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Tipicidade material e criação de riscos proibidos

05/06/2006 às 00:00

Resumo:


  • A tipicidade dolosa possui três dimensões: formal-objetiva, material ou normativa, e subjetiva.

  • A tipicidade material exige juízos de desaprovação da conduta, do resultado jurídico e de imputação objetiva do resultado.

  • A teoria da imputação objetiva, desenvolvida por Roxin, baseia-se na criação ou incremento de riscos proibidos relevantes e na conexão direta entre o risco e o resultado jurídico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O fato típico doloso, de acordo com a teoria constitucionalista do delito que estamos adotando, compreende três dimensões: formal-objetiva + material ou normativa + subjetiva.

A tipicidade material (ou normativa) exige três juízos valorativos distintos: 1º) juízo de desaprovação da conduta (fundado na criação ou incremento de riscos proibidos relevantes); 2º) juízo de desaprovação do resultado jurídico (ofensa desvaliosa ao bem jurídico ou desvalor do resultado, que significa lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) e 3º) juízo de imputação objetiva do resultado (o resultado deve ter conexão direta com o risco criado ou incrementado – "nexo de imputação").

A primeira e fundamental regra relacionada com o juízo de desaprovação da conduta é a seguinte: só responde penalmente quem pratica uma conduta e, com ela, gera riscos proibidos. Quem causa danos a terceiros, mas no contexto de riscos permitidos, não responde penalmente por nada. Os danos decorrentes da violência do próprio esporte (boxe, por exemplo) derivam de riscos permitidos. Logo, não configuram nenhum crime.

Mas esse juízo de desaprovação da conduta (desvalor da conduta), que tem por fundamento a criação ou incremento de riscos proibidos relevantes, é um juízo valorativo autônomo dentro da tipicidade material ou pertence à teoria da imputação objetiva? Essa matéria é polêmica. Para Claus Roxin a criação ou incremento de riscos proibidos pertence à teoria da imputação objetiva. Wolfgang Frisch discorda desse posicionamento. Admite que a criação ou incremento de riscos proibidos é um pressuposto material relevantíssimo para a tipicidade penal, porém, sustenta que essa exigência não pertence à imputação objetiva, sim, constitui a base de um juízo valorativo autônomo dentro do fato típico.


Roxin e a moderna teoria da imputação objetiva

O maior impulso que recebeu a teoria da imputação objetiva, depois da Segunda Guerra Mundial, sem sombra de dúvida, emanou de Roxin (1970), que é o responsável pela corrente doutrinária denominada de funcionalismo teleológico-funcional ou teleológico-racional ou teleológico-político-criminal (o Direito penal existe para cumprir determinados fins, existe "em função" desses fins, que são retratados nos princípios político-criminais: da intervenção mínima, da exclusiva proteção de bens jurídicos, ofensividade etc.).

A teoria da imputação objetiva não é nova e parte da doutrina chega a admitir que, a rigor, não constituiria propriamente uma teoria (senão apenas um conjunto de regras limitadoras e complementares do nexo de causalidade). Antes de Roxin já haviam estudos sobre a imputação objetiva (Pufendorf, Hegel, Honig, Engisch, Welzel etc.). Mas ele foi quem lhe deu a última configuração.

As duas idéias básicas da moderna teoria da imputação objetiva: de acordo com a doutrina de Roxin, as duas grandes regras (das quais podem ser inferidas várias outras) da imputação objetiva são: (a) a criação ou incremento de um risco proibido relevante; (b) a conexão direta entre esse risco e o resultado jurídico (o risco deve se realizar no resultado) e que esse resultado esteja no âmbito de proteção da norma. Tudo que Honig, Engisch e Welzel havia desenvolvido na década de trinta (do século XX) acabou se sintetizando nessas regras de imputação objetiva de Roxin, que passou a ser doutrina absolutamente dominante desde o princípio dos anos oitenta (do século XX).

Imputação objetiva e dolo: a teoria em destaque recebeu o nome de imputação objetiva porque procura descobrir se o fato pode ser imputado ao seu agente (como obra dele) independentemente do seu dolo (do seu estado anímico ou subjetivo).

Imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado: o que se busca com a teoria da imputação objetiva, consoante a doutrina de Roxin, é descobrir se a conduta do agente gerou (ou não) um risco proibido (se criou ou se incrementou um risco proibido) assim como se o resultado jurídico tem vínculo direto com esse risco e, ao mesmo tempo, se está no âmbito de proteção da norma. O exame da natureza do risco criado pela conduta do agente (se proibido ou permitido) esgota o conteúdo da imputação objetiva da conduta. O vínculo do resultado com esse risco e seu envolvimento com o âmbito de proteção da norma delimita a imputação objetiva do resultado.

Criação ou incremento de riscos proibidos: o estudo da imputação objetiva da conduta nos conduz a verificar (em cada caso concreto) se ela criou (ou incrementou) um risco proibido relevante. Se a conduta, apesar de típica formalmente, era permitida, não há que se falar em criação de risco proibido. Conduta permitida (exemplos: intervenção cirúrgica autorizada e bem sucedida, lesões esportivas, lesões toleradas etc.) não gera risco proibido. Logo, é atípica (porque típica, agora, só pode ser a conduta que, além de ser adequada à letra da lei, cria ou incrementa um risco proibido).

Uma série de questões que antes de Roxin eram examinadas no âmbito da antijuridicidade (cirurgia médica, lesões esportivas, estrito cumprimento de dever legal etc.) passaram a compor o âmbito da tipicidade penal. Em termos práticos isso é muito positivo porque o juiz deve, no momento de receber uma denúncia, analisar a questão da tipicidade. Mesmo depois do recebimento da denúncia, essa matéria pode ser discutida em habeas corpus. Como se vê, o enriquecimento do fato típico em Direito penal é algo muito positivo.

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Pode-se criticar o exato enquadramento da teoria da criação ou incremento de riscos proibidos (se pertence à imputação objetiva ou se seria um juízo autônomo de desaprovação), mas já não se pode negar o seu valor para o moderno Direito penal.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Tipicidade material e criação de riscos proibidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8471. Acesso em: 22 dez. 2024.

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