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Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais

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3. A DECISÃO DO STF

3.1 O voto do Ministro Luiz Fux

Ao decidir a questão, o STF entendeu que os dispositivos legais autorizadores das contribuições de pessoas jurídicas aos partidos políticos e às campanhas eleitorais eram incompatíveis com a Constituição, tendo, portanto, proibido o que se entendia como financiamento privado de campanha[25]. Essa decisão foi tomada a partir do voto do relator, o Ministro Luiz Fux, que se passa a analisar.

Antes de adentrar no mérito, a Corte precisou resolver algumas preliminares suscitadas pela Advocacia-Geral da União, tendo-as rejeitado integralmente. Como são questões processuais não relevantes para o que e está a tratar nesse artigo, não serão abordadas com maior profundidade.

No mérito, o STF, antes de decidir fez interessante exercício de reflexão acerca da jurisdição constitucional em matéria de reforma política, já que suscitada pelas próprias autoridades que foram intimadas a prestar informações na ADI (Presidente da República, Presidentes do Senado Federal e da Câmara do Deputados) a suposta ausência de legitimidade da Corte para apreciar temas inerentes ao núcleo essencial do processo democrático.

Acertadamente, o STF entendeu que, a despeito de o Congresso Nacional ser o locus adequado para o debate das reformas estruturais do Estado, em algumas hipóteses cabe ao Poder Judiciário, especificamente na jurisdição constitucional, interferir para salvaguardar os pressupostos do regime democrático, caso entenda que estão eles em risco[26]. Aliás, como bem asseverou o Ministro Luiz Fuz, Relator do acórdão,

(...) diagnosticado o inadequado funcionamento das instituições, é dever da Corte Constitucional otimizar e aperfeiçoar o processo democrático, de sorte (i) a corrigir as patologias que desvirtuem o sistema representativo, máxime quando obstruam as vias de expressão e os canais de participação política, e (ii) a proteger os interesses e direitos dos grupos políticos minoritários, cujas demandas dificilmente encontram eco nas deliberações majoritárias.

No caso concreto, a arguição da OAB, refletindo, é verdade, um sentimento universalizado da sociedade brasileira, era no sentido de que o modelo de financiamento do sistema político brasileiro estava a corroer a democracia, logo, seria necessário declará-lo inconstitucional para forçar o Congresso Nacional o alterar o esse modelo.

Novamente, quanto à necessidade de mudança no modelo, parece não haver discordâncias. Discute-se se solução oferecida pelo STF – proibir as doações de pessoas jurídicas em vez de limitá-las ou fixar prazo para o Congresso fazê-lo – foi adequada, tendo em vista o quadro que se avizinha nas eleições de outubro.

Porém, dentro da lógica de que dificilmente a pretensão buscada pela OAB na ADI, na qual ela dizia representar a coletividade – e de fato representava boa parte dela –, não era factível esperar pela mudança vinda do próprio Congresso, ao menos não sem uma determinação cogente da Corte. Sobre esse aspecto, novamente o voto do Ministro Luiz Fux foi preciso:

Pela sensibilidade da matéria, afeta que é ao funcionamento do processo político-eleitoral, acredito que haja sim terreno amplo o suficiente para viabilizar o escrutínio judicial mais estrito e criterioso sobre as opções exercidas pelas maiorias políticas no seio do Parlamento, instância, por excelência, vocacionada à tomada de decisão de primeira ordem sobre a matéria. Há algumas razões para isso.

Inicialmente, repiso que me parece indisputável que a Reforma Política deva ser capitaneada pela classe política, e não pelo Poder Judiciário. Sucede que não se pode olvidar que o produto final deste debate interessa, em alguma medida, aos próprios agentes decisórios que estão no exercício do poder e foram eleitos segundo as regras vigentes. Esse cenário coloca uma questão de sinceridade e realidade institucional, que poderia ser resumida em uma pergunta direta e imediata: é factível confiar única e exclusivamente aos agentes políticos a prerrogativa de reformulação das regras concernentes ao financiamento de campanhas, quando, em verdade, foi o exato sistema em vigor que permitiu a sua ascensão aos cargos que ocupam? A resposta é, a meu juízo, negativa.

(...)

Exatamente porque matérias intimamente ligadas ao processo eleitoral aumentam consideravelmente as chances de manipulação e parcialidade no seu tratamento pelos órgãos eleitos por este mesmo processo, justifica-se, a meu sentir, uma postura mais expansiva e particularista por parte do Supremo Tribunal Federal, em detrimento de opções mais deferentes e formalistas. Creio que, ao assim agir, a Corte não amesquinha a democracia, mas antes a fortalece, corrigindo pelo menos algumas de seus naturais disfuncionalidades.

A capitulação feita por Sua Exa. reduz significativamente as complexidades envolvidas no processo de reforma na legislação eleitoral[27], porém, não deixa de ser a constatação prática da situação brasileira, já que as últimas alterações na legislação tiveram todas o condão de facilitar a manutenção do status quo e dificultar o surgimento de novas caras no cenário político. Em outras palavras, fazendo uso de certa licença poética, também no Congresso Nacional faz-se uso da “jurisprudência defensiva”, já que os

(...) partidos podem diferir em políticas, mas concordam em manter o monopólio do poder dentro de um quadro de possibilidades preestabelecidas por eles mesmos. A política se profissionaliza, e os políticos se tornam um grupo social que defende seus interesses comuns acima dos interesses daqueles que eles dizem representar: forma-se uma classe política, que, com honrosas exceções, transcende ideologias e cuida de seu oligopólio.[28]

Feitas essas considerações, ao julgar o mérito em si da ADI, o voto do Ministro Relator acabou se limitando a repetir as formulações retóricas relacionadas ao one person, one vote. Isso porque considerou como legítimo interesse de participação no processo democrático apenas aquelas atividades que podem ser diretamente exercidas por pessoas naturais: o direito de votar, ser votado e influir na vontade popular por intermédio de instrumentos de democracia direta.

Por outro lado, imputou às doações de pessoas jurídicas – e apenas a elas – o aumento em progressão geométrica dos custos das campanhas eleitorais, o que é falacioso. Ainda assim, em alguns pontos a argumentação tangencia o problema de fato do modelo de financiamento de campanhas eleitorais no Brasil: a falta de regulamentação adequada:

(...) as pessoas jurídicas, nomeadamente as empresas privadas, são as principais doadoras para candidatos e partidos políticos. Deveras, as pessoas jurídicas são as grandes protagonistas no financiamento das campanhas eleitorais, respondendo pela absoluta maioria das doações. E os dados a este respeito são bastante eloquentes. De acordo com a substanciosa petição apresentada pela entidade Clínica de Direitos Fundamentais da prestigiada Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Clínica UERJ Direitos, nas eleições de 2012, por exemplo, as pessoas naturais doaram pouco menos de 5% dos recursos. Mesmo entre as pessoas jurídicas existe uma forte concentração entre os principais doadores. No pleito de 2010, por exemplo, apenas 1% dos doadores, o equivalente a 191 empresas, foi responsável por 61% do montante doado. Não bastasse, os dez principais financiadores – em geral construtoras, bancos e indústria – contribuíram com aproximadamente 22% do total arrecadado (Fonte: Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Transparency International, em estudo intitulado A responsabilidade das empresas no processo eleitoral, 2012, p. 34).

Diante desse quadro empírico, não é difícil constatar que um número restrito de pessoas jurídicas – aproximadamente 20 mil empresas, o que corresponde a menos de 0,5% do total de empresas brasileiras, segundo informações do IBGE – financia as campanhas políticas no Brasil.

(...)

Examinando as informações acerca dos principais doadores de campanhas no país, eliminam-se quaisquer dúvidas quanto à ausência de perfil ideológico das doações por empresas privadas. Da lista com as dez empresas que mais contribuíram para as eleições gerais em 2010, a metade (cinco) realizou doações para os dois principais candidatos à Presidência e a suas respectivas agremiações.

O que se verifica, assim, é que uma mesma empresa contribui para a campanha dos principais candidatos em disputa e para mais de um partido político, razão pela qual a doação por pessoas jurídicas não pode ser concebida, ao menos em termos gerais, como um corolário da liberdade de expressão. A práxis, antes refletir as preferências políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores que visam a estreitar suas relações com o poder público, de forma republicana ou não republicana.

No primeiro trecho, aborda-se o problema da concentração das doações, mesmo entre pessoas jurídicas. Se, em um universo enorme de pessoas jurídicas existentes no Brasil menos de 1% faz(ia) doações eleitorais, e tais doações equivaliam à esmagadora maioria dos recursos disponíveis para a eleição, é um claro sinal de distorção regulatória.

Da mesma forma, o segundo trecho da passagem acima transcrita retrata a situação conhecida no populacho como “um pé em cada canoa”, o que também só era possível em razão do déficit regulatório acentuado em matéria eleitoral.

Por fim, dois grandes equívocos do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux: utilizar como fundamento para declarar a inconstitucionalidade das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas as vedações expressas às contribuições dessa natureza por entidades de classe e sindicatos, e, afastar por completo do caso brasileiro a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América no caso Citizens United v. Federal Election Commission.

Na primeira hipótese, a vedação legal se justificava porque entidades de classe têm e sindicatos tinham, à época, como principal fonte de receita contribuições instituídas por lei que eram compulsórias ao sujeito devedor. Essa questão fora enfrentada pela Corte no já mencionado julgamento da Medida Cautelar na ADI no 1.076-0/DF, cujo acórdão assim foi ementado:

E M E N T A: Financiamento de campanhas eleitorais: vedação de contribuições de entidades sindicais ou de classe (L. 8.713/93, art. 45, VI): argüição de inconstitucionalidade por violação do princípio da isonomia: medida cautelar indeferida, vencido em parte o relator e os que o acompanharam, que a deferiam para suspender a proibição dirigida às entidades não sindicais de classe. 1. Considerações gerais sobre o problema da regulação e da tentativa de redução à medida do inevitável da influência do poder econômico nas eleições - desafio mais dramático do Direito Eleitoral contemporâneo - e acerca do ensaio de solução da L. 8.713/93, que, reconhecendo a superação do ingênuo modelo proibitivo da legislação anterior, rendeu-se - com a permissão das contribuições eleitorais de pessoas jurídicas e particularmente das empresas privadas -, à realidade incontornável da interferência do poder econômico na disputa do poder político, a fim de buscar discipliná-la. 2. Manutenção, não obstante, da vedação de contribuições de entidades de classe, sindicais ou não: argüição de sua inconstitucionalidade por afronta à isonomia. 3. Oponibilidade ao legislador do princípio constitucional da igualdade, que, somado à consagração explícita do princípio do devido processo legal, se traduz na exigência da razoabilidade das disposições legais e na proscrição da lei arbitrária. 4. Razoabilidade da proibição questionada, com relação às entidades sindicais, dada a limitação do princípio constitucional de sua liberdade e autonomia pela regra, também constitucional, da unicidade, que - além de conferir-lhes poder de representação de toda uma categoria, independentemente da filiação individual dos que a compõem -, propicia a manutenção da contribuição sindical, estabelecida por lei e de inequívoco caráter tributário, cujo âmbito de incidência também se estende a todos os integrantes da categoria respectiva. 5. Divisão do Tribunal quanto à plausibilidade da argüição de ofensa à isonomia, no tocante à proibição imposta às entidades não sindicais de classe: a) votos majoritários que entenderam razoável a discriminação, à vista da distinção constitucional entre entidades de classe e associações civis em geral (v.g., CF, art. 5º, LXX); b) votos vencidos, a partir do relator, no sentido da falta de congruência lógica entre o fator de discrímen - o cuidar-se de entidades de classe - e a discriminação legal questionada, no contexto de uma lei, que facultou amplamente o financiamento de campanhas eleitorais às organizações privadas de todo o tipo, independentemente de sua forma e regime jurídicos e do seu objeto social, pouco importando a falta de conexão deste com a atividade política partidária. (ADI 1076 MC, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/06/1994, DJ 07-12-2000 PP-00003 EMENT VOL-02015-01 PP-00115) (negritou-se)

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Já o precedente da Suprema Corte foi afastado pelo relator porque, segundo ele, diferia em essência do caso brasileiro. Lá, se julgou se era possível a uma empresa gastar seus recursos em publicidade em favor de um candidato, e não fazer diretamente doações a ele. De fato, a questão de fundo debatida no precedente norte-americano era essa, tendo a Suprema Corte decidido que essa conduta não poderia ser coibida por ser uma extensão do direito à liberdade de expressão:

O discurso político é indispensável à tomada de decisão em uma democracia, e essa constatação não é menos verdadeira porque o discurso vem de uma corporação e não de um indivíduo. (Do original: “Political speech is indispensable to decision making in a democracy, and this is no less true because the speech comes from a corporation rather than an individual.”

A diferença, porém, é que, apesar de a liberdade de expressão também ser direito fundamental garantido em nossa Constituição, a legislação eleitoral brasileira a restringe. No Brasil, caso uma empresa pretendesse fazer aquilo que foi autorizado pela Suprema Corte dos Estados Unidos, ou seja, sem o consentimento do candidato financiar material publicitário pago em meios de comunicação para promovê-lo, não poderia, pois, a legislação proíbe a veiculação de qualquer tipo de propaganda paga, sendo permitida apenas a propaganda eleitoral “gratuita”. Ou seja,

Quanto aos demais pedidos formulados, relativos à imposição de limites à doação por pessoas físicas e que não são objeto deste artigo, o voto do relator foi pela improcedência, no que foi acompanhado por todos.

3.2 O Voto do Ministro Teori Zavascki

Como exaustivamente afirmado acima, o problema do financiamento de campanhas eleitorais no Brasil não é do modelo em si, e sim do déficit regulatório existente, qualquer que seja a escolha ou modelo vigente na ocasião.

Quando do julgamento da ADI no 4.650/DF pelo STF, havia sim um clamor da sociedade pelo fim das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas, tudo decorrente dos sucessivos escândalos de corrupção envolvendo agentes políticos, agentes públicos, empresários e eleições. Se, na data da propositura da ação o mensalão era a “piada de salão” da vez, quando o julgamento foi iniciado, a operação lava jato estava na sua fase mais explosiva em termos de revelações. Logo, a pressão sobre o tema era muito forte e não havia realmente muito espaço para divergências.

No próprio STF, uma das poucas vozes dissonantes e que abriu a divergência no julgamento foi o Ministro Teori Zavascki, que proferiu um voto ponderado na identificação real do problema: seja público, privado ou misto o financiamento das campanhas eleitorais, é necessária uma mudança estrutural na cultura dos políticos e da sociedade brasileira em geral, além de regulamentar adequadamente a arrecadação de fundos para campanhas. Disse Sua Exa.:

(...) o dinheiro pode fazer muito mal à democracia, mas ele, na devida medida, é indispensável ao exercício e à manutenção de um regime democrático. Onde está o equilíbrio, como conter os excessos, como direcionar o fluxo dos recursos apenas para o bem da democracia evitando corrupção e conluio, essas são algumas das perguntas cujas respostas são incessantemente buscadas, no Brasil e em muitos outros países, por especialistas e legisladores.

Não há dúvida que, nesse contexto, é de importância fundamental o estabelecimento de um adequado marco normativo. Mas, somente ele não é suficiente para coibir as más relações entre política e dinheiro. Há, sobretudo, a questão da conduta. É preciso que as normas sejam efetivamente cumpridas e a punição seja efetivamente aplicada, se for o caso. Talvez aqui, mais do que na precariedade do marco normativo, esteja a fonte principal dos abusos do poder econômico e da corrupção política: no desrespeito das normas e na impunidade dos responsáveis.

Precisamente o que se vem repetindo nas passagens anteriores desse texto: é preciso regulamentar melhor o modelo e também é necessário que as regras sejam seguidas. Do contrário, pode-se escolher o modelo que for, ele não funcionará.

Com muita propriedade, o Ministro Teori afastou também, com os argumentos da própria petição inicial, o suposto tratamento constitucional da proibição ao financiamento privado das campanhas eleitorais. Explicou a todos, para seus pares inclusive, que justamente por ter a OAB precisado recorrer à retórica principialista[29] e invocado preceitos constitucionais abertos e indeterminados para trazer o tema ao debate pelo STF, é que a Corte deveria exercer com maior grau de autocontenção a sua jurisdição.

Ainda sob o prisma constitucional, estabeleceu que não se faz necessária a existência da relação entre a capacidade de votar e a habilitação para contribuir financeiramente com o processo eleitoral. Isso porque, como também mencionado anteriormente, o exercício dos direitos políticos é apenas uma das formas de participar da vida em sociedade e de influir na escolha dos representantes, e que essa motivação, por si só, já as legitimaria a participar do processo eleitoral como doadoras:

(...) pessoas jurídicas só contribuem por interesse. Não se contesta esse fato. Todavia, é exatamente isso o que ocorre também com as pessoas naturais: suas contribuições não podem ser consideradas desinteressadas. Nem num caso, nem no outro, entretanto, há de se afirmar que os interesses a que visam as contribuições para partidos ou campanhas políticas sejam, invariavelmente, interesses ilegítimos. Não se mostra assim, por exemplo, o interesse de pessoas jurídicas em ver eleitos candidatos favoráveis a impulsionar certas reformas legislativas de natureza econômica, ou tributária, ou trabalhista, ou em ver priorizadas políticas públicas na área de infraestrutura, ou de expansão de empregos, ou de industrialização ou de desburocratização. É claro que há também interesses escusos movendo doações de pessoas jurídicas, mas seria igualmente ingênuo afirmar que os interesses que movem pessoas naturais a contribuir para campanhas sejam, sempre, interesses legítimos. A realidade está repleta de exemplos em sentido contrário, alguns até da mais alta gravidade, como é o caso de candidaturas sustentadas por organizações criminosas.

(...)

(...) olhada a questão pelo prisma do interesse que move os doadores, o fator decisivo para aferir a legitimidade acaba se transferindo, mais uma vez, do marco normativo para o marco comportamental: tanto as doações de pessoas jurídicas, quanto às de pessoas naturais serão incompatíveis com a Constituição se abusivas. As más práticas, os excessos, a corrupção política, não podem ser simplesmente debitadas às contribuições feitas nos limites autorizados por lei, mas àquelas provindas da ilegalidade. Em outras palavras: é preciso ter cuidado para não atribuir a inconstitucionalidade das normas ao seu sistemático descumprimento.

Aliás, o precedente da Suprema Corte Americana citado pelo relator, Ministro Luiz Fux, aborda o tema de maneira semelhante ao dispor, na opinião majoritária proferida pelo Justice Kennedy, que a democracia (representativa) se baseia na capacidade de resposta do representante, e que os resultados políticos por ele produzidos em favor de quem o escolheu como merecedor do voto ou da contribuição de campanha, são considerados razões legítimas para que se escolha nele votar ou para a campanha dele contribuir, em detrimento de outros candidatos[30].

Por fim, delimitou aquela que seria a mais plausível das alternativas em sua opinião: a imposição de um limite efetivo de gastos acompanhada de instrumentos institucionais de aplicação de sanções para coibir abusos. Essa conclusão, segundo ele, decorria da simples leitura dos casos anteriores e da experiência histórica brasileira. Doações eleitorais de pessoas jurídicas já haviam sido proibidas no passado e isso não impediu, diminuiu ou refluiu a corrupção eleitoral, nem mesmo tornou mais adequado o processo democrático. Em suas palavras, apenas

(...) por messianismo judicial se poderia afirmar que, declarando a inconstitucionalidade da norma que autoriza doações por pessoas jurídicas e, assim, retornar ao regime anterior, se caminhará para a eliminação da indevida interferência do poder econômico nos pleitos eleitorais. É ilusão imaginar que isso possa ocorrer, e seria extremamente desgastante à própria imagem do Poder Judiciário alimentar na sociedade, cansada de testemunhar práticas ilegítimas, uma ilusão que não tardará em se transformar em nova desilusão. Por outro lado, o antídoto para os gastos excessivos de campanha eleitoral não é declarar a inconstitucionalidade das fontes de financiamento, cuja eliminação formal provavelmente seria imediatamente substituída por suplementação informal e ilegítima, como também mostram os exemplos históricos.

Não é difícil entender as conclusões do Ministro Teori. As premissas utilizadas para proibir a doação de pessoas jurídicas são completamente equivocadas e demonstram que o STF, nesse caso, ultrapassou uma fronteira desconhecida. Pensar que conseguirá forçar a diminuição dos custos das campanhas eleitorais proibindo doações de empresas é utopicamente pueril.

Passados vários do primeiro grande escândalo envolvendo o financiamento eleitoral por empresas, ocorrido apenas alguns anos depois da redemocratização do Brasil, e durante uma entressafra de escândalos ainda maiores em termos de cifras envolvidas e sofisticação, encaminhou-se uma solução que retornava à situação anterior, a qual comprovadamente fracassara.

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BRESCIANI, FELIPE CASCAES SABINO. Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5830, 18 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74669. Acesso em: 6 mai. 2024.

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