O BOLSONARISMO APÓS BOLSONARO

O aspecto viral da pandemia e a viralização ideológica.

19/04/2020 às 07:22
Leia nesta página:

• A martirização política: entre o filme O Poço e a série Corvos – Violência do EI, e Nero e a onda de autoinfecção pelo novo corona vírus. • A onda de disseminação do desconhecimento que virou uma seita em crescimento exponencial.

Bolsonaro vai partir em breve da cena política, a pandemia será controlada – mesmo com o enorme estrago que vier a provocar –, mas a questão real é saber que, por aqui, o bolsonarismo seguirá nas ruas, na política, no trabalho, nas famílias, como movimento político e força social.
Se em nada crescer, seu volume já é assustador: 1/3 do eleitorado, de 15 a 20 milhões de seguidores. O que fazer com essa massa política de 15 ou 20 milhões de pessoas que seguem firmes como Testemunhas do Messias? E, talvez o pior, o que fazer se seguem se vangloriando de serem analfabetas, embrutecidas, ignóbeis, a ponto de pedirem para serem contaminadas?
O bolsonarismo é tão entranhado, estranho, que tem presença muito maior nas tropas, até à primeira dobra de comando, que entre as elites, os comandantes. Esses comandantes, por sua vez, tentam promover um governo teleguiado por meio de sua “presidência operacional”, mas esbarram no enorme apego que o presidente empossado tem entre os praças.
Isto vale tanto para as forças armadas quanto para as polícias em geral, especialmente, a Polícia Militar. Ou seja, é uma força política pronta para desobedecer comandos, quebrando a ordem funcional e a hierarquia.
 No seu montante civil – que não desobriga militares engajados na “desrazão” –, muitos chegam a perseguir pesquisadores e cientistas que não confirmam ou negam (cientificamente) as receitas miraculosas do Messias do mercado. Pois, se os médicos acusam haver falta de provas científicas ou se preparam para o diagnóstico da fraude na saúde pública, obviamente, serão reportados como inimigos do bolsonarismo .
O bolsonarismo é herdeiro de Unabomber, porém, sem sequer dominar a clareza daquele que, quixotescamente, empunhava bombas contra a sociedade artificial do século XX. Um saudosismo de eras curandeiras, de todo modo, nos atinge na menor racionalidade da vida civil ou pública. O mantra dentre nós, em parceria com o ISIS (Estado Islâmico) é, obviamente, “se Deus quiser”.
Os que doarão os 600 reais de seguro emergencial como dízimo, na pandemia, não esperam outra coisa senão o paraíso do capital na Meca do consumismo. Ocorre a mesma reza: forçar e expor as dores da consciência, como se fossem horrores, para em seguida ofertar o mel da ignorância em prato de complacência palatável – especialmente aderente nos gostos menos refinados e mal tratados pela fome secular e perversa.
O corvo líder do ISIS dirá: “o que causa metade da doença é o medo”. A guerra segue a mesma lógica, pondo medo no “coração” do inimigo, para depois recitar: “estamos à frente dos outros exércitos por causa de nossa selvageria, matança, massacre e execução”, isto é, “mídia e propaganda”. Aqui, lembremos que todos se identificam nas máximas do realismo político: amigo ou inimigo; a guerra é a continuação da política (e vice-versa, no amplo processo de contaminação).
Em todos esses processos, “tudo o que acontece ao crente é bom”, “a morte é apenas um martírio”, “sua derrota é um teste” a caminho da salvação no Paraíso. Em todas essas batalhas políticas e militares estará presente uma perífrase religiosa ditada pelo corvo líder: “a morte é maravilhosa”, “é a morte que dá prazer”. O lema fascista “viva a morte” não será uma compulsão isolada; ao contrário, será idolatrada, como o sujeito que pede para contrair a COVID-19.
Em comum, todos advogam a integridade como essência de sua totalidade, o medo é sua melhor arma, e outra composição assemelhada, considerável, é fato de o bolsonarismo também ser aliciado por robôs digitais (bots), bem como assediar com hackers profissionais. O ISIS fez e faz o mesmo percurso entre o analógico e o digital.
 Sob a política de costumes, o casamento ou servirá à procriação ou deverá “imunizar” os combatentes. Além desse compasso estará o pecado venial, a mais grave ofensa à integridade.
Em todos os sentidos dessas vidas comuns, esvaziadas de autonomia, aterrorizar é o que irá impactar mais rapidamente. De Nero a Hitler, “os corações são como cadeados” e precisam de chaves próprias para serem abertos, a fim de não mais “rejeitarem a humilhação”.
Para o Unabomber do século XX o caminho estava no que a natureza reservasse – “aceitar a vida primitiva”, este era o objetivo político –; porém, para o Unabomber do século XXI (apelidado de mínion), são as riquezas e a desinteligência que o capital possa entregar. Outro caminho, como dogma, é forçar a memorização do que não se entende.
Portanto, não será coincidência a associação de O Poço, filme, com a série Corvos – Violência do EI, ambos da Netflix –, além de Nero (o fogo na Amazônia), Mussolini e Hitler; pois, trata-se do fosso sem fim e ávido por devorar todas as consciências a sua frente.
Um fosso é sistêmico, o outro é o estrato (substrato, chorume) da desumanização mais brutal conhecida: Cinderela foi declarada pervertida. Ironicamente, podemos chamar de os mínions do Estado Islâmico. Em outra ironia, todos querem se livrar dos liberais, especialmente, para que atue uma política e uma polícia dos costumes. Por aqui não será diferente, quando se propõe a censura aos meios de comunicação.
Como reverter esta seita que se mantém por meio de um gigantesco apelo às práticas dissociativas, “primitivismo”, e que se projeta em fluxo político contínuo? É possível converter um fascista, em democrata?
Por enquanto, a consciência política é um luxo e segue em luto. As mentiras são tão grandes que se tornaram maiores do que a vida miserável, insignificante de seus seguidores .
Todavia, se até no interior do nazi-fascismo clássico, no Kmer Vermelho e no ISIS houve e há “negadores”, arrependidos e resistência, é de se esperar que entre o bolsonarismo também as fileiras se estremeçam de alguma forma – ou simplesmente percam no jogo político empossado em 2018.
 

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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