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Tem futuro a imputação objetiva?

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16/03/2006 às 00:00
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6. Outros modelos de imputação: FRISCH e PUPPE

            Desde o início do presente estudo, restou delineado que a imputação objetiva em sua moderna versão foi desenvolvida e construída com base nas concepções doutrinárias de CLAUS ROXIN e de GÜNTHER JAKOBS.

            Destarte, constata-se a existência de outros tantos modelos dogmáticos desenvolvidos por doutrinadores que aceitam e defendem os fundamentos da teoria da imputação objetiva.

            Tomando por base a escola alemã, precursora nos estudos sobe o tema, entendo como pertinente tecer algumas breves referências sobre a importância dos modelos alternativos desenvolvidos por INGEBORG PUPPE e por WOLFGANG FRISCH.

            O primeiro modelo, desenvolvido por PUPPE, é fruto de seus estudos que datam de quase duas décadas. Citada penalista alemã recentemente brindou o cenário jurídico-penal com sua excelente obra intitulada "Imputación objetiva. Presentada mediante casos ilustrativos de la jurisprudência de los altos tribunales"46, na qual trata a imputação objetiva da forma mais acertada, ou seja, através dos estudos de casos concretos julgados pelo Tribunal Federal Alemão(Bundesgerichthof – BGH) e por outros tribunais da Alemanha.

            A sistematização da imputação objetiva na concepção de PUPPE parte de um ponto que, segundo ela, a doutrina esqueceu quase que por completo: o conceito de resultado.

            Assim, preleciona GRECO apud PUPPE, que "o conceito de resultado é um conceito eminentemente jurídico, e, para o Direito Penal, que trabalha com lesões a bens jurídicos, ele não pode ser outro que não a modificação desfavorável de determinado objeto protegido pelo Direito".47

            Destacam-se os estudos de PUPPE no âmbito da imputação objetiva, vez que orientados a precisar os términos do conceito jurídico-penal de causa, porém, analisando a depuração dos critérios normativos em cuja virtude é possível relacionar a conduta do agente e o resultado lesivo.

            Em resumo, a linha de estudos de INGEBORG PUPPE se orienta ao estudo dos limites do normativismo, derivados da lógica, a linguagem e a realidade sobre a qual se projetam as concepções normativas.

            Outro modelo de destaque dentro do tema da imputação objetiva refere-se à doutrina de WOLFGANG FRISCH.

            Em seus estudos FRISCH apregoa que a teoria da imputação objetiva do resultado tem por objeto unicamente os pressupostos do nexo causal e de realização que deve existir entre o comportamento proibido e o resultado.

            Reserva ainda a expressão "imputação objetiva" exclusivamente para a imputação do resultado nos delitos de resultado.

            Nestes termos, a teoria da imputação objetiva tem por tarefa determinar em que consiste o desvalor do resultado, nos delitos de resultado.48

            WOLFGANG FRISCH destaca em sua doutrina a recusa à teoria do risco, vez que nos casos em que não se sabe se o comportamento conforme o direito impediria o resultado, não se pode dizer que estejam presentes as rationes da imputação do resultado49.


7. Críticas a teoria da imputação objetiva

            A moderna teoria da imputação objetiva, fundamentalmente, tem seu desenvolvimento no tipo objetivo dos delitos de resultado, onde se estabelecem determinadas exigências típicas objetivas que, em que pese a revolução que gerou no âmbito da tipicidade objetiva, supõem em certa medida uma volta às posições neokantianas combatidas antigamente por HANS WELZEL.

            Neste sentido as criticas dirigidas aos fundamentos da teoria da imputação objetiva procedem da teoria pessoal do injusto e se centram de forma especial no âmbito dos delitos dolosos, se bem que é certo que estas criticas não se derivam exclusivamente do finalismo.

            Parte da doutrina à exemplo de MIGUEL POLAINO NAVARRETE, criticam inclusive a denominação "teoria da imputação objetiva", em razão de sua inexatidão.

            Prossegue alegando que não mais que figuradamente se pode falar da existência de uma "teoria" da imputação objetiva, vez que o preferivelmente deveria denominar-se "doutrina" ou "corrente" da imputação objetiva.50

            Na mesma linha critica preconiza TORÍO LÓPEZ que "la llamada imputación objetiva presenta, en principio, una cierta fascinación lingüística".51

            Partindo da premissa de que a teoria da imputação objetiva vem alcançando vertiginosa aceitação doutrinária e um inusitado tratamento científico, e não somente no âmbito da dogmática jurídico-penal alemã, mas também junto a doutrina espanhola e de países da América do Sul, surgem severas criticas aos seus fundamentos.

            Dentre os doutrinadores adeptos do finalismo radical que se opõem ao desenvolvimento da teoria da imputação objetiva, destacam-se ARMIM KAUFMANN e HANS-JOACHIM HIRSCH, discípulos diretos de HANS WELZEL.

            HIRSCH embasa sua restrição à teoria da imputação objetiva, qualificando-a como uma teoria "criticável", pois utilizando-se de uma mesma e imprecisa denominação conceitual, agrupa em seu seio questões dogmáticas completamente diversas. Desde um ponto de vista sistemático, questiona-se citado doutrinador alemão acerca da bondade da notável doutrina da imputação objetiva, em cujo âmbito é preciso distinguir entre "culpabilidade" e "responsabilidade", isto é, entre "realização de um comportamento culpável" e "responsabilidade pela produção de um resultado".52

            Crítica interessante é feita por GIMBERNAT ORDEIG relativamente aos crimes culposos, vez que o agente se mantém dentro do risco permitido, não se devendo falar em imputação objetiva, vez que em tal hipótese, não existe culpa, já que o autor, atuando dentro do risco socialmente tolerado, não infringe, assim, o dever objetivo de cuidado, de sorte que não é necessário, para tanto, apelar à teoria da imputação objetiva.53

            Referida critica não coaduna com parte da doutrina que defende a imputação objetiva sob a ótica da teoria extensiva ou ampliativa, no tocante ao campo de aplicação da mesma, vez que de forma majoritária apregoa-se que referida instituição dogmática se aplicaria a todas as espécies de delito, tanto culposos quanto dolosos.

            Na doutrina brasileira já surgiram inúmeros críticos aos fundamentos da teoria da imputação objetiva. Cite-se à título de exemplo PAULO DE SOUZA QUEIROZ, quem inicialmente defendeu que "o surrealismo dos exemplos utilizados pelos adeptos da teoria da imputação objetiva põe de manifesto que seu âmbito de aplicação é reduzidíssimo, de sorte que, em razão do seu excessivo grau de abstração, constitui, em boa parte, pura especulação teórica, e, como tal, desprovida de maior transcedência".54

            Por fim, existem ainda partidários do finalismo que enxergam na teoria da imputação objetiva, uma via de acesso à insegurança jurídica no campo do Direito Penal55.


8. Conclusão

            Após este o estudo sobre os fundamentos da teoria da imputação objetiva, restam agora algumas ilações obtidas sobre o tema.

            Tem futuro a imputação objetiva?

            Fica claro que ganha o sistema penal moderno com a inserção da teoria da imputação objetiva, vez que a evolução da dogmática jurídico-penal deve se adequar as constantes mudanças no cotidiano social, operadas pelo avanço da tecnologia e de outras atividades criadores de condutas perigosas.

            São inúmeras as vantagens a serem inseridas no direito penal em razão da adoção da teoria da imputação objetiva. De início, cumpre ressaltar o avanço a ser alcançado pelo sistema criminal ao extirpar da dogmática penal, a aplicação incoerente e falha da teoria da equivalência dos antecedentes, pela qual se estabelece o critério identificador da vinculação existente entre a conduta e o resultado, utilizando-se de fórmula de inspiração nitidamente autoritária.

            Permite ex ante, que se possa averiguar, examinar, condutas perigosas que já podem ser avaliadas antes da apreciação judicial.

            Pela adoção da imputação objetiva, poderão ser resolvidos de forma mais rápida e objetiva as complexas questões atinentes ao crime omissivo, ao crime culposo, a tentativa e a participação.

            Fornece a imputação objetiva ao Ministério Público a possibilidade de operar com o incremento do risco, o princípio da confiança e a proibição de regresso.

            A imputação objetiva oriunda de uma linha metodológica oposta à do finalismo, face aos seus princípios norteadores, busca a auxiliar a função básica da dogmática penal que é proporcionar ao juiz critérios seguros e precisos para a prestação jurisdicional.

            Resta claro que a teoria da imputação objetiva que busca aprender o sentido do comportamento típico e delimitar o alcance dos tipos de injusto, não é de forma alguma incompatível com os postulados e a sistemática defendidos por WELZEL em seu sistema finalista.

            Deverá, portanto, respeitar a estrutura ontológica da ação finalista, definida como uma unidade configurada por elementos objetivos e subjetivos.

            Destarte, não é tudo absurdo afirmar que o sistema de HANS WELZEL, denominado finalismo, tenha sido uma dos precursores da moderna teoria da imputação objetiva.

            Dentre as críticas endereçadas à imputação objetiva, destaca-se àquela no sentido de que os exemplos citados em doutrina são fruto da imaginação dos doutrinadores, portanto, exemplos utópicos. Referida assertiva não procede, vez que a contraposição à referida crítica pode ser observada quando da leitura da recente obra editada por INGEBORG PUPPE56, onde são analisados casos verídicos julgados pelos altos tribunais da Alemanha com a utilização dos critérios teóricos da teoria da imputação objetiva.

            No mesmo sentido, os inúmeros julgados citados por MARÍA ÁNGELES RUEDA MARTIN em sua obra, relativos a casos concretos decididos recentemente pelo Tribunal Supremo da Espanha57.

            No Brasil, de forma tímida, alguns Tribunais tem aplicado a teoria da imputação objetiva.

            Dentre os modelos dogmáticos que surgiram dentro do tema da imputação objetiva, deve ser reconhecido o de JAKOBS como sendo o mais inovador, polêmico, porém, de profunda base metodológica.

            Porém, observa-se que a maioria dos doutrinadores brasileiros que adotam a teoria da imputação objetiva, filiam-se a corrente dogmática firmada por CLAUS ROXIN, com forte influência das bases de um funcionalismo moderado e voltado a um Direito Penal interligado de forma direta e claro à política criminal.

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            Em síntese, a teoria da imputação objetiva embora a priori apresente destacável consistência jurídico-penal, carece ainda de maior reflexão por parte da doutrina, em especial a brasileira, visando com isso, a corrigir algumas falhas metodológicas apresentadas por tal modelo alternativo de imputação, as quais se transformaram em fortes críticas formuladas por seus opositores.

            É esperar e apostar no amadurecimento da "nova" idéia pela dogmática jurídico-penal, marcada ao longo de sua trajetória pelas inoculares propostas de renovação dos conceitos já firmados no Direito Penal.


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Sobre o autor
Flávio Cardoso Pereira

promotor de Justiça em Goiás, pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Flávio Cardoso. Tem futuro a imputação objetiva?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 988, 16 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8109. Acesso em: 23 abr. 2024.

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