SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A técnica da ponderação de interesses; 3 O princípio da unidade da Constituição e as tensões constitucionais; 4 O princípio da proporcionalidade; 4.1 O princípio da proporcionalidade e a cláusula do devido processo legal; 5 Direito constitucional à prova: direito à prova como garantia do acesso à justiça e manifestação do princípio do contraditório; 5.1 Meios de prova; 6 Princípio da proibição da prova ilícita; 7 Prova ilícita no processo civil à luz do princípio da proporcionalidade; 8 Conclusão; Referências.
"Somente haverá acesso à justiça, se o magistrado levar em conta a teoria dos princípios e a argumentação jurídica, construindo, assim, as bases de um devido processo proporcional". (HADDAD).
1 INTRODUÇÃO
A questão da prova ilícita e a possibilidade de sua utilização no processo é tema de grande importância que vem sendo muito discutido, hodiernamente, tendo a Doutrina e a Jurisprudência entendido que a prova ilícita no processo civil deve ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade. De fato, tal princípio é também um princípio de interpretação constitucional, e bem se presta a solucionar conflitos principiológicos, dentre eles, o conflito entre a proibição da prova ilícita e algum outro princípio constitucional.
A prova ilícita é constitucionalmente vedada em qualquer tipo de processo, consoante dispõe o art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal. Ocorre que a proibição constitucional da prova ilícita não é uma proibição absoluta, pois, num caso concreto, tal princípio pode ser afastado, quando em confronto com outro – ao aplicar-se o princípio da proporcionalidade – e a prova ilícita ser acolhida, visando à justa solução para o caso.
2 A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES
A técnica da ponderação de interesses caracteriza-se por pesar e comparar interesses que se encontram em conflito, levando em consideração o caso concreto, a fim de resolver as controvérsias constitucionais.
Na ponderação de interesses, haverá a mínima restrição possível a cada bem jurídico envolvido, na medida exata para salvaguardar o bem jurídico contraposto, com a utilização, para isso, do princípio da proporcionalidade. Assim, essas restrições não devem ir além do necessário para a solução dos conflitos, sendo que as variáveis fáticas do caso concreto é que vão determinar o peso específico de cada princípio em confronto, mostrando-se, portanto, essenciais para o resultado da ponderação.
A ponderação entre interesses constitucionais tem como principal critério substantivo o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio representa o vértice axiológico da Constituição, visto que o homem é o fim último da ordem constitucional, e não apenas um dos interesses da mesma. Toda ponderação, portanto, deve respeitar a dignidade da pessoa humana.
3 O PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO E AS TENSÕES CONSTITUCIONAIS
Apesar do princípio da unidade da Constituição [01] conferir coesão ao ordenamento jurídico, não se pode negar a existência de tensões constitucionais, em virtude da diversidade de ditames, os quais, por vezes, chocam-se entre si, em determinadas situações. Nesse caso, não sendo possível ao intérprete harmonizar as normas constitucionais a concretizar, deverá este procurar a solução que menos restrinja a eficácia de cada uma das normas em conflito, em busca da otimização da tutela dos bens jurídicos protegidos.
Nas sociedades pluralistas e democráticas – como é o caso da sociedade brasileira – a diversidade de valores e de idéias insere-se na Constituição, que acaba por acolher normas [02] potencialmente divergentes, as quais podem entrar em conflito na solução de casos concretos.
Quando o conflito normativo se dá entre regras, resolve-se pelos critérios clássicos de resolução de antinomias [03], excluindo-se uma regra e aplicando-se a outra. Mas quando o embate se dá entre princípios e não é possível harmonizá-los, deve o intérprete utilizar-se do método da ponderação de interesses, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, para solucionar tal confronto.
Os princípios, por serem normas fundamentais do sistema, não podem ser dele excluídos – como ocorre com as regras – mas apenas afastados para aquela hipótese concreta, continuando, portanto, dentro do ordenamento jurídico.
A inexistência de hierarquia absoluta entre as normas constitucionais é consectário do princípio da unidade da Constituição, uma vez que, se houvesse validade absoluta de certas normas, haveria o sacrifício completo de outras, o que comprometeria a unidade normativa da Constituição. Assim, não existe direito fundamental absoluto, podendo qualquer valor, protegido por determinado princípio, ser afastado, no caso concreto, quando em conflito com outro, de maior peso naquela situação, a partir de uma ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade.
4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
A proporcionalidade – Verhältnismässigkeitsprinzip – originou-se na Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial, com os anseios do Estado de Direito pós-guerra. [04]. Esse princípio constitucional não entra em choque com nenhum outro, mas sim presta-se a solucionar conflitos principiológicos.
É o princípio da proporcionalidade que permite fazer o sopesamento dos princípios e direitos fundamentais, no caso de conflito entre eles, proporcionando uma solução que respeite, ao máximo, todos os interesses envolvidos.
O princípio da proporcionalidade se decompõe em três subprincípios [05]: adequação; necessidade ou exigibilidade; e proporcionalidade em sentido estrito ou proibição do excesso.
De acordo com o subprincípio da adequação, a medida administrativa ou legislativa proveniente do Poder Público deve ser apta a atingir os fins que a inspiraram. O subprincípio da necessidade, por seu turno, determina a adoção da medida menos gravosa possível para atingir determinado objetivo. Por fim, de acordo com o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, o benefício trazido pela norma deve ser superior ao ônus imposto por ela. Este subprincípio constitui a efetiva razoabilidade da medida [06].
4.1 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
O princípio da proporcionalidade/ razoabilidade está implícito na Constituição Federal, tendo como sede material a cláusula do devido processo legal, a qual se encontra expressa no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, que assim dispõe: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
O princípio do devido processo legal – expressão oriunda do termo inglês due processo of law - é a base sobre a qual todos os outros princípios se sustentam.
Pode-se dizer que o princípio do devido processo legal permite o controle da razoabilidade das leis - que seria o próprio princípio do devido processo legal substancial - bem como é lícito afirmar que o princípio da proporcionalidade serve como justa medida para a atuação do princípio do devido processo legal, restringindo alguns direitos, na situação concreta.
5 DIREITO CONSTITUCIONAL À PROVA: DIREITO À PROVA COMO GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA [07] E MANIFESTAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Deve-se analisar o direito à prova a partir de uma perspectiva constitucional, considerando-o como um direito fundamental, visto que decorre dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça. O direito à prova é um direito que está implícito na Constituição Federal, sendo derivado da garantia do contraditório, contida no art. 5º, inciso LV, da mesma.
O direito constitucional à prova, que é uma garantia constitucional do processo, tem três dimensões: o direito de produzir prova em juízo; o direito de participar da produção da prova; e o direito de manifestar-se sobre a prova produzida. Coma efeito, sendo o contraditório o direito que a parte tem de ser ouvida e de influenciar ou poder influenciar na decisão do magistrado, ele é, a um só tempo, a garantia da participação e do poder de influência, como o é o direito à prova.
O direito à prova assegura às partes, portanto, a utilização de todos os meios de prova imprescindíveis à demonstração das alegações a respeito dos fatos. Ressalte-se que, entretanto, tal direito não é absoluto - assim como não o é nenhum direito fundamental - podendo ser limitado, excepcionalmente, quando entrar em conflito com outros valores e princípios constitucionais, aplicando-se o princípio da proporcionalidade.
Assim, diante de uma tensão entre o valor que o direito à prova visa proteger (o interesse específico daquela prova para o processo) e o valor tutelado pela proibição da prova ilícita (como, por exemplo, o direito à intimidade), o juiz deverá aplicar o princípio da proporcionalidade, a fim de ponderar e, enfim, saber qual deles deverá prevalecer e qual deverá ceder, no caso concreto. Poderá, assim, o princípio da vedação da prova ilícita ser afastado, em determinada situação concreta, sendo admitida a prova ilícita.
Desse modo, as regras que venham a limitar o exercício do direito à prova devem ser razoáveis, ou seja, as limitações probatórias só serão válidas, se pautadas no princípio da proporcionalidade, o qual harmonizará os diversos direitos, bens ou valores constitucionais.
5.1 MEIOS DE PROVA
A regra, no Brasil, é a liberdade dos meios de prova – conforme se infere do art. 332 do Código de Processo Civil [08] – sendo as provas ilícitas exceção a essa regra. Não obstante, no processo civil, tem-se admitido a utilização da prova ilícita tanto pelo autor, quanto pelo réu, se, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, constatar-se que o princípio da proibição da prova ilícita deve ceder, em determinado caso concreto, para que outro princípio, de maior peso naquela situação, prevaleça [09].
6 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROVA ILÍCITA
A terminologia "prova ilícita" foi empregada pela Constituição Federal de 1988, tendo sido haurida da melhor doutrina, que teve em Pietro Nuvolone, citado por João Batista Lopes (2002, p.96), o seu grande destaque. Para esse autor, as provas ilícitas são colocadas como espécies das provas vedadas, as quais compreendem as provas ilícitas propriamente ditas e as provas ilegítimas.
Para o autor espanhol Nuvolone, citado por João Batista Lopes (2002, p.96), e para outros doutrinadores brasileiros como Luiz Francisco Torquato Avolio (2003, p.43) e Cristiano Chaves de Farias (2005, p.610), as provas ilícitas são as que ofendem norma de direito material, enquanto que as ilegítimas são as obtidas com infringência às normas de direito processual.
Marinoni e Arenhart (2003, p.318-319), por outro lado, entendem que a prova é ilícita quando viola uma norma de direito material ou de direito processual. E consideram como prova moralmente ilegítima a que atenta contra regras de direito que foram instituídas para proteger a moral e os bons costumes.
Ultrapassando essa divergência terminológica, já que tanto a prova ilícita, quanto a ilegítima são, em regra, vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, convém analisar a questão da prova ilícita e até onde vai a proibição de sua utilização no processo.
O sistema brasileiro rejeita, genericamente, a prova ilícita, consoante dispõe o inciso LVI do art. 5º da Lei Fundamental, in verbis: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".
O conceito de prova ilícita evoluiu com o passar do tempo. No direito brasileiro, antes da Constituição de 1988, havia duas correntes doutrinárias a respeito da admissibilidade processual das provas ilícitas, predominando a que defendia a admissibilidade, especialmente no direito de família.
Os adeptos da teoria da admissibilidade prestigiavam a busca da "verdade real", não importando o meio pelo qual a prova foi obtida, devendo o juiz aproveitar o seu conteúdo. Assim, num eventual conflito entre o direito à intimidade e o direito à prova (por todos os meios, inclusive os ilícitos), o primeiro, que está entre as liberdades públicas, deveria ceder quando em confronto com a ordem pública e as liberdades alheias. A ponderação, portanto, pendia em favor do princípio da investigação da verdade, ainda que baseada em meios ilícitos.
A parte minoritária da doutrina que se posicionava pela inadmissibilidade da prova ilícita, antes da Constituição de 1988, lastreava-se no art. 332 do Código de Processo Civil, entendendo que essa prova não era legal, nem moralmente legítima.
Posteriormente - sobretudo quando se chegou à conclusão de que a essência da verdade nunca poderá ser atingida, por não ser possível reconstruir os fatos pretéritos da mesma forma como se passaram [10] - passou a predominar nos diversos ordenamentos jurídicos o posicionamento doutrinário pela inadmissibilidade da prova ilícita. No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, a vedação à prova ilícita passou a ter previsão expressa, como já se disse, no seu art. 5º, inciso LVI.
Contudo, essa posição não deve ser entendida em termos absolutos, tendo em vista que vigora, nos países filiados à proibição das provas ilícitas, inclusive no Brasil, a teoria da proporcionalidade.
Vale ressaltar a posição de Barbosa Moreira, referido por Torquato Avolio (2003, p. 75), que, em acórdão publicado em RF 282/272, aplicou o princípio da proporcionalidade, sendo que sua fundamentação se enquadra numa posição intermediária [11] sobre a admissibilidade das provas ilícitas no Brasil:
Prova obtida por meio de interceptação e gravação de conversas telefônicas do cônjuge suspeito de adultério: não é ilegal, quer à luz do Código Penal, quer à luz do Código Brasileiro de Telecomunicações, e pode ser moralmente legítima se as circunstâncias do caso justificam a adoção, pelo outro cônjuge, de medidas especiais de vigilância e fiscalização.
O mencionado autor, citado por Torquato Avolio (2003, p.75), entende que o direito à preservação da intimidade pode ser sacrificado na medida em que seja incompatível com a realização de objetivos primariamente visados, sendo necessário, desse modo, "observar um critério de proporcionalidade com o auxílio do qual se possa estabelecer adequado ‘sistema de limites’ à atuação das normas suscetíveis de pôr em xeque a integridade da esfera íntima de alguém, participante ou não do processo".
No mesmo sentido, entende Vicente Greco Filho (1995, p.178):
O texto constitucional parece, contudo, jamais admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito. Veja-se, por exemplo, a hipótese de uma prova decisiva para a absolvição obtida por meio de uma ilicitude de menor monta. Prevalece o princípio da liberdade da pessoa, logo a prova será produzida e apreciada, afastando-se a incidência do inciso LVI do art. 5º da Constituição, que vale como princípio, mas não absoluto, como se disse. Outras situações análogas poderiam ser imaginadas.
O entendimento da jurisprudência brasileira tem sido no mesmo sentido do entendimento doutrinário, pugnando pela necessidade de se levar em conta os bens conflitantes no caso concreto sempre à luz do princípio da proporcionalidade. Este posicionamento é corroborado pelo julgado abaixo:
Constitucional e Processual Penal. "Habeas Corpus". Escuta Telefônica com ordem judicial. Réu condenado por formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do artigo 5º da Constituição, que fala que ‘são inadmissíveis...as provas obtidas por meio ilícito’, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a orientar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A própria Constituição Federal Brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz, através da ‘atualização constitucional’ (VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG), base para o entendimento de que a cláusula constitucional invocada é relativa. A jurisprudência norte-americana, mencionada em precedente do Supremo Tribunal Federal, não é tranqüila. Sempre é invocável o princípio da ‘razoabilidade’ (REASONABLENESS). O ‘princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas’ (EXCLUSIONARY RULE) também lá pede temperamentos. (HC nº 3982/RJ, STJ, 6ª T., Rel. Min. Adhemar Maciel, D.J. 26.02.96, denegada a ordem, por unanimidade).
Desse modo, atualmente, a doutrina e a jurisprudência dominante no Brasil posicionam-se de forma contrária à admissibilidade das provas ilícitas, mas temperam tal entendimento pela teoria da proporcionalidade. Com efeito, o princípio da proibição da prova ilícita não é absoluto – até porque, reitere-se, não existe nenhum direito fundamental absoluto – podendo ceder, quando em colisão com outro direito fundamental de maior peso, no caso concreto.
7 PROVA ILÍCITA NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Não só a proibição do uso da prova ilícita é garantia constitucional, como também o direito à prova o é. Assim, pode surgir conflito entre os princípios constitucionais do acesso à justiça e do direito à prova, de um lado, e, de outro, o da proibição do uso da prova ilícita. Surgindo tal conflito principiológico, faz-se necessária a aplicação da técnica da ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, para que, no caso concreto, o julgador possa decidir qual dos princípios deve prevalecer.
O direito à prova encontra-se, de fato, limitado pela legitimidade dos meios utilizados para obtê-la. Não obstante, em que pese ser necessário tutelar-se os direitos que podem ser violados pela prova ilícita, faz-se mister, também, a tutela dos direitos que não podem ser demonstrados por meio de outra prova, que não seja a obtida de modo ilícito. É nessa ocasião que se deve aplicar o princípio da proporcionalidade, o qual vai determinar o balanceamento dos interesses e valores em jogo.
Na verdade, a ponderação deve ser feita, diante das circunstâncias do caso concreto, entre o direito que seria realizado através da prova (e não simplesmente o direito à prova) e o direito da personalidade que foi por ela desconsiderado. Por isso, para que haja uma eventual admissão de prova ilícita, deve-se ponderar um interesse específico com outro interesse específico contraposto, e não com a sua generalização [12].
Convém salientar que o uso da prova ilícita, mesmo que dependente dessa ponderação, apenas pode ser aceito quando a prova foi obtida ou formada ilicitamente porque não existia outra forma para se demonstrar os fatos em juízo. A prova ilícita, portanto, só pode ser admitida quando é a única capaz de evidenciar fato absolutamente necessário para a tutela de um direito que, no caso concreto, merece ser realizado, ainda que diante do direito da personalidade atingido.
A respeito do assunto, vale observar a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p.322):
Para que o juiz possa concluir se é justificável o uso da prova, ele necessariamente deverá estabelecer uma prevalência axiológica de um dos bens em vista do outro, de acordo com os valores do seu momento histórico e diante das circunstâncias do caso concreto. Não se trata – perceba-se bem – de estabelecer uma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os bens têm pesos que variam de acordo com as diferentes situações concretas. O princípio da proporcionalidade (...) exige uma ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação.
José Carlos Barbosa Moreira, citado por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p.322), ensina que: "só a atenta ponderação comparativa dos interesses em jogo, na caso concreto, afigura-se capaz de permitir que se chegue à solução conforme a justiça. É exatamente a isso que visa o recurso ao princípio da proporcionalidade".
Nos sistemas jurídicos em geral os valores por eles protegidos encontram-se escalonados, conforme o grau de importância atribuído aos mesmos pela sociedade. A materialização dos valores e direitos que se mostram mais importantes, em casos específicos, pode-se dar através da aceitabilidade processual de provas colhidas por meios ilícitos. Tais provas seriam consideradas ilícitas, caso fosse utilizada uma avaliação meramente formal da ilicitude. Mas, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, essas provas podem ser aceitas no processo, em determinado caso concreto.
Vale mencionar a lição de Lenz, citado por Maria Cecília Pontes Carnaúba (2000, p.83), a respeito do assunto:
A admissibilidade no processo de provas produzidas por meios não permitidos pelo sistema legal é uma situação nova, porque quebra os limites de interpretação incondicional do texto legal sobre as atividades persecutória e investigatória do Estado, e cria modernos freios às arbitrariedades estatais através da adoção de limites objetivos impostos pela razão, com base no princípio da proporcionalidade. Não tem o condão de desvirtuar a ação policial, permitindo um desempenho mais fácil mediante ameaças, invasões e coações para a obtenção de provas. Ao contrário, estimula um criterioso trabalho de busca de indícios que faça jus à evolução do sistema jurídico moderno, porque o resultado da atividade persecutória e investigatória deverá ser analisado judicialmente, não apenas em seu aspecto formal, mas, acima de tudo, sobre a essência das informações colhidas, porque ‘o conteúdo é que pode ofender o direito ao sigilo, ou não ser, por outro motivo, moralmente legítimo’.
Assim, muitas vezes a interpretação restritiva da norma não é a mais adequada para se atender aos direitos em conflito no processo. Com efeito, a doutrina tem interpretado o art. 5º, inciso LVI, da CF à luz do princípio da proporcionalidade, a fim de seja amenizado o rigor de tal norma, sendo que tal princípio deverá estabelecer os interesses veiculados no processo, as prioridades, a necessidade, a adequação, bem como a prática da menor restrição para atingir o objetivo da justiça.
Nesse sentido entende o eminente professor Cristiano Chaves de Farias (2005, p.613), explicando que, tanto no processo penal, quanto no processo civil é perfeitamente possível que o bem jurídico tutelado suplante – e muito – o bem jurídico privacidade. E cita algumas situações em que, a partir da análise do caso concreto, pode ser possível a utilização da prova ilícita no processo:
Assim, em casos excepcionais – como nas hipóteses de destituição de poder familiar, de investigação de paternidade ou de ações coletivas – há de ser admitida a prova ilícita, pois o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, justificando a sua utilização.
Em outras palavras, é a ponderação dos interesses no caso concreto que deverá nortear a decisão judicial [...] prestigiando-se o valor jurídico mais relevante.
A propósito, vale mencionar o excelente exemplo trazido por Daniel Sarmento (2003, p.182):
Suponha-se, a título de ilustração, o caso de ação de destituição de pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (e.g. gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita.
Daniel Ustárroz (2006) também traz dois brilhantes exemplos práticos de aplicação do princípio da proporcionalidade para saber se, na situação fática, a prova é lícita ou ilícita. Abaixo segue a primeira suposta hipótese:
Gustavo, manejando seu corsa, é abordado por policiais, em razão de apresentar indícios de consumo de álcool. Muito embora tenha negado-se a utilizar-se do bafômetro, os polícias o portam até hospital próximo, no qual é obrigado a doar alguns mililitros de sangue para análise. Sobrevém resultado, deixando inconteste que nossa personagem consumira duas vezes mais a quantidade de álcool tolerada pela legislação. Passados alguns meses, o caso assume conotação judicial, na medida em que o sempre combativo promotor de justiça da comarca o denuncia pela suposta prática do delito de direção perigosa e, em instrução, defende a validade da prova coligida naquele hospital. Poderíamos aceitá-la? Vênia deferida de entendimento diverso, jamais o nobre magistrado da causa poderia ter a prova como boa, aos efeitos de embasar sentença penal condenatória, na medida em que o meio pelo qual ela fora obtida violara tantos outros direitos assegurados à nossa personagem – justamente pelo mesmo ordenamento que proíbe particulares de trafegar alcoolizados. Note-se que, no caso, para bem colocar o princípio da proporcionalidade, deveríamos cotejar os interesses envolvidos no litígio. De um lado, poderíamos argumentar que existe o interesse público, materializado pela obrigação de evitar que mais vidas sejam ceifadas em razão de condutas culposas no trânsito. Todavia, no outro lado da balança, existiriam outras garantias individuais, dentre as quais aquela que confere a todos cidadãos o direito de dispor do próprio corpo conforme sua vontade (e que, poder-se-ia dizer, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana). Ao que nos parece, o fim aqui não estaria a justificar os meios empregados, visto que, do contrário, praticamente chancelaríamos o arbítrio.
Nesse primeiro exemplo, o princípio da proibição da prova ilícita prevalece sobre o interesse público de evitar que vidas sejam ceifadas por condutas culposas no trânsito. Isso porque aquele princípio protege, in casu, valores de maior peso, como o direito de dispor sobre o próprio corpo, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana. Nada impediria, entretanto, que o motorista respondesse pelas conseqüências de seu ato, mediante presunções que emanassem de sua conduta, visto que a presunção de embriaguez poderia satisfazer o sistema, restabelecendo a tranqüilidade social.
Não obstante, no exemplo seguinte, referente a uma ação de investigação de paternidade, o direito de dispor livremente do próprio corpo deverá ceder em prol do interesse da pessoa de saber sua paternidade biológica, ou seja, a sua verdadeira identidade, que também decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, e que – é lícito dizer – tem maior peso, quando colocado na "balança", pelo juiz:
Efetivamente, situação inversa ocorreria se, em meio a processo promovido por Renata, de quatro anos de idade, a fim de investigar sua paternidade, Mathias, indigitado pai, recebesse ordem judicial para doar alguma quantidade de sangue (ou fios de cabelo) para confrontação de DNA’s. Pergunta-se: poderia o varão alegar garantias constitucionais em seu favor a fim de eximir-se do mandado, de tal sorte que a criança fosse obrigada a satisfazer-se tão-somente com a famigerada paternidade presumida? Novamente, rogando vênia aos defensores de opinião contrária - por ora sob guarida do entendimento de escassa maioria do Supremo Tribunal Federal - aqui a matéria assumiria feições outras. Já não estaria em jogo o interesse do particular de negar-se a cumprir as mais bizarras ordens de policiais, dispondo livremente de sua liberdade. Aqui, a questão seria definir qual interesse deva ceder: aquele do indigitado pai preservar sua integridade física, eximindo-se do dever de oferecer alguns fios de cabelo ou mililitros de sangue, ou aquele da criança em descobrir sua real, e não fictícia, identidade. Ora, nesse caso, jamais poderia nosso querido amigo desobrigar-se da ordem, pois, ao fim e ao cabo, o interesse da pessoa em descobrir sua verdadeira (e não presumida) identidade representa o princípio da dignidade da pessoa humana e o ato intentado por Mathias, uma grave afronta a sua aplicação. Esse interesse da criança - e de todos os homens - jamais poderia ceder em nome de uma egoísta e literal interpretação de outra garantia, afinal, como bem assinalou o Min. Carlos Velloso, não há no mundo interesse maior do que este: o do filho conhecer ou saber quem é o seu pai biológico.
Nesse caso, a mera presunção de paternidade, ao contrário da situação anterior, representaria uma sensação de desassossego para toda a comunidade, na medida em que não seria dado à pessoa o direito de conhecer a sua própria identidade, consistente na sua árvore genealógica, i.e., sua origem ancestral. Nesta última hipótese, pode-se afirmar que o sistema já não permitiria a resolução do litígio mediante o artifício de uma presunção.
Desse modo, os exemplos acima tratam de duas condutas idênticas (negar-se a ir até clínica) que, diante das condições concretas, à luz do princípio da proporcionalidade, importam em conseqüências distintas – no primeiro, a prova é considerada ilícita, devendo ser desprezada, enquanto que, no segundo, a prova é tida como lícita, devendo ser admitida no processo. Assim, quando se trata de princípios, estejam eles positivados ou não, não se pode a priori determinar qual solução será a ideal para um caso futuro, de modo que, somente da análise de suas particularidades, pode-se evidenciar quais as medidas que efetivarão os ditames de um legítimo Estado de Direito.
A jurisprudência ainda diverge bastante a respeito desse tema, mas já há muitas decisões fundamentadas no princípio da proporcionalidade, como se pode observar do trecho abaixo, extraído de uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, num mandado de segurança, que teve como relator o Ministro Cezar Peluso:
Uma das hipóteses exemplares de interesse público ou social, capaz de justificar, quando menos por inconveniência perceptivelmente grave, limitação ou atenuação do caráter público dos atos do Poder Judiciário, está na exigência de resguardo de direitos e garantias individuais, tutelados pela mesma Constituição da República. Daí vem que, como expressões típicas de interesse público ou social transcendente, a inviolabilidade constitucional da intimidade, da vida privada e das comunicações do impetrante (art. 5o, X e XII, da Constituição da República) - a qual só cede a fato excepcional, em nome doutro interesse público, quando não haja meios alternativos de investigação, mas observadas sempre as regras legais e na estrita medida da necessidade concreta (proporcionalidade de expediente restritivo de direito fundamental) - se propõe como barreira intransponível aos poderes de investigação e à publicidade dos atos judiciais e, conseqüentemente, das Comissões Parlamentares de Inquérito, por força do disposto no artigo 58, § 3o, c.c. artigo 93, IX, da Constituição Federal. (Mandado de Segurança nº 25716MC/DF, DJ 16/12/2005. Relator Min. Cezar Peluso).
Nessa linha de entendimento, o Supremo Tribunal Federal admitiu que a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, pode, de forma excepcional, interceptar correspondência remetida aos apenados, já que a inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Desse modo, o princípio da proibição da prova ilícita e o direito à intimidade cederão, no caso concreto, prevalecendo o valor da segurança pública, como se pode observar da ementa colacionada abaixo:
E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO – OBSERVÂNCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANÁLISE DA PROVA - PEDIDO INDEFERIDO. - A estrutura formal da sentença deriva da fiel observância das regras inscritas no art. 381 do Código de Processo Penal. O ato sentencial que contém a exposição sucinta da acusação e da defesa e que indica os motivos em que se funda a decisão satisfaz, plenamente, as exigências impostas pela lei. - A eficácia probante das copias xerográficas resulta, em princípio, de sua formal autenticação por agente público competente (CPP, art. 232, parágrafo único). Peças reprográficas não autenticadas, desde que possível a aferição de sua legitimidade por outro meio idôneo, podem ser validamente utilizadas em juízo penal. - A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de habeas corpus. (HC 70814 / SP – São Paulo, DJ 24-06-1994. 1ª Turma do STF. Relator Min. Celso de Mello).
Desse modo, nas palavras da professora Gisele Góes (2004, p.151), "deve ser feito o raciocínio com a teoria dos interesses preponderantes e, desde que necessário, adequado e proporcional, o meio de prova deve ser aceito".
Vale colacionar o caso prático trazido pela professora Gisele Góes (2005, p.14-16), no qual se presencia a colisão entre princípios, que pode ser solucionada com a aplicação do princípio da proporcionalidade:
Os princípios da proibição da prova ilícita e da proporcionalidade. Sabe-se que o cônjuge é adúltero e que, portanto, descumpriu um dos deveres do casamento. Contudo, não há prova desse fato, repetido continuamente. A única prova de que a parte prejudicada dispõe é de uma gravação de atos comprobatórios do adultério, conseguida clandestinamente, por meio de câmara escondida que invadiu a privacidade dos adúlteros. A garantia da proibição da prova obtida ilicitamente está assegurada na Constituição Federal artigo 5º, inciso LVI, assim como a intangibilidade da vida privada (artigo 5º, inciso X, do Texto Maior de 1988). No entanto existe, de outro lado, a dignidade do cônjuge prejudicado (Constituição Federal, artigo 1º, inciso III) e o crime que teria sido cometido, segundo as leis penais [13], aliado ao fato de que o casamento é instituição garantida e preservada pelo Texto Constitucional no Art. 226 e pela ordem pública. O que deve prevalecer nesse confronto: a intimidade, que tem caráter individual? A ordem pública, o casamento, a apuração de crime, três referências que têm caráter social?
Assim, há, de um lado, a intimidade e a proibição das provas obtidas por meios ilícitos e, de outro, a dignidade e o casamento (e, antes da Lei nº 11.106/2005, que revogou o art. 240 do Código Penal, o qual tratava do adultério, também estava presente a apuração do crime de cunho social).
Explica a referida doutrinadora (2005, p.15-16) que o magistrado, para solucionar tal conflito principiológico, deve fazer o seguinte raciocínio, com fulcro nos subprincípios da proporcionalidade:
a) É necessária a medida da gravação conseguida clandestinamente, no sentido de comprovar os atos do adultério?
b) É adequada, no rumo de ser o único meio à disposição do conjugue prejudicado?
c) Houve algum excesso por parte do conjugue ofendido? (proibição do excesso como verdadeira lei da ponderação para ROBERT ALEXY).
Com isso, conclui-se que, diante dos interesses em jogo, prevalece o social, devendo ser guindado a um segundo plano o de cunho individual, recebendo-se e considerando-se a gravação clandestina, com esteio no princípio da proporcionalidade que se desdobra nas máximas da necessidade e adequação que se postam no campo das possibilidades fáticas e da lei da ponderação que representa o campo das possibilidades jurídicas, de acordo com a tese de ROBERT ALEXY.
Destarte, a prova ilícita, que é, em regra, proibida no juízo cível, poderá nele ser admitida, a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade, se o bem jurídico a ser protegido superar a privacidade, justificando o sacrifício desta.
Assim, não se pode prescindir de uma análise formal quanto ao modo de obtenção das provas associada a um exame de conteúdo do material colhido, para, utilizando-se o princípio da proporcionalidade, decidir-se pela admissibilidade ou inadmissibilidade processual da prova. Tal análise, ressalte-se, deve ser feita de forma sistêmica, onde a Constituição deve ser vista como um corpo unitário, de modo a harmonizar todas as normas nela insertas.