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O exame de ordem é, sim, constitucional

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Ao argumento básico de que a Constituição Federal proclama a liberdade do exercício da atividade profissional, há quem ainda sustente a inconstitucionalidade do Exame de Ordem.

Evidente, porém, o equívoco.

Não bastasse já estar devidamente rechaçado o argumento, sob o fundamento de que a exigência do Exame de Ordem, como condição para o exercício da profissão, encontra respaldo exatamente na Constituição Federal, precisamente no art. 5º, XIII, c.c. o art. 22, XVI, a constitucionalidade da exigência em foco pode ser demonstrada sob outra ótica, a partir da premissa incontestável de que o advogado exerce função pública.

Com efeito, cediço que a Constituição Federal reconheceu a missão pública voltada para a distribuição de Justiça que o advogado sempre exerceu, desde a sua origem, lembrada por Michel Temer, que explica: ad-vocatus é aquele que é chamado (segundo sua fonte léxica). "Chamado para encaminhar as razões das partes litigantes, com o objetivo de bem esclarecer o direito pleiteado, ensejando uma boa solução. A fim de que se fizesse justiça". Ao término do litígio, recebia uma honraria, um honor. Daí os honorários. Assim, "o que fazia no passado, faz, agora, esse profissional, prestando inestimável colaboração ao Estado e tornando possível a administração da justiça", de sorte que, arremata, "alçá-lo ao nível constitucional era reconhecer uma realidade existente, patenteada pela inequívoca relação lógica entre essa profissão e os alicerces do próprio Estado". [01]

No mesmo diapasão, José Afonso da Silva afirma que a advocacia "é a única profissão que constitui pressuposto essencial à formação de um dos poderes do Estado: o Poder Judiciário. (...) Na mais natural, portanto, que a Constituição o consagrasse e prestigiasse, se se reconhece no exercício de seu mister a prestação de serviço público". [02]

Ademais, porque ao Ministério Público fora conferido porte constitucional, impunha-se fosse a Advocacia alçada a esse mesmo patamar, restando bem delineada e no mesmo grau de igualdade, portanto, a atuação pública do triunvirato formado pelo Juiz, Promotor e Advogado.

Além disso, anota José Afonso da Silva, lembrando Calamandrei, para quem os advogados são "as supersensíveis antenas da Justiça" que se postam sempre do lado contrário em que se situa o autoritarismo, a verdade é que a atuação do advogado conecta-se intimamente com o Estado Democrático de Direito, com as liberdades públicas e com a garantia dos direitos fundamentais do homem.

Essas, entre tantas, foram as principais razões para que a função pública de advogado fosse guindada ao nível constitucional, consubstanciado nos princípios da essencialidade e da indispensabilidade do advogado na administração da Justiça.

Nem poderia ser diferente, uma vez que o arcabouço estrutural do Estado Brasileiro traçado na Constituição Federal mostra que o poder, adotada antiga tradição, manifesta-se por meio de três funções cometidas as seus respectivos órgãos ou agentes: a Executiva, atribuída ao Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado; a Legislativa, ao Congresso Nacional; e a Judiciária, afeta aos juízes, considerados singular ou coletivamente.

Essa última, a Judiciária, diversamente das duas outras funções, é inerte e não opera de ofício. Ao revés, depende de provocação e por isso não pode prescindir de algumas atividades profissionais que se traduzem em funções essenciais à justiça, exatamente aquelas institucionalizadas nos arts. 127 a 135 da Constituição, quais sejam: o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Advogado.

O acesso a essas funções, a judiciária e a ela essenciais, faz-se por meio de concurso público. Assim: a Magistratura, a Promotoria, a Advocacia da União, as Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, e a Defensoria Pública.

A Constituição só não faz expressa menção ao Advogado. Seria, então, legítimo supor que o ingresso à função pública de Advogado independe de qualquer requisito, afora o de ser bacharel?

A resposta há de ser negativa.

Se, de um lado, o constituinte reconheceu a missão pública da Advocacia, dando-lhe no mundo jurídico a maior das dimensões, ao lhe conferir a estatura constitucional por meio de preceito escrito, colocando-a em foro de igualdade com a Magistratura e a Promotoria, de outro lado, e na mesma medida da atuação e responsabilidade atribuídas, impôs requisitos, ainda que implícitos, para que alguém a possa exercer.

É certo que a Constituição, porque não cuida de profissões mas de funções públicas, não poderia descer a pormenor, de forma explícita, a ponto de tratar dos pressupostos para o exercício da Advocacia.

Porém, não é menos certo que a interpretação sistemática do texto constitucional, conjugada com a análise da estrutura do poder nele adotada, leva à inarredável conclusão de que, afora a formação jurídica como condição essencial, o Exame de Ordem é requisito constitucional para o exercício da função pública da Advocacia.

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A propósito, note-se essa peculiar distinção: o curso jurídico é o único que não habilita automaticamente o formado em nenhuma profissão. Confere-lhe, isso sim, apenas um pré-requisito indispensável a pretendente de uma série de profissões.

Dessarte, percebe-se que o sistema constitucional brasileiro, a par de haver inserido na Lei Maior as função essenciais à administração da Justiça, adotou mecanismo de aferição da aptidão daqueles que pretendam exercê-la: o concurso público.

E o Exame de Ordem configura espécie do gênero concurso público, com a especial diferença de que não há limitação de vagas a serem preenchidas, logrando aprovação todos aqueles que demonstrarem aptidão. No mais, pautado nos princípios da moralidade, da seriedade, da transparência e da igualdade, o procedimento cumpre ser rigorosamente idêntico: publicidade do edital; inscrição aberta a todos os que preencherem determinados pré-requisitos; prova elaborado segundo o programa e aplicada em condições idênticas a todos os candidatos; correção imparcial, publicação dos resultados; possibilidade de recursos, etc.

Não fosse o Exame de Ordem assim compreendido, haveria inominável privilégio, porquanto só do Advogado, de todas as funções públicas relativas ao Judiciário ou a ele essenciais, não se exigiria aprovação em prévio concurso público para o exercício do múnus.

A propósito, o Ministro Humberto Gomes de Barros, relator no RE nº 214.761-STJ, em seu voto condutor, registra que "domina entre nós uma deformação cultural que nos faz confundir o status de bacharel em direito, com aquele de advogado. Costuma-se dizer que determinada formou-se em advocacia. Nos jornais, não é rara a afirmação de que certo policial ´é advogado formado´. Semelhante confusão esmaece, em nós, a percepção de que o advogado é um dos três fatores de administração da Justiça. Credenciado pela Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado vocacionado para o exercício de seu múnus público, presta contribuição fundamental ao Estado de Direito. Em contrapartida, o causídico tecnicamente incapaz, mal preparado ou limitado pela timidez pode causar imensos prejuízos. Na realidade, os danos causados pelo mau advogado tendem a ser mais graves do que aqueles provocados por maus juízes: prazo perdido, o conselho errado, o manejo imperfeito de algum recurso não têm conserto. Já o ato infeliz do magistrado é passível de recurso. Por isso, a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não constitui mero título honorífico, necessariamente agregado ao diploma de bacharel. Nele se consuma ato-condição que transforma o bacharel em advogado. Se assim ocorre, a seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento de escolha de magistrados e agentes do Ministério Público. Não é de bom aviso liberalizá-la".

Registro, por fim, que o Exame de Ordem não é mais uma daquelas produções tupiniquins. Foi inspirado no modelo americano. E esse exame profissional é, hoje, com algumas peculiaridades locais, adotado em diversos países, dentre os quais destaco: Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Portugal, Japão, Suíça, Áustria, Grécia, Polônia, Finlândia, Líbano, México e Chile.

Aí estão, em apertada síntese, os fundamentos constitucionais, históricos e comparativos, que me permitem asseverar: o Exame de Ordem é, sim, constitucional!


Notas

01Constituição e Política, Malheiros

02Curso de Direito Constitucional Positivo, RT

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Sobre o autor
Vitorino Francisco Antunes Neto

advogado, procurador do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES NETO, Vitorino Francisco. O exame de ordem é, sim, constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1041, 8 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8364. Acesso em: 2 nov. 2024.

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