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A intervenção militar na presidência da República.

"Golpe Branco", Via Prussiana, "nova" fase do bonapartismo atiçado pela Guerra Híbrida

13/04/2020 às 18:49
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Trata-se de uma hipótese analítica a posteriori à intervenção militar, em 2020: presidência operacional. Hipótese, não conclusão, político-jurídica. Este é um caso claro da prevalência da “lei do mais forte” sobre os Princípios do Direito.

A premissa do texto é que Bolsonaro e todos nós sofremos uma intervenção militar (Gen. Braga Neto é o "presidente operacional"), e dentre outras coisas foi por isso que o ministro da saúde - favorável ao isolamento - não foi demitido.

O disparate na forma de esvaziar o isolamento, sem rumo diante da pandemia e da economia decaindo - antes do COVID-19 -, os xingamentos dirigidos à China, os desatinos diários (hoje não dá mais coletivas de imprensa), dentre tantas outras, teriam motivado a intervenção militar no presidente que sofria ameaça de interdição civil: a própria OAB se movia neste sentido, sem contar que propôs pedido de impedimento constitucional.

Também sabemos plenamente que o bolsonarismo tem no presidente seu espelho, sua revelação de irmandade no caráter e na identidade psicossocial: Psicopatia, Sociopatia. Um tipo de identificação para lá de ser "saudosa dos tempos da ditadura", uma vez que o bolsonarismo não se identifica com os próprios generais – e mesmo que milhões desejem hoje em dia uma ação “manu militari”, no estilo de quartelada.

No entanto, a maneira como as redes bolsonaristas (bots, mas não só) tratam o vice-presidente é apenas um exemplo de que o real espelho é o empossado e não propriamente os militares.

As manifestações estapafúrdias, espirrando e cumprimentando pessoas na farmácia não acabaram na sequência da intervenção militar, é verdade. O que reforça o quadro patológico do fascismo eriçado no país; em outro exemplo uma moça segura um cartaz dizendo: "vem em mim COVID-19".

Sem dúvida alguma, trata-se de profunda irracionalidade, insanidade, descrença na ciência e na razão mínima - todos traços claros do fascismo. Isso parece bem evidente, ainda que o bolsonarismo se alimente da "descrença à obviedade". A gripezinha, neste senso comum fascista, não mata e foi, em seu devaneio, criada pela esquerda. A gripe é um tipo de arma comunista, na perspectiva do bolsonarismo. Tudo isso é sabido.

Porém, a indagação que se pode fazer agora é simples: a intervenção militar, decretada sobre a presidência empossada em 2018, não teria surtido o efeito de diminuir a alucinação e o enfrentamento à ciência que manda ficar em casa?

Devemos recordar que essa "junta militar" se articulou sob a inspeção de quatro estrelas e o recado parecia claro desde o início: organizar um comitê de gestão de crise. O que é bem conhecido pelos militares. E qual é, há muito tempo, a pior crise provocada pelo fascismo no país?

Trata-se da criação de um caos, com base na desinformação e no desvio do foco, para melhor dominar. Isto também sempre esteve claro, desde que Jesus pousou na goiabeira. Mas, o que fazer se o caos saísse totalmente do controle de quem o patrocinou?

As respostas estavam na mesa palaciana: renúncia, impedimento constitucional, afastamento do cargo público e interdição civil. A saída, que cobrasse a menor dívida possível aos militares que criaram o bolsonarismo, teria sido encontrada neste “golpe branco”, nesta forma "sutil" de intervenção militar – entre o bonapartismo militarizado e a via prussiana: em suma, um golpe dentro de outro golpe.

A hipótese, não conclusão, é de que o fascismo absolutamente irracional teria alçado os píncaros do desastre social - com o fim por completo do isolamento -, sem a tal intervenção militar. Ou seja, até este momento, a intervenção militar teria logrado o êxito a que se propôs: trazer ou manter alguma "racionalidade à dominação fascista"?

Por dominação fascista, com alguma racionalidade, entende-se assegurar formas mínimas de controle social em meio à total desordem e ao caos movido pela irracionalidade fascista. E para vermos isto basta imaginar o que os militares poderiam fazer se os caminhões do exército fossem usados para transportar cadáveres do vírus.

Não que isto não possa acontecer com a chegada do pico de manifestação do novo corona, pode sim, se a curva de contágio tiver semelhanças com outros países. No entanto, sem o isolamento - ainda mantido pela intervenção militar -, será que não faltariam caminhões militares para transportar tantos cadáveres civis?

E a própria tropa envolvida não seria abatida pelo vírus? Aparentemente os militares fizeram uma conta de poder: primeiro subtraíram (o presidente em exercício) para depois acumular. A questão que se coloca a seguir também é simples: os militares garantiram o controle do poder e associam isto a um acréscimo de poder, pois trocaram um capitão por alguns generais. No entanto, quando somamos o que já temos, o resultado é uma soma-zero.

Afinal, nada mudou, não se agregou valor, e o fascismo continua completamente irascível, vale dizer fora de controle. Este controle da irracionalidade, por sua vez, é impossível, uma vez que funciona como um tipo de moto-contínuo: fascismo + caos irracional.

Portanto, a questão é saber como se dará a “gestão da crise”, no comando dos generais e sob os marcos do fascismo irracional – como gerir a crise irracional do poder, se é precisamente esse caos, criado pela irracionalidade, que criou a tomada de poder em 2016 e que se sufragou em 2018!?

Como dominar o caos, racionalmente, se é precisamente o caos que garante esta forma de governo?

Como organizar uma dominação racional fascista (quanto aos meios), em grave ascendente de desorganização sistêmica, sem despossuir o poder do mesmo caos fascista que lhe deu origem, isto é, sem rever os fins?

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Como desativar o caos fascista sem desconstituir o próprio bolsonarismo, sua base de sustentação política e social?

Como disse outra alta patente: “é o maior desafio de nossa geração”. Desafio deles, não meu, porque segue sagrado o mandamento: “Quem pariu Mateus que o embale”.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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