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Crianças e adolescentes em situação de risco e suas relações com a instituição Conselho Tutelar

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12/04/2006 às 00:00
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Conclusões

A análise das questões que envolvem a permanência de crianças e adolescentes em situação de risco em nossa sociedade remete inicialmente à discussão em torno do contexto sócio-econômico-político do país. Mesmo não tendo por objeto a crítica destes aspectos, não há como desconsiderar o determinismo exercido por fatores como o desemprego ou subemprego dos pais ou responsáveis na situação em que se encontra a grande maioria da população em estudo. Em razão disso, as intervenções governamentais ou não governamentais tendentes a solucionar tais problemas esbarram na complicada realidade que nos cerca. A exclusão social gerada pela má distribuição da renda é perpetuada a cada nova geração, ampliando-se o contingente de necessitados.

Urge que sejam tomadas medidas no intuito de amenizar esta realidade, consubstanciadas em políticas e programas de inclusão social, ampliando-se as chances de pais ou responsáveis proverem o sustento e desenvolvimento digno de seus filhos ou pupilos. Não adianta o Conselho Tutelar convocar os pais/responsáveis para que cumpram seu poder-dever de cuidar dos filhos/pupilos, quando não há condições financeiras mínimas para isso.

Com o advento da Carta da República de 88, viabilizado pelo momento de abertura política que caracterizou a volta ao Estado Democrático de Direito, foi instituída no ordenamento jurídico pátrio a Doutrina da Proteção Integral criada pela Convenção Internacional de Direitos da Criança. Apesar de ser, reconhecidamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente uma das leis mais avançadas do mundo na matéria, encontra-se várias dificuldades práticas (além da já citada exclusão social) para a tutela dos direitos atinentes à crianças e adolescentes em situação de risco.

As medidas de proteção dispostas no artigo 101 do ECA não têm caráter coercitivo, concebendo seus tutelados como seres em desenvolvimento, para os quais não devem ser dirigidas restrições e punições, visando, ao contrário, evitar que eles sejam atingidos em seus direitos fundamentais por atitudes dos pais/responsáveis ou do próprio Estado. Consubstanciam-se em providências a serem tomadas pela autoridade competente, ou seja, pelo Juiz da Infância e Juventude, Promotor ou Conselheiro Tutelar. Porém, com o aumento da violência urbana detectada nos dias atuais, existe uma tendência a se considerar que a legislação esteja permissiva demais e que a menoridade penal deva ser diminuída. Tal iniciativa levaria a que mais precocemente fossem adolescentes infratores levados aos rigores do Código Penal, sem resolver o problema básico que leva a maioria dos jovens marginalizados a se excluírem de uma sociedade que não os prepara para vida em seu seio.

Embora a família seja o ambiente ideal para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, o Estado deve estar habilitado para suprir as suas necessidades, caso os pais ou responsáveis estejam temporariamente impossibilitados de fazê-lo. O atendimento a esta população mediante estrutura de rede locais de serviços, conforme já abordado, é dever do Estado, de forma a assegurar a todas as crianças e adolescentes o exercício de seus direitos fundamentais, como se depreende do próprio texto constitucional. Este atendimento deve estar apto a incentivar o retorno da criança ou adolescente ao convívio familiar originário ou substituto, conforme determinação do Estatuto.

A distância entre o discurso legal e as práticas desenvolvidas nos atendimentos tem sido alvo de muitas críticas daqueles que se preocupam com a questão do abandono social na infância. A desarticulação entre as entidades, bem como as políticas municipais sucessivas sem continuidade tem sido apontadas como fatores de inviabilização da consolidação e crescimento de programas governamentais, juntamente como a escassez de recursos financeiros e técnicos.

O Conselho Tutelar, enquanto órgão de ligação entre a população e a prestação de serviços públicos voltados para crianças e adolescentes, reflete em suas ações a precariedade de recursos financeiros e técnicos providos pelos municípios para a realização de um bom trabalho.

Urge buscar-se alternativas de enfrentamento dessas questões por parte de toda a sociedade, apontando-se caminhos para a diminuição das desigualdades sócio-educativas, o que poderá levar a uma melhoria na qualidade de vida desses meninos e meninas, visando à diminuição de casos de morte violenta ligados, em sua maioria, ao tráfico de drogas, o que geraria, no futuro, resposta menos trágica nas estatísticas e mais humana na convivência social dos que habitam este país. Tem-se notícias de que várias empresas vêm conscientizando-se da importância de suas atuações nas áreas ambientais e sócio-culturais, imbuindo-se de Responsabilidade Social, como forma de construção de um país melhor, sob pena de inviabilizar-se seus próprios investimentos. Mas não em quantidade suficiente para abarcar a solução dos problemas existentes. É oportuno lembrar o velho ditado chinês: a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.

A sociedade enquanto titular da dívida social geradora de obrigações e responsabilidade social deve ser acionada no sentido da melhoria da qualidade de vida dos necessitados e, por conseguinte, de todos os seus membros. É certo que tal visão empresarial há de ser incentivada pelo Poder Público e pela sociedade como um todo. Vê-se aí, o sentido da inclusão da sociedade como promotora dos direitos insculpidos no artigo 227 da CF/88 e em muitos outros.

A realidade violenta dos tempos atuais mostra-se implacável com os caminhos seguidos pela nossa sociedade. Privilegia-se o individualismo e o elitismo em detrimento da igualdade e da fraternidade. Nossa história mostra que esses sentimentos forjaram-se desde os tempos da economia agrária baseada na escravidão. Em forma de exclusão social ainda tem-se na sociedade contemporânea tal ranço, consubstanciada na má distribuição de renda e na ganância pelos lucros. Tudo isso sem falar no descaso dos agentes públicos que seguem os mesmos parâmetros discriminatórios, em total afronta aos ditames legais. Os princípios constitucionais e as normas constantes do ordenamento jurídico brasileiro restam, em sua grande maioria, letras mortas, frente às práticas correntes na sociedade.

No tocante à infância e adolescência, não obstante o louvável esforço de alguns, resulta para grande parte dos menores em situação de risco pessoal/social, ser mais atrativo vagar pelas ruas do que estar em um abrigo, o que sinaliza os desacertos ainda hoje presentes no atendimento dessas crianças e adolescentes. Nesse contexto, a instituição Conselho Tutelar, mostra-se ainda incipiente em relação ao que objetiva o ECA.


Referências

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Notas

1 O art. 227 da Constituição Federal de 88 reza: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

2 SILVA, José A. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.p. 92/93.

3 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 3.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p.468.

4 Id., ibid., p. 467

5 SILVA, Roberto. A Construção da Estatuto da Criança e do Adolescente . In: Âmbito Jurídico, ago/01 Disponível em https://www.ambito-juridico.com.br/aj/eca0008.htm. Acesso em : 06 março 2005.

6 O ambiente político da década de vinte caracterizou-se pelo crescente descontentamento social frente ao tradicional sistema oligárquico que dominava o país. Com a queda abrupta do preço do café desencadeou-se grave crise econômica, instalando-se o Estado Novo no governo de Getúlio Vargas em 1930.

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7 Id., ibid.

8 O contexto político que ensejou a Política Nacional do Bem Estar de crianças e adolescentes foi a ditadura militar que permaneceu no poder de 31 de março de 1964 até 1985. Na ocasião, o golpe militar derrubou o presidente eleito João Goulart assumindo a Presidência da República o Marechal Castelo Branco.

9 GUATARRI, F. As Três Ecologias. São Paulo: Papirus, 1990, p. 30/31.

10 SILVA, R, op. cit.

11 Nos termos de José dos Santos Carvalho Filho, O Princípio da Publicidade indica que "os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem." (Manual de Direito Administrativo, 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p.17.

12 CAVALIERI FILHO, S. Programa de Sociologia Jurídica. Você Conhece?.Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.92/93.

13 PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.

14 FLAVELL, John H. A Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget.São Paulo: Pioneira, 1975 p.01/02.

15 Nas palavras do autor: "da mesma maneira que um corpo está em evolução até atingir um nível relativamente estável, caracterizado pela conclusão do crescimento e pela maturidade dos órgãos, também a vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final, representada pelo espírito adulto. O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Assim, do ponto de vista da inteligência, é fácil se opor à instabilidade e incoerência relativas das idéias infantis à sistematização de raciocínio adulto. No campo da vida afetiva, notou-se, muitas vezes, quanto o equilíbrio dos sentimentos aumenta com a idade. E, finalmente, também nas relações sociais obedecem à mesma lei de estabilização gradual. Na realidade, a tendência mais profunda de toda atividade humana é a marcha para o equilíbrio. É a razão que exprime as formas superiores deste equilíbrio, reúne nela a inteligência e a afetividade". Informa,ainda, o autor que a acuidade visual, por exemplo, atinge um máximo no fim da infância, diminuindo em seguida; [... ao contrário, as funções superiores da inteligência e da afetividade tendem a um "equilíbrio móvel", isto é, quanto mais estáveis, mais haverá mobilidade, pois, nas almas sadias, o fim do crescimento não determina de modo algum o começo da decadência, mas, sim, autoriza um progresso espiritual que nada possui de contraditório com o equilíbrio interior".

16 LEPRE, Rita Melissa. Adolescência e a construção da identidade. Artigo publicado no site do Instituto Brasileiro de Estudos Sociais(IBES). Disponível em : . Acesso em 09 setembro 2005.

17 MEDEIROS, Marcelo e Outros – Aspectos da assistência prestada a crianças e adolescentes em situação de rua no Município de Goiânia. Revista Eletrônica de Enfermagem (on line), Goiânia, v.3,n.1,jul-dez 2000 – Disponível em <https://www.fen.ufq.br/revista/revista.html>. Acesso em 07 setembro 2005.

18 MINISTÉRIO DO TRABALHO- Trabalho Infantil no Brasil: Questões e Políticas . Disponível em https://ww.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABINI.HTM. Acesso em 11 abril 2004.

19 Sander, Glaucia - Mudar é preciso: a importância dos Conselhos. Disponível em: <https://www.rebidia.org.br/boletim/bolet06.html>. Acesso em 23 outubro 2005.

20 A RISolidária é uma iniciativa da Fundação Telefônica da Espanha que tem como objetivo fortalecer as entidades da sociedade civil através da promoção dos agentes sociais e do desenvolvimento do trabalho em rede. Projeto de abrangência internacional, o portal RISolidária possui uma plataforma tecnológica comum a países onde a Fundação atua: Brasil, Chile, Peru, Argentina e Espanha. No Brasil, a RISolidária nasceu de uma parceria com o CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor visando adaptar o projeto à realidade do país e à diversidade de suas entidades, de modo a não se sobrepor ao que já existe e contribuir efetivamente.

21 Id., ibid.

22 Id., ibid.

23 Id., ibid.

24 Id., ibid.

25 Id., ibid.

26 Id., ibid.

27 Sander, op.cit.

28 Id., ibid.

29 Id., ibid.

30 Id., ibid.

31 Id., ibid.

32 Id., ibid.

33 Id., ibid.

34 Entrevista com o Pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa – disponível em: <https://www.risolidaria.org.br/vivalei/biblioteca/view_livro.jsp?|v=200404160010> Acesso em 22 outubro 2005.

35 Id., ibid..

36 O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA:OS ABRIGOS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL. Disponível em <https://www.fomezero.gov.br/download/ipea_abrigos_13042005.pdf>. Acesso em 22 outubro 2005.

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Sobre a autora
Maria de Fátima Nunes Molaib

servidora pública no Rio de Janeiro (RJ), bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLAIB, Maria Fátima Nunes. Crianças e adolescentes em situação de risco e suas relações com a instituição Conselho Tutelar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1015, 12 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8231. Acesso em: 26 abr. 2024.

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