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O regime previdenciário do estudante:

abordagem histórica e reflexos presentes

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05/02/2006 às 00:00
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DA IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO

            Ademais, não é de hoje, que tanto a jurisprudência, como a doutrina e, também, a legislação, verberam a impossibilidade de indenização da contribuição do estudante, sustentando-se, inclusive, sua vedação, escudado no mais das vezes, no art. 96, inciso IV, da Lei 8.213/91, que, assim, se manifestou acerca do assunto, videbimus infra:

            "Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

            .....................................................

            IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com os acréscimos legais;"

            Destarte, a vedação consiste, primacialmente, no fato de que a nobre função do estudante, atualmente, não figura dentre aquelas ocupações que alvitram a filiação à previdência em caráter obrigatório, orbitando, antes, na condição de segurado facultativo, como assim a classifica o art. 11, § 1.º, III, do Decreto n.º 3.048/99.

            É esse o ponto nodal do problema: o reconhecimento da atividade, outrora desenvolvida, como de atual filiação obrigatória. Se a atividade, atualmente, não é considerada de filiação obrigatória, não se pode proceder à indenização e, por conseguinte, contabilizar o tempo de atividade, que pode até restar devidamente comprovado, contudo, sem o recolhimento das contribuições previdenciárias, sem surtir quaisquer efeitos.

            Trasladando-se o art. 122, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/99, percebe-se com maior nitidez a mens legis, vejamos, ipsis verbis:

            "Art.122. O reconhecimento de filiação no período em que o exercício de atividade remunerada não exigia filiação obrigatória à previdência social somente será feito mediante indenização das contribuições relativas ao respectivo período, conforme o disposto nos §§ 7º a 14 do art. 216 e § 8º do art. 239."(Grifos nossos)

            Observe-se, ademais, que é no art. 216, § 9.º, do decreto multicitado que encontraremos a vedação de forma bem mais ostensiva e direta, verbis:

            "Art.216. A arrecadação e o recolhimento das contribuições e de outras importâncias devidas à seguridade social, observado o que a respeito dispuserem o Instituto Nacional do Seguro Social e a Secretaria da Receita Federal, obedecem às seguintes normas gerais:

            .........................................................

            § 9º No caso de o segurado manifestar interesse em indenizar contribuições relativas a período em que o exercício de atividade remunerada não exigia filiação obrigatória à previdência social, aplica-se o disposto nos §§ 7º e 8º, desde que a atividade tenha se tornado de filiação obrigatória."(Grifamos)

            Por tudo isso, não podem o estudante, o bolsista e estagiário, estes prestando seus encargos em consonância com a Lei n.º 6.494/77, pleitearem, posteriormente, o aproveitamento de seus períodos de dedicação exclusiva aos estudos, no primeiro caso, e ao trabalho e ao estudo, no segundo e terceiro casos, mesmo que se proponham a indenizar o período vergastado, por absoluta vedação legal.

            É bom que se frise, contudo, que podem os estudantes, os bolsistas e estagiários, a teor do art. 11, § 1.º, III, VI e VII do Dec. 3.048/99, figurarem como segurados facultativos, devendo suas contribuições serem consideradas para todos os fins, inclusive, para cômputo de tempo para inativação.


O ESTUDANTE NO NOVO ORDENAMENTO PREVIDENCIÁRIO

            Como esclarecemos supra, atualmente, podem os estudantes se vincular à previdência social, na condição de facultativo, sendo que sua contribuição será considerada para todos os fins, podendo, ademais, usufruir todas as benesses que a proteção previdenciária disponibiliza, desde que seja maior de 16(dezesseis) anos, no regime anterior, antes da Emenda Constitucional n.º 20/98, que alterou o inciso XXXIII, do art. 7.º, considerava-se 14(catorze) anos.

            Para se vincular ao sistema previdenciário, basta que o estudante apresente documento de identidade e declaração expressa de que não exerce atividade que o enquadre na categoria de segurado obrigatório, ficando condicionada, ademais, a sua filiação ao pagamento da primeira contribuição.

            Nunca é demais enfatizar que os estudantes, mesmo que hajam desempenhado atividades laborais paralelas em decorrência do aprendizado, como bolsista, monitor ou estagiário, acaso as contribuições previdenciárias não sejam vertidas contemporaneamente ao regime, não será possível a indenização posterior.

            Saliente-se, por necessário, que o estagiário, dês que preste suas funções em flagrante desrespeito à Lei 6.494/77, restando patenteado o vínculo empregatício, com todos os consectários, terá sua inscrição efetuada não como segurado facultativo, mas como segurado obrigatório, na condição de empregado, a teor do art. 9.º, I, h, do Decreto n.º 3.048/99.

            Há de se fazer menção, inda, à condição do menor-aprendiz, figura disciplinada pela Lei n.º 10.097/00, que infligiu modificações na Consolidação das Leis do Trabalho.

            Ab initio, válido é esclarecer que, para os fins colimados pela indigitada lei, é considerado menor o trabalhador que conte idade entre 14(catorze) e 18(dezoito) anos. E não se pode confundir a figura do menor aprendiz, disciplina pela CLT, Estatuto da Criança e Adolescência, com o outro instituto, o do aluno-aprendiz organizado pelo Decreto-Lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942.

            Veja-se, a propósito, a ementa do acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in litteris, delimitando - com bastante didática – as fronteiras entre os institutos mencionados no parágrafo anterior:

            "Embargos Infringentes nº 587045717, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Porto Alegre, 03/06/88:

            "FUNCIONÁRIO PÚBLICO. TEMPO DE SERVIÇO.ALUNO-APRENDIZ. Inconfundíveis o aluno aprendiz e o menor aprendiz. Este, que está sujeito à formação profissional metódica, em regra, no SENAI ou no SENAC, é necessariamente empregado subordinado e, como tal, vinculado à previdência social e computável o tempo de serviço estadual, para determinados fins. Aluno aprendiz, que é a hipótese ‘sub judice’, só eventualmente é empregado. Daí se lhe exigir,para computar o tempo de aprendizado, prova da relação de empregado, ou de vínculo empregatício, e remuneração correspectiva." (grifos nossos)

            Daí, mesmo que assim o desejasse, o administrador não poderia tratar os dois institutos como iguais, negando-lhes, indistintamente, a possibilidade de computar os períodos de aprendizagem e trabalho para fins previdenciários, visto que são situações diversas, sujeitas, portanto, a regramentos diferentes, não podendo ser, pois, simplificadas pelo simples arbítrio do executivo, como se evidencia no art. 113, da Instrução Normativa n.º 118/05.

            "Art. 113. Os períodos de aprendizado profissional realizados na condição de menor aprendiz, somente poderão ser computados como tempo de contribuição para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão de qualquer espécie de benefício até 5 de maio de 1999, dia anterior ao início da vigência do Decreto nº 3.048/99, observando-se que podem ser contados, entre outros:

            I – os períodos de freqüência às aulas dos aprendizes matriculados em escolas profissionais mantidas por empresas ferroviárias;

            II – o tempo de aprendizado profissional realizado como aluno aprendiz, em escolas técnicas, com base no Decreto-Lei nº 4.073, de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial a saber:"(grifos nossos)

            Ora, se o mesmo diploma legal, IN 118/05, reconhece a figura do menor aprendiz, disciplinada pela Lei 10.097/00, como a do equiparado ao segurado empregado, não há, pois, motivação para não reconhecer, a todo tempo, os corolários previdenciários derivados desta condição, não se vislumbrando óbice idôneo ao aproveitamento do período de aprendizagem e trabalho.

            Se as situações são diferentes, merecem tratamentos diferentes. E para comprovar a diversidade de situações, basta analisar, detidamente, a Lei 10.097/00, que modifica o art. 428, § 1.º, da CLT, quando dispõe sobre o Contrato de Aprendizagem, inclusive, para ordenar a anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social, gerando, doravante, a inscrição do menor aprendiz junto à Previdência Social, a teor do art. 3.º, I, a, da Instrução Normativa n.º 118/05, na condição de segurado empregado, verbis:

            "Art. 3º São segurados na categoria de empregado:

            I - o aprendiz, com idade de quatorze a dezoito anos, sujeito à formação profissional metódica do ofício em que exerça o seu trabalho, observado que:

            a) a contratação como aprendiz, atendidos os requisitos da Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades sem fins lucrativos, que têm por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços;"

            Repare-se bem e veja-se que a legislação do aluno aprendiz não disponibilizava o mesmo tratamento aos que se enquadravam em suas disposições.

            Além do mais, a figura do menor aprendiz é decorrência da própria Charta de Outubro, que, em seu art. 7.º, XXXIII, já dispunha sobre ele, pelo que foi seguida pelos estatutos infraconstitucionais, tais como a Leis n.os 8.069/90 [06](ECA) e 9.394/96(LDB).


CONCLUSÃO

            Como vimos, o estudante, mesmo que não desempenhe atividade profissional, já pode ser incluído no regime previdenciário geral, desde que possua, no mínimo 16(dezesseis) anos de idade e, obviamente, consiga pagar o valor da contribuição previdenciária, que terá como menor valor o equivalente a 20%(vinte por cento) sobre o salário mínimo e maior valor o que for estipulado em tabela de salários-de-contribuição instituídos pela Previdência Social.

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            Ademais, como vimos, acaso seja menor aprendiz tal idade mínima pode ser reduzida a 14(catorze) anos.

            Com as constantes mudanças na legislação previdenciária, acreditamos que, futuramente, principalmente, para aqueles estudantes que contribuem para o Regime Geral, nesta condição, e que pretendam entrar no serviço público, em quaisquer das esferas, talvez não seja tão interessante, sob o ponto de vista de uma inativação, visto que terão de ser considerados para fins de cálculo de eventuais proventos de aposentadoria os valores pagos nos períodos de contribuição anteriores à entrada no regime próprio, o que, certamente, causará acentuada diminuição de valores.

            Esta era a contribuição que tinha a prestar ao tema.


Notas

            01

Repare-se que antes da Emenda Constitucional n.º 20/98 a nomenclatura empregada era tempo de serviço e não o tempo de contribuição, como hoje acontece.

            02

O art. 1.º da Lei 6.890/80 dispunha: "Art. 1º Ao servidor regido pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, será computado, para todos os efeitos, o tempo de serviço prestado na qualidade de extranumerário, diarista ou tarefeiro, bem como o retribuído à conta de dotação global, desde que legalmente considerado para aposentadoria e disponibilidade"

            03

Art. 113. Os períodos de aprendizado profissional realizados na condição de menor aprendiz, somente poderão ser computados como tempo de contribuição para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão de qualquer espécie de benefício até 5 de maio de 1999, dia anterior ao início da vigência do Decreto nº 3.048/99, observando-se que podem ser contados, entre outros:

            I – os períodos de freqüência às aulas dos aprendizes matriculados em escolas profissionais mantidas por empresas ferroviárias;

            II - o tempo de aprendizado profissional realizado como aluno aprendiz, em escolas técnicas, com base no Decreto-Lei n.º 4.073, de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial a saber:

            a) período de freqüência em escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto n.º 31.546, de 6 de fevereiro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria - SENAI, ou Serviço Nacional do Comércio - SENAC, ou instituições por eles reconhecidas, para formação profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor;

            b) período de freqüência em cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados, em escolas próprias para essa finalidade ou em qualquer estabelecimento de ensino industrial;

            c) períodos de freqüência em escolas industriais ou técnicas da rede federal de ensino, bem como em escolas equiparadas (colégio ou escola agrícola) ou reconhecidas com base na Lei n.º 6.226, de 1975, alterada pela Lei n.º 6.864, de 1980, e Decreto n.º 85.850, de 1981 (contagem recíproca), desde que tenha havido retribuição pecuniária à conta do Orçamento da União, ainda que fornecida de maneira indireta ao aluno.

            § 1º - Para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício em data anterior ao Decreto n.º 611/92, aplica-se o entendimento constante do Parecer MPAS/CJ n.º 24/82, podendo ser computado o período de freqüência escolar compreendido entre 30/01/42 a 15/02/59, vigência da Lei Orgânica do Ensino Industrial.

            § 2º - Para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício durante a vigência dos Decretos n.ºs 611, de 1992 e n.º 2.172, de 1997, poderá ser computado período de aprendizado profissional realizado em escolas técnicas na condição de aluno aprendiz, compreendido entre 30/01/42 a 15/02/59, e desde que comprovada a remuneração e o vínculo empregatício, o período de aprendizagem desempenhado em qualquer época, conforme o Parecer MPAS/CJ n.º 2.893, de 2002, que revogou o Parecer MPAS/CJ n.º 1.263, de 1998.

            § 3º - Para fins do parágrafo anterior, considerar-se-á como vínculo e remuneração a comprovação de freqüência e os valores recebidos a título de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros, entre outros.

            § 4º - Para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício em período posterior ao advento do Decreto n.º 3.048, de 1999, não se admite a contagem como tempo de serviço do período de aluno aprendiz.

            04

Lei 5.890/73, art. 2.º - Definem-se como beneficiários da previdência social:

            I - segurados: todos os que exercem emprego ou qualquer tipo de atividade remunerada, efetiva ou eventualmente, com ou sem vínculo empregatício, a título precário ou não, salvo as exceções expressamente consignadas nesta lei.

            05

SÚMULA Nº 096 - Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.

            Fundamento Legal - - Constituição Federal, art. 71, inc. III - Lei nº 8.443, de 16/07/1992, art. 1º, inc. V, e art. 39 - Decreto-lei nº 4.073, de 30/01/1942, arts. 67 e 69 - Decreto-lei nº 8.590, de 08/01/1946, arts. 2º, 3º e 5º Decisão do STF, "in" MS 18538 - (RTJ nº 7, jan/1969, pág. 252)

            06

Art. 65. Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e   previdenciários.
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Sobre o autor
Sérgio Lopes de Paula

advogado, orientador do Escritório Modelo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Sérgio Lopes. O regime previdenciário do estudante:: abordagem histórica e reflexos presentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 947, 5 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7922. Acesso em: 25 abr. 2024.

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