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Breves considerações acerca de controvérsias geradas pela Emenda Constitucional nº 45/2004 no tocante à competência trabalhista

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17/01/2006 às 00:00
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4. Representação comercial

            Compreendidas, em tese, no inciso IX do art. 114, as relações envolvendo representantes comerciais autônomos são reguladas pela Lei 4.886/65, a qual prevê em seu art. 39, expressamente, a competência da Justiça Comum para julgamento das controvérsias entre representante e representado.

            Consoante leciona Venosa:

            Pelo contrato de representação, uma empresa atribui a outrem poderes de representá-la sem subordinação, operando por conta da representada. O representante é autônomo, vincula-se com a empresa contratualmente, mas atua com seus próprios empregados, que não se vinculam à empresa representada (VENOSA, 2004, p.586).

            A representação comercial mostra-se caso especial, pois assunto previsto em lei.

            De modo que uma lide decorrente de relação de trabalho, compreendida no inciso IX, se insira na competência da Justiça do Trabalho, impende haja uma lei prevendo tal competência.

            No caso em apreço, há lei dispondo a competência da Justiça Comum. Sob esse prisma, segundo Leite, em não sobrevindo lei que modifique a competência, continuarão as demandas envolvendo representante comercial sendo julgadas pela Justiça Comum.

            Quanto às demais relações de trabalho, percuciente a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite:

            Todavia, se não existir lei dispondo expressamente que é da Justiça Comum a competência para processar e julgaras demandas oriundas de determinada relação de trabalho, atraída estará a regra do inciso I do art. 114 da CF (com a redação dada pela EC n. 45/2004). É o que ocorre, por exemplo, com a relação de trabalho eventual e com a relação de trabalho autônomo prestado por profissional liberal, cujo tomador de serviço não seja consumidor (CDC, art 2º) (LEITE, 2005, p. 155).

            Diferentemente ocorreu, por exemplo, com o inciso III da alínea "a" do art. 652 da CLT, relativo aos pequenos empreiteiros, norma recepcionada pelo inciso IX do art. 114 da Carta Magna. Casos como esse, cuja competência da Justiça do Trabalho vinha previamente prevista em lei, restam inclusos no novel inciso IX.

            Nessa mesma esteira do doutrinador retro referido vem trilhando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

            A grande maioria da doutrina, entretanto, esposa entendimento divergente. Conforme José Antônio Pancotti, competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar cobrança de crédito resultante de comissões de representante comercial ou de contrato de agenciamento e distribuição, quando o representante, agente ou distribuidor for pessoa física.

            Nesse sentido, seguindo-se os critérios, alhures expostos, da vulnerabilidade e do caráter intuitu personae da prestação, o representante comercial pessoa jurídica, em sendo, por exemplo, microempresa ou trabalhador parassubordinado, - quer dizer, aquele que tem relação contínua, executa atividades de acordo com as necessidades da empresa tomadora, mas sem subordinação -, terá seu conflito dirimido pela Justiça do Trabalho.

            Nessa seara, devido à superveniência da EC 45/2004, posterior à Lei 4.886/65 e superior a ela em grau hierárquico, tendo em vista que o contrato de representação comercial diz respeito a relação de trabalho, caso o representante seja pessoa física ou pessoa jurídica vulnerável, não repousa dúvida de que compete à Justiça do Trabalho julgar lides dele oriundas.


5..Empreitada

            Configura-se o contrato de empreitada quando, segundo Arnold Wald apud Rizzardo:

            Alguém faz ou manda fazer uma obra ou um serviço com autonomia aos seus próprios riscos, recebendo o pagamento pela obra ou pelo serviço, caracterizando-se o contrato pela sua finalidade, pelo resultado alcançado e distinguindo-se do contrato de trabalho, por exemplo, pela ausência de um vínculo de subordinação e de continuidade de um dos contratantes em relação ao outro (ARNOLD WALD apud RIZZARDO, 2004, p.629).

            Assim, a empreitada constitui contrato de resultado, sendo modalidade de prestação de serviço. Conforme assentado acerca dos representantes comerciais e dos prestadores de serviço, quando o empreiteiro for pessoa física que execute serviços com pessoalidade, a Justiça do Trabalho será competente para julgar esse litígio.

            Conforme dantes afirmado, o art. 652, alínea "a", inciso III, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foi recepcionado pela EC 45/04 pelo inciso IX do art. 114 da Carta Magna. Neste caso, o critério definidor da competência é em razão da matéria e em razão da pessoa, simultaneamente.

            Antes da reforma constitucional em análise, era admitida a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os contratos de pequena empreitada desde que o empreiteiro fosse operário ou artífice, é dizer, desde que executasse os contratos pessoalmente, dependendo de tais rendimentos para sua subsistência, como, por exemplo, contrato para a construção de um muro ou para a limpeza de um terreno.

            Já discutia o tema, bem antes da EC45, o Superior Tribunal de Justiça. Não obstante isso, atualmente, casos outros de relação entre empreiteiro e empreitante, que não de pequena empreitada, jungir-se-ão à apreciação da Justiça do Trabalho tão-somente se abarcados pelas delimitações operadas anteriormente quanto às relações de trabalho autônomo.

            Assim, em sendo o serviço prestado com caráter intuitu personae, por pessoa física ou por pessoa jurídica vulnerável, discutir-se-á na Justiça do Trabalho as relações de trabalho que envolvam empreitada, como por exemplo as hipóteses dos artigos 619, parágrafo único, e 625 do Código Civil.

            O que parece se verificar, no entanto, é que a maioria das relações de empreitada permanecerá a ser julgada da mesma maneira, pois, segundo Lima:

            Difícil concluir que as grandes empreitadas ou empreitadas medianas agora serão julgadas pela Justiça do Trabalho; porquanto, em tais casos, o empreiteiro é empresa, constituída em pessoa jurídica, ou seja, a relação jurídica não tem como cerne o trabalho humano, qualificando-se como relação empresarial (LIMA, 2005, p. 288).

            Há que se obviar que caso a causa petendi, em ação proposta pelo empreiteiro contra o dono da obra, cingir-se ao descumprimento de obrigação inerente ao contrato de empreitada, aplicar-se-ão as normas do Código Civil.


6. Considerações finais

            O incremento da população nas últimas décadas e a preocupante constatação do IBGE de que há cerca de dezoito milhões de brasileiros empregados sem carteira assinada no Brasil, leva a crer que o alargamento da competência da Justiça do Trabalho abrangerá trabalhadores que dantes estavam absolutamente à margem de sua esfera de competência, já que não se olvida que existem formas de trabalho que refogem ao padrão empregatício ordinário. Ante tal alargamento, portanto, estes trabalhadores poderão ser acolhidos à esfera protetiva da Justiça Laboral.

            Desta feita, a previsão genérica do inciso I do art. 114 da Carta Magna poderá representar – e isso somente o futuro dirá – bem mais do que cogitou o legislador, haja vista que abarcou diversas relações de trabalho, atuais e futuras.

            A defragmentação do conceito de trabalho realizada pela atual conjuntura mostra-se muito positiva, mormente porque a Justiça do Trabalho estava sendo subaproveitada com relação àquela demanda.

            Não obstante o elastecimento da competência, imperioso que se opere com acuidade quando da interpretação dos incisos I e IX do art. 114 da CF. Conforme restou assentado, as relações de consumo refogem à competência trabalhista, e se enquadram na competência da Justiça Comum.

            Além disso, quando não se trate de relação de consumo, para que a relação de trabalho insira-se na competência da Justiça Laboral, impende que o serviço ou o trabalho seja prestado com caráter intuitu personae, bem como que o prestador seja pessoa física, ou, consoante outrora caracterizado, pessoa jurídica vulnerável.

            Indispensável referir, por fim, que o inciso IX não figura inutilmente no rol do art. 114 da CF, haja vista que diz respeito às ações decorrentes das relações de trabalho, ou seja, não oriundas direta e imediatamente dessas, mas indireta e mediatamente.

            Outra questão extremamente relevante diz respeito ao rito procedimental a ser seguido pelas ações que tiverem sua competência deslocada, pois inegável será a processualização da Justiça Laboral. O assunto certamente está gerando uma grande celeuma, e requer aprofundamento e discussão, eminentemente porque detém grande cunho prático.

            Crê-se, em análise apurada, que as ações especiais normatizadas em legislação própria mantêm o mesmo rito procedimental, como por exemplo, o Mandado de Segurança. As demais ações, egressas da Justiça Comum, devido à necessidade de efetividade, devem seguir o rito da Justiça do Trabalho (procedimento de alçada, sumaríssimo ou ordinário), conforme o caso concreto. Frise-se que o juiz trabalhista aplicará o direito civil quando não se tratar de relação de emprego, e se for preciso, deverá aplicar à risca os ditames do Código de Processo Civil relativos a cada procedimento, sob pena de desvirtuar as ações civis que lhes sejam submetidas.

            Com base em todo o exposto, vislumbra-se que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho está trazendo algumas vantagens importantes ao jurisdicionado, como a ausência de taxa de distribuição e pagamento de custas pelo vencido após a prolação da sentença.

            A polêmica, entretanto, está longe de findar. Há diversas questões que carecem de definição. Indispensável, entretanto, que se tenha em mira a necessidade de preservação da identidade da Justiça do Trabalho e, ao mesmo tempo, impera que se assegurem as inovações trazidas pelo constituinte derivado por meio de critérios definidores de competência coerentes com o texto constitucional.


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Sobre a autora
Priscilla Mielke Wickert

bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WICKERT, Priscilla Mielke. Breves considerações acerca de controvérsias geradas pela Emenda Constitucional nº 45/2004 no tocante à competência trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 928, 17 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7840. Acesso em: 13 mai. 2024.

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