exigências negociadas, com isso, evita-se que os demais policiais tenham que se ausentar do local.

2. Grupo de inteligência: serão responsáveis por levantar dados sobre os envolvidos na ocorrência (vítimas, criminosos, seus familiares, rotinas etc.) toda informação que possa ser útil ao negociador.

3. Grupo tático: responsável por instalar os equipamentos fornecidos pelo grupo de apoio técnico e estudar as formas possíveis de entrada, caso haja necessidade de uma solução tática.

A depender do Estado, ou mesmo do grau de ameaça, as funções dos grupos de inteligência e tático serão desempenhadas pelos mesmos policiais.

4. Grupo de negociação: O negociador deve ser o único a fazer contato direto com os agentes criminosos, também chamados pela doutrina de perpetradores. Será a única via de contato entre eles e o mundo exterior. A doutrina ensina que o negociador não deve ter poder de decisão, devendo sempre se reportar a um superior, assim, qualquer exigência deve ser reportada ao superior, geralmente nominado gerenciador, que irá decidir se a exigência será ou não atendida.

Trata-se de uma técnica para que os demais grupos possam identificar e levantar dados sobre os envolvidos. Também funciona como importante fator para se ganhar tempo.

Papel tático do negociador: Além de buscar a rendição dos criminosos e a libertação de reféns, cabe ao negociador desempenhar o que a doutrina chama de “papel tático”.

Quando a crise atinge seu clímax, e a continuidade da negociação é descartada, os policiais envolvidos passam a estudar as formas de resolução tática da crise, na qual é decidido que a solução mais adequada será a neutralização do(s) agente(s) criminoso(s).

Nesse caso, o negociador passa a assumir seu papel tático, daí a necessidade de o negociador ser um POLICIAL. A depender do plano de ação estipulado pela equipe tática, o próprio negociador pode ser o responsável por neutralizar o perpetrador, vez que será ele quem terá mais facilidade para se aproximar do alvo.

Outra hipótese de atuação tática do negociador será quando ficar responsável por colocar o alvo em posição para que outro policial, atirador de elite ou grupo tático, possa neutralizá-lo.

 INTERFERÊNIA EXTERNA NA ATUAÇÃO DA POLÍCIA EM SITUAÇÕES DE CRISE

Situações de crise geram grande comoção social, a imprensa busca cobrir os fatos praticamente em tempo real, colocando ainda mais pressão sobre os policiais que atuam para resolver a crise.

Não raro, familiares, religiosos, políticos e membros de outras instituições, seja pelo prestígio de participar de um fato de tamanha repercussão, seja pela intenção de ajudar na solução da crise, buscam intervir na negociação, gerando grandes prejuízos para o trabalho policial e principalmente, tornando ainda mais imprevisível, uma situação que já era de difícil avaliação.

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Familiares muitas vezes são chamados para fornecer informações acerca daqueles que deram origem à crise, não sendo recomendável sua atuação direta nas negociações, vez que a participação de um familiar pode alterar de forma imprevisível o ânimo do agente, podendo levar os fatos a um desfecho catastrófico.

Repórteres, na busca de conseguir um furo de reportagem ou elevar a audiência de suas emissoras, não são as pessoas ideais para se envolver na negociação da crise. As técnicas de negociação em casos de gerenciamento de crises policiais não são dominadas por repórteres. Por mais bem intencionado, seu foco sempre será a futura matéria a ser publicada, e isto implica em obedecer a critérios morais e éticos que podem se tornar barreiras para a solução mais adequada para a ocorrência, além de colocar em risco sua segurança, vez que não está preparado se comportar como a situação exige.

Autoridades Religiosas não devem participar das negociações. Pode ser o caso de um agente que busca algum tipo de redenção ou vingança contra um símbolo religioso, e seu ato visa justamente, provocar uma tragédia executando reféns que estão sob a “responsabilidade” de uma entidade religiosa.

Ainda, a Autoridade Religiosa é a menos preparada, em razão de seus dogmas éticos e religiosos, para executar uma resolução tática, caso seja a opção mais aceitável.

Muitas vezes, em razão da proporção tomada pela crise, políticos, como Governadores e Parlamentares buscam atuar nas negociações, buscando angariar capital político a ser utilizado nas próximas eleições.

Também não é incomum, juízes e promotores se envolverem diretamente nas negociações.

A participação destas autoridades diretamente na negociação e gerenciamento da crise é, de longe, a pior opção que se pode adotar. A negociação em gerenciamento de crise de ocorrências policiais obedece à doutrinas, metodologias e técnicas específicas, estudadas ao longo de diversos anos e com base em diversos casos reais que demonstram a necessidade de obedecer essas regras.

A título de exemplo, em caso de crise envolvendo reféns, a doutrina prega que não se deve iniciar a negociação antes de, ao menos, 50 minutos, em média, para que se instale a síndrome de Estocolmo, na qual se inicia uma ligação sentimental entre vítima e sequestrador, podendo a polícia se utilizar desse aspecto para negociar e salvar vidas.

Parte das técnicas de negociação envolve um jogo de enrijecer e afrouxar exigências. O policial, ao negociar, sempre se coloca em uma posição em que não tem autonomia para ceder ou concordar com a exigência, devendo consultar superiores. Com isso, se ganha tempo para que outras opções de solução da crise sejam estudadas.

Quando um político assume ativamente a negociação, oferecendo benefícios e ouvindo exigências, fragiliza-se a figura do negociador, vez que, ao menos em tese, um político, Governador ou Parlamentar, como representante máximo de um poder, pode determinar o que as instituições podem ou não fazer, com isso, não teria razão para não atender uma exigência.

Com efeito, a participação destas pessoas na negociação apresenta sérias consequências no ânimo do agente criminoso, impede que haja a discussão acerca da exigência e que a polícia ganhe tempo para estudar outras formas de resolução da crise, aumentando o risco para a vida de todos os envolvidos, reféns, policiais e criminosos.

Pela mesma razão, juízes e promotores não devem se imiscuir ativamente nas negociações. Juízes são representantes do Poder Judiciário e podem ordenar que as exigências dos criminosos sejam cumpridas. Promotores, como responsáveis pela acusação em nome do Estado, não podem fragilizar a negociação, se comprometendo a eximir criminosos das consequências penais de seus atos.

Ressalte-se ainda, que todos os citados não foram treinados nas técnicas e doutrinas acerca do gerenciamento de crise, tornando o resultado ainda mais imprevisível.

Não se pode esquecer, ainda, do papel tático do negociador. Não há como exigir que familiares, repórteres, religiosos, políticos, juízes e promotores adotem medidas para auxiliar na execução de uma resolução extrema, como o tiro de comprometimento. Tal medida implica na tomada de decisões e assunção de riscos que não estão no âmbito de atuação das pessoas citadas.

CONCLUSÃO

O gerenciamento de crise demanda estudo sério de técnicas, doutrinas, métodos e regras específicas a serem aplicadas para a solução de uma ocorrência policial de alto risco.

Tais sistemas foram desenvolvidos para minimizar ao máximo os riscos a integridade física e a vida dos envolvidos. As técnicas de negociação foram pensadas para serem aplicadas somente órgãos por órgãos policiais, vez que estes são preparados, já no curso de formação básica, com os conhecimentos necessários.

Indivíduos alheios ao meio policial não tem condições de avaliar e aceitar soluções para a crise na qual a neutralização de um perpetrador se faz necessária.

Também, somente órgãos policiais reúnem as condições para se colocarem posição de articular acerca das diversas possibilidades de solução da crise, não devendo o trabalho ser desvirtuado para atender a anseios políticos ou pessoais, vez que o que está em jogo, é a vida não só de reféns, mas de policiais que estão atuando na ocorrência e dos próprios criminosos.

 

BIBLIOGRAFIA

3. DORIA JR., Irio; FAHNING, José Roberto da Silva. Curso – Gerenciamento de Crises: Módulo 1. SENASP/MJ: Fábrica de Cursos, 2008.

2. LEANDRO, Allan Antunes Marinho. Armas de Fogo e Legítima Defesa: A desconstrução de oito mitos. 1º Ed - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

1. MASCARENHAS, Wanderlei. Reféns. TAP – Técnicas de Ação Policial, set. 2009. Disponível em: <http://elsonmatos.blogspot.com/2009/09/gerenciamento-de-crises.html>. Acesso em: 29.abril.2019.

 

Sobre o autor
Tiago Gonçalves Escudero

Sobre o autor: Ex-Militar da Força Aérea, onde atuou no Batalhão de Infantaria. Atuou, ainda, como advogado em São Paulo, e posteriormente como Analista (Assistente Jurídico) no Ministério Público do Estado de São Paulo, principalmente, no Grupo de Combate à Lavagem de Dinheiro e Delitos Econômicos - GEDEC. Atualmente, é Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado a partir de um estudo realizado na pós graduação em operações policiais especiais.

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