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A lei penal e os "excluídos":

as meta-regras do rigor

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8 Conclusão

Como se procurou demonstrar, existe uma tendência discriminatória no que diz respeito à aplicação do direito penal em relação a infratores de diferentes status sociais. Entretanto, o estereótipo do pobre como delinqüente não figura como a única fonte das meta-regras. A não identificação entre elementos da estrutura social e valores socialmente relevantes, determinante para a efetivação de uma dupla seletividade na aplicação do direito, por vezes advém do fato de o infrator pertencer a determinados grupos étnicos, culturais ou sociais diversos do dominante, mas que não são, necessariamente, negros ou economicamente desprovidos.

Vale ressaltar que há diversos outros fatores que motivam uma aplicação do direito com maior ou menor grau de rigor, que aqui não são apresentados devido à necessidade de delimitação do tema. São fatores relacionados ao gênero, à etnia, à cultura e à aparência, que conduzem à identificação do agente com alguma expressão sociocultural que se choca com os valores dominantes.

Contudo, o fato de o posicionamento, por vezes desfavorável, das instituições de aplicação do direito penal com relação aos menos favorecidos economicamente estar deslocando a atenção da mídia e causando indignação naqueles que tomam conhecimento dessas ocorrências são indícios de uma evolução para um futuro tratamento isonômico de todos perante a lei, não apenas formalmente, mas também num sentido material. Também o fato de as condutas abusivas por parte das autoridades coatoras, bem como por parte dos aplicadores do direito, virem sendo punidas faz despertar, no interior das instituições de que essas autoridades fazem parte, um sentimento de efetivação daquilo que reza o ordenamento jurídico brasileiro: a todos ser dado igual tratamento pela justiça e perante a justiça.


Referências bibliográficas

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do direito Penal: introduçãoà sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro : Revan, 2002, p. 1.

___________________. O paradigma do gênero: da questão criminal à questãohumana. Disponível em http://veers.sites.uol.com.br/artigo2.htm. Acesso em04/07/2005.

CAPELLER, Wanda Maria. Criminalidade estrutural: aspectos ideológicos do controle social. In Revista de Direito Penal e Criminologia, nº. 34, jul/dez de 1982.

CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2002.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1988

PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: doutrina, jurisprudência,leitura indicada. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.

SANDMANN, Antonio. A linguagem da propaganda. São Paulo : Contexto, 1993.

SANTOS, Juarez Cirino. Violência Institucional. In Revista de Direito Penal eCriminologia, número 34, jul/dez de 1979.

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro : Achiamé, 1983.

Arquivos eletrônicos

Furto de duas melancias não pode ser motivo de prisão. Disponível em: http://www.espacovital.com.br/colunaespacovital02042004a.htm. Acesso em 07/07/2005

http://www.pr.gov.br/pmpr. Acesso em 09/07/2005.


NOTAS

01 Apud SANDMANN, Antonio. A linguagem da propaganda. São Paulo : Contexto, 1993.

02 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro : Graal, 1988

03 CAPELLER, Wanda Maria. Criminalidade estrutural: aspectos ideológicos do controle social. Revista de Direito Penal e Criminologia, número 34, jul/dez de 1982, pp. 63-64.

04 CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. Rio de Janeiro : Lumen Iuris, 2002, pp. 27-28.

05 Disponível em: http://www.pr.gov.br/pmpr (link: "Histórico"). Acesso em 09/07/2005.

06 PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: doutrina, jurisprudência, leitura indicada : São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 619-621.

07 BARATTA, Alessandro. O paradigma do gênero: da questão criminal à questão humana. Disponível em http://veers.sites.uol.com.br/artigo2.htm. Acesso em 04/07/2005.

08 SANDMANN, Antonio. A linguagem da propaganda. São Paulo : Contexto, 1993.

09

Matéria publicada no Espaço Vital. Furto de duas melancias não pode ser motivo de prisão. Disponível em: http://www.espacovital.com.br/colunaespacovital02042004a.htm Acesso em 07/07/2005

10 A íntegra da decisão pode ser lida no Anexo 3.

11 A charge original, colorida, pode ser vista no endereço eletrônico já indicado.

12

Charge publicada no Espaço Vital. Furto de duas melancias não pode ser motivo de prisão. Disponível em: http://www.espacovital.com.br/colunaespacovital02042004a.htm Acesso em 07/07/2005

13 SANTOS, Juarez Cirino. Violência Institucional: Revista de Direito Penal e Criminologia, número 34, jul/dez de 1979, p. 43.

14 Apud THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro : Achiamé, 1983, p. 72.

15 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do direito Penal: introdução à sociologia do Direito Penal. Rio de Janeiro : Revan, 2002, p. 1.

16

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro : Achiamé, 1983, p. 71.

17 THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro : Achiamé, 1983, p. 69.

18 Idem.

19 THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? Rio de Janeiro : Achiamé, 1983, p. 47.

20

Disponível em: http://www.pr.gov.br/depen/num_escolaridade.shtml Acesso em 07/07/2005

21 Disponível em: http://www.pr.gov.br/depen/num_perfilprofissional.shtmlAcesso em 07/07/2005

22 Disponível em: http://www.pr.gov.br/depen/num_perfilcriminal.shtmlAcesso em 09/07/2005


ANEXOS

Presidente da OAB de São Paulo aponta erro judicial na condenação da mulher que tentou roubar um xampu

O presidente da OAB-SP – Luiz Flávio Borges D’Urso – considerou "uma temeridade e um erro judicial" a pena cumprida pela empregada doméstica Maria Aparecida de Matos, que passou um ano e sete dias na cadeia pela tentativa de furto de um xampu e um condicionador de cabelos, no valor de R$ 24.

Para que fosse libertada, o pedido percorreu um longo percurso, sendo o habeas concedido pelo STJ, em Brasília, depois da recusa em primeira instância, na 2ª Vara Criminal e no TJ de São Paulo. "É um erro judicial pela inobservância do princípio da insignificância - que permite suspender processo nos crimes de valor irrisório, sem violência ou ameaça de morte - e da proporcionalidade entre conduta delituosa e punição", afirma D´Urso.

De acordo com o presidente da OAB SP, esse caso é emblemático. "O Estado, hoje, tem de ser mais seletivo. Não pode se deter em pequenos delitos como este, porque há situações muito mais graves que reclamam sua atenção, e aos quais ele precisa reagir, como casos de seqüestro, de tráfico de entorpecentes, assassinatos, assalto à mão armada etc. Nesse caso, a ação do Estado destruiu parcialmente a vida de uma pessoa, embora o seja responsável por sua integridade física – e por isso mesmo terá direito a uma indenização, e gastou dinheiro público para penalizar alguém que poderia ser punido de outra forma. Para manter uma pessoa no sistema prisional o Estado gasta de 4 a 6 salários mínimos por mês", pondera.

Na avaliação de D´Urso, o delito pelo qual Maria Aparecida foi condenada jamais deveria tê-la levado à prisão. Ele lembrou do caso da prisão de dois homens acusados de roubar duas melancias, em Palmas (TO), revelado com primazia pelo Espaço Vital em 02 de abril de 2004

"O juiz, diante de tanta obviedade, mandou soltar os dois e disse que quem quisesse que escolhesse o motivo. Neste caso atual, foi igualmente desproporcional. O Estado mobilizou toda a sua estrutura e seus agentes para fazer frente a um delito de pequena monta. O bem protegido tinha valor irrisório, que demandaria uma reparação proporcional, uma reprimenda e, eventualmente, uma pena alternativa. A cadeia hoje, no sistema prisional brasileiro, deve ser reservada para quem efetivamente é perigoso e traga ameaças à sociedade",

afirmou D’Urso. (Com informações da OAB-SP e da base de dados do Espaço Vital).

Disponível em: http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas27052005e.htmAcesso em 07/07/2005


STJ libera doméstica que tentou furtar xampu e ficou presa um ano

A empregada doméstica Maria Aparecida de Matos, 24 anos, sairá hoje da prisão em São Paulo depois de um ano e sete meses na cadeia. Ela cumpria pena pela acusação de tentar furtar um xampu e um condicionador no valor de R$ 24 em uma farmácia.

A liberdade foi concedida, na tarde de ontem, pelo STJ, depois que o TJ-SP negou o mesmo pedido. A sentença condenatória é da juíza Patrícia Alvares Cruz, da 2ª Vara Criminal do foro central de São Paulo.

A argumentação principal que livrou Maria Aparecida da prisão foi a mesma usada em outras instâncias judiciais: o princípio da insignificância - que prevê a suspensão do processo nos crimes de valor irrisório, sem violência ou ameaça.

O drama de Maria Aparecida - que ainda perdeu a visão do olho direito em uma tortura sofrida na prisão, supostamente cometida por funcionários e presas - mobilizou entidades como a Pastoral Carcerária e a Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura.

A doméstica deveria ficar pelo menos mais um ano recolhida, porque foi-lhe imposta uma medida de segurança. Pela sentença, a ré seria incapaz de entender que cometeu um crime e, assim, teria que ir para um manicômio penitenciário.

Disponível em: http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas24052005g.htmAcesso em 07/07/2005


Furto de duas melancias não pode ser motivo de prisão

A prisão em flagrante, na cidade de Palmas (Estado de Tocantins), de dois homens acusados do furto de duas melancias, não foi homologada pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da comarca da Capital. Os irmãos S.R.R. e H.R.R. tinham sido detidos pela autoridade policial, depois que o proprietário de uma chácara deu a informação, por telefone, de que estava sendo furtado. Levados à delegacia de polícia, um lavrador e um auxiliar de serviços-gerais foram indiciados, sendo lavrado o auto de prisão em flagrante, com o encaminhamento de ambos ao presídio local.

Informado o Juízo, o Ministério Público apresentou parecer pela homologação do flagrante e pela manutenção, presos, dos acusados durante a instrução processual.

Para conceder a imediata liberdade aos dois irmãos, o magistrado refere que teria uma série de fundamentos. Entre estes, os ensinamentos de Jesus, o princípio da insignificância ou bagatela, "a injustiça da prisão em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos", etc. Mas logo asseverou que não usaria fundamento nenhum, simplesmente mandando soltar os indiciados - e "quem quiser que escolha o motivo".

Leia a íntegra da decisão - Proc. nº 124/03

"A injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar deserviços em contraposição à liberdade dos engravatados"

"Trata-se de auto de prisão em flagrante de S.R.H. e H.R.H. (nomes omitidos pelo Espaço Vital), que foram detidos em virtude do suposto furto de duas melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi; o Direito Natural; o princípio da insignificância ou bagatela; o princípio da intervenção mínima; os princípios do chamado Direito alternativo; o furto famélico; a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos; o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...

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Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem, nem empobrecem, ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente Mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás. Intimem-se.

Rafael Gonçalves de Paula, juiz de Direito"

Disponível em: http://www.espacovital.com.br/colunaespacovital02042004a.htm Acesso em 07/07/2005


PMs de Londrina são acusados de espancar jovem até a morte

Policiais Militares de Londrina estão sendo acusados de ter espancado até a morte um rapaz de 20 anos, na noite deste sábado. Segundo informações do Bom Dia Paraná desta segunda-feira, James Smith da Silva teria abusado no volume do som, durante uma festa na própria casa onde morava. Dois policiais que participaram da ação estão presos no quartel da PM, em Londrina.

De acordo com a reportagem, os vizinhos é que acionaram a polícia. Em uma primeira abordagem de policiais em uma viatura, o rapaz teria se recusado a abaixar o volume. Diante da situação, o reforço teria sido chamado e outras sete viaturas chegado ao local da ocorrência.

Uma das testemunhas, que não quis ser identificada, contou que os policiais, diante da recusa de James, quebraram o som, bateram a cabeça do rapaz na parede e o jogaram no chão. A mãe de James contou para a reportagem que chegaram a quebrar um cacetete nas costas do rapaz. Ela disse ainda que, após baterem muito, os policiais colocaram o rapaz no carro. Segundo a mãe, James morreu a caminho do pronto-socorro.

Além desta ação, outros policiais teriam continuado a fiscalização pela cidade e feito abordagens violentas, como mostra a reportagem em vídeo do Bom Dia Paraná.

Disponível em: http://tudoparana.globo.com/noticias/parana/conteudo.phtml?id=461743 Acesso em 07/07/2005


Polícia mata e comandante da PM de Londrina é afastado

O secretário de Segurança Pública do Paraná, Luiz Fernando Delazari, determinou o afastamento do Comandante da Polícia Militar de Londrina, Major Manuel da Cruz Neto, na manhã desta segunda-feira. Em entrevista ao Bom Dia Paraná desta segunda, o oficial justificou a morte de um rapaz de 20 anos, provocado por dois policiais da corporação, como sendo "um acidente de trabalho".

James Smith da Silva, de 20 anos, foi espancado dentro da própria casa, na noite de sábado. O crime ocorreu após o rapaz ter se recusado a abaixar o volume do som, durante uma festa. Além disso, outros 30 policiais realizaram abordagens violentas durante ronda nas ruas de Londrina e também foram afastados.

Delazari considerou "lamentável" a classificação para o crime ocorrido na noite de sábado. "É um erro de postura de um líder". Em entrevista ao Paraná TV, o secretário disse que o afastamento se deve não exclusivamente a este fato mas também a outros episódios falhos ocorridos anteriormente com relação à segurança da cidade.

O secretário afirmou ainda que todos os policiais acusados de atos violentos na noite de sábado serão afastados da corporação, procedimento que pode demorar até 90 dias. Segundo Delazari, os policiais passarão por processos criminais e administrativos.

Disponível em: http://tudoparana.globo.com/noticias/parana/conteudo.phtml?id=461757Acesso em 07/07/2005

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Sobre a autora
Yvana Savedra de Andrade Barreiros

Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA), Especialista em Língua Portuguesa (PUCPR), Graduada em Direito (UnicenP), Graduada em Comunicação Social - Jornalismo (PUCPR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARREIROS, Yvana Savedra Andrade. A lei penal e os "excluídos":: as meta-regras do rigor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1123, 29 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8711. Acesso em: 18 mai. 2024.

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