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Fundamentos institucionais do Estado

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03/06/2006 às 00:00
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5. Características Permanentes do Estado

Da mesma forma, as características são tomadas de empréstimo de Jorge Miranda (2000, pp. 47-48), mas são analisadas e comentadas de modo muito pessoal. Em resumo, seriam:

a) complexidade: "complexo é o que se constrói em conjunto", em certa sintonia e por isso o Estado pode ser visto como um enorme emaranhado de multiplicidades de atos e de funções de significado público. Complexo implica algo que não se possa realizar, produzir isoladamente, ou seja, exige sempre um enorme esforço social para a sua realização e compreensão. No caso do Estado brasileiro, com base na história política, no passado e no presente, podemos indagar até que ponto a sociedade caminha em conformidade com o Estado e sua política oficial. (Seria complexo ou desorganizado?). Não é tarefa simples (é complexa!) esperar que milhares ou milhões de pessoas realizem suas tarefas como cidadãs.

b) institucionalização: o Estado é considerado como a principal instituição elaborada por um povo e sua cultura política. Mas, pela própria grandeza adquirida pelo Estado diante da mobilização da vida em geral das pessoas, muitas outras instituições foram (e são) criadas constantemente para facilitar a manutenção da ordem jurídica e do poder político organizado. Essas instituições, por sua vez, operam de acordo com certos padrões, com certa regularidade e previsibilidade [11] – o que chamaremos de racionalização ou de constitucionalização da política [12] e da administração, visando à consecução da gestão pública. (De outro modo, dir-se-ia burocratização e multiplicação exagerada da ação normativa do Estado, sobre o Estado e sobre a sociedade).

O Estado, em si, já é o típico resultado da institucionalização da política ou do Poder Político. Tendo-se esse movimento institucional nas bases do Estado, a institucionalização progressiva deveria gerar níveis políticos e administrativos mais profundos ou organizados. O Estado, como a instituição por excelência, é caracterizado a partir da formalidade [13], da impessoalidade [14], da imparcialidade [15], da regularidade [16], da objetividade [17] e da racionalidade [18] administrativa.

c) coercibilidade: o Estado procura organizar a segurança pública dos indivíduos e das instituições, monopolizando o uso da força. (Na prática, o Estado perdeu esse poder faz tempo – é irônico, mas no Brasil, convive-se com um verdadeiro Estado Paralelo). De modo legítimo, o particular só faz uso da violência em defesa própria ou legítima defesa.

d) autonomia: o Estado organiza a burocracia e a administração pública para o seu próprio gerenciamento e isso gera a necessidade de autonomia para essas instituições, além do interesse e da participação popular nos assuntos públicos [19]. (Mas, no Estado Empresa – o Estado que segue ao pé da letra a receita dos grupos econômicos hegemônicos, como o FMI -, por que não há liberdade ou participação popular?). É como se o Estado privilegiasse a autonomia administrativa em detrimento da soberania popular, que na base é democrática. Mas, de qualquer modo, exemplifica bem dizer que o Estado, a partir do poder central, da União, delega funções ou tarefas administrativas aos Estados-membros e que estes também repassam boa parte dessas prerrogativas aos municípios.

e) continuidade: a sedentariedade dos agrupamentos humanos estimulou a permanência ou durabilidade das instituições: permanência do poder político. Depois de gregários, os povos se tornam sedentários e isso permitiu uma crescente identidade cultural e territorial. (Porém, se é assim, por que no Brasil não temos raízes culturais sólidas?). O império romano, por exemplo, durou cerca de mil anos.

Em conformidade com o que viemos analisando, resta comentar os elementos de base do Estado – aqueles elementos que lhe permite agir socialmente.


Formação dos Elementos do Estado

Todo Estado se forma a partir de alguns elementos centrais, mas de modo direto e objetivo quais são eles?

Após a análise de algumas características (teóricas) ou alguns recursos que dão suporte ao Estado, agora iremos destacar os elementos que devem fazer parte desse Estado já formado, mas que, do mesmo modo, estão na origem do Estado. São as características que dão forma ao Estado e que, sem elas, poder-se-ia dizer que não há Estado. Para a maioria dos autores são três as chamadas características centrais: povo + território + soberania. Também pode-se indicar a finalidade.

Alguns desses elementos se repetem, mas se completam e, por isso, é importante frisar certos elementos e características.

Contudo, além desses elementos ou características, preferimos pensar que há uma ordem de fatores que acabam por se constituir como germe do Estado e que, de tão marcantes em sua origem, permanecem ativos e presentes já no Estado constituído. Assim, como elementos de formação do Estado, mas que perduram no Estado já formado, além dos três já indicados como clássicos ou comumente aceitos (povo + território + soberania), ainda destacamos outros elementos do Estado:

-Identidade: tudo ou todos aqueles que são muito diferentes tendem gradativamente a se tornar semelhantes – e esta é uma forte característica da identidade cultural, pois nos diz que a cultura está em ação, que está em ação o amálgama ou as ligações culturais. Esta identidade está escrita na língua que se fala, nos valores próximos ou comuns e nos hábitos que nos aproximam e nos identificam uns aos outros.

-Cultura: cria as bases, os elos, uma ampla comunicação entre todos os envolvidos no grupo social em relação aos bens, objetos, valores e crenças – tornando o mundo social e simbólico compartilháveis por todos ou, pelo menos, pela maioria.

-Intenção coletiva: mesmo sendo criação real de um ou de algumas poucas pessoas, o projeto de criação do Estado tem de se parecer com um projeto ampliado. A idéia de que o Estado pertence a todos, é de todos, faz-se por e para todos, neste momento, é fundamental. Também diz-se da ideologia (no seu aspecto negativo) porque o Estado não promove sempre o que se esperaria dele: fortalecer as bases republicanas ou buscar o chamado bem comum. Aliás, para muitos, o Estado nunca chegará perto desse objetivo.

-Necessidades: o grupo deve necessitar realmente, objetivamente da elaboração do Estado para que seus membros também possam sobreviver – vem daí a idéia de que o Estado deve prover as necessidades básicas do povo. Assim, não se resume à necessidade da conquista ou anexação política de outros territórios e povos. Há muitos casos de mera conquista ou dominação de territórios – até por motivos egoístas ou megalomaníacos – mas, certamente, alguma necessidade será invocada, revelada ao povo para que a ação de formação ou de ampliação do Estado se consubstancie, para que o Estado se materialize.

-Condições materiais: são necessários recursos materiais, econômicos, da mesma forma que os recursos naturais devem ser suficientes ou satisfatórios, pelo menos, ao início do projeto social de construção do Estado. A idéia do Estado é importante, mas essas condições objetivas são pré-requisitos – aliás, alguns Estados se formam porque as reservas estão se exaurindo e o povo precisa de nova organização a fim de alcançar outras fontes de recursos adicionais – e se não o faz, deve sucumbir, a exemplo do que, possivelmente, teria ocorrido com os Maias e os Incas.

-Elementos geográficos: a geografia humana e a física tanto contribuem quanto deterioram as possibilidades do Estado se organizar e se manter. A chuva regular ou a escassez sem fim, as colinas levemente inclinadas ou montanhas geladas são estímulos ao desenvolvimento ou, então, empecilhos à expansão de um povo mais ou menos numeroso e rico em diversidades culturais e econômicas.

-Motivações sociais, religiosas, políticas, ideológicas: em nome de Deus tanto se constroem sociedades políticas quanto se organizam guerras absurdas de conquista: a exemplo das Cruzadas ou das Guerras Santas atuais. Ideologias fascistas, em outro exemplo, querem Estados centrais e fortes, ao passo que o anarquismo e o comunismo não querem nenhum Estado, pois de acordo com essas ideologias políticas o Estado é sinônimo de opressão entre os grupos políticos e as classes sociais.

-Relações externas: acordos de guerra ou de paz entre povos, grupos ou Estados – mesmo que formulados antigamente – podem influenciar na criação ou na sobrevida desse mesmo Estado ou de um terceiro. Tome-se o exemplo do Estado de Israel, que contou com o apoio logístico dos EUA em sua criação, a partir de 1947.

-Interação social suficiente: o Estado deve ter sido pensado, ao menos inicialmente, com o fim de "contornar conflitos individuais e/ou de grupos em litígio". E mesmo que, desde o início, tenha sido utilizado em benefício de um ou de poucos – a exemplo dos Paxás ou dos mandarinatos -, não se alegava publicamente que o Estado servia à opressão dos mais fracos ou menos ricos. É óbvio que, sem esse mínimo de interação, o Estado sucumbe em guerra civil ou acaba abatido e anexado por outro mais agressivo e mais forte. Definitivamente, o povo precisa querer o Estado.

-Capacidade teleológica do grupo: o grupo dominante deve convencer aos demais de que o projeto estatal é bom, ou pelo menos, razoável e que o Estado deve contribuir para o benefício geral – e que não irá servir apenas àqueles que o criaram e que devem geri-lo e administrá-lo. O grupo em resposta, de forma criativa, deve adaptar as estruturas e instituições públicas à realidade social e cultural, pois cada povo e cada cultura adaptam o Estado em certos parâmetros. As cópias nunca são fiéis, nem juridicamente, nem politicamente.

-Circunstâncias variadas: certas circunstâncias ou situações podem ser mais favoráveis como, por exemplo, ter um Estado vizinho já organizado politicamente (para se espelhar) sem que seja hostil ou beligerante. Ou, ao contrário, ser utilizado como bode expiatório por uma potência superior que deseja, em verdade, alcançar postos mais distantes ou mais ricos em reservas naturais – é o caso da invasão do Afeganistão, pelos EUA, destronando o governo do Talebã - sob a desculpa de grave violação dos direitos humanos -, mas que na realidade só queriam controlar reservas de petróleo e de gás natural. Esse circunstanciamento reconduz à análise histórica global, regional e local.

-Centralização política: a busca pela centralização do Estado pode levar ao comando da política e do poder. Isto é, a centralização política do Estado tanto pode ser o resultado final quanto o objetivo inicial desejado, quando o grupo se impôs este objetivo hercúleo de organizar os aparelhos administrativos e repressivos do Estado. É o caso de Maquiavel [20] e de toda sua vida e obra terem sido dedicadas à centralização da Itália – este sim o grande objetivo do criador da Ciência Política.

-Antecedentes históricos: é a argamassa, a articulação, o liame mínimo necessário entre todos as aspectos aqui levantados e analisados, além de outros que serão tratados ao longo de todo o trabalho. Não há mundo, vida social e política, não há cultura alguma fora da história.


O que é Imanente ou Permanente ao Estado?

Como já foi dito, nem todos os autores destacam esses elementos como necessários ou importantes para serem estudados, mas não nos parece que seja possível pensar o Estado sem que esse mínimo de correlação de forças esteja presente na sua origem, bem como na sua possível duração mais longeva. De todo modo, é preciso ter claro que alguns pontos são fundamentais à edificação e solidificação do Estado, como: uma vontade da maioria de que assim o seja; uma força social suficiente; uma mínima organização política.

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Em resumo, há Estado quando se forma um conceito ou perspectiva de que todo o grupo deva se envolver mais diretamente:

1.A idéia de que o Estado é um projeto global;

2.Finalidades bem claras para o Estado e que sejam traçadas por todo o grupo;

3.Condições Objetivas Favoráveis - que resultam do choque ou embate entre: a) contradições internas, interesses antagônicos, obstáculos de toda ordem (emocionais, ideológicos), adversidades gerais – algumas quase insolúveis, como escassez de recursos –; ou, ao contrário, se b) há agentes, situações, relações sociais, econômicas e políticas facilitadoras à própria formação do Estado. Neste caso, deve, é óbvio, prevalecer a segunda linha argumentativa, das forças positivas e favoráveis ao surgimento, ao desenvolvimento e à manutenção do Estado.

Com todos esses dados presentes e atuantes, pode-se dizer que o Estado se organizou de modo complexo e sólido – o Estado que vem de status: no latim, estar firme. Então, com o Estado se vai consolidando uma situação permanente de convivência social e de organização do Poder Político. Com isso, também destacamos duas ordens de elementos que dão forma ao nosso moderno Estado:

a)Material = povo/território.

b)Formal = poder (autoridade, governo, soberania).

Entendendo-se que por poder se entende um vínculo de natureza política, que poder será o vínculo jurídico entre os cidadãos que constituem o Estado. Essa força de total agremiação de muitos em torno de algo comum (o Estado) também podemos chamar de poder de império, pois será uma força social tão imperiosa quanto a própria existência do Estado. Daí que o Estado tem o monopólio da violência organizada.

Quanto ao aspecto formal, ainda se pode frisar a questão da finalidade ou objetivo comum que deve estar próximo da regulação global da vida social. Ainda que lembremos que tudo isso não afasta a permanência de conflitos, contradições e da própria dominação baseada em privilégios no interior dos modernos Estados capitalistas.


O que dá Forma ao Estado, em Poucas Palavras?

De modo direto e objetivo, como definir o Estado a partir de poucas características, mas tão citadas, e que são o povo, o território e a soberania?

Pode-se dizer que é até uma questão de lógica que se defina o Estado a partir das relações estabelecidas entre Povo, Território e Soberania. Pois é preciso que haja um mínimo de organização social e política para que as instituições tenham um sentido claro e vivido, e é óbvio, então, que é por obra desse mesmo povo ou de seus líderes que existem tais instituições. Também é de se esperar que esse povo ocupe ou habite um determinado território.

Na verdade, são estabelecidas relações sociais e políticas, no tempo e no espaço, a partir das quais o povo passa a construir suas vidas, casas, cidades e propriedades, onde possa trabalhar, construir sua cultura, desfrutar das amizades (da interação social), produzir seus valores e se reproduzir socialmente.

Porém, nada disso existiria (ou a vida social e política seria muito precária) se esse povo que constituiu as bases do Estado, no seu território, não lhe tivesse total controle ou poder de decisão. Por isso, o povo necessita de hegemonia e de soberania sobre esse mesmo Poder Político que é o Estado.

O Estado decorre da soberania, da vontade expressa e consubstanciada pelo povo no seu próprio território e nas demais instituições sociais e políticas que se construíram ao redor dos aparelhos jurídicos e formais do Estado. Portanto, o Estado existe quando o povo se percebe soberano ou se faz dono de seu território – e tanto faz que seja por Direito ou pela conquista.

O que ainda nos leva a frisar que só faz sentido falar do Estado se estiver relacionado à demarcação histórica e geográfica em que se encontra. Isto é, não há Estado fora da história, e por mais que especifiquemos alguns elementos teóricos e abstratos a fim de caracterizar seu perfil, a experiência política vivida no Estado pode ser resumida a uma relação espaço-tempo.

Pela lógica, se o Estado é um objetivo, uma finalidade histórica constituída pelo povo, então, deverá ser uma busca, uma intenção clara de alguém ou de alguns, dos líderes ou da maioria - mas sempre real -, em determinado momento e em algum lugar mais ou menos demarcado. Só há Estado concreto, palpável, quando em funcionamento e em ação, pois, não há Estado abstrato, fora do globo terrestre e desconhecendo-se sua geopolítica.

Em suma, Estado = finalidade política + condições históricas objetivas.

Porém, para melhor funcionar, o Estado desenvolveu funções especializadas, dividiu tarefas políticas e administrativas - como são indicadas no último tópico.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Fundamentos institucionais do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1067, 3 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8453. Acesso em: 19 mai. 2024.

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