BOLSONARISMO: NEGACIONISTAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

16/04/2020 às 18:30
Leia nesta página:

• Exemplo medular do imoral negacionismo jurídico.

• O que, como e com quem, faremos o desmonte do maior processo de negação de nossa história?
• Que história iremos contar e construir?
Se o Direito, trazido pela isonomia, é equiparador, um “medium” para a Justiça, logo, o Direito não pode excluir. Por derivação lógica (isonomia + equidade), o Direito não pode ser utilizado como negatividade da dignidade humana. Assim, se algum processo político-jurídico é excludente, negacionista da dignidade humana, sua natureza jurídica será negativa.
Isto é, se o bolsonarismo caminha pela negação do Direito (positivo, pela excelência dos Princípios Gerais do Direito e da Ética), a natureza jurídica negativa do bolsonarismo nos endereça aos campos do não-Direito, próprios da opressão, como meio oportunista do Estado de Exceção e do fascismo.
O bolsonarismo é racista, machista, elitista, homofóbico e xenófobo, isto é, assimila largamente e secreta entre as mulheres, os negros, os homossexuais, os mais pobres, a mais completa negação dos seus próprios direitos fundamentais; então, a chave está em saber – para poder reverter – como os mais atingidos pela negação do Direito admitem, placidamente, para si e para o Outro, a mais completa negação do Direito.
Que a mídia oficial tenha parcela gigantesca de culpa é óbvio, porém, se essa mesma mídia oficial se coloca contra o bolsonarismo e a negação mais veemente dos direitos constitucionais fundamentais, e é atacada pelo mesmo bolsonarismo privado de direitos, das duas uma: ou a lavagem cerebral é irreversível ou a culpa maior reside em outra dimensão de espaço/tempo.
O óbvio, parece a muitos, é o que e quem estaria por trás do bolsonarismo: o mercado, os interesses do Império, o escravismo recalcitrante? Contudo, o bolsonarismo seria mera correia de transmissão, reprodução, de interesses adversos a si mesmo? Por óbvio que, dotado de um mínimo de consciência, o povo não iria idolatrar o seu maior algoz. Quando se trata de vida ou morte, ninguém ironiza com seu “Malvado favorito”.
Por conseguinte, por piores que sejam os interesses movediços do bolsonarismo, o movimento expressa valores, crenças e interesses, internacionalizados e internalizados, como também partilha seu escravismo, sem pudor, incutido na alma do “povo gentil” – e o faz acriticamente. Não se faz o pior por “apenas” desconhecer, especialmente, se esse pior detona os próprios agentes mais carentes de direitos.
Aprende-se desde logo a negar prontamente a lógica inclusiva e assim se reforçam as negatividades, aprende-se a negar que “menos exclusão com menos negação, invariavelmente, deve resultar em mais inclusão”. Aprende-se a negar o princípio da inclusão, como positivo, porque desde sempre dentre nós impera uma dialética negativa perversa.
Não se trata “somente” de negação ao Direito, pois, muito mais profundo do que isso, retoma-se diuturnamente a forma de negação de si, dos mesmos, do Outro, em total adesão e complacência à regra do “quanto pior, melhor”, para si mesmo. Como é que se nega, a si mesmo, com total desprendimento e adoração?
O que temos que aprender com o Mágico de Óz?
Certamente, a resposta não se esconde tão-somente num determinado modelo econômico ou forma-Estado (fascista), até porque nem todo o Poder Político (contaminado) – a contabilizarmos todos servidores públicos que defenestram em seu dia a dia funcional o fascismo institucionalizado – é alinhado ao bolsonarismo.
Se o modelo econômico fosse o recorte de tudo, a começar das mais graves e intestinas crises capitalistas, como em 2008-2009, ali o “fascio” fascista teria uma bandeira soberbamente aberta, estridente para embolsar as massas adeptas das “saídas pelo fascismo”.
Não que o “fascio” não estivesse ali presente, estava, porém, foi preciso esperar por mais oito anos (2016) – muito claro no togado “feixe de varas” – para se empoderarem e, em seguida, mais dois anos para se apossarem de todo o poder funcional do país (2018).
Não é à toa que, mesmo após ser declarada a catástrofe mundial da COVID-19, como pandemia, no país segue soberano o bolsonarismo. Sua luta é por soberania do poder, o que implica em intestina luta por homogeneidade e legitimidade – especialmente se o isolamento do(a) trabalhador(a) retrair o mercado.
Portanto, a questão nos persegue: como reverter esse processo, se os três poderes pactuaram para a ascensão do poderio de todos os capitães do mato, dos mais simples aos já mais emponderados?
Como mitigar os poderes dos capitães do mato, se as próprias instituições os impulsionaram do passado direto ao presente? Permanece como questão histórica: o que fazer, como e com quem?
Na Modernidade Tardia nacional, obviamente muito mais pregressa e regressiva, como um tipo de ficção ou sátira do Marquês de Sade, o passado não só nos assombra como relembra as cores nacionais.
O verde e amarelo de quem tem sinal aberto (verde) para vilipendiar e o outro sinal, dirigido àqueles que sofrem de um “amarelão”, um apagão moral, e assim refugam o dever de combater o fascismo.
Quantos anos teremos pela frente, para retomar o caminho do Direito, por mínimo que seja (isonomia + equidade), 20, 30 anos? E depois, caso isso ocorra, o que terá sido feito das bases culturais, funcionais e políticas (morais) que alimentam o bolsonarismo, desde os 500 anos de negação, escravidão, exclusão? Como convencer os capitães do mato que seu passado é longínquo e lá deve permanecer?
Parece, assim, que os capitães do mato têm muito a explicar, de acordo com o que reportam ao fascismo e ao bolsonarismo, ou, em outras palavras, isto quer dizer que a tarefa de desconstrução é muito mais difícil, porque se encontra nas raias da formação social brasileira. O bolsonarismo significa a ascensão ao poder de todos os capitães do mato, em luta ativa contra os capitães de areia, diria Jorge Amado.
Este profundo processo de entrechoque cultural, mirando a legitimação de um poder retrógrado e articulado nos três poderes – na forma perfeita de um Cesarismo Trágico, porque só provoca tragédias aos mais pobres e excluídos de tudo – não tem data para refluir. Do mesmo modo que gestou séculos para o advento final, na posse de 2018.
O bolsonarismo não nega “apenas” direitos – a si e aos outros –, o que seria gravíssimo, mas, de algum modo, por pior que fosse, isto poderia ser revertido pela ação do próprio Poder Judiciário. Ações intempestivas do STF, já sob ataque de cabos e soldados, ilustram isso.
O mais greve, neste caso, encontra-se na negação dos princípios dirigentes do Direito, posto que aí não se abala apenas o Estado de Direito – fato hediondo, sem dúvida –, entretanto, muito pior do que isso, desloca-se o Direito como princípio ativo (em revés à violência e à exclusão) do núcleo do Processo Civilizatório.
Em suma, tanto o fascismo quanto o bolsonarismo – como sua expressão – são processos negativos que negam a tudo e a todos, e todas, que possam inviabilizar a negatividade de suas ações e que sejam afirmativos no respeito à dignidade humana.
Por fim, vê-se claramente que a referência (i)legal do bolsonarismo se equilibra em uma natureza jurídica negativa e perversa. E o exemplo mais óbvio disto está na negação dos direitos fundamentais individuais e sociais com absoluta naturalidade, como se fosse um ótimo, uma otimização – para além do positivo –, mergulhar, imiscuir-se em tudo que é nefasto, corrosivo, inoculador do Mal, secretando-se toda forma de sadismo.
Uma das condições do bolsonarismo – em equiparação à fase fascista do Estado de Exceção – é, precisamente, naturalizar a negação, naturalizando-se as exceções (“aplique-se o Direito quando der”: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei), adotando-se o absurdo como regular e necessário.
Enfim, reverter esse processo, desconstituir a negação como positividade, afirmar-se a inclusão – por si a melhor obstrução aos processos de negação – como remédio político-jurídico da negação da negação, ou seja, negar a desigualdade como “dom natural”, é disso que trata a tarefa que se nos coloca com regime de urgência-urgentíssima.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos