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Competência da Justiça do Trabalho.

Relações de consumo

Leia nesta página:

            A Emenda Constitucional nº 45 deu nova redação ao o art. 114 da Constituição, que agora dispõe:

            "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

            I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidas os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios"

            Relação de trabalho sempre foi definida como a prestação de serviços, por pessoa natural, a terceiros. Caracteriza-se sempre que uma pessoa física empresta sua força de trabalho a outrem, mesmo que de forma eventual, gratuita ou desprovida de qualquer subordinação, elementos só exigidos nas relações de emprego, espécie do gênero relação de trabalho.

            Délio Maranhão, in Direito do Trabalho, 17a. edição, pág. 8, citando Renato Corrado, ensina que "o conceito jurídico de trabalho supõe que esta ‘se apresente como objeto de uma prestação devida ou realizada por um sujeito em favor de outro’. Tal ocorre quando: 1. uma atividade humana é desenvolvida pela própria pessoa física; 2. essa atividade se destina à criação de um bem materialmente avaliável; 3. surja de relação por meio da qual um sujeito presta, ou se obriga a prestar, a própria força de trabalho em favor de outro sujeito, em troca de uma retribuição."

            O Código de Defesa do Consumidor define como de consumo toda prestação de serviços a terceiros, só excepcionando as relações de emprego, espécie do gênero relação de trabalho.

            "Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização ou prestação de serviços.

            § 1º -. ..

            § 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."

            Não obstante a absoluta clareza do texto constitucional, há quem diga que as prestações de serviço que o CDC define como relações de consumo não se inserem na competência que o legislador Constituinte atribuiu à Justiça do Trabalho.

            Dizem alguns que a prestação de serviço definida pelo legislador como de consumo não caracterizaria relação de trabalho, porque enquanto esta decorre de disputa emanada do trabalho, aquela envolveria uma relação contratual de resultado.

            Essa conclusão se me afigura, data vênia, equivocada. Resultado, segundo Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, "do latim resultare (soltar para trás, repercutir), vulgarmente é entendimento como o efeito ou a conseqüência de algum fato ou ato; é, assim, o estado a que se chegou ou o que se originou de algum fato ou ato."

            O critério de diferenciação dos contratos pelo fim ou resultado sempre foi criticado.

            Como ensina Orlando Gomes Élson Gottschalk, in Curso de Direito do Trabalho, 16a. ed., pág. 135, o critério de diferenciação que leva em consideração o fim do contrato baseia-se na teoria de Jacobi sobre os contratos de serviços em geral. "Segundo esse critério, se os contraentes celebram convenção visando ao resultado do trabalho, como obra pronta, o contrato é de empreitada. Se, ao contrário, o contrato tem por fim prestações de trabalho determinadas somente no gênero, tem-se, conforme o caso, um contrato de prestação livre de serviço ou um contrato de trabalho."

            Esse critério, ainda segundo Orlando Gomes e Elson Gottschalk, não é satisfatório, pois "Pode haver contrato de trabalho no qual o trabalhador se obrigue, dentro de certo tempo, a cumprir tarefas que sejam obras feitas. O principal fim do empregador ao contratar tal empregado é o produto do trabalho, produto este que deve ser realizado no decurso de certo prazo. São tarefas que o empregado deve cumprir dentro de horário preestabelecido, como, por exemplo, a do empregado na manufatura de fumo que deve produzir número certo de charutos, por hora se serviço. Não é, portanto, o fim visado pelas partes que distingue à empreitada do contrato de trabalho."

            Como se vê, o requisito resultado, ou fim do contrato, não serve como justificativa para afastar a competência da Justiça do trabalho para solucionar os conflitos decorrentes das prestações de serviço reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor, desde, evidentemente, que o prestador dos serviços seja uma pessoa física, pois nesse caso caracterizada estará uma espécie do gênero relação de trabalho.

            Aliás, se as relações de emprego jamais objetivassem um resultado, um fim, o legislador não necessitaria, como o fez, excepcioná-las. Bastaria definir como de consumo toda e qualquer prestação de serviço que tivesse por objetivo o alcance de algum resultado.

            Cumpre lembrar que antes mesmo da promulgação da Emenda nº 45, à Justiça do Trabalho incumbia julgar os dissídios resultantes de contratos de empreitadas, desde que empreiteiro fosse operário ou artífice (art. 652, III, da CLT), contrato que efetivamente tem por objetivo um resultado e é alcançado pelo CDC.

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            O que fixa a competência da Justiça do Trabalho é a natureza da relação – de trabalho - e não a do direito controvertido. Em havendo relação de trabalho, compete Justiça do Trabalho dirimir o conflito, pouco importando se o fará com base em normas de Direito do Trabalho, Civil ou Administrativo.

            Há um fato histórico que não pode ser ignorado. Iniciada em 1992, a Reforma do Judiciário chegou a cogitar da extinção da Justiça do Trabalho. No decorrer dos trabalhos, optou-se pela sua manutenção, mediante ampliação da competência, até então limitada às relações de emprego e, como já destacado, pequenas empreitadas.

            Como as relações de consumo, tal como definidas pelo CDC, abrangem praticamente todas as modalidades de prestações de serviços, inclusive aquelas que sempre foram consideradas relação de trabalho, afasta-las da competência da Justiça do Trabalho é fazer tábua rasa das novas disposições Constitucionais, ignorar a verdadeira intenção do legislador, que foi a de entregar à esta a atribuição de solucionar todos os conflitos oriundos dessas relações. Equivale a dizer que a tão propalada Reforma do Judiciário praticamente em nada alterou a competência daquela Justiça Especializada, ou seja, que teria ficado tudo como antes.

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Sobre o autor
Fernando Antonio Zorzenon da Silva

juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Fernando Antonio Zorzenon. Competência da Justiça do Trabalho.: Relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 864, 14 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7572. Acesso em: 16 abr. 2024.

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