A AUTORIZAÇÃO ILEGAL CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA ENFERMEIRO PRATICAR ATO DE INSERÇÃO DE DISPOSITIVO INTRAUTERINO (DIU)

13/12/2019 às 09:20
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Realização de atos privativos por profissionais da saúde, deve atender o que a Constituicao Federal e as Leis estabelecem seguindo o Princípio da Hierarquia das Normas. Assim a inserção de Dispositivo Intrauterino (DIU) deve ser considerado ato médico.

A AUTORIZAÇÃO ILEGAL CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA ENFERMEIRO PRATICAR ATO DE INSERÇÃO DE DISPOSITIVO INTRAUTERINO (DIU) Alejandro Enrique Barba Rodas . Diana Fontes De Barba . O exercício legal de uma profissão certamente requer que sejam atendidas exigências legais de qualificação, como habilitação (titulação, inscrição no respectivo órgão fiscalizador) e capacitação técnica adequada, que permita a realização dos atos inerentes a esse exercício. As denominadas profissões da área da saúde, revestem-se de especial relevância, toda vez que seu alvo é a saúde da pessoa humana e, em última instancia, o cuidado do bem maior, que é a vida. O campo da atuação de cada profissional da saúde que permite delimitar quais atos são ou não privativos de uma determinada profissão, tem sido alvo de muita discussão ao longo dos anos, principalmente no campo da Medicina e da Enfermagem. Os Conselhos Fiscalizadores, tem agido através de Resoluções e Pareceres tentando dirimir esse debate, que muitas vezes teve que ser judicializado. O advento da Lei nº 12.842 de 10 de julho de 2013, denominada de Lei do Ato Médico, fruto de longos e intensos debates no Congresso Nacional, tentou acabar com a celeuma. Entretanto, a apresentação de vetos presidenciais e sua manutenção pelo Congresso, terminou por manter a controvérsia para diversas situações, como por exemplo, o diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica, a indicação do uso de órteses e próteses, solicitação de exames complementares e realização de procedimentos, que hoje são permitidos a profissionais de enfermagem dentro de protocolos e diretrizes aprovados em estabelecimentos de saúde públicos e privados. Um dos procedimentos que tem sido alvo de intenso questionamento em razão das complicações e reações adversas que envolve é o da inserção de dispositivo intrauterino (DIU) por profissionais de enfermagem nos Programas de Atenção Básica que desenvolvem saúda da mulher dentro do Sistema Único de Saúde. Este dispositivo vem sendo aplicado a mulheres em qualquer parte do ciclo menstrual e nos períodos de pós-parto ou pós-abortamento imediatos, seguindo portaria, normas técnica, diretriz e protocolo aprovados pelo Ministério da Saúde. Assim, tem se que a autorização concedida pelo ministério da saúde para enfermeiro praticar ato de inserção de dispositivo intrauterino (DIU) através de protocolo e norma técnica aprovada por esse ente ministerial resulta flagrantemente ilegal pelas razões a seguir expostas. I. O PROCEDIMENTO DE INSERÇÃO DE DISPOSTIVO INTRAUTERINO (DIU) Conforme descreve o Ministério da Saúde no seu MANUAL TÉCNICO PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE – DIU COM COBRE T Cu 380 A (2018), a inserção do DIU, independente do período em que for realizado (pós parto, pós aborto ou fora de tais períodos), trata-se de um procedimento que requer a invasão da cavidade uterina (órgão interno feminino) pelo orifício do colo uterino, através de uma cavidade natural (vagina). Referido Manual descreve claramente se tratar de um procedimento invasivo que requer a introdução de um espéculo na vagina (especuloscopia), a realização do pinçamento do lábio anterior do colo uterino com a pinça de pozzi, a realização da introdução de um histerometro na cavidade uterina (histerometria) e, a seguir, a introdução do dispositivo intrauterino (DIU) na mesma cavidade (páginas 22 a 25). Da mesma forma, o próprio Manual estabelece que o DIU age da seguinte forma: O DIU com cobre age provocando mudanças bioquímicas e morfológicas no endométrio à medida que os íons são liberados na cavidade uterina, levando a uma ação inflamatória e citotóxica com efeito espermicida. O cobre é responsável pelo aumento da produção de prostaglandinas e pela inibição de enzimas endometriais. Tal ação terá efeito tanto nos espermatozoides como nos ovócitos secundários. Provoca também uma alteração no muco cervical, tornando-o mais espesso. Considera-se que o DIU interfere na motilidade e qualidade espermática, atrapalhando a ascensão dos espermatozoides, desde a vagina até as tubas uterinas, levando também à morte dos mesmos pelo aumento na produção de citocinas citotóxicas com posterior fagocitose. (grifei) Não resta dúvida que, conforme o próprio Ministério da Saúde reconhece através do seu Manual, a inserção de DIU é um ato que: 1. É UM PROCEDIMENTO INVASIVO 2. INVADE UM ORIFÍCIO NATURAL DO CORPO FEMININO (VAGINA E ORIFICIO DO COLO UTERINO), ATINGINDO ÓRGÃO INTERNO (ÚTERO). 3. PROVOCA COMPROMETIMENTO DA ESTRUTURA CELULAR E TECIDUAL DO ENDOMETRIO (CAMADA INTERNA DO ÚTERO). Digno salientar que o referido Manual, alerta sobre a ocorrência de reações adversas e complicações (páginas 16, 25): Apesar de muitas mulheres sentirem certo desconforto, menos de 5% sentem níveis moderados ou agudos de dor. As reações vasovagais, tais como suor, vômito ou desmaios breves ocorrem em, no máximo, 0,5 a 1% das mulheres. Aumento do fluxo menstrual, observado principalmente nos três primeiros meses de uso. Um moderado aumento pode permanecer por períodos mais prolongados para algumas mulheres, cessando imediatamente com a retirada. Aumento ou aparecimento transitório de cólicas menstruais – especialmente nos primeiros meses e em mulheres sem filhos. Tanto o aumento do sangramento quanto as cólicas uterinas podem ser manejados clinicamente. Entretanto, o desejo da mulher ou a persistência ou intensidade de sintomas que se tornem deletérios à saúde poderão indicar a retirada do DIU. Uma revisão de 2013 publicada na revista brasileira FEMINA, a respeito das complicações salienta : As complicações do método incluem, além da perfuração uterina, decorrente da colocação inadequada, a expulsão e uma maior predisposição para infecções. A taxa de perfuração uterina tem sido mencionada em 1–2 para cada 1.000 inserções. Perfuração uterina, embora infrequente é um evento grave aumenta a morbimortalidade na população feminina. Portanto, exige-se não apenas expertise na técnica de inserção do DIU, mas a capacidade de poder diagnosticar e tratar oportunamente suas complicações, mesmo porque sua ocorrência pode ser tardia . II. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DA NORMAS O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante os direitos e liberdades fundamentais da população brasileira. Em seu inciso XIII, ele trata do Livre Exercício Profissional no País, que permite a prática de qualquer profissão, trabalho ou ofício que atender às qualificações profissionais estipuladas em nosso ordenamento jurídico. Assim estabelece nossa Lei Maior: CF. Artigo 5º... XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (grifei)”; Nota-se claramente que o exercício de qualquer profissão dependerá de qualificações que apenas a LEI, em sentido formal e estrito, pode estabelecer. Normas infralegais, obrigadas a seguir o Princípio da Hierarquia das Normas, como o decreto regulamentar, a portaria ministerial ou as Resoluções de Conselhos Fiscalizadores de profissões regulamentadas, não poderão estabelecer qualificações que permitam ou limitem o exercício profissional. Menos ainda, Pareceres exarados por tais Conselhos, poderão balizar a prática de atos profissionais proibidos ou não autorizados por LEI. Pareceres em regra, tem caráter meramente opinativo, sem qualquer força legal vinculante, e sem qualquer força normativa. De acordo com a classificação dos atos administrativos proposta por Hely Lopes Meirelles , o parecer é ato administrativo enunciativo, pois não expressam uma vontade estatal, seja ela criadora de direitos, regulamentadora ou negocial. O parecer, assim como a certidão, a declaração, o atestado e a apostila, por não expressar um comando, é considerado ato administrativo apenas no aspecto formal, pois somente serve ao desiderato de expressar o conteúdo ou a existência de dados ou informações constantes de arquivo do órgão ou uma opinião ou juízo de valor sobre situação fática ou jurídica, não se vinculando ao que enunciam. Pode também, em alguns casos, assumir a feição de ato constitutivo no caso do parecer normativo, pois, com a aprovação da autoridade competente, passa a impor obrigações ou deveres, criando situações jurídicas novas. Diógenes Gasparini e Hely Lopes Meirelles entendem que o parecer é uma opinião técnica fundamentada sobre matéria submetida à sua apreciação. Ambos ilustres juristas concordavam que o parecer tem caráter meramente opinativo e que não vincula a Administração ou os particulares, salvo se aprovado por ato subsequente, opinião compartilhada por José dos Santos Carvalho Filho , que, indo mais além, entende que o parecer e a decisão subsequente consubstanciam “atos antagônicos” e que por isso, sequer podem ser emitidos pelo mesmo agente. Esse posicionamento conduz à percepção de que, desprovido de força vinculante, o parecer jurídico não obriga a autoridade competente (ou os particulares) a adotar as medidas ou executar o ato consultado na conformidade do parecer. Um exemplo prático bem ilustrará a hipótese. Se um Secretário Municipal encaminha à sua Assessoria uma consulta sobre a possibilidade de o Município realizar um aditamento a um contrato, visando alterar, em parte, o projeto inicialmente contratado, e o parecer é desfavorável à alteração, como este ato (o parecer) não gera força vinculante, o Secretário Municipal não ficará obstado de celebrar o aditamento ao contrato. A doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece ainda que a os pareceres são atos de administração consultiva e são aqueles que “visam a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa”. Embora alguns entendam que pode haver a possibilidade de um “parecer vinculante” , este seria em regime de exceção, só se admitindo quando expressamente a lei ou o regulamento dispõem nesse sentido . Na ausência de lei ou de regulamento que exijam expressamente a adoção de parecer para decidir, regra continua sendo o caráter meramente opinativo e não vinculante do parecer. III. DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Constituição Brasileira contém princípios dirigidos à Administração Pública, diretores da atividade administrativa (Princípio da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Igualdade/Isonomia, Publicidade). O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ADMINISTRATIVA, aparece expressamente na nossa Constituição Federal em seu art. 37, caput, que dispõe que ‘’a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência’’. Deriva do PRINCÍPIO GERAL DA LEGALIDADE, estabelecido no art. 5º, II, da mesma Carta, que estabelece que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Conforme leciona o Mestre em Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles: “a legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”. Ainda para Hely Lopes Meirelles: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” . Entretanto, embora ao particular lhe seja permitido fazer o que a lei não proíbe, em se tratando de atos decorrente do exercício profissional, estes somente poderão ser realizados cumpridas as qualificações que a LEI estabelecer conforme estabelece o art. 5º, XIII da CF, como já salientado. O Princípio da Legalidade é uma das maiores garantias para os gestores frente o Poder Público. Ele representa total subordinação do Poder Público à previsão legal, visto que, os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei. Assim, o administrador público não pode, mediante mero ato administrativo, conceder direitos, estabelecer obrigações ou impor proibições aos cidadãos. A criação de um novo tributo, por exemplo, dependerá de lei. Esse princípio é vital para o bom andamento da administração pública, sendo que ele coíbe a possibilidade de o gestor público agir por conta própria, tendo sua eficácia através da execução jurídica dos atos de improbidade, evitando a falta de vinculação à norma e, principalmente, a corrupção no sistema. Essa preocupação se faz constante para que seja atingido o objetivo maior para o país, o interesse público, através da ordem e da justiça. IV. DAS LEIS QUE TRATAM DO EXERCÍCICIO PROFISSIONAL DO MÉDICO E DO ENFERMEIRO Como já visto, a análise da permissão legal para enfermeiro realizar ato profissional de inserção de dispositivo intrauterino (DIU) somente dependerá do que a LEI em sentido formal estabelecer. Normas infralegais como portarias, protocolos e normas técnicas, poderão dispor ou regulamentar atos desde que não contrariem o disposto em LEI. Nesse sentido vejamos o que a LEI nº 12.842, de 10 de julho de 2013 (dispõe sobre o exercício da Medicina) estabeleceu como base legal para enquadrar a prática de inserção de DIU: Art. 4o São atividades privativas do médico: (...) III - indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias; (...) § 4o Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações: (...) III - invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos. (...) § 5o Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico: (...) IX - Procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual. (...) § 7o O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia. (grifei) De outro lado temos a LEI nº 7498 de 25 de junho de 1986 (regulamenta o exercício da Enfermagem) que estabelece: Art. 11. O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe: I - privativamente: (...) i) consulta de enfermagem; j) prescrição da assistência de enfermagem; II - como integrante da equipe de saúde: (...) c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; g) assistência de enfermagem à gestante, parturiente e puérpera; (...) (grifei). Destaque-se que a Lei nº 7498/86, no seu art. 11, estabeleceu ser privativo de enfermeiro (em relação ao técnico e auxiliar de enfermagem) a consulta de enfermagem e a prescrição de assistência de enfermagem, e quando membro da equipe de saúde, a prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde. Em que pese ao diagnóstico nosológico como ato privativo do médico, ter sido vetado da Lei nº 7498/86, ele não consta como ato privativo de enfermeiro na Lei nº 7498/86. Ainda, a Lei nº 7498/86, apenas autorizou expressamente ao enfermeiro, nos programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde, a PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTOS, e não a consulta e diagnóstico nosológico, e menos ainda a execução de procedimentos invasivos. Na prática, diagnóstico nosológico, a solicitação de exames complementares, a prescrição de medicamentos, assim como a execução de procedimentos invasivos como a inserção de DIU, tem sido permitido aos profissionais de enfermagem desde que APROVADOS EM PROTOCOLOS DO SUS E DE ESTABELECIMENTOS PRIVADOS DE SAÚDE. Analisando especificamente a inserção de DIU sob o escopo das LEIS supracitadas, por se tratar de um procedimento invasivo que atinge a vagina e o colo uterino (orifícios naturais do corpo feminino) e subsequentemente a cavidade do útero (órgão interno feminino), tratar-se-ia de um ato privativo de médico, conforme se desprende da inteligência dos dispositivos acima destacados da Lei 12.842/2013. Inexiste na Lei nº 7498/86, qualquer dispositivo que permita ao profissional de enfermagem realizar procedimentos invasivos conforme estabelece claramente a Lei nº 12.842/2013. Entretanto, a cateterização gástrica, enteral, anal e vesical tem sido procedimentos há muito anos realizados pelos profissionais de enfermagem, sendo à luz do disposto pela Lei nº 12.842/2013, procedimentos também invasivos, já que invadem orifícios naturais do corpo (nasal, oral, anal e urinário) atingem órgãos internos (estomago, intestino e bexiga). Desta feita, e considerando que a Lei nº 12.842/2013 é posterior à Lei nº 7498/86, impediria a continuidade da prática de tais atos por enfermeiro, toda vez que não seriam competências fixadas expressamente na Lei nº 7498/86 para balizar entendimento que ficariam resguardadas (§ 7º, art. 4º da Lei nº 12.842/2013). Mesmo que exista permissão ao enfermeiro por Resolução de Conselho de Enfermagem (COFEN/COREN), tal norma administrativa emanada de órgão fiscalizador não poderia dispor contrariamente ao que a Lei nº 12.842/2013 veio determinar, perdendo qualquer eficácia no mundo jurídico. Veja-se que mesmo no veto feito à Lei nº 12.842/2013 no tocante aos procedimentos de sondagem acima citados, assim fundamentou: Embora esses procedimentos frequentemente necessitem de uma avaliação médica, há situações em que podem ser executados por outros profissionais de saúde, baseados em protocolos do SUS e dos estabelecimentos privados. Condicionar os procedimentos à prescrição médica pode causar impactos negativos no atendimento dos estabelecimentos privados de saúde e nas políticas públicas do SUS, como as campanhas de vacinação. (grifei) O teor do veto, embora fundamente uma restrição à lei aprovada e não uma permissão, claramente deu entender que tais procedimentos de cateterização estariam autorizados apenas se, baseados em protocolos do SUS e de estabelecimentos privados de saúde. Entretanto, volta-se a insistir que tais procedimentos nunca tiveram permissão em lei, mas em Resoluções do Sistema COFEN/COREN e agora, com o advento da Lei nº 12.842/2013, seriam atos privativos do médico à luz do disposto no inc III do § 4º, c/c inc. III do caput do art. 4º da Lei nº 12.843/2013. Todavia, os Conselhos de Enfermagem, fazem uma interpretação do disposto no inc. IX do §5º, do art. 4º da Lei nº 12.842/2013, entendem que referido dispositivo, ao excetuar dos atos privativos do médico, a realização de procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual, permitem não apenas os procedimentos de cateterização supracitados, mas também a inserção de DIU. Assim, poder-se-ia aceitar que para procedimentos de cateterização citados haveria a permissão legal já que tais procedimentos visam a recuperação físico-funcional dos órgãos internos atingidos, sem comprometer a estrutura celular e tecidual dos mesmos. Todavia, no caso do DIU diferentemente e como o próprio Manual do Ministério da Saúde admite, existe claramente comprometimento da estrutura celular e tecidual do endométrio uterino, pelo que inequivocamente esse procedimento foge da permissão estabelecida pelo inc. IX do § 5º, do art. 4º da Lei nº 12.842/2013. Desta feita o PROCEDIMENTO DE INSERÇÃO DE DIU POR ENFERMEIRO TORNA-SE ILEGAL à luz do disposto nas Leis 12.842/2013 e 7498/86. Trata-se, portanto de ATO PRIVATIVO DE MÉDICO pelo disposto na Lei nº 12.842/2013, art. 4º inc. III c/c § 4º, inc. III, § 5º inc. IX e § 7º. V. DOS PARECERES DOS CONSELHOS DE ENFERMAGEM Ao longo dos anos, a inserção de DIU por profissionais de enfermagem tem sido objeto de questionamentos tanto na esfera ética quanto legal. Os Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem (Sistema COFEN/COREN) tem balizado a prática de inserção de DIU por profissionais de enfermagem através de Pareceres consubstanciados em interpretação equivocada do disposto na Lei nº 7498/86 e nas Portarias do Ministério da Saúde que aprovaram a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e estabeleceram diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica (AB), para o Programa Saúde da Família (PSF) e para o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Nessa esteira em 2010, o COFEN exarou o PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, que concluiu pela inexistência de impedimento legal para que o Enfermeiro realize consulta clínica, prescrição de medicamentos e solicitação de exames complementares e de rotina para atender à ampliação da oferta do DIU às usuárias do Sistema Único de Saúde. Tal Parecer se fulcrou no art. 11, inc. i da Lei nº 7498/08 (permite a consulta de enfermagem), na Resolução COFEN nº 195/1997, cujo art. 1º estabelece que o Enfermeiro pode solicitar exames de rotina e complementares quando no exercício de suas atividades profissionais (Resolução declarada legal pela Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em 2010), e nas Portaria MS/GM nº 648/2006, alterada pela Portaria MS/GM nº 1.625/2007, que previam, dentro da Política Nacional de Atenção Básica, como atribuições específicas do Enfermeiro, entre outras, realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias na Unidade de Saúde da Família (USF) e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade; e realizar consultas de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações, observadas as disposições legais da profissão e conforme os protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, os gestores estaduais, os municipais ou os do Distrito Federal. Como já amplamente demonstrado anteriormente, nenhuma das razões elencadas no PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN, baliza a inserção de DIU por enfermeiro, muito menos após o advento da Lei nº 12.842/2013. Em 2017, já com a Lei nº 12.842/2013 em vigor, novo Parecer foi exarado pelo COFEN: PARECER Nº 278/2017/COFEN/CTLN, que replicando os fundamentos do anterior o PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, volta de forma equivocada a opinar pela inexistência de ilegalidade na indicação, inserção e retirada de DIU por enfermeiro. Referido Parecer tenta de forma equivocada, assemelhar a inserção do DIU aos procedimentos de cateterização gástrica, enteral ou vesical, que como já demonstrado não tem guarida na correta interpretação do disposto na Lei nº 12.842/2013. Outros Pareceres de diversos Conselhos Regionais de Enfermagem (COREN) tem sido exarados consubstanciados, por sua vez, nos Pareceres do COFEN. Mais recentemente o COFEN exarou o PARECER TÉCNICO COFEN CNSM/COFEN Nº 004/2019, para justificar a legalidade da inserção de DIU por enfermeiro em rede especializada. Este Parecer, mais uma vez se fundamenta nos anteriores (PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN e PARECER Nº 278/2017/COFEN/CTLN), em Pareceres de Conselhos Regionais de Enfermagem e na Portaria MS/GM nº 2436 de 21 de setembro de 2017 que atualiza as diretrizes da Politica Nacional de Atenção Básica mantendo as atribuições de enfermeiro com anteriormente já feito. Trouxe, entretanto, uma inovação na sua fundamentação: a NOTA TÉCNICA Nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS, exarada em 2018, pela Área Técnica da Saúde da Mulher, subordinada ao Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES) subordinado a Secretária de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, e que trata da realização do procedimento de inserção do DIU de cobre (DIU Tcu 380A) por Enfermeiros(as). Referida Nota Técnica, entretanto, foi consubstanciada apenas no PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, nos Protocolos da Atenção Básica publicados pelo Ministério da Saúde de acordo com as atribuições de Enfermeiro fixadas na Política Nacional de Atenção Básica e na Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 358/2009. Ou seja, nada de novo em termos de legalidade trouxe a referida Nota Técnica, limitando-se a reproduzir um resumo dos argumentos já elencados pelo PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN. V. DOS PARECERES DOS CONSELHOS DE MEDICINA O Conselho Federal de Medicina (CFM) há muito tempo vem participando do questionamento da permissão dada a enfermeiro para inserção de DIU. Em 1998, no PROCESSO CONSULTA CFM Nº 0340/97 (PC/CFM/Nº 04/98) o CFM, em Perecer da lavra do ilustre Conselheiro Cons. Edilberto Parigot de Souza Filho, já havia se manifestado sobre o assunto nos seguintes termos: Inserção de dispositivo intra-uterino por enfermeiros. A inserção de DIU só pode ser executada por profissionais médicos. Fora desta regra está caracterizado o exercício ilegal da medicina. Ao médico é vedado delegar funções médicas a terceiros, por ferir o art. 30 do Código de Ética Médica. Em 2013, o CFM exarou o PARECER CFM nº 21/13 da lavra do ilustre Conselheiro José Hiran da Silva Gallo (em resposta ao no PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN) que assim restou ementado: EMENTA: A inserção de dispositivos intrauterinos (DIU) é ato médico exclusivo. Mister trazer a conclusão do citado Parecer: Não restam dúvidas de que a inserção de dispositivo intrauterino em pacientes do programa Saúde da Família, por enfermeiros, não é ato isento de riscos. Com efeito, a introdução do DIU é uma prática invasiva, podendo, inclusive, causar perfuração uterina, bem como, pelo risco acima descrito, deixar de ser colocado até o fundo, ficando em posição indevida. Entendemos que a responsabilidade é exclusivamente médica, que não pode ser permitida e/ou transferida a pessoa não habilitada, conforme explicitado no art. 2º, Capítulo III, da Resolução CRM nº 1.931/09 – Código de Ética Médica, que estabelece ser vedado ao médico “delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica”, para corrigir acidente possivelmente existente. Por todo o exposto, entendemos que a inserção de dispositivos intrauterinos é ato médico exclusivo. O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) também tem se posicionado no sentido de que a inserção do DIU é ato privativo de médico . VI. DAS PORTARIAS DO MINISTERIO DA SAÚDE Os Pareceres exarados pelo Sistema COFEN/COREN usam dentre seus fundamentos, as determinações da Portarias do Ministério da Saúde que que aprovam a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e estabelecem diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica (AB), para o Programa Saúde da Família (PSF) e para o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Inicialmente a Portaria MS/GM nº 648/2006, foi alterada pela Portaria MS/GM nº 1.625/2007 e finalmente pela Portaria MS/GM nº 2436 de 21 de setembro de 2017. Tais normas ministeriais fixaram como atribuições do Enfermeiro: 4.2.1 - Enfermeiro: I - Realizar atenção à saúde aos indivíduos e famílias vinculadas às equipes e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações entre outras), em todos os ciclos de vida; II - Realizar consulta de enfermagem, procedimentos, solicitar exames complementares, prescrever medicações conforme protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão; III - Realizar e/ou supervisionar acolhimento com escuta qualificada e classificação de risco, de acordo com protocolos estabelecidos; IV - Realizar estratificação de risco e elaborar plano de cuidados para as pessoas que possuem condições crônicas no território, junto aos demais membros da equipe; V - Realizar atividades em grupo e encaminhar, quando necessário, usuários a outros serviços, conforme fluxo estabelecido pela rede local; VI - Planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos técnicos/auxiliares de enfermagem, ACS e ACE em conjunto com os outros membros da equipe; VII - Supervisionar as ações do técnico/auxiliar de enfermagem e ACS; VIII - Implementar e manter atualizados rotinas, protocolos e fluxos relacionados a sua área de competência na UBS; e IX - Exercer outras atribuições conforme legislação profissional, e que sejam de responsabilidade na sua área de atuação. (grifei) A norma ministerial infralegal no inciso II, estabeleceu permissão para realizar consulta de enfermagem, procedimentos, solicitar exames complementares, prescrever medicações conforme protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. Entretanto, a própria norma fez, no final do dispositivo uma importante ressalva: “observadas as disposições legais da profissão”. Consoante, o inciso IX, estabelece que os enfermeiros poderiam exercer outras atribuições conforme legislação profissional, e que sejam de responsabilidade na sua área de atuação. Claramente a norma vincula a prática dos atos de enfermagem a protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas e a outras normativas técnicas que observem rigorosamente o disposto na Lei. E não poderia ser de outra forma, em respeito ao Princípio da Legalidade da Administração Pública. Nesse escopo, Portaria ministerial, por se tratar de norma infralegal, não poderia permitir ao enfermeiro a prática da inserção de DIU, por se tratar de procedimento que como já amplamente demonstrado, é ato privativo de médico pelo disposto na Lei nº 12.842/2013, art. 4º inc. III c/c § 4º inc. III, § 5º inc. IX e § 7º. Adotar entendimento que dispositivos da Portaria ministerial balizam a prática de inserção de DIU por enfermeiros, significaria torná-los nulos de pleno direito por serem manifestamente ilegais. VII. DA NOTA TÉCNICA Nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS Exarada em fevereiro de 2018, pela Área Técnica da Saúde da Mulher, subordinada ao Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES) subordinado a Secretária de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, trata da realização do procedimento de inserção do DIU de cobre (DIU Tcu 380A) por Enfermeiros(as). Referida Nota Técnica conclui que: O Ministério da Saúde considera que os(as) enfermeiros(as) e enfermeiros(as) obstétricos (as) e obstetrízes podem realizar o procedimento de inserção de DIU TCu 380A no âmbito da Atenção Básica e das maternidades (como anticoncepção pós-parto e pós-abortamento), respectivamente, desde que tenham sido treinados para tal. Entretanto, referida Nota Técnica, fundamenta sua conclusão no PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, nos Protocolos da Atenção Básica publicados pelo Ministério da Saúde de acordo com as atribuições de Enfermeiro fixadas na Política Nacional de Atenção Básica e na Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 358/2009. Ou seja, nada de novo em termos de legalidade trouxe a referida Nota Técnica, limitando-se a reproduzir um resumo dos argumentos já elencados pelo PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN. Sequer levou em consideração os Pareceres exarados pelo Conselho Federal de Medicina e menos ainda, submeteu a análise jurídica à luz do correto entendimento do disposto nas Leis 12.842/2013 e 7498/86. A Nota Técnica, portanto, fere frontalmente o Princípio da Legalidade Administrativa, sendo nula de pleno direito, devendo ser imediatamente revogada. VIII DO MANUAL TECNICO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE – DIU COM COBRE T Cu 380 A (2018), O Manual Técnico supracitado, constitui uma forma de diretriz clínica e terapêutica oficial do Ministério da Saúde. Referido Manual estabelece que (página 22): O DIU deve ser alojado corretamente no útero, o que torna mínimo o desconforto para a mulher e o risco de expulsão. A inserção pode ser feita por profissional médica(o) ou enfermeira(o) treinada(o)e não deve ser uma prática exclusiva do especialista ou vinculada à realização de exames complementares, como ultrassonografia de rotina. No Brasil, como em outros países, há amparo legal (Anexo 3) para a prática da(o) enfermeira(o) no que se refere à inserção do DIU, desde que a(o) profissional seja devidamente capacitado para a execução da técnica. A inserção do DIU pode ocorrer na consulta médica ou de enfermagem, desde que os critérios de elegibilidade sejam atendidos e haja manifestação do desejo por parte da mulher. (grifei) O Anexo 3 ao que se refere como “amparo legal” é o PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN. Nessa esteira, usar um “parecer” como amparo legal para validar uma norma ministerial ofende gravemente o ordenamento jurídico e os alicerces do direito administrativo, principalmente o Princípio da Legalidade Administrativa. Desta feita, a diretriz estabelecida no Manual supracitado é também nula de pleno direito e deve ser retirada. VII. DO PARECER DA FEBRASGO A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em 17 de dezembro de 2018, após a publicação da Nota técnica n°5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS, publicou Nota de Esclarecimento da FEBRASGO sobre colocação de DIU por enfermeiros (as), salientando que : (...). O procedimento de inserção caracteriza-se pela introdução do dispositivo dentro da cavidade do útero, órgão essencial e imprescindível para o processo de reprodução humana natural. O procedimento não é isento de riscos e complicações, que devem ser prontamente identificados e corrigidos. Entre complicações conhecidas podem ser citadas: perfuração da cavidade uterina, sangramento, perfuração da bexiga, lesão de alças intestinais, reação vagal, entre outros. O procedimento de inserção do DIU e o tratamento de eventuais complicações que possam ocorrer na sua inserção são atos privativos do médico, conforme preceitua o Art 4º, § 4º da Lei Federal nº 12.842 de 2013. A inserção do DIU é um procedimento invasivo em que, para a inserção do dispositivo, é necessário haver a invasão do corpo humano pelo orifício do colo uterino, atingindo o interior do útero. É responsabilidade do médico a realização deste procedimento. (grifei) VIII. DOS PROCESSOS NA JUSTIÇA EM ANDAMENTO A prática de inserção de DIU por enfermeiros, tem sido alvo de questionamentos na esfera judicial. No mês de agosto de 2019, o Conselho Regional de Medicina de Alagoas – CREMAL recebeu a denúncia de que enfermeiros da cidade de Arapiraca estavam realizando a colocação de Dispositivo Intrauterino (DIU) nas unidades de saúde do município. Considerada atividade privativa do médico, a aplicação do DIU por enfermeiros fere a Lei do Ato Médico (Lei Federal nº 12.842/2013), configurando crime. Após ciência do fato, o presidente do CREMAL realizou reunião com o secretário de saúde de Arapiraca, com o intuito de paralisar as atividades, sem conseguir resposta positiva . Em 09/09/2019 foi veiculada a seguinte material jornalística: “Mulher grávida tem DIU inserido incorretamente por enfermeiro em Penedo”. O caso aconteceu na cidade de Penedo, Baixo São Francisco de Alagoas. A ação do profissional foi tratada como incapacidade técnica e o Conselho de Medicina do Estado de Alagoas (Cremal) . Em razão da negativa por parte do gestor municipal, e dos fatos veiculados na imprensa, o Conselho Regional de Medicina de Alagoas – CREMAL ajuizou Ação Civil Pública (ACP) com pedido de liminar na Justiça Federal de Alagoas em face do Conselho Regional de Enfermagem de Alagoas (COREN-AL) e dos Municípios de Arapiraca e Penedo . A ACP que tramita sob nº 0809157-77.2019.4.05.8000 na 2ª. Vara Federal de Alagoas, foi distribuída em 04.11.2019, e obteve em 03.12.2019 concessão de liminar em favor do CREMAL, determinando-se que o COREN-AL, divulgue em seu sitio eletrônico a decisão liminar com menção à proibição da prática de inserção de DIU por enfermeiros, nos termos da Lei nº 12.842 de 2013. Ainda liminarmente se determinou que o Município de Penedo interrompa a inserção de dispositivo intrauterino e contraceptivo (DIU) através de profissionais de enfermagem do Sistema de Saúde Pública . Importante destacar que o Juiz Federal André Carvalho Monteiro, na fundamentação da decisão liminar adotou como fundamentos o disposto pelo art. 4º inc. III c/c § 4º inc. III da Lei nº 12.842/2013, assim como a Nota de Esclarecimento da FEBRASGO, para considerar liminarmente que a inserção de dispositivo intrauterino (DIU) por enfermeiros viola as normas supracitadas, por ser ato privativo de médico. Disse ainda, que a aludida prática por enfermeiro viola o Princípio da Legalidade da Administração Pública já que cabe ao Administrador Público cumprir o que a lei estabelece. Da mesma semelhante, no Estado da Bahia, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) recentemente moveu uma ação civil pública contra a empresa Calfa por violar o direito à informação, à segurança e à segurança, colocando a vida de consumidoras em risco. De acordo com a promotora de Justiça Joseane Suzart, a empresa ministra cursos para profissionais de enfermagem, que abordam direitos sexuais e reprodutivos com ênfase na inserção de dispositivo intrauterino (DIU), embora tal procedimento seja ato privativo de médicos. A promotora aponta que a realização do curso “Direitos Sexuais e Reprodutivos com foco na inserção de DIU pela enfermeira” é uma prática abusiva ao direito do consumidor, já que viola normas legais, como a Lei do Ato Médico (12.842/2013), o Código de Ética Médica e a lei que regulamenta o exercício da enfermagem (7.498/1986). Além da legislação, a promotora se baseia em manifestações do Conselho Federal de Medicina e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Conforme a ação, um “sem número de consumidores” poderão colocar, sem saber da irregularidade da prática, sua vida em risco, ao serem expostos a profissionais indevidamente treinados pela Calfa para realizar procedimento médico fora da norma e sem efetiva regulamentação dos órgãos competentes. A promotora solicita à Justiça que, em decisão liminar, proíba a empresa de oferecer e ministrar qualquer tipo de curso, aula ou oficina com foco na realização, por profissionais de enfermagem, de procedimentos invasivos entendidos como atos médicos . A ACP do MP-BA tramita na 20ª. Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, sob nº 8036510-91.2019.8.05.0001 . IX. DO PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Com base no artigo 5º, XXXV, da CF, o Poder Judiciário tem competência para decidir com força de definitividade quaisquer litígios trazidos à sua apreciação, inclusive os de caráter administrativo. Entretanto, não é exclusiva essa competência. Com base no princípio da autotutela é cabível que a própria Administração Pública exerça controle sobre seus atos, tendo a possibilidade de anular os ilegais e de revogar os inoportunos, o que se deve à vinculação existente entre a Administração e a lei, podendo inclusive exercer o controle da legalidade de seus atos. Tem-se assim que a autotutela administrativa é mais ampla que a tutela jurisdicional: em primeiro lugar, pela possibilidade de a Administração reapreciar seus atos de ofício, sem necessidade de provocação do particular, ao contrário do que ocorre no Judiciário, cuja atuação pressupõe necessariamente tal manifestação (princípio da inércia), em segundo pelos aspectos do ato que podem ser revistos, já que a Administração poderá reavaliá-los quanto à sua legalidade e ao seu mérito, ao passo que o Judiciário só deve apreciar, em linhas gerais, a legalidade do ato administrativo. No âmbito da Administração Pública, o Princípio da Autotutela encontra-se consagrado na Lei 9.784/99 em seu artigo 53: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”. Trata-se de um princípio infraconstitucional que decorre da supremacia do interesse público, visando uma maior celeridade na composição da ordem jurídica afetada pelo ato ilegal, bem como, buscando dar prestimosidade à proteção do interesse público, quando violado pelo ato administrativo inconveniente. Nesse sentido, dispõe a Súmula 346, do Supremo Tribunal Federal (STF) que: “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. Segue mesmo rumo a Súmula 473, também da Suprema Corte, quando versa nos seguintes termos: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (STF Súmula nº 473 - 03/12/1969 - DJ de 10/12/1969, p. 5929; DJ de 11/12/1969, p. 5945; DJ de 12/12/1969, p. 5993. Republicação: DJ de 11/6/1970, p. 2381; DJ de 12/6/1970, p. 2405; DJ de 15/6/1970, p. 2437). Administração Pública - Anulação ou Revogação dos Seus Próprios Atos. É nesse sentido que já se tem também a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STJ): “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. INCORPORAÇÃO NO SERVIÇO ATIVO DA AERONÁUTICA APÓS A EDIÇÃO DA PORTARIA 1.104/GM3-64. AUSÊNCIA DO DIREITO À ANISTIA. PODER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TEMPESTIVIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. I - Em razão do poder de autotutela, a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos, quando eivados de vícios que tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade. II - Agravo regimental improvido.” (RMS 25596, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI (ART. 38. IV, b, do RISTF), Primeira Turma, julgado em 01/04/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-02 PP-00389) (grifei) Segue e mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça (STJ): PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA – ANULAÇÃO DE LICITAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA APÓS A CONCLUSÃO DAS OBRAS PELO PARTICULAR – AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA – CINCO ANOS – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS 1. O princípio da autotutela administrativa aplica-se à Administração Pública, por isso que a possibilidade de revisão de seus atos, seja por vícios de ilegalidade, seja por motivos de conveniência e oportunidade, na forma da Súmula nº 473 do eg. STF, que assim dispõe: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. (...) (grifei) X. DA CONCLUSÃO Considerando todo o anteriormente exposto, deve o Ministério da Saúde, com base no Princípio da Autotutela, revogar imediatamente a NOTA TÉCNICA Nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS e excluir do MANUAL TECNICO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE – DIU COM COBRE T Cu 380 A (2018), toda e qualquer orientação para que permita ao profissional de enfermagem realizar a prática de inserção de Dispositivo Intrauterino (DIU) nos Programas da Saúde da Mulher, por se tratar de normas e diretrizes notoriamente ilegais. Ainda, deverá se abster de permitir que profissionais da saúde se abstenham de praticar atos que conflitem com o disposto na Lei nº 12.843/2013.

Sobre o autor
Alejandro Enrique Barba Rodas

MEDICO INTENSIVISTA QUE ATUA COMO ASSISTENTE TECNICO

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