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A Suprema Corte americana e a defesa das liberdades públicas:

uma breve análise da jurisprudência firmada, em sede de revisão judicial, sobre os princípios da liberdade religiosa e da separação Estado/igreja

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1.Introdução

Qualquer estudo que verse sobre a garantia dos direitos fundamentais passará, necessariamente, por uma análise da jurisprudência firmada pela Suprema Corte Americana, um Tribunal que, no exercício de sua jurisdição constitucional, tem se notabilizado por polêmicas discussões e por decisões firmes e intransigentes, tomadas sempre em favor da construção de uma ampla esfera proteção das liberdades públicas.

Cumpre enfatizar, no entanto, que os processos – hoje já concretizados – de afirmação da Suprema Corte Americana como efetivo Tribunal Constitucional (desde a célebre decisão tomada no caso Marbury x Madison, em 1803) e de elevação da proteção das liberdades públicas à condição de tema primordial na agenda de julgamentos desse Tribunal passaram por etapas que se foram sucedendo ao longo do tempo e que, por sua importância mesma, devem ser analisadas antes que se proceda a um estudo específico dos julgados emanados da US Supreme Court.

Todo esse processo de transformação pelo que passou a Suprema Corte Americana assim foi destacado pelo Professor Alexandre de Moraes, em sua tese de doutoramento, intitulada Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais – Garantia Suprema da Constituição: [01]

"Após períodos em que a Corte consolidou a centralização do poder da União e a supremacia do controle jurisdicional (Corte de Marshall, até 1835); formou as teorias políticas e econômicas da Constituição (1835 a 1895); agiu como árbitro da vida jurídica e das diretrizes nacionais (1895 a 1937 – fase em que se cunhou a expressão governo dos juízes); passou a dedicar-se, basicamente, à defesa dos direitos fundamentais (após 1937 e, principalmente, durante a presidência do Chief Justice Earl Warren, de 1953 a 1969)".

Enfatize-se, neste ponto, que também a historiadora e ex-funcionária do Supremo Tribunal Federal, Professora Lêda Boechat Rodrigues, ao analisar a Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano [02], também dividiu o objeto de seu estudo em quatro períodos sucessivos.

O primeiro, que vai até 1835 e compreende a fase da "Corte de Marshall", é centrado na concentração do poder nacional em face do poder titularizado pelos Estados-membros da Federação e na consolidação do papel da Corte Suprema como órgão de controle da constitucionalidade dos atos do poder público, estaduais ou federais.

Destaca-se, neste período, a criação jurisprudencial das idéias de supremacia e rigidez constitucional, associadas ao poder jurisdicional de efetivar o controle de constitucionalidade.

Sob tal aspecto, assim se manifestou a Professora Lêda Boechat: [03]

"É deste período a maior contribuição americana ao direito constitucional: o princípio da supremacia do Judiciário ou o poder jurisdicional de controle da constitucionalidade das leis. Coube a Marshall firmá-lo de maneira duradoura no famoso caso Marbury x Madison, objeto de copiosa bibliografia".

Outra importante contribuição fornecida ao Direito pela Corte de Marshall neste período refere-se à consolidação de um dos princípios básicos do federalismo, o da supremacia nacional, e ao estabelecimento da importantíssima – e até hoje invocada – teoria dos poderes implícitos [04] do Congresso, [05] da qual decorreu, ainda, mediante dedução efetivada por Marshall, a teoria dos poderes resultantes [06], segundo a qual, por exemplo, "do poder de adquirir territórios (...), surge como conseqüência inevitável, o direito de governá-los". [07]

Refira-se, finalmente, no que concerne ao primeiro período de estudos da Suprema Corte Americana (até 1935), e tal como acentuado pela Professora Lêda Boechat, [08] a importância do avanço dado por aquele Tribunal no que concerne à discussão sobre separação e delegação de poderes.

Fixou, sob tal aspecto, a Suprema Corte, e ainda sob a Presidência de Marshall, a possibilidade de o Congresso vir a delegar, a outros órgãos estatais, o poder de pormenorizar disposições gerais constantes da lei (to fill up the details), desde que não se afrontassem os atos normativos dos Estados Unidos. [09]

Já o segundo período de análise da Suprema Corte Americana estabelecido pela Professora Lêda Boechat está compreendido entre 1835 e 1895, época em que se formou a teoria constitucional liberal do "laissez faire".

Cumpre referir, neste ponto, que o problema central a ser apreciado pela Supreme Court neste período – que vai até 1895 – era o da escravidão, eis que cresciam as divergências entre os interesses econômicos das três seções nas quais o país era dividido: sul escravagista, norte industrial e oeste agrícola. [10]

Interessante a observação feita, sob tal aspecto, pela tão citada professora Lêda Boechat, que, no que concerne aos acirrados debates travados na sociedade americana da época sobre o escravagismo, assinalou que "Fosse qual fosse a decisão, era a Côrte acusada de partidarismo por um dos lados". [11]

Neste período, deve-se destacar o célebre caso Dred Scott [12], julgado em 1857, no qual a Suprema Corte, pela segunda vez em sua história [13], declarou a inconstitucionalidade de uma lei do Congresso.

Neste julgamento, dois temas de grande importância – e que viriam a ser rediscutidos, inúmeras vezes, em momentos posteriores – foram suscitados: a questão da escravidão e sua relação com o direito de propriedade e a questão concernente aos limites materiais da cláusula do due process of law.

Cumpre referir, neste ponto, que a lei julgada inconstitucional no referido precedente – seção 8ª do Missouri Compromise Act de 1850 – proibia a escravidão nos territórios.

Inicialmente, a Suprema Corte, ao reconhecer – em que julgamento que se realizou nas antevésperas da Guerra de Secessão –, a invalidade do diploma legislativo em questão, admitiu a constitucionalidade da escravidão, acirrando ainda mais as discussões travadas na época sobre o assunto.

Ocorre, no entanto, que, para reconhecer a referida inconstitucionalidade, a Suprema Corte Americana culminou por alargar – num entendimento que será o único tomado nesta linha até 1895 [14] – o próprio conceito de due process of law, até então entendido como uma garantia de ordem meramente processual, para fazer compreender, em tal cláusula, a proteção a direitos substantivos.

Reconheceu-se, pois, a inconstitucionalidade do dispositivo legal, que, "contrariamente ao disposto na 5ª Emenda, admitia pudesse o cidadão (no caso o proprietário do escravo Dred Scott) ser privado de bens de sua propriedade (o escravo negro) sem due process [15] (o escravo pretendia haver adquirido a liberdade pela residência em território onde a escravidão era proibida)". [16]

Como já ressaltado pelo Professor Alexandre de Moraes, a Suprema Corte, no terceiro período de sua história (1895/1937), deu ensejo ao que se apelidou "governo dos juízes". [17]

Na realidade, o que permitiu à Suprema Corte exercer este amplo poder de fiscalização da quase totalidade dos atos de governo do período foi a interpretação que foi dada, no período, à cláusula do due process of law, inscrita na 14ª Emenda.

Esta cláusula, usualmente entendida como garantia de ordem meramente formal – exceto em casos extraordinários, e até mesmo, discrepantes do entendimento até então dominante na Corte, como o já referido caso Dred Scott – sofreu, no período, uma "construction", que, ao consolidar o princípio do substantive due process of law, permitia à Suprema Corte a aferição da constitucionalidade de atos normativos com base não apenas nas regras constitucionalmente positivadas, relativas às competências legislativas e às garantias constitucionais, mas, também e sobretudo, com base num juízo de razoabilidade [18], que, apesar de fundado na cláusula do devido processo legal, tinha como critérios de aferição princípios não escritos na Constituição ou, ainda, decorrentes da pré-compreensão de cada um dos Justices. [19]

A Suprema Corte, desse modo, transformou-se, por meio da interpretação material e ampla conferida a cláusula do devido processo, não apenas num árbitro da "vida jurídica", mas, também das próprias "diretrizes políticas nacionais". Daí a expressão relativa ao período de "governo dos juízes". [20]

Destaque-se, neste ponto, a observação feita por Pontes de Miranda, que, ao analisar os critérios não-positivados de aferição da constitucionalidade/inconstitucionalidade com base na cláusula do devido processo legal em sentido material, deixou registrado a circunstância de a Suprema Corte, com tal interpretação, ter passado a dar soluções judiciais a questões "não só morfológica como substancialmente políticas" [21].

A Professora Lêda Boechat assim se referiu aos amplos "poderes de governo" que a Suprema Corte passou a dispor através da construction que fez da cláusula inscrita na 14ª Emenda:

"As leis não eram mais declaradas inválidas, em sua maioria, por incompatibilidade com os textos da Constituição e os processos por ela estabelecidos, mas por incompatibilidade com os grandes princípios superiores à mesma. O principal resultado dêsse controle da superconstitucionalidade das leis pela Côrte Suprema, nessa fase, foi emancipá-la do documento constitucional, pois ela não se limitava a aplicar regras legais estritas às questões constitucionais, mas agia como um departamento político com poderes de govêrno". [22]

Deve-se destacar, ainda, neste ponto, que essa ampliação da esfera de atuação e controle do Poder Judiciário, deu-se, por óbvio, em detrimento do Poder Legislativo, que, em face da supremacia política da Suprema Corte, culminou por sofrer um engessamento em seu poder de legislar.

Cumpre referir, ainda, a propósito da jurisprudência firmada pela Corte, que as últimas décadas deste período – notadamente entre 1920 e 1930, eis que, em razão da crise de 1929, sofreu, a idéia do liberalismo, forte abalo no Estados Unidos e até mesmo na Corte Suprema – foram marcadas pela concepção de que o melhor regulador da vida em sociedade era o mercado e o mundo dos negócios, devendo-se combater qualquer ingerência ou controle tanto popular quanto do Congresso, e defendendo-se, ainda, a idéia de que a função do Estado na comunidade deveria limitar-se à garantia das liberdades individuais.

A filosofia política e econômica dominante na época transferiu-se, desse modo, ao próprio Direito Constitucional aplicado pela Suprema Corte Americana. [23]

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Neste período, então, a liberdade contratual foi erigida à cláusula geral, que só admitia restrições congressuais em hipóteses extraordinárias.

Vale frisar, neste ponto, o famoso caso Lochner v. New York, no qual foi declarada a inconstitucionalidade, por ofensa à liberdade do contrato, de lei, que, na linha de pareceres e recomendações médicas, havia limitado a jornada de trabalho em padarias a 10 horas diárias. [24]

Cumpre enfatizar, ainda, por oportuno, que o amplo campo de incidência e proteção outorgado pela Suprema Corte à cláusula do devido processo legal fez com que tal princípio, associado à garantia da igual proteção das leis, fosse invocado, logo no início desse terceiro período histórico (em 1896), contra as leis de segregação racial.

A Suprema Corte, no entanto, firmando precedente que vigoraria até 1954, fixou, no julgamento do caso Plessy x Ferguson, a diretriz segundo a qual não feria o princípio da igual proteção da lei, nem era desarrazoada, a cláusula do "separate, but iqual", ou seja, que previa a separação/segragação entre negros e brancos desde que o tratamento dado a cada grupo racial fosse o mesmo.

Outro caso de grande importância analisado neste período, e também envolvendo o conceito do devido processo legal em sentido material, foi o caso Schenk v. Unites States (1919), no qual, pela primeira vez, discutiu-se com alguma profundidade a cláusula da liberdade de expressão e suas limitações.

Neste caso, definiu-se, pioneiramente, a regra do perigo atual e evidente como limitadora do exercício da liberdade de expressão [25], tendo, o Justice Holmes, proferido douto voto, no qual proclamou, em expressão que se tornou corriqueira em tema de limitações ao uso da palavra, que "A mais rígida proteção da liberdade de palavra não protegeria um homem que falsamente gritasse ‘fogo’ num teatro e, assim, causasse pânico".

No que concerne à cláusula constante da Primeira Emenda, deve-se referir, ainda, por sua importância mesma, os casos Stromberg v. California e Near v. Minnesota. No primeiro deles, entendeu-se inconstitucional, por ofensa ao devido processo legal, lei do Estado da Califórnia que proibia e incriminava a desfraldação da bandeira vermelha do partido comunista. No segundo, decidiu-se, pela primeira vez, que infringia a liberdade de imprensa, protegia pela cláusula do due process, lei que impunha restrição prévia a publicações. Estabeleceram-se, neste útlimo julgamento, as matizes do princípio da vedação à censura prévia.

Finalmente, o período da história da Suprema Corte que se inicia em 1937 e se estende até os dias atuais é marcado por profundos avanços em tema de defesa das liberdades públicas.

Nas palavras da Professora Lêda Boechat, "Abandonando a Côrte a proteção exacerbada do liberalismo econômico, quase imediatamente passou a julgar-se particularmente responsável pela manutenção das liberdades da palavra e religião, numa época em que as principais invasões das mesmas passaram a provir do Poder Legislativo". [26]

Foi também no início deste período, tal como acentuado pelo Professor Alexandre de Moraes [27], que se formulou a doutrina da posição preferencial das liberdades civis consagradas na Primeira Emenda. [28]

Por tal doutrina, deveria ser adotada uma concepção dualista do controle judicial, que, por isso mesmo, deveria distinguir, em seu tratamento, corpus e anima, matéria e espírito.

O controle jurisdicional do corpus deveria ser feito em limites estreitos, adotando-se uma postura de deferência ao Legislativo e de self-restraint judicial, pois a vida econômica, por sua natureza mesma, não poderia escapar, ou ver-se livre, das necessárias regulamentações e restrições legais provindas do Congresso.

Já o anima, ou seja, a vida do espírito, a liberdade de expressão, religião, associação, reunião, transcenderia ao simples interesse do indivíduo – tal como muitas ocorre nas situações econômicas – e constituiria elemento imprescindível ao funcionamento do sistema democrático, devendo, por isso mesmo, gozar de proteção especial, a ser conferida também, em amplo aspecto, pelo Judiciário, e fazer com o que se tenham por inconstitucionais quaisquer invasões legais da mesma.

Assim, no que se refere ao corpus, ao direito de propriedade, deve o Estado (e o Congresso) ser todo-poderoso. No entanto, no que concerne ao anima, às liberdades civis, só pode o Estado interferir quando se caracterizar o abuso, que fira a liberdade e os direitos civis das outras pessoas ou que coloque em risco a própria manutenção da sociedade.

Deve-se destacar, finalmente, no que concerne à afirmação da Suprema Corte como defensora das liberdades públicas, o papel desenvolvido pelo Chief Justice Earl Warren, nomeado pelo Presidente Eisenhower em 02/10/1953. [29]

Coube a Warren, grande defensor de uma posição ativa do Poder Judiciário na defesa dos direitos e liberdades civis, a relatoria do caso que declarou a inconstitucionalidade da segregação racial praticada nos Estados Unidos [30], derrubando, em conseqüência, a doutrina então prevalecente no sentido do "separados, mas iguais".

Feitas essas breves considerações de ordem histórica, deve-se, agora, passar a um exame da jurisprudência norte-americana no que concerne, especificamente, aos temas da liberdade religiosa e da separação Estado/Igreja.


2.liberdade religiosa

O debate da questão relativa à liberdade religiosa, ou ao livre exercício da religião, apesar de já ter sido ventilado em momentos anteriores pela Suprema Corte Americana, ganhou maior densidade notadamente a partir de 1937, quando foram apreciados pela Supreme Court uma série de casos envolvendo os praticantes da "seita" "Testemunhas de Jeová".

Segundo explicam Rotnem e Folsom, citados pela Professora Lêda Boechat, [31]os praticantes da seita Testemunhas de Jeová acreditam ser a sua mais alta função disseminar sua interpretação da Bíblia e suas crenças religiosas, usando, para isso, as esquinas das ruas e a distribuição, porta a porta, de livros e panfletos impressos pela sua Sociedade Bíblica (...). Contêm as publicações dessa sociedade ensinamentos altamente controvertidos. Atacam tôdas as igrejas e seitas instituídas, considerando-as obras de Satanás. Seus membros abominam qualquer forma de cerimônia religiosa e recusam-se a saudar a bandeira nacional, por acreditarem que êsse gesto contraria o ensinamento de não se deverem curvar ante qualquer ‘imagem gravada’(...). Cada Testemunha pretende ser um ministro do Evangelho".

Como se pode observar dos próprios princípios pregados pelas Testemunhas de Jeová, a seita, com seus ensinamentos, culminou por gerar fortes reações das comunidades locais, notadamente das menores cidades, que, por muitas vezes, pressionavam os governantes locais para que estes limitassem as atividades dos adeptos da referida "seita".

Também alguns Estados, pressionados pela reação da comunidade local, causado pelo próprio ativismo dos Testemunhas, acabaram editando leis que tinham como objetivo dificultar, limitar ou restringir as atividades dos adeptos dessa sociedade religiosa.

Como conseqüência dessas pretendidas restrições, os Testemunhas de Jeová bateram às portas da Suprema Corte Americana invocando, como razão da inconstitucionalidade de diversas leis que visavam dificultar ou restringir suas atividades, a cláusula da liberdade de religião inscrita na Primeira Emenda.

Deve-se referir que a jurisprudência da Suprema Corte Americana, inicialmente vacilante, culminou por prestigiar, na maioria das vezes, o direito consagrado na Primeira Emenda, e afirmou o direito das Testemunhas de "distribuir literatura religiosa, solicitar fundos e expor pacificamente suas opiniões". [32]

No célebre caso Cantwell v. Connecticut, alguns adeptos da Testemunha de Jeová haviam sido condenados por violarem lei estadual que proibia a solicitação de ajuda financeira sem licensa e por terem obrigado dois católicos a ouvir um disco contendo graves ofensas à Igreja Católica, o que constituiria incitamento à quebra da paz pública.

A Suprema Corte, por sua vez, ao reformar as condenações, fundou-se nas garantias das liberdades de religião e de expressão, fazendo, ainda, a distinção entre liberdade de crença e ação religiosa.

Firmou, a Suprema Corte, no referido caso, a orientação segundo a qual " A inibição constitucional de legislação em matéria religiosa tem duplo aspecto. De um lado, proíbe a coerção legal para a aceitação de qualquer credo ou prática de qualquer forma de cultos. As liberdades individuais de consciência e de aderir a qualquer organização religiosa ou forma de culto não podem ser restringidas pelas leis. De outro lado, é salvaguardado o livre exercício da forma escolhida de religião. Assim, a Emenda abrange dois conceitos: a liberdade de crença e a liberdade de ação. A primeira é absoluta, mas a segunda, naturalmente, não pode sê-lo". [33]

Numa posição vacilante, no entanto, a Suprema Corte, pouco mais tarde (1940), culminou por aceitar, com fundamento na presunção de constitucionalidade dos atos legislativos estaduais, lei do Estado a Pennsylvania que excluía das escolas os filhos de Testemunhas de Jeová, que, por sua crença, se recusassem a saudar a bandeira norte-americana. [34]

O acórdão, lavrado pelo Juiz Frankfurter (famoso por sua postura de defesa à restrição judicial), apoiou-se na alegação de que a unidade nacional era a base da segurança e a bandeira nacional o símbolo dessa unidade.

Vale frisar que ficou vencido, neste julgamento, o Justice Stone, para quem qualquer "intrusão vulgar da lei no domínio da consciência impunha à Corte maior responsabilidade que nos casos referentes ao controle da propriedade".

No que concerne à peculiaridade desse julgamento e às diversas reações por ele geradas, tanto na imprensa como no próprio seio da coletividade, interessantíssimo se revela o relato histórico, também fundado na obra de Alpheus T. Mason [35], feito pela Professora Lêda Boechat: [36]

"No dia da leitura do aresto, de acordo com entendimento verbal anterior, limitou-se, Frankfurter, a proclamar o resultado. Ao chegar a vez de Stone, conta Mason, este, inesperadamente, leu na íntegra, com emoção crescente, seu corajoso pronunciamento, fulminando de inconstitucionalidade a lei estadual, violadora da liberdade de religião. Foi profunda a impressão causada por esse voto. Grande parte da imprensa (171 dos jornais mais importantes) imediatamente condenou a decisão. Entre as inúmeras cartas recebidas por Stone, havia uma de Harold Laski: ‘Quero dizer-lhe quão acertada foi a sua opinião no caso educacional da Pennsylvania e, com grande pesar para mim, quão errônea penso ter sido a de Felix. Foi uma nobre decisão, nobremente escrita’. Mas a reação a ele, em certos setores, não foi menor, chegando a exigir uma organização de veteranos de Boston sua demissão.

Nem ficaria a repercussão desse julgado limitada a tais comentários e sugestões. A pretexto dela recrudesceu a intolerância religiosa, acompanhada de atos físicos de agressão (...). De 10 a 20 de junho de 1940 levaram-se ao conhecimento do Departamento de Justiça centenas de ataques às Testemunhas de Jeová. As populações das pequenas cidades e comunidades rurais puseram fim às suas reuniões, espancaram-nas e expulsaram-nas. Em alguns casos foi tal a violência que se considerou aconselhável a intervenção do Departamento Federal de Investigações (F.B.I) e o auxílio das Fôrças Estaduais.

Por outro lado, com as bênçãos do julgamento, diz o Professor Mason, exigiram as autoridades escolares com maior rigor a saudação à bandeira e diversos Tribunais inferiores trataram as crianças recalcitrantes, filhos de membros da seita, como delinqüentes, enviando-os aos reformatórios estaduais. .."

Esse precioso relato evidencia, de maneira minuciosa, a importância adquirida pela Suprema Corte como órgão regulador e fiscalizador da constitucionalidade dos atos estatais e a maneira como efetivamente repercutem, no meio social, as decisões por ela tomadas.

Três anos depois, reformou, a Suprema Corte, a jurisprudência fixada no caso Gobitis, [37] tendo declarado, em conseqüência, a inconstitucionalidade de lei estadual que exigia a saudação à bandeira.

Neste caso (West Virginia State Board of Education v. Barnette), fixou, o acórdão, na linha da doutrina da posição preferencial das liberdades civis, que "O direito de um Estado a regular, por exemplo, empresa de utilidade pública, pode incluir, considerando-se o teste do devido processo legal regular, o poder de impor todas as restrições adotadas pelo Legislativo numa ‘base razoável’. Mas as liberdades de palavra e de imprensa, de reunião e de crença não podem ser infringidas sob bases tão tênues. Só são suscetíveis de restrição para obstar perigo grave e imediato aos interesses que o Estado deva legalmente proteger".

Já em 1943, a Suprema Corte, também reformando decisão tomada no caso Jones v. Opelika entendeu, no julgamento do caso Murdock v. Pennsylvania, que a literatura distribuída pelos membros da seita tinha fins religiosos e não comerciais e, portanto, não poderia sofre tributação, tendo igualmente declarado inconstitucional, no caso Martin v. City of Struthers, lei local que se proibia fosse tocada a campainha para entrega, de porta em porta, de folhetos religiosos.

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Sobre a autora
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

advogada. professora de pós-graduação do IDP/LFG. mestra em direito e estado pela Universidade de São Paulo. membro da ABLIRC - ass. bras. de liberdade religiosa e cidadania

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A Suprema Corte americana e a defesa das liberdades públicas:: uma breve análise da jurisprudência firmada, em sede de revisão judicial, sobre os princípios da liberdade religiosa e da separação Estado/igreja. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 958, 16 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7976. Acesso em: 25 nov. 2024.

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