Competência territorial na Justiça do Trabalho e o Acesso à Justiça

19/08/2019 às 20:07
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O presente trabalho trata sobre o art. 651 da CLT em face do livre acesso à justiça, refletindo sobre as consequências da delimitação processual e os potenciais prejuízos à parte hipossuficiente da relação trabalhista. O objetivo deste estudo é analisar s

Introdução

 

Antes mesmo da discussão do mérito, a contenda sobre a competência na Justiça do Trabalho abre margem para questionamentos sobre o efetivo atingimento do que dispõe o art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, o qual dispõe sobre o livre acesso à justiça. A realidade atual mostra como a tecnologia e a globalização permitem a “aproximação” daquele que busca por emprego daquele que precisa de empregado, em razão disso, as relações de trabalho contratadas à distância não são mais tão remotas, empregados que mudam de domicílio temporariamente em prol do trabalho. Em contrapartida a isso, com a dissolução dos contratos de trabalho e a busca pela justiça laboral em local diverso do local de trabalho vem gerando sérios embates sobre a competência para ajuizamento de ação trabalhista. Enquanto a CLT prevê que o juízo competente é o do local de trabalho, a Constituição Federal prevê que a todos será garantido o livre acesso à justiça. E quanto àqueles que não possuem condições financeiras de ir até o local onde trabalharam, não seria uma espécie de oneração excessiva que impediria o livre acesso à justiça? Em análise crítica à legislação trabalhista, o presente trabalho analisa o princípio da proteção ao hipossuficiente e do livre acesso à justiça como norteadores de uma flexibilização do regramento processual trabalhista.

 

Metodologia

 

No âmbito metodológico, com o propósito de obter instrução sobre o determinado tema, a pesquisa desenvolve-se com base em análise documental, que inclui o estudo da legislação vigente e documentos oficiais, e em revisão bibliográfica, pautada em sínteses elaboradas a partir de produções acadêmicas, dissertações e teses opinativas relativas ao tema em questão. Dessa forma, a partir da leitura dessas fontes, que trouxeram mais compreensão para o estudo e para a realização desse trabalho, pretende-se aprofundar a discussão acerca das regras processuais previstas na legislação trabalhista quanto à competência em razão do local, com previsão no art. 651 da CLT.

Resultados e Discussões

 

1 A proteção constitucional do trabalhador

A constituição federal de 1988 é enfática ao, em seu art. 5°, inciso XXXV, ao prever, como direito fundamental, o acesso à justiça. Uma das principais implicações para que tal direito se convalide consiste exatamente na maleabilidade de regramentos, de forma que se possibilite ao trabalhador, buscar guarida onde tiver condições financeiras, donde se considera o caráter de hipossuficiência do trabalhador em relação ao empregador.

Nas palavras do renomado jurista Mauro Schiavi (2017, p. 307):

 

“A finalidade teleológica da lei ao fixar a competência pelo local da prestação de serviços consiste em facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, pois no local da prestação de serviço, presumivelmente, o empregado tem maiores possibilidades de produção das provas, trazendo suas testemunhas para depor. Além disso, neste local, o empregado pode comparecer à Justiça sem maiores gastos com locomoção.” (SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho de acordo com o novo CPC, 12ª ed. São Paulo: Ltr, 2017).

 

Neste mesmo aspecto, Gerson Marques (2001, p.47) define que tal regramento foi criado com o intuito PROTETOR do empregado, parte hipossuficiente na relação processual:

 

“O apego arraigado ao art. 651, da CLT, pode, em alguns casos, conduzir à denegação da Justiça, mediante o negatório do acesso ao Judiciário, princípio este insculpido no art. 5°, XXXV, CF. Desta sorte, a interpretação da norma processual há de se pautar no asseguramento real e efetivo do acesso à Justiça. Esta ilação, podere-se, em passant, robustece-se ao lume do Direito Obreiro, onde se prima pela proteção do hipossuficiente (na expressão de Cesarino Jr)” (MARQUES, Gérson. Processo do trabalho anotado. São Paulo: RT, 2001. P. 47)

 

Assim, considerando-se que a Constituição Federal busca ampliar ao máximo o acesso do trabalhador ao Judiciário, e, especialmente, levando-se em consideração o caráter protecionista de que se reveste o Direito do Trabalho, deve prevalecer, quando constatada a impossibilidade de deslocamento do trabalhador à comarca em que prestava serviços, exceção à previsão da CTL.

É indispensável considerar que a legislação trabalhista é matéria infraconstitucional que trata sobre a organização do judiciário, e, por isso, encontra-se submissa aos regramentos previstos na Constituição Federal, especialmente no que tange aos princípios básicos previstos no art. 5° da Carta Magna.

Cumpre consignar que os Tribunais têm admitido a flexibilização da regra geral de competência estabelecida na CLT, com o escopo de viabilizar o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho. Neste sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região prolatou a seguinte decisão:

 

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. IMPROCEDÊNCIA. Deve haver uma maior flexibilidade na interpretação do § 3º do art. 651 da CLT, para facultar ao trabalhador optar pelo foro da celebração do contrato de trabalho ou da prestação de serviços, a fim de possibilitar o acesso do trabalhador à Justiça. (Processo 0000619-35.2011.5.05.0371 RecOrd, ac. nº086169/2011, Relatora Desembargadora MARAMA CARNEIRO, 1ª. TURMA, DJ26/01/2012.)

 

Ressalte-se, ainda, que, a depender do caso, o trabalhador precisaria deslocar-se não apenas para comarca dentro do Estado onde ingressa com demanda judicial, mas para cidade de outros Estados, o que dificilmente – para não dizer impossível - teria condições acontecer.

O trabalhador já encontra-se lesado em seus direitos trabalhistas, por vezes sem qualquer valor a título de rescisão, encontrando-se em situação de bastante vulnerabilidade, e, quando finalmente busca guarida para pleitear seus direitos, tem tolhida a possibilidade de análise de pleitear por suas verbas trabalhistas, permanecendo desguarnecido e sem o aparato judicial do Estado.

O fato da competência territorial tratar de competência relativa traz em sua análise exatamente o princípio da proteção ao trabalhador, não podendo ser levantada como uma forma de retirar do empregado o direito ao recebimento de seus haveres.

Trata-se, nitidamente, de situação em que se deve observar o princípio do livre acesso ao judiciário frente à norma legal, para evitar que se cometam injustiças à parte hipossuficiente na relação de trabalho.

2 A competência relativa no caso concreto

Conforme prevê o art. 64 do Código de Processo Civil, que aplica-se à justiça do trabalho por força do art. 8° da Consolidação das Leis Trabalhistas, caberá à parte reclamada apresentar a exceção de incompetência, naquela justiça, como preliminar de contestação.

Em específico, na justiça do trabalho, em consonância ao art. 800 da CLT, a exceção de incompetência será apresentada até cinco dias após a notificação, em data anterior à audiência, passando os autos a ficarem suspensos e conclusos ao juízo em que fora protocolado o processo, conforme preveem os parágrafos 1° e 2° do mesmo artigo.

Nesta senda, não resta dúvidas de que jamais caberá ao juiz declarar de ofício a incompetência relativa, ficando exclusivamente a critério da parte reclamada suscitar esta questão para remessa dos autos ao juízo competente. Não apresentada a exceção de incompetência, como se trata de competência relativa, esta será perfeitamente convalidada, passando os autos a serem processados por juízo diverso daquele previsto no art. 651 da CLT.

Tratando sobre o assunto, a jurisprudência encontra fundamento na Súmula 33 do STJ e na OJ n° 149 da SDI-II do TST, as quais tornam expressa a impossibilidade da declaração, de ofício, da incompetência relativa.

Na justiça do trabalho, a despeito do que determina a justiça comum, não poderão as partes convencionarem cláusula contratual definindo o foro onde  a demanda se realizará, trata-se, mais uma vez, de medida que não prejudique o trabalhador que, nitidamente encontra-se em posição de desigualdade em relação ao seu empregador.

Esclarecendo bem tal situação, José Cairo Junior (2018, p. 191) dispõe:

 

“É inaplicável, ao processo do trabalho, a regra da modificação prévia da competência, pela manifestação de vontade dos litigantes, em face da incidência do princípio da irrenunciabilidade que norteia o Direito Material do Trabalho quando o empregado for hipossuficiente. Com efeito, o empregador não teria qualquer dificuldade para obter a manifestação de vontade do empregado hipossuficiente, quando da formação do vínculo contratual, no sentido de eleger o foro da conveniência da empresa. Isso implicaria renúncia ao direito do empregado de promover a sua reclamação trabalhista no local da prestação de serviço”

 

É possível considerar, portanto, que a previsão legal possui um caráter protetor a eventual arbitrariedade do empregador, caso este quisesse se valer do que dispõe a lei civil. No entanto, em contrapartida a isso, o empregador se utiliza do dispositivo de lei para embaraçar ainda mais a possibilidade de apreciação judicial de demanda trabalhista, retardando e afastando fisicamente do trabalhador a possibilidade do livre acesso à justiça.

Uma exceção que encontra amparo na jurisprudência trata-se do caso em que o trabalhador é arregimentado em local diverso do local onde desenvolve suas atividades, ou seja, houve a contratação em um local e o trabalhador foi para outro local com o intuito exclusivo de trabalhar em prol do empregador.

Sem tratar do mérito dos adicionais correspondentes ao deslocamento e manutenção em virtude da mudança temporária de domicílio, há razoabilidade quando se permite o processamento de ação trabalhista no local em que o trabalhador fora contratado.

Um excelente exemplo é a contratação de trabalhadores no interior do Ceará, que lidam de forma minorada com a pesca, para trabalharem em grandes empresas instaladas em cidades litorâneas de maior dimensão, como o Rio de Janeiro.

Compreendendo tal situação, a legislação trabalhista, no art. 651, §3° da CLT, assim determina: “§ 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços”.

A jurisprudência compreende a hipótese de ingresso de ação trabalhista no local de domicílio do trabalhador, quando este for diferente do local de arregimentação e da prestação dos serviços, desde que a empresa demandada possua âmbito nacional, de forma que não se transfira um prejuízo à ampla defesa e contraditório à parte reclamada, o que parece um critério extremamente razoável para convalidação ou não da competência de outro juízo:

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“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA NO FORO DO DOMICÍLIO DO RECLAMANTE. LOCAL DIVERSO DA CONTRATAÇÃO E DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESA DE ÂMBITO NACIONAL. POSSIBILIDADE. Admite-se o ajuizamento da reclamação trabalhista no domicílio do reclamante quando a reclamada for empresa de grande porte e prestar serviços em âmbito nacional. Trata-se de interpretação ampliativa do art. 651, caput e § 3º da CLT, em observância ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição e ao princípio protetivo do trabalhador. No caso, a ação fora ajuizada em Ipiaú/BA, domicílio do reclamante, embora a contratação e a prestação de serviços tenham ocorrido em Porto Velho/RO. Sob esses fundamentos, a SBDI-II, por maioria, acolheu o conflito negativo de competência e declarou competente para processar e julgar a ação a Vara de Ipiaú/BA, domicílio do reclamante. Vencidos os Ministros Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, relator, Emmanoel Pereira e Ives Gandra da Silva Martins Filho”

 

Neste sentido, a despeito da omissão legislativa quanto à figura do trabalhador que não enquadra-se no texto redigido pelo art. 651 da CLT, não se pode ignorar a existência e as necessidades deste, enquanto sujeito de direitos a serem protegidos e conferidos pelo Estado na condição do juiz.

Conclusão

É inegável que as novas tecnologias aproximam os povos, desde indivíduos que residem na mesma localidade a pessoas que moram a quilômetros de distância. Um dos reflexos dessa aproximação também pode ser visto no mercado de trabalho. As plataformas digitais que aproximam trabalhadores que buscam emprego de empresas que buscam mão-de-obra especializada e experiente, o contato praticamente imediato que é viabilizado pelos aplicativos de comunicação, entre outras tantas tecnologias que têm aproximado empresas e trabalhadores, independente de onde encontrem-se inicialmente.

Exatamente por conta dessa mutação dos tempos e da forma de contratar é que a jurisprudência e a legislação precisam adequar-se, de forma que não se tornem obsoletas e causem injustiças, principalmente quando o assunto é o acesso à justiça, como é o caso tratado no presente artigo.

Trata-se, portanto, de garantia constitucional prevista no rol de direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, que, ante a omissão da legislação trabalhistas para o caso específico, busca a proteção do trabalhador, figura hipossuficiente na relação de trabalho, que, quando tem violados seus direitos e garantias, agarra-se à possibilidade de ingressar judicialmente em busca de seus pleitos.

Portanto, não resta dúvidas de que os trabalhadores, ao longo dos anos, vêm lutando ativamente por direitos e garantias mínimas para sobrevivência. Uma norma infraconstitucional que retira a possibilidade até mesmo da apreciação da demanda, nem mesmo chegando a analisar o mérito da causa, fere de morte o que encontra-se previsto no artigo 5° da Constituição Federal quanto aos direitos fundamentais. Não obstante, não há risco à segurança jurídica quando se trata de empregador, figura hiperssuficiente, e, como bem esclarece a jurisprudência na atualidade, considerando critérios de projeção nacional da empresa demandada, ou seja, dentro de suas desigualdades, o princípio da isonomia prevalece.

Sobre a autora
Andrine Rodrigues Lopes

Aluna do 10° Semestre de Direito da Faculdade Luciano Feijão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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