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Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade.

Algumas observações

23/01/2006 às 00:00
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A palavra de ordem nas VI Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil realizada entre 10 e 14 de outubro de 2005 em Brasília foi de que o processo civil brasileiro se encaminha para uma nova fase. As reformas já feitas e as projetadas para o plano infraconstitucional demonstram a tendência de uma clara opção pela simplificação das regras sistemáticas do direito processual civil. Em breve, nem mesmo se falará mais em estrutura tripartida do processo (de conhecimento, de execução e cautelar). O resultado final das reformas que estão sendo implementadas fará com que o processo civil brasileiro seja o palco para a obtenção de tutelas jurisdicionais satisfativas (cognitivas ou executivas) e de urgência (de natureza antecipatória ou cautelar), e tudo sem a já ultrapassada e ociosa necessidade de instauração de um processo autônomo para cada uma das respectivas tutelas desejadas [01]. O que todos queremos é um processo civil útil e racional, de fácil compreensão e manejo pelos atores da cena processual, seja sob a ótica do individuo, seja sob a ótica da sociedade. Isso será a concretização da terceira onda renovatória do direito processual que é o enfoque de acesso à justiça, que desde a década de setenta do século passado já tinha sido percebida por Mauro Cappelletti e diagnosticada no Projeto Florença. [02]- [03]

Inegavelmente, a Reforma do Judiciário implementada entre nós pela EC nº 45 colabora na medida do possível para a racionalização do sistema processual naquilo que lhe toca. Exemplo disso é o instituto da repercussão geral e a possibilidade da edição de súmulas vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (CR, art. 102, § 3º e 103-A, respectivamente). Pretende-se com estes dois mecanismos uma melhora do produto final da atividade exercida pelo Poder Judiciário brasileiro, sendo que ambos (repercussão geral e súmula vinculante) exercem influxos no direito processual. Neste primeiro ano de reforma da Constituição pela EC nº 45, ainda não foram positivadas as leis regulamentadoras da repercussão geral e da súmula vinculante, a despeito da determinação contida no art. 7º da referida Emenda. [04]

Neste ensaio versaremos sobre a repercussão geral e sua disposição dentro da teoria geral dos recursos, desde já afirmando – segundo nosso sentir – que a repercussão geral é um novo requisito (ou pressuposto) extrínseco [05] [06] específico de admissibilidade do recurso extraordinário. Portanto, o instituto da repercussão geral, a ser regulamentado por lei, é categoria a ser estudada nos meandros do juízo de admissibilidade, já que a Constituição está a exigir que o recorrente demonstre a repercussão geral da questão constitucional a fim de que o STF "examine a admissão" do recurso extraordinário (CR, art. 102, § 3º). Também não descartamos a idéia de que a repercussão geral possa ser classificada como categoria intermediária a ser estudada entre o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito, obviamente na hipótese específica do recurso extraordinário. [07]

A repercussão geral, não há dúvida, é voltada para contornar o grave problema diagnosticado pela doutrina como "crise do Supremo", gerada pelo avassalador volume de recursos extraordinários por ele julgados. Mais do que estreitar o canal de acesso ao STF, com a repercussão geral pretende-se otimizar a alta função do tribunal de cúpula do Poder Judiciário brasileiro quando no exercício do controle difuso de constitucionalidade por força do recurso extraordinário.

Mas o que deve ser entendido por repercussão geral?

Evidentemente que a resposta a esta indagação deverá ser dada pela lei que regulamentará o instituto. Contudo, pensamos que a repercussão geral da questão constitucional se dará sempre que a respectiva decisão que venha a tratar do mérito do recurso extraordinário seja apta a repercutir na esfera jurídica de um considerável número de pessoas, ou mesmo quando a solução a ser dada no recurso extraordinário tenha o condão de sinalizar o encaminhamento jurídico-processual que merece ser dado a certa questão constitucional de interesse geral. Ou ainda, valendo-se dos interessantes critérios que hoje existem no art. 896-A da CLT, que prevê o requisito transcendência para que o TST possa examinar o recurso de revista, a repercussão geral significa que a questão constitucional a ser resolvida no recurso extraordinário deve surtir reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou política [08]. De qualquer maneira, os parâmetros do que deva ser compreendido por repercussão geral para a admissão do recurso extraordinário deverão constar na lei que vier a regulamentar o instituto. [09]

Como seria o enquadramento da repercussão geral na teoria dos recursos?

A teoria geral dos recursos é estruturada pela doutrina – chamemos assim – em "três grandes capítulos": a) princípios fundamentais dos recursos; b) efeitos dos recursos; e c) juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos [10]. Como afirmamos a pouco, nos parece que a repercussão geral deve ser classificada como um novo requisito (ou pressuposto) extrínseco específico de admissibilidade do recurso extraordinário.

No "grande capítulo" juízo de admissibilidade e juízo de mérito, a teoria geral dos recursos demonstra que a cognição na fase recursal é feita em duas etapas. A primeira, onde o órgão julgador aprecia se estão presentes, ou não, os requisitos de admissibilidade (juízo de admissibilidade). Tendo sido adotada neste trabalho a classificação dos requisitos de admissibilidade conforme lição de Barbosa Moreira, podemos dizer que tais requisitos (ou pressupostos) dividem-se em dois gêneros, o dos requisitos intrínsecos (cabimento, legitimação para recorrer e o interesse recursal) e o dos requisitos extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo) [11]. Os requisitos (ou pressupostos) intrínsecos, dizem respeito à decisão recorrida e ao poder de recorrer. Os requisitos extrínsecos, por sua vez, referem-se a fatores externos da decisão recorrida e às formalidades inerentes ao ato recursal. Tendo sido analisado estes requisitos (intrínsecos e extrínsecos), e sendo verificada a presença de todos eles, o órgão julgador então procederá ao juízo de admissibilidade positivo e passará à análise do juízo de mérito, voltando a cognição à pretensão recursal – mérito – do recorrente.

A repercussão geral, segundo nos parece, está ligada aos aspectos externos – extrínsecos [12], portanto – da decisão passível de recurso extraordinário. Só há que se falar em repercussão geral da questão constitucional se a solução a ser dada no RE for capaz de expandir "reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica", para utilizarmos os parâmetros que a CLT fixou para a transcendência em sede de recurso de revista.

E mais. Tendo em vista que é a própria Constituição que afirma que o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral da questão constitucional para que o Tribunal "examine a admissão" do recurso extraordinário (CR, art. 102, § 3º), nos parece óbvio que o novo instituto se constitui num requisito de admissibilidade específico do recurso extraordinário, ligado a fatores externos da decisão recorrida. Se a Constituição afirma que a repercussão geral deve ser demonstrada para a admissão do recurso extraordinário, é perfeitamente possível classificá-la dentro da teoria geral dos recursos como um requisito específico a ser analisado quando do juízo de admissibilidade.

Qual o momento da demonstração (pelo recorrente) e da apreciação (pelo Tribunal) da repercussão geral da questão constitucional?

A demonstração da repercussão geral deverá ser feita em tópico destacado nas próprias razões do recurso extraordinário [13], a exemplo do que hoje já acontece com a demonstração da divergência jurisprudencial na hipótese do REsp fundado na alínea c, inc. III, do art. 105 da Constituição da República. Tanto o CPC (art. 541, parágrafo único), quanto o RISTJ (art. 255, § 2º), sistematizam a forma de como o recorrente deverá regularmente demonstrar a divergência. A demonstração da repercussão geral, portanto, deve ser feita na própria peça em que se veiculam as razões do RE, sem prejuízo de alguma outra formalidade que venha a ser exigida pela lei que vier a regulamentar o instituto.

A demonstração da repercussão geral é um ônus do recorrente. Não tendo sido demonstrada da maneira que vier a ser exigida pela lei regulamentadora, ou mesmo não tendo sido demonstrada por nenhuma forma a repercussão geral pelo recorrente, então não haverá outra alternativa senão ser barrado o seguimento do recurso extraordinário por força do juízo de admissibilidade negativo (inadequação ou falta de demonstração da repercussão geral). [14]

Quanto à apreciação da repercussão geral, não há dúvida de que a respectiva competência é exclusiva do próprio STF, por expressa determinação constitucional. Todavia, por se tratar de matéria que sempre será apreciada em sede de juízo de admissibilidade, cremos seja possível que de lege ferenda o tribunal a quo tenha expressamente a atribuição de se manifestar sobre se foi adequada, ou não, a demonstração da repercussão geral pelo recorrente, até com forma de viabilizar – rectius: facilitar – o exame deste requisito de admissibilidade específico por parte do Supremo Tribunal Federal. E mais. Caso o recurso extraordinário seja omisso quanto à demonstração da repercussão geral, será mesmo o caso do tribunal a quo proceder ao juízo de admissibilidade negativo e obstar a subida do RE, tal como permitido pelo § 1º do art. 542 do CPC [15], já que o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário é previamente realizado pelo tribunal de origem.

Em qual momento da análise cognitiva do procedimento recursal deverá o STF verificar se a questão constitucional trazida no recurso extraordinário tem, ou não, repercussão geral?

Expressamente amparado na dinâmica da significação fundamental do direito processual alemão, e na gravedad institucional do direito processual argentino – figuras similares ao instituto da EC nº 45 aqui comentado –, Arruda Alvim considera que a repercussão geral deve ser apreciada antes mesmo daquilo que chama de "admissibilidade propriamente dita" [16]. Em linhas gerais, o mestre maior dos processualistas da PUC/SP estrutura sua lição no sentido de que as etapas cognitivas de apreciação do recurso extraordinário seriam: I) a verificação da repercussão geral da questão constitucional, verdadeiro pronunciamento de "caráter político" [17]; após, 2) o juízo de admissibilidade; e, finalmente, 3) o juízo de mérito, que seguirá independentemente da repercussão geral já identificada pelo STF.

Venia concessa, não nos parece seja essa a melhor maneira de tratar a questão. A razão para isso é simples. É evidente que a análise para a verificação da presença, ou não, da repercussão geral demandará uma atividade mais complexa do STF, muito mais, por exemplo, do que a questão ligada ao interesse recursal (requisito intrínseco) ou à tempestividade (requisito extrínseco), apenas para ficarmos nestes dois singelos exemplos. Imagine-se o dispêndio de energia que seria se o STF se reunir na forma a ser prevista na lei regulamentadora e reconhecer a presença da repercussão geral e depois, numa decisão monocrática, o Ministro relator detectar que o RE é intempestivo ou deserto?...

Quanto a esse aspecto foi muito feliz a observação de Elvio Ferreira Sartório e de Flávio Cheim Jorge, a qual referendamos: "...Num primeiro momento, será preciso averiguar, monocraticamente, se o recurso é admissível ou não, para, na hipóteses positiva, posteriormente submeter à Turma o debate acerca da repercussão geral. Em verdade, seria demasiadamente desgastante ao STF se fizesse de forma diversa; haveria o risco de reconhecer a existência da repercussão geral e, posteriormente, não conhecer o recurso no mérito, por ausência de outro requisito de admissibilidade" [18]. Nesse mesmo sentido, dentre outros, pensam Luiz Manoel Gomes Júnior [19], Rodrigo Barioni [20] e José Rogério Cruz e Tucci, este último em manifestação oral e pública nas VI Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, em painel coordenado por Flávio Yarshell onde se discutiu sobre as Limitações ao direito de recorrer, no qual participaram como conferencistas o próprio Cruz e Tucci, Carreira Alvim, Nelson Nery Jr., Arruda Alvim e o Min. Castro Filho do STJ, em 14 de outubro de 2005.

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Em síntese, com estas brevíssimas observações procuramos situar a repercussão geral da questão constitucional na teoria dos recursos, que segundo melhor nos parece deve ser estudada como categoria do juízo de admissibilidade, mais precisamente como um requisito (ou pressuposto) extrínseco de admissibilidade específico do recurso extraordinário. Destas observações se extraí todas as conseqüências daí advindas (matéria de ordem pública, possibilidade de sobre ela se manifestar o tribunal a quo, análise da repercussão geral após a apreciação dos outros requisitos de admissibilidade e antes do juízo de mérito etc), sempre tendo em vista a otimização do sistema processual. A repercussão geral não é e não será a solução para a propalada "crise do Supremo", mas sem dúvida é um importante passo para que o produto da atividade desenvolvida pelo Judiciário seja cada vez mais útil e racional, conforme esperam os processualistas, a comunidade jurídica como um todo e o próprio jurisdicionado.

Uma última palavra. Refletir e escrever sobre aquilo que já foi pensado e vertido em doutrina por outros é tarefa, sem dúvida, muito mais fácil. Fica aqui o meu agradecimento sincero aos pioneiros que trataram do instituto da repercussão geral incorporado entre nós pela EC nº 45.


Notas

01 A estrutura tripartida do processo civil brasileiro (conhecimento, execução e cautelar) é herança direta da fase autonomista do processo inaugurada com da obra de Bülow, a partir da qual foram sistematizados os principais institutos processuais e que fez com que o direito processual recebesse roupagem científica. A importância histórica e o avanço das especulações em torno do processo foram marcantes para que chegássemos onde hoje estamos, vale dizer, num nível muito evoluído da nossa ciência. Depois da fase autonomista, os olhos dos processualistas foram voltados à fase instrumentalista ou da instrumentalidade, cuja representação máxima no Brasil se deu pela obra de Cândido Rangel Dinamarco, com a qual foi guindado ao posto de professor titular de direito processual civil na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em meados da década de oitenta (A instrumentalidade do processo. São Paulo : Malheiros Editores). Em suas linhas gerais, a fase instrumentalista é a difusão da consciência dentre os que manejam o processo, sejam os estudiosos, sejam os operadores do foro, de que o processo é mero instrumento do direito material e que, além disso, é instrumento para que a jurisdição alcance seus escopos sociais, jurídicos, políticos, econômicos. Vale dizer, a instrumentalidade do processo pretende que este instrumento da jurisdição seja efetivo, que cumpra, realmente, sua missão constitucional de pacificação (CR, art. 5º, XXXXV).

Porém – e aqui eu falo por conta própria –, parece que estamos vivendo no Brasil o início de uma nova fase dentro das chamadas linhas evolutiva do direito processual. Todos sabemos que as leis surgidas após o início do movimento da chamada Reforma do CPC iniciado na metade da década de noventa, e ainda em pleno curso com os inúmeros projetos de lei que atualmente tramitam no Congresso Nacional, são voltadas à preocupação de racionalizar e até de simplificar o sistema processual como um todo. Seria o "enfoque de acesso à justiça" – a terceira das ondas renovatórias do direito processual – de que falou Mauro Cappelletti em seu clássico Acesso à Justiça, escrito em colaboração com Bryant Garth.

A mim me parece que em breve a tendência do direito processual civil brasileiro será caminhar ao encontro de uma descomplicação de seu sistema, para viabilizar que o processo através do qual se exerce a jurisdição civil seja cada vez mais útil. Vale dizer: simples no seu manejo e útil em seus resultados. Após toda a consciência difundida e absorvida pela fase instrumentalista, quero crer que agora partiremos para uma fase utilitarista (ou de utilidade) do processo civil. Esse sentido utilitarista a que me refiro vem ao encontro das aspirações da sociedade. O processo civil deve ser útil em seus resultados sob a ótica do jurisdicionado! Já se sabe que o processo é o poderoso instrumento para que a jurisdição atinja seus fins sociais, jurídicos, políticos e econômicos. Mas tudo isso só tem sentido se o processo for útil a quem dele necessita, ou seja, o jurisdicionado.

Penso até – e confesso: sem nenhum pudor –, que logo não mais se justificará falar em processo de conhecimento, ou processo de execução, ou mesmo – e este de fato está com os dias contados – processo cautelar. Cada uma destas hipóteses traz consigo, venia concessa, a inútil complicação do aparato processual, já que para cada uma dessas respectivas atividades (conhecimento, execução e cautelar) torna-se necessário a instauração de uma nova relação processual. Acredito que num futuro não tão distante e a partir do comprometimento utilitarista do processo em prol do jurisdicionado, a doutrina não mais falará em processo (relação processual autônoma, portanto) de conhecimento, de execução ou cautelar. Acredito que se falará e se estudará o processo jurisdicional como um todo, e que a partir de uma única relação processual seja possível ora o desenvolvimento de atividade satisfativa (o que hoje chamamos de cognição e execução), ora o desenvolvimento de atividade de urgência (o que hoje chamamos de tutela antecipada ou tutela cautelar). Ou seja, será possível a obtenção da tutela jurisdicional necessária e útil, de caráter satisfativo ou de urgência, através, meramente, da "atividade processual", do "processo", sem as adjetivações de hoje ("processo" cognitivo, ou executivo ou cautelar).

Note-se que obtenção da tutela antecipada, atualmente generalizada pelos art. 273, 461 e 461-A, onde até mesmo é possível a antecipação de "quaisquer" efeitos do pedido formulado, sejam eles efeitos satisfativos ou acautelatórios, põe em xeque a existência autônoma de toda estrutura do Livro III do CPC que trata do processo cautelar. Mas não é só. O próprio processo de execução autônomo de título judicial (Livro II do CPC) está na iminência de também ser abolido tão logo seja positivado o projeto de lei que prevê o "cumprimento da sentença", o mesmo se diga em relação às modificações que se aguardam em relação à satisfação do direito reconhecido no título executivo extrajudicial, que se bem pensadas as coisas poderia ser regulado por um procedimento próprio, sem esse apego a uma categoria autônoma de processo jurisdicional que é o "processo" de execução. São fraturas que serão impostas ao atual sistema do CPC que demandarão a reconstrução de passadas teorias em nome da utilidade que sociedade espera tenha o processo civil. Aliás, não é outra a promessa que decorre do art. 5º, XXXV, da Constituição da República.

Ora, o processo jurisdicional é uma atividade estatal típica do Judiciário, e nada impede que seja pensado e tratado a partir de uma única relação processual, com atividade satisfativa ou de urgência a ser realizada num só "processo", sem que se tenha que instaurar uma nova relação processual autônoma identificada com certa atividade desenvolvida no processo (mais uma vez, conhecimento, execução e cautelar).

Reitero, por fim, que todas as iminentes alterações que o Congresso Nacional promoverá no sistema do CPC são voltadas à simplificação da estrutura do processo jurisdicional, o que parece estar encaminhado o processo civil a um novo momento de sua história. Por quê não no sentido de uma fase utilitarista, com resultados úteis? A complexidade que nos foi legada pela fase autonomista já cumpriu o seu papel, devendo o processo civil ser reestruturado para que seu manejo seja absolutamente mais simples e o seu resultado seja verdadeiramente mais útil ao jurisdicionado.

O direito processual não pertence exclusivamente às complexas especulações do processualista. É antes de tudo um instrumento democrático que precisa ser útil à sociedade em geral e ao jurisdicionado que dele se utiliza para resolver determinado caso concreto.

02 O enfoque de acesso à justiça, ao lado da assistência jurídica e da tutela dos interesses meta-individuais, compõem as três ondas renovatórias do direito processual. Por enfoque de acesso à justiça, deve ser entendido o "conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas", cf., CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça (trad. bras. de Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre : Sérgio Fabris Editor, 1988, pp. 67-68. Ver ainda, sobre as três ondas renovatórias, ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 9ª ed., 1993, p. 43.

03 Eduardo Lamy também reflete acerca da repercussão geral e do recurso extraordinário à luz da temática do acesso à justiça. Cf. LAMY, Eduardo de Avelar. "Repercussão geral no recurso extraordinário: a volta da argüição de relevância?". Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 (coords. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues, GOMES JR, Luiz Manoel, FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, Willian Santos). São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 170-172.

04 EC nº 45, art. 7º: "O Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional, comissão especial mista, destinada a elaborar, em 180 (cento e oitenta) dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional".

05 Adotar-se-á aqui a conhecida classificação de Barbosa Moreira, em seus Comentários ao CPC, quanto aos requisitos ou pressupostos de admissibilidade dos recursos, em requisitos intrínsecos (relativos à existência do poder de recorrer) e extrínsecos (quanto ao modo de exercer esse poder). No mesmo sentido, NERY JR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6ª ed., São Paulo : Ed. Revista do Tribunais, 2004, p. 273-275, inclusive com adesão expressa à classificação de Barbosa Moreira.

06 Os requisitos (ou pressupostos) de admissibilidade também são classificados por parte da doutrina em pressupostos objetivos e subjetivos, como fazem, por exemplo, Moacyr Amaral Santos, Frederico Marques, Vicente Greco Filho, conforme observam MIRANDA, Gilson Delgado e PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo Civil – Recursos. 2ª ed., São Paulo : Ed. Atlas, 2001, p. 31.

07 Contudo, em prol da simplificação que se espera do sistema do processo civil, seja no âmbito legal ou doutrinário, preferimos meramente observar a repercussão geral como mais um requisito específico de admissibilidade do recurso extraordinário. Pensamos que toda classificação dever ser simples e – acima de tudo – útil, para que ao operador do processo seja facilitado seu manejo. Complicações indevidas das construções doutrinárias, destituídas de real utilidade, devem ser deixadas de lado.

08 CLT, art. 896-A: "O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica". Observa Arruda Alvim que a previsão do instituto da transcendência na CLT só "foi possível na esfera do direito processual do trabalho porque a matéria recursal está inteiramente disciplinada ao nível da lei, e não da Constituição Federal", v. ARRUDA ALVIM, "A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral". Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 (coords. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues, GOMES JR, Luiz Manoel, FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, Willian Santos). São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, nota 15, p. 73. Nessa mesma nota 15, Arruda Alvim também remete o leitor a artigo doutrinário sobre a transcendência no recurso de revista elaborado pelo amigo Luiz Manoel Gomes Jr. – já conhecido por suas reflexões sobre assunto (argüição de relevância, transcendência e repercussão geral). O texto de Luiz Manoel está publicado na: Revista LTr, n. 11, ano 65, 2001; Revista de Direito do Trabalho, n. 104, ano 27; Repertório de jurisprudência IOB, n. 02/2002; Revista Nacional de Direito do Trabalho, n. 48; Revista de Estudos Jurídicos das Faculdades Maringá – Actio, n. 1/2003; RF, n 368/2003.

09 Também no sentido de que critérios de ordem econômica, social, política e jurídica podem orientar a identificação de uma questão constitucional com repercussão geral, v. MEDINA, José Miguel Garcia, WAMBIER, Luz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. "Repercussão geral e súmula vinculante – Relevantes novidades trazidas pela EC nº 45/2004". Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 (coords. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues, GOMES JR, Luiz Manoel, FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, Willian Santos). São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 377.

10 Cf. NERY JR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6ª ed., São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2004, passim.

11 Cf. NERY JR, Nelson, op. cit., p. 273-275, onde o processualista da PUC/SP também desenvolve sua argumentação à luz do critério proposto por Barbosa Moreira.

12 Também entendendo que a repercussão geral é requisito extrínseco ao julgamento – o que, confessadamente, nos serviu de orientação –, v. SARTÓRIO, Elvio Ferreira e JORGE, Flávio Cheim. "O recurso extraordinário e a demonstração da repercussão geral". Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 (coords. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues, GOMES JR, Luiz Manoel, FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, Willian Santos). São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 188.

13 Tal como era feito à época da argüição de relevância da questão federal sob a ordem constitucional anterior. Cf. ARRUDA ALVIM. A argüição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1988, p. 146.

14 No mesmo sentido GOMES JR., Luiz Manoel. Argüição de relevância – a repercussão geral das questões constitucional e federal. Rio de Janeiro : Ed. Forense, 2001, p. 87.

15 CPC, art. 542, §1º: "Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não dos recursos, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada".

16 Cf. "A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral"..., p. 64.

17 Idem, ibidem.

18 SARTÓRIO, Elvio Ferreira e JORGE, Flávio Cheim. "O recurso extraordinário e a demonstração da repercussão geral". Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 (coords. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues, GOMES JR, Luiz Manoel, FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, Willian Santos). São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 186.

19Argüição de relevância..., p. 87.

20 "O recurso extraordinário e as questões constitucionais de repercussão geral". Reforma do Judiciário – Primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 (coords. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues, GOMES JR, Luiz Manoel, FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, Willian Santos). São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 728.

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Sobre o autor
Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Repercussão geral na teoria dos recursos: juízo de admissibilidade.: Algumas observações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 934, 23 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7858. Acesso em: 23 nov. 2024.

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