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Os direitos do fiduciário e do fiduciante na alienação fiduciária de coisa imóvel

(Lei nº 9.514/97)

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27/09/2006 às 00:00
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Exame do art. 39 da Lei 9.514/97

Converte no mesmo norte de ser resolutiva a propriedade consolidada na pessoa do fiduciário, o disposto no art. 39, da Lei 9.514/97, verbis: "Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei:.. . II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966."

Os referidos artigos do Decreto-Lei nº 70/66 tratam do procedimento de execução extrajudicial de dívida hipotecária, o qual, no que tange à alienação fiduciária, está disciplinado nos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97, à exceção do disposto no art. 34 do referido Decreto-Lei, que diz:

"É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito totalizado de acordo com o art. 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos:

I – se a purgação se efetuar conforme o § 1º do art. 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário;

II – daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação."

A aplicabilidade do disposto neste artigo à alienação fiduciária de coisa imóvel tem lugar única e exclusivamente na hipótese de execução da dívida, o que somente poderá acontecer após a consolidação da propriedade em favor do fiduciário.

O fato de que o fiduciante pode promover, antes da assinatura do auto de arrematação, a purgação do débito e, como conseqüência, evitar a alienação do imóvel em público leilão, somente se justifica se existir uma propriedade resolutiva, cuja "condição" de resolução é o pagamento do débito, pois, do contrário, de nada valeria assegurar ao devedor o direito de pagar o débito se esse pagamento não tivesse o condão de resolver a propriedade do fiduciário.

Além disso, a obrigação imposta ao fiduciário de dispor do bem, e de ter que fazê-lo em estrita obediência ao procedimento minudenciado no art. 27 da Lei 9.514/97, somente é aceitável se o mesmo for proprietário resolúvel, pois ao proprietário pleno assiste a "faculdade" e nunca a obrigação de dispor de sua propriedade (art. 1.228 do Código Civil).


Conclusão

Pelo exposto, vê-se que a alienação fiduciária em garantia objeto da Lei 9.514/97 se configura instituto cuja contratação gera efeitos imediatos e mediato, cada um dos quais com objetivos distintos, a saber:

A) efeitos imediatos:

1.constituição, em favor do fiduciário, da propriedade fiduciária, que é direito real de garantia (art. 23);

2."desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel" (Parágrafo único do art. 23);

3.restrição ao direito de propriedade do fiduciante quanto à sua faculdade de dispor do bem, uma vez que passa a depender da aquiescência do fiduciário para esse fim (art. 29).

Os efeitos imediatos do contrato de alienação fiduciária visam, evidentemente, garantir a solução da dívida.

B) efeito mediato: a transmissão da propriedade resolúvel ao fiduciário caso o fiduciante se torne inadimplente. Para esse fim será necessário o pagamento do imposto de transmissão inter vivos e a prática de novo ato de registro no Ofício Imobiliário (art. 26, § 7º), por se tratar de transmissão de direito de propriedade.

O efeito mediato do contrato de alienação fiduciária, por sua vez, visa solver a dívida.

Com a consolidação da propriedade o fiduciário passa a ser proprietário resolúvel, e o fiduciante, nesse caso, torna-se proprietário sob condição suspensiva.

Não ocorrendo a causa resolutiva da propriedade do fiduciário, ou seja: o pagamento (imediato) da dívida, por uma das formas apontadas na lei (arrematação em público leilão ou purgação da mora pelo fiduciante), a propriedade plena se consolida na pessoa do credor, visto que a partir daí poderá utilizar-se dela como bem lhe convier (art. 27, §§ 5º e 6º e art. 33).

Porém, se o fiduciante purgar o débito, antes da assinatura do auto de arrematação, resolve-se a propriedade do fiduciário. Com isso, o fiduciante deixa de ser proprietário sob condição suspensiva e retorna ao seu status quo ante: o de proprietário pleno do bem, como se o contrato de alienação fiduciária jamais houvesse existido.


Referências:

1. CHALHUB, Melhim Namem. Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro - São Paulo: Renovar, 2000, 2ª ed.

2. LIMA, Frederico Henrique Viegas de. Da Alienação Fiduciária em Garantia de Coisa Imóvel. Curitiba: Juruá Editora, 2002, 1ª ed.

3. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001, 19ª ed.

4. MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

5. RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2000, vol. 5, 25ª ed.

6. TERRA, Marcelo. Alienação Fiduciária de imóvel em garantia (Lei nº 9.514/97, primeiras linhas). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

7. VAZ, Ubirayr Ferreira. Alienação Fiduciária de coisa imóvel – Reflexos da lei nº 9.514/97 no Registro de Imóveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

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Sobre o autor
Valestan Milhomem da Costa

especializando em Direito Registral Imobiliário, tabelião, oficial substituto do 1º Ofício de Cabo Frio (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Valestan Milhomem. Os direitos do fiduciário e do fiduciante na alienação fiduciária de coisa imóvel: (Lei nº 9.514/97). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1183, 27 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8969. Acesso em: 25 abr. 2024.

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