Capa da publicação Responsabilidade civil objetiva: art. 927, parágrafo único, CC
Artigo Destaque dos editores

Responsabilidade civil objetiva.

Alcance do disposto no parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil

Exibindo página 3 de 3
06/06/2006 às 00:00
Leia nesta página:

Considerações finais

A sociedade está em constante movimento e, desse movimento, despontam novas necessidades que induzem ao surgimento de novas tecnologias e serviços os quais, não raro, produzem riscos para a população, em maior ou menor grau. Tal dinamismo social, e econômico, exige paralelamente a modernização do ordenamento jurídico.

As inovações no sistema jurídico são, quase sempre, um reflexo da evolução da jurisprudência em conjunto com as manifestações da doutrina, que, consentâneas com a realidade social, promovem a (re)interpretação da legislação a cada dia, mediante a criação de novas teorias e introdução de novos institutos. Por tal razão diz-se que o direito é dinâmico.

A responsabilidade civil é estudada na doutrina sob o enfoque das teorias subjetiva e objetiva.

A primeira, adotada com regra geral pelo Código Civil brasileiro, tem como seu principal elemento a culpa e exige, grosso modo, os seguintes pressupostos: ação ou omissão, culpa ou dolo, dano e a relação entre a conduta lesiva e a lesão. Sob esse prisma, o agente causador de algum dano será obrigado a repará-lo somente se tiver agido com culpa.

Já a segunda teoria, que vem sendo inserida nas legislações mais atuais, tem como seu principal fundamento o fato lesivo e a necessidade de reparação, dispensando o elemento culpa. Nessa quadra, aquele que, com sua conduta ou no exercício de sua atividade, assumiu o risco de produzir um dano, será responsável pela reparação se o dano efetivamente se confirmar, independentemente de verificação de culpa.

A teoria do risco tem sido utilizada pelos tribunais há algum tempo para inverter o ônus da prova nos processos, como forma de evitar injustiças decorrentes da reconhecida dificuldade de, em certos casos, exigir-se da vítima a comprovação da culpa daquele que provocou a lesão.

O legislador brasileiro, ao regulamentar a questão da responsabilidade civil no atual Código Civil, adotou, no parágrafo único do artigo 927, a teoria do risco, buscando harmonizar o texto legal aos novos tempos de uma sociedade massificada pela exploração econômica. Nesse desiderato, abriu-se espaço para a aplicação da responsabilidade objetiva, ficando ao encargo do magistrado, mediante seu prudente arbítrio, enquadrar os fatos à norma legal, reconhecendo as atividades que reúnem o predicado periculosidade.

A existência de precedentes jurisprudenciais de utilização da teoria do risco sob a égide do código civil revogado serve como parâmetro de aplicabilidade do novo dispositivo legal e, sem dúvida, a reiteração de ações de reparação de danos decorrentes de determinada atividade apontará o alcance da norma.

Da investigação levada a efeito nesta pesquisa constatou-se que, efetivamente, os tribunais mencionam diversas atividades como potencialmente perigosas, muito embora, em grande parte, as ocorrências sejam regidas por legislação especial, como, por exemplo, as relações de consumo e a responsabilidade delas decorrentes (que são reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor), as questões envolvendo danos ambientais, acidentes de trabalho, transportes (aéreo e terrestre), dentre outras.

Não obstante, vislumbram-se também precedentes jurisprudenciais envolvendo reparação de danos decorrentes de atividades não contempladas em legislação específica e que são potencialmente enquadráveis no contexto abrangido pelo parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil, dentre os quais podemos citar: acidentes de trânsito, venda de bebidas alcoólicas, operação de máquinas pesadas, construção civil de grande porte, manipulação de produtos químicos, venenosos ou tóxicos e disponibilização de serviços de Internet que permitam a divulgação de informações por pessoas anônimas.

Conclui-se que, nas hipóteses citadas, e em quaisquer atividades cujos processos de produção sejam perigosos em si, independentemente da natureza do bem que está sendo produzido, cabe a aplicação da Teoria do Risco e a questão da culpa será irrelevante para fixação do dever de indenizar. No entanto, essa questão ainda demandará algum tempo para encontrar pacificação.

Com a vigência do atual Código Civil, tais questões serão em grande parte, seguramente, resolvidas com aplicação do parágrafo único do artigo 927 do CCB. Cabe ressalvar, no entanto, que a adoção da responsabilidade objetiva como regra pode provocar abusos, beneficiando o enriquecimento sem causa.

De todo modo, fica a advertência àqueles que atuem em algum dos ramos profissionais identificados neste estudo, de que podem se defrontar com a situação de serem responsabilizados civilmente mesmo que não tenham agido ilicitamente, nem incidido em culpa no exercício de suas atividades, mas, tão-somente, porque utilizam-se de mecanismos ou procedimentos que geram potencialmente maior probabilidade de causar danos a outrem, ao tempo em que se inserem num contexto social no qual o ordenamento jurídico privilegia a dignidade da pessoa.


Referências

ALONSO, Paulo Sérgio Gomes. Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000.

AMARANTE, Aparecida I. Responsabilidade civil por dano à honra. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1994

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática. Atualização de Eduardo C. B. Bittar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Universitária, 2001.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Consulta à Jurisprudência. Disponível na Internet: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp>. Acesso em 10 ago. 2005.

______. Tribunal de Justiça do Paraná. Consulta à Jurisprudência. Disponível na Internet: <http://www.tj.pr.gov.br/csp/juris/verbete.csp>. Acesso em 11 ago. 2005.

______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Consulta à Jurisprudência. Disponível na Internet: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/index.php>. Acesso em 10 ago. 2005.

______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina Consulta à Jurisprudência. Disponível na Internet: <http://tjsc5.tj.sc.gov.br/consultas/jurisprudencia/tjsc/jurisprudencia_avancada.jsp>. Acesso em 8 ago. 2005.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Consulta à Jurisprudência. Disponível na Internet: <http://juris.tj.sp.gov.br/>. Acesso em 9 ago. 2005.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3ª ed. revista, aumentada e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina, jurisprudência. 5ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1994.

______. Responsabilidade civil (Palestra proferida em 31/10/2001) in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo: IMESP, n. 57/58, jan/dez. 2002. Disponível na Internet: www.pge.sp.gov.br>. Acesso em 10/08/2005.

GONÇALVES, Carlos Roberto; AZEVEDO, Antônio Junqueira (Coordenador). Comentários ao Código Civil: parte especial – direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. Vol. 11 (arts. 927 a 965).

MIGUEL, Alexandre. A responsabilidade civil no novo código: considerações gerais. in Juris Plenum, Caxias: Editora Plenum, num. 84, set. 2005. CD-ROM.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações – segunda parte. 10ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1975, 6v, Vol. II.

NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações – introdução á responsabilidade civil. Vol. I, São Paulo: Saraiva, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, 6v, Vol. I.

REINALDO FILHO, Demócrito. A Responsabilidade do Proprietário de site que utiliza ‘Fóruns de Discussão’ – Decisão da Corte Argentina. Jornal Síntese, nº 91, set. 2004, p. 5, Porto Alegre: Editora Síntese, 2004.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1975, 7v, Vol. IV.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

SANTOS, João Manoel de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 13ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, 35v, Vol. III (Parte Geral – arts.114-179).

STOCO, Rui. A responsabilidade civil in MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; FRANCIULLI NETTO, Domingos (Coordenadores). O novo Código Civil: Estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. São Paulo. LTr, 2003, pp. 780-837.

______, Rui. Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários e o Código de Defesa do Consumidor. Juris Plenum, Caxias: Editora Plenum, num. 84, set. 2005. CD-ROM


Notas

01 A responsabilidade civil contratual, consistente no descumprimento de uma obrigação assumida por contrato e com o dever de adimpli-la conforme pactuado, refoge ao âmbito deste estudo.

02 Entendida culpa em seu sentido amplo, ou seja, incluindo o dolo (CARVALHO SANTOS, 1986 321).

03 Observe-se que o projeto do novo código civil iniciou sua tramitação no Congresso Nacional em 1972.

04 Noronha distingue a responsabilidade objetiva em ‘comum’ e ‘agravada’. "Em ambas prescinde-se de culpa; as duas têm por fundamento um risco de atividade, mas este é diferente numa e noutra. Na comum exige-se que o dano seja resultante de ação ou omissão do responsável (embora não culposa), ou de ação ou omissão de pessoa a ele ligada, ou ainda de fato de coisas de que ele seja detentor. Na agravada vai-se mais longe e a pessoa fica obrigada a reparar danos não causados pelo responsável, nem por pessoa ou coisa a ele ligadas; trata-se de danos simplesmente acontecidos durante a atividade que a pessoa responsável desenvolve" (NORONHA, 2003, p. 487)

05 Registre-se que em sede de responsabilidade objetiva, a atividade é lícita, ainda que perigosa, diferentemente do que ocorre na responsabilidade subjetiva, na qual "o ato é ilícito e a culpa o seu elemento anímico". (ALONSO, 2000, p. 67)

06 Interpretação evolutiva, de acordo com Luís Roberto Barroso (2003, p.146) "é um processo informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes".

07 Tal situação, não raro, acaba por gerar o nascimento de legislação específica para regular determinada atividade, como é o caso, p. ex., dos acidentes de trabalho, aeronavegação, estradas de ferro, etc.

08 No STJ há discussão sobre o valor da alíquota de contribuição social referente ao seguro sobre acidentes de trabalho – SAT, devido por empresas que operem com atividades de risco. Os acórdãos versando matéria dessa natureza são indexados sob o verbete "tributário".

09 "I Jornada de Direito Civil", promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002.

10 www.stj.gov.br

11 A discussão sobre o seguro de acidentes de trabalho - SAT, no STJ, é indexada sob o verbete tributário. Por tal motivo a pesquisa, nesse tribunal, foi realizada utilizando-se essa palavra como critério de exclusão.

12 www.tj.sc.gov.br


Abstract: It is a doctrinal and jurisprudencial research concerning the evolution of the civil liability in Brazil, especially after the Law No. 10.406, of January 10, 2002 - the New Civil Code ("NCC"), synthecizing the main teses, as well as position of the courts, aiming at to demonstrate, in face of the new civil legislation, the trends for the future. Under the Civil Code, which was in force until January 10, 2003, the civil liability is founded on the concept of negligence (subjective liability). However, the NCC admitted the liability of the agent of damage, irrespective of proof of negligence and/or malice, in a comprehensive and general manner, as we see by reading Art. 927, sole paragraph: "Art. 927. The one who, as a result of tort (Arts. 186 and 187), causes damage to a third party, is required to redress it. Sole paragraph. There shall be obligation to redress damage, irrespective of negligence, in the situations established by law, or if the activities regularly conducted by the agent of the damage imply, by virtue of their nature, risk of damage to third parties". Based on the foregoing, the fact, and not the negligence, becomes each day a more important element contributing to the appearing of duty to repair the actual damage. While the subjective liability remains the rule in the NCC, it is important to look at the activities conducted by the agent of the damage, to verify whether the structure and/or nature of the activity it is that causes damage (property, pain and suffering, esthetical, etc.), is potentially hazardous or harmful third parties’ rights, which would justify the adoption of objective liability postulates (liability irrespective of negligence). It is longed for, by means of the present study, to identify hypotheses of activities submitted by the recent jurisprudence to the Theory of the Risk, - or identified as such for the Doctrine - which is inherently dangerous, causing damages with frequency in order to evaluate the applicability of Art. 927, sole paragraph, of NCC.

Word-key: Brazilian Civil Code. Jurisprudence. Trends. Objective civil liability. Risk activities. Dangerous activities.Theory of the Risk.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Udelson Josue Araldi

advogado em Jaraguá do Sul (SC), especialista em Direito Civil, professor de Sindicalismo e Negociações Coletivas, professor de Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARALDI, Udelson Josue. Responsabilidade civil objetiva.: Alcance do disposto no parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1070, 6 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8474. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos