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Constitucionalismo

23/12/1998 às 00:00
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Para uma primeira definição do termo Constitucionalismo, precisamos buscar entender o que basicamente se entende por "Constituição" e "constitucional".

Segundo os princípios do positivismo jurídico, o direito tem que ser despido de todo o seu conteúdo valorativo. A escola, que tem seu máximo expoente em Kelsen, afirma, portanto, que precisa-se, essencialmente, existir uma respeitabilidade entre o conjunto hierarquizado das normas, que contém na Constituição seu ápice (em cima desta, apenas a presença abstrata da "norma fundamental": pedra de toque da teoria kelseniana).

No entanto, o Constitucionalismo moderno busca uma compreensão diversa daquela apresentada pelo positivismo normativista, pois a Constituição teria essencialmente um conteúdo político e axiológico ligado a sua normatividade (aliás, como viremos a tratar à seguir, o próprio Constitucionalismo clássico foi quem mais insistiu no sentido de um conteúdo político de Constituição).

Aí se chega pela constatação de que a Constituição deve ser entendida como a própria estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem necessária que deriva da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem.

Mas não nos ateremos especificamente no conceito de Constituição (que seria uma outra questão isolada digna de outras várias páginas…), pois é exatamente nesse conceito de Constituição e nos diferentes prismas sob os quais ele foi apresentado, que trabalha o Constitucionalismo.

O termo Constitucional é, em sentido lato, entendido como que representando um sistema baseado em um documento elaborado por uma reunião de homens reunida para exatamente para fazê-lo. O termo foi muito útil para fazer uma separação entre a monarquia absoluta e a monarquia parlamentar, como, por exemplo, seria a forma de governo instaurada depois da Revolução Gloriosa de 1688, na Inglaterra.

É valido deixar claro, entretanto, que esse entendimento não pode ser tido como absoluto, pois corre o risco de tornar-se restritivo na medida em que não colhe, muitas vezes, o que é verdadeiramente essencial nesses regimes.

É muito comum a confusão feita entre o termo Constitucionalismo e os diferentes meios para se atingir o ideal de Constituição. Confunde-se Constitucionalismo com a divisão de poderes, com aquela Constituição essencialmente normativa… Quando, na verdade, o termo Constitucionalismo engloba em seu estudo todos esses meios na busca do modelo constitucional mais próximo do ideal.

No meu entendimento, Constitucionalismo deve ser entendido como a análise dos diferentes meios utilizados pelo processo da evolução constitucional, partidos de uma vontade soberana, para se atingir o valor maior que se acha nos direitos da pessoa humana e nas garantias apresentadas para efetivar esses direitos.

O que pode ser feito é, a partir desse conceito, separarmos os diferentes ciclos do Constitucionalismo.

Temos, basicamente, uma divisão em dois grandes períodos: o CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO (1787 - 1918) e o CONSTITUCIONALISMO MODERNO (1918-...).

O Constitucionalismo clássico subdivide-se em cinco ciclos:

- o 1° ciclo seria o das CONSTITUIÇÕES REVOLUCIONÁRIAS DO SÉC. XVIII, no qual se enquadra a Constituição Americana de 1787, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa de 1789, entre outros documentos importantes (a Magna Carta de 1225 pode ser incluída aqui).

- o 2° ciclo englobaria as CONSTITUIÇÕES NAPOLEÔNICAS autoritárias do início do século XIX.

- o 3° ciclo seria o das CONSTITUIÇÕES DA RESTAURAÇÃO, como a dos Bourbons, de 1814. Esse ciclo, que se estende até 1830, consagra as MONARQUIAS LIMITADAS, mas também se caracteriza por conter Constituições outorgadas, feitas sob um processo autoritário de elaboração (como a do Império do Brasil de 1824).

- o 4° ciclo teria as CONSTITUIÇÕES LIBERAIS, como a francesa de 1830 e a belga de 1831 (essa última muito importante por trazer uma inovação que marca o Constitucionalismo: incorpora a declaração dos direitos à Constituição e não os dispondo marginalmente).

- por fim, o 5° ciclo seria o das CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, iniciado em 1848. Conta com documentos como as 3 leis constitucionais francesas de 1875.

O Constitucionalismo moderno também é compreendido num total de 5 ciclos constitucionais:

- o 1° ciclo seria um Constitucionalismo do tipo DEMOCRÁTICO-RACIONALIZADO Conta com a presença destacada da Constituição de Weimar de 1919 que tem como grande mérito a incorporação dos direitos sociais ao corpo constitucional (apesar de uma forte corrente atribuir tal mérito à Constituição Mexicana de 1917). Ainda podemos lembrar aquelas "Constituições dos professores", como a austríaca de 1920, sob acentuada influência de Kelsen.

- o 2° ciclo constitucional moderno é o SOCIAL-DEMOCRÁTICO e contém as Constituições francesas de 1946, italiana de 47 e a alemã de 49. Esse ciclo é muito importante pela ênfase nos direitos sociais e econômicos. Ele se estende até os nossos dias e compreende também as Constituições portuguesa de 76, a espanhola de 78 e a brasileira de 88. O "estado social" é elevado na sua máxima expressão.

- o 3° ciclo compreenderia a EXPERIÊNCIA NAZI-FACISTA, e caracteriza-se por reformas às Constituições que modificaram seu núcleo em sua essência. Seriam "fraudes à Constituição".

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- o 4° ciclo contaria com as CONSTITUIÇÕES SOCIALISTAS surgidas em 1917 com a Declaração dos Direitos dos Povos da Rússia. Dentre elas estão as Constituições deste povo de 1924 e de 36. Nestas Constituições era comum a prática política burlar a Constituição (democracia no papel).

- o 5° e último ciclo seriam as CONSTITUIÇÕES DO TERCEIRO MUNDO que caracterizam-se por uma tentativa de copiar as construções estrangeiras e que tombaram por terra diante de uma realidade que não condizia com as instituições copiadas.

Como dissemos anteriormente, é muito comum observarmos a confusão entre Constitucionalismo e separação dos poderes, atribuindo a equivalência entre os conceitos.

Muito dessa crença está estreitamente vinculado a concepção política de Constituição oferecida no Constitucionalismo clássico.

O prof. Carrion nos ensina que uma concepção política de Constituição pode ser obtida do próprio artigo 16 da DDHC de 1789: "Toda a sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada e nem a separação dos poderes determinada não tem Constituição".

Lassalle, em meados do século XIX, doutrina a teoria de uma Constituição baseada nos fatores reais do poder. Uma Constituição só teria sua real efetividade quando declarasse as relações de poder dominantes (poder militar, poder social, poder intelectual, poder econômico…).

Segundo essa concepção política, a capacidade de regular está limitada à sua compatibilidade com a sua Constituição real.

O próprio Georg Jellinek afirma que "o desenvolvimento das Constituições demostra que regras jurídicas não se mostram em condições de controlar questões de poder. As questões políticas mover-se-iam por si".

Em função dessa inclinação política, o Constitucionalismo clássico pretendeu garantir os direitos individuais apenas no corpo legislativo resultado da divisão de poderes.

A partir disso, percebemos uma efetividade muito reduzida dos direitos individuais e políticos. Primeiro porque as declarações na maior parte das Constituições do século XIX não estavam no corpo da Lei Fundamental. Carré de Malberg nos ensina que tais declarações não eram mais do que documentos filosóficos, não-dotados de eficácia jurídica. Além disso, há de se destacar duas características fundamentais do liberalismo clássico que contribuíram na doutrina da construção política da Constituição: a supremacia da lei (*) reduziria o poder de atuação do judiciário e, como a Constituição era essencialmente política, a garantia dos direitos cabia quase que somente à separação dos poderes. Voltando… era, então, na separação dos poderes que se encontrava, basicamente, a garantia dos direitos. Porém, o tempo foi mostrando que a separação dos poderes não era suficiente para arcar sozinha com tal tarefa. Antes de ser um equilíbrio constitucional, representava um equilíbrio social pelas classes que disputavam o poder.

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A partir da entrada do século XX, foram sendo buscadas outras alternativas de garantias.

Já com a Constituição belga de 1831, temos uma evolução no sentido das declarações de direitos serem incorporadas ao texto constitucional. Mas é efetivamente no Constitucionalismo moderno que ocorrem as maiores modificações.

Konrad Hesse brilhantemente responde à teoria de Lassalle afirmando que há de existir um conteúdo normativo na Constituição. Nada de extremos como o positivismo jurídico de Kelsen ou o positivismo sociológico de Carl Schmitt, temos que buscar uma relação de condicionamento entre o aspecto material e o normativo.

É necessário que a Constituição possua força normativa o suficiente para fazer valer o direito posto e não servir apenas de declaração política. Dessa forma, baseada na "vontade de Constituição", a Lei Fundamental poderá buscar uma efetiva garantia de direitos, que não se limitam ao campo individual e político como no período clássico, mas são sociais, econômicos, religiosos… e se ampliam cada vez mais.

A separação dos poderes não podia sozinha com o avanço constitucional moderno, até porque o sistema político-partidário moderno trabalha com um só partido no controle da casa legislativa e do governo. É, portanto, mister a juridicização ocorrida nos tempos modernos para que o direito efetive a supremacia da lei, sempre, obviamente, orientada pelo espírito da sociedade, mas sem ser um simples retrato desta. A Constituição moderna não é um simples retrato do "ser", mas, ao lado deste, coloca o "dever ser" que passa a ser a base das garantias.

Também são criados órgãos como a Corte Constitucional, o Tribunal Administrativo, que se encaixam no espírito moderno de efetiva garantia do direito (em relação a estes, nos ateremos apenas em citá-los. São pontos importantíssimos do Constitucionalismo moderno e fica aqui o convite para um futuro estudo em especial).


NOTA

(*) Cabe apenas a ressalva de que, mais tarde, essa supremacia da lei culminaria num dos pilares de apoio da corrente positivista. Acrescentando, mas sem entrar no mérito da questão que é interessantíssima mas longa e complexa, o positivismo encontra grande parte de suas raízes no liberalismo clássico racionalista, em origens que se mostram desde as doutrinas de Locke e Montesquieu e nos Códigos do século XIX, em especial o napoleônico de 1804.

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Sobre o autor
Rogério Salgado Martins

acadêmico de Direito na UFRGS, em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Rogério Salgado. Constitucionalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85. Acesso em: 5 nov. 2024.

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