O direito processual não pode caminhar de forma desvinculada com o direito material, o processo foi concebido para o direito material e não o contrário. Não se pode dizer hoje em dia que, a idéia da tutela jurisdicional, se resume apenas a uma sentença, pois o jurisdicionado não deseja apenas uma declaração dizendo que ele tem direito, ele aspira a real efetivação de sua pretensão, ou seja, o bem da vida objeto da lide. Desta forma, a tutela jurisdicional revela-se muito mais ampla, pois está intimamente ligada a noção de acesso a uma ordem jurídica justa e a própria efetividade do processo.
É sabido também que o processo comporta vários procedimentos. O mais comum de todos esses procedimentos é o ordinário. O grande problema que aflige a solução dos litígios é a demora para se resolver o conflito na jurisdição estatal. O tempo é o grande obstáculo para a correta distribuição de justiça. Chegamos a conclusão que a demora no processo de conhecimento e a sua conseqüente ineficiência, pois não se pode abarcar em seu seio medidas executivas, porque a própria a sistemática processual não comporta o processo chamado sincrético. Essa conjuntura favorece a classe dominante, ou seja, o establishment, que por sua vez, concentra o poder econômico. Para esses grupos dominantes, algumas lides são interessantes que se desenrolem ao longo do tempo prejudicando até mesmo o princípio da isonomia processual. É claro que o nobre procedimento ordinário não compactua com tais interesses, pois não foi concebido para tanto. No processo de conhecimento, o juiz julga com base no conhecimento total dos fatos, trata-se de um procedimento de cognição plena e exauriente, com vistas a solução definitiva com base num denominado juízo de certeza.
Entretanto, as chamadas tutelas de urgência, são baseadas em juízos de verossimilhança o que afronta a idéia de Carnelutti: é sabido que o último acusou os processos sumários de serem incompatíveis com os princípios e objetivos da civilização moderna, que exigiria um processo teleologicamente voltado para a descoberta da verdade e, além disso, capaz de oferecer a indispensável segurança que as relações jurídicas necessitam para desenvolver-se.(1) Apesar do grande mestre e jurista Carnelutti combater a idéia das tutelas sumárias, sabemos que a universalização do processo de conhecimento é impossível. Tem-se situações que a única tutela possível para o direito é a cautelar em sentido lato (tutela cautelar ou tutela antecipatória urgente). Devido a ineficiência e morosidade do processo de conhecimento, presenciamos uma proliferação de ações cautelares, que transformou o próprio processo de conhecimento em uma técnica de sumarização, como um remédio da ineficiência e lentidão do procedimento ordinário. (2) O estudo sobre o acesso a ordem jurídica justa, levou ao questionamento do problema da efetividade da tutela dos direitos. Como o Estado proibiu a instituição da autotutela, não pode o poder público culpar o tempo para se desobrigar do importante compromisso de tutelar de forma eficaz os conflitos sociais.
Até poucos anos atrás, a tutela cautelar, era um instrumento excepcional e suficiente, para evitar que a lentidão do processo resultasse à inefetividade da prestação da tutela jurisdicional. Como ficou explicitado, a proliferação das cautelares distorceu o procedimento ordinário. A que se deve tal fenômeno de distorção? Trata-se do fenômeno resultante das novas exigências de uma sociedade urbana de massa, resultante do crescimento desordenado, formação dos grandes centros urbanos e também do desenvolvimento da tecnologia de informática e das telecomunicações. Daí porque o processualista começou a desenvolver novas técnicas procedimentais que permite e efetivação do direito material mediante cognição sumária.
As tutelas de urgência são calcadas nos juízos de verossimilhança, isto é, as decisões ficam limitadas a afirmar o provável, estas decisões por sua vez, são baseadas na técnica da cognição sumária. Para que isto ocorra é necessário que sejam preenchidos alguns requisitos, que serão enumerados a seguir: a) fumus boni iuris, que consiste na verificação efetiva de que, a parte realmente dispõe da viabilidade da realização de um direito ameaçado por um dano iminente. b) Periculum in mora, é o risco, o perigo, deterioração da coisa, em função da demora da tutela jurisdicional. c) Tem-se ainda a possibilidade de concessão de tutelas, em razão das peculiaridades de um determinado direito, são as chamadas liminares nos chamados procedimentos especiais, por exemplo: liminares no mandado de segurança, ações possessórias dentre outras. No caso específico do mandado de segurança, temos duas técnicas que não podem ser confundidas sob pena de invalidar todo o procedimento: a primeira técnica é a sumarização da cognição do juiz no plano vertical que dá origem às verdadeiras sentenças satisfativas sumárias e a segunda é a cognição exauriente secundum eventum probationis. Se todos os documentos estão presentes, proporcionando desta forma, a análise e a conseqüente demonstração do direito líquido e certo, a sentença do mandamus, é proferida com base em cognição exauriente.
O que vem a ser cognição? E em que graus ela é aplicada em nosso processo civil? Cognição nada mais é que a aquisição de um conhecimento. O magistrado no decorrer do processo toma conhecimento de todo o conjunto probatório existente nos autos. A cognição pode ter grau de intensidade vertical ou de amplitude horizontal, obedecendo a peculiaridade de direito material a ser tutelada. A cognição no plano vertical, liga-se a produção de provas necessárias ao conhecimento do caso concreto, são por sua vez, classificadas em cognição exauriente, sumária e superficial
A cognição exauriente é típica dos procedimentos que objetivam o desfecho definitivo do conflito trazido ao juiz, pois permite a produção de todas as provas necessárias para a solução do litígio.
A cognição sumária é aquela característica dos juízos de probabilidade, como por exemplo, na antecipação da tutela do artigo 273 do Código de Processo Civil, em conformidade com as palavras que a lei menciona: prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança. A probabilidade é a situação em que ocorre a preponderância dos motivos convergentes sobre os motivos divergentes sobre a aceitação de determinada proposição. Como acentuou Malatesta, quando nos deparamos com as afirmativas pesando mais sobre a pessoa, o fato é provável; pesando mais as negativas tal fato será improvável. (3) A probabilidade então é menos que a certeza, porque os motivos divergentes na probabilidade ficam somente suplantados e não afastados. A probabilidade é mais que a verossimilhança, porque na mente do julgador esta tem um grau de equivalência, obtido através de um estado de espírito, entre os motivos divergentes e os chamados convergentes.
Por fim, temos a cognição superficial. Deve-se salientar que nos denominados procedimentos materialmente sumários a decisão liminar terá uma cognição mais superficial que na sentença sumária. Na decisão liminar ocorre a preponderância da verossimilhança, porque o fato poderá ser demonstrado através das provas permitidas pela instrução sumária, como ocorre por exemplo, nas decisões liminares inaudita altera pars, proferidas nos procedimentos cautelares.
É preciso estabelecer a distinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar. Na tutela antecipatória, o juiz profere uma decisão que concede ao autor o exercício do próprio direito afirmado pelo autor. Tais medidas possuem evidente caráter satisfativo, pois incidem sobre o próprio direito discutido na lide, e não constituem meios processuais para garantir o futuro provimento jurisdicional, como aliás, ocorre nas medidas cautelares. Como ficou explicitado, o juiz julga a antecipação de tutela com base no juízo de probabilidade. Embora o artigo 273 mencione verossimilhança, na verdade, tal locução significa que o julgador ficará imbuído com sentimento de que a realidade fática pode ser como descreve o autor. A decisão que concede a antecipação de tutela é discricionária? Tal questão vem atormentando os juristas pois discricionaridade é um conceito próprio do direito administrativo e não compactua com os ditames do processo judicial que é motivado por natureza, pois a própria Constituição Federal prevê que as decisões judiciais serão motivadas. Na verdade, a decisão que concede a antecipação não é discricionária, é motivada. O que ocorre é que o juiz estabelecerá critérios para a outorga da antecipação da tutela e esta por sua vez, poderá será parcial ou total. Obviamente, essa concessão da tutela obedecerá aos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil e sua concessão será realizada com uma discricionariedade motivada, na medida que a própria lei, expressamente confere ao juiz a possibilidade de revogar ou modificar a medida a qualquer tempo (antes da sentença final), daí porque a antecipação é provisória. A provisoriedade decorre da própria cognição sumária que é aplicada neste caso.
A característica básica informadora da tutela cautelar é a sua instrumentalidade, que significa que a medida cautelar não possui um fim em si mesma, mas sua existência serve para garantir que a futura prestação jurisdicional seja profícua, na medida em que tutela-se o próprio processo. A sua acessoriedade decorre da existência ou da probabilidade de um processo principal. A provisoriedade também é característica das cautelares, porque o provimento cautelar destina-se a preservar determinada situação durante um espaço de tempo limitado, tal espaço de tempo é delimitado entre a decretação da cautelar e a superveniência do processo principal. Entretanto, nem toda medida provisória, é cautelar. As exceções estão contidas no livro que trata sobre os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa do Código de Processo Civil e também em Leis Extravagantes, como por exemplo os interditos possessórios e o mandado de segurança. As liminares desses procedimentos possuem a natureza de entrega provisória e antecipada do pedido, é decisão de natureza satisfativa, embora precária.
Outra característica das cautelares é a revogabilidade, pois são um provimento de emergência, possuindo a possibilidade de revogação, modificação ou substituição. É de se destacar que decorre a mutabilidade e a revogabilidade da medida cautelar de acordo com seus próprios objetivos. Se desaparece o contexto fático que levou a concessão da cautelar, cessa a razão de se acautelar o direito. A existência da cautelar está ligada a referibilidade a um direito. Esse direito deve ser então referido e protegido cautelarmente. Caso não exista um direito a ser acautelado, ter-se-á então uma satisfatividade, característica da antecipação de tutela no processo de conhecimento.
Finalmente, cabe lembrar, que o sustentáculo constitucional dessas tutelas encontra-se no artigo 5.º , XXXV da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito". Sabemos que existe implícito neste artigo o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, na medida em que o Estado é obrigado a garantir ao jurisdicionado a adequada tutela jurisdicional a cada caso concreto. É certo que a adequada prestação jurisdicional deve se somar a efetividade processual com o escopo de realizar a cognição da lide em um menor espaço de tempo possível, proporcionando desta forma, o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício individual. Essas regras são importantes balizas que o Estado Democrático de Direito deve garantir ao cidadão procurando assegurar o máximo de estabilidade social nas relações jurídicas.
NOTAS
BIBLIOGRAFIA
Araújo e Cintra, Antonio Carlos e Outros Teoria Geral do Processo, Editora Malheiros, 10.º Edição.
Dinamarco, Cândido Rangel A reforma do Código de Processo Civil, Editora Malheiros 2.º Edição, 1995.
Marinoni, Luiz Guilherme A antecipação de tutela, Editora Malheiros, 5.º Edição, 1999
Marinoni, Luiz Guilherme Efetividade do processo e tutela de urgência, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre 1994.
Theodoro Júnior, Humberto Processo Cautelar, Editora Universitária de Direito, 17.º Edição, 1998.
Wambier, Teresa C. Arruda Alvim Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, Coordenação; Editora RT.