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Assédio moral no trabalho

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10/10/2006 às 00:00
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6 Perfil do assediador

O assediador tem um perfil, tratando-se de uma pessoa perversa, que se sente feliz e realizada em praticar o mal, que se compraz com o sofrimento e o desespero alheio, que tudo faz pela infelicidade dos seus semelhantes, que gosta de demonstrar poder e força, sem quaisquer limites éticos ou ditados pela natureza e condição humana.

Nas precisas palavras de Jorge Luiz de Oliveira da Silva (2006):

O assédio moral, a princípio, traz repercussões extremamente negativas ao homem, repercutindo na seara física, psicológica, social e econômica. Indagar os motivos que levam o assediador a agir de forma tão violenta (uma "violência sutil") nos remete aos caminhos da ética e da moral. O assediador é essencialmente um indivíduo destituído de ética e de moral. O assediador age por impulsos negativos e sem nenhuma nobreza de caráter, revelando seu lado perverso ao verificar sua vítima sucumbir aos poucos diante de sua iniqüidade.

Vale a pena, até para descontrair um pouco, diante da seriedade do tema, trazer à baila uma classificação bem-humorada dos tipos de chefes agressivos, pelas próprias vítimas, conforme relatos feitos à médica Margarida Barreto (2000):

1)Pit-Bull: agressivo e violento, que demite friamente e humilha por prazer;

2) O profeta: aquele que exalta suas próprias qualidades e tem a missão de enxugar a máquina e, por isso, demite indiscriminadamente, mas humilha com cautela;

3) O troglodita: é o chefe brusco, que não admite discussão e não aceita reclamações;

4) O tigrão: esconde sua incapacidade com atitudes grosseiras e necessita de público, pois, quer ser temido por todos;

5) O grande irmão: primeiro banca o protetor, para depois atacar, ou seja, aproxima-se, entra na intimidade do trabalhador e, na primeira oportunidade, usa o que sabe contra o empregado para rebaixá-lo ou demiti-lo.


7 Conseqüências do assédio moral

Conforme já adiantado em linhas pretéritas, o assédio moral traz terríveis conseqüências à vida pessoal, familiar e profissional da vítima.

Para Mara Vidigal Darcanchy:

A prática do assédio moral traz implícitas situações em que a vítima sente-se ofendida, menosprezada, rebaixada, inferiorizada, constrangida, ultrajada ou que de qualquer forma tenha a sua auto-estima rebaixada por outra. Esse estado de ânimo traz conseqüências funestas para as vítimas, daí a necessidade de se conhecer bem o quadro e tratá-lo juridicamente, defendendo assim aqueles que são vítimas de pessoas opressoras, as quais de alguma forma têm o poder de coagi-las no seu local de trabalho ou no exercício de suas funções.

Dependendo do comportamento do empregador ou do seu preposto, ou superior hierárquico, em relação ao trabalhador, pode ser aplicada a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeitos de acesso a relação de emprego ou sua manutenção por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, casos em que a rescisão contratual operada por iniciativa do empregador, fundada nas práticas discriminatórias ou limitativas ora citadas, dão ao empregado o direito de vê-la declarada nula, com sua conseqüente reintegração no emprego e percepção de todas as parcelas do período de afastamento, ou pode o empregado optar pela remuneração em dobro do período de afastamento (art. 4º, incs. I e II, da precitada lei).

O assédio moral pode gerar a rescisão indireta do contrato de trabalho, pela vítima, com amparo nas alíneas a, b e c, do art. 483, da CLT, além de autorizar o empregador a dispensar por justa causa os colegas da vítima, chefes, gerentes e diretores, enfim, do responsável, seja ele qual for, pelo ato ilícito ou abusivo praticado contra a vítima, com amparo no art. 482, alínea b, da CLT. A responsabilidade do empregador, nesses casos, por atos de terceiros (colegas, chefes, diretores, gerentes etc.), perante a vítima, é objetiva, vale dizer, independe de sua culpa no evento danoso.

O assédio moral pode também acarretar dano material, a exemplo da perda do emprego e gastos com tratamento médico e psicológico, além, é claro, de atingir profundamente os direitos da personalidade do empregado, ferindo com violência o seu amor próprio, a sua auto-estima, a sua boa-fama, a sua imagem, e principalmente, a sua dignidade e a sua honra.

O assédio moral – ato ilícito que é - provoca, sem dúvida alguma, dano moral, suscetível de reparação pecuniária, porque atinge diretamente a honra e a dignidade do trabalhador, podendo comprometer sua saúde física e mental, além de arranhar sua imagem no mercado de trabalho e na comunidade em que vive, dificultando a convivência social e familiar, suas relações com outras pessoas, e até mesmo podendo dificultar ou impedir a obtenção de novo emprego, nos casos em que, pela gravidade da conduta do empregador ou dos seus prepostos, o trabalhador é levado a romper o contrato de trabalho.

A honra e a dignidade das pessoas são bens tutelados constitucionalmente, nos artigos 1º, 3º e 5º, da Constituição de 1988, merecendo pronta reparação quando se comprova sua violação.

Além dos efeitos danosos na vida da vítima e das conseqüências jurídicas em relação ao contrato de trabalho, podendo inclusive gerar a rescisão dos contratos de trabalho dos terceiros provocadores do assédio moral, como chefes e gerentes, há que se destacar que a instabilidade criada no ambiente de trabalho, degrada-o, comprometendo a produção e, em sendo a empresa condenada ao pagamento de reparações pecuniárias, também trazendo prejuízos de natureza econômica, pondo em risco sua saúde financeira, ou seja, o assédio moral não é um bom negócio para ninguém, nem para o empresário, nem para os trabalhadores e menos ainda para a sociedade.


8 Legislação sobre assédio moral

Ainda é muito modesta a legislação existente no Brasil com o objetivo de prevenir e coibir o assédio moral e punir o assediador. Não há, ainda, uma lei de âmbito nacional.

Alguns países, como a França, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Austrália e Suécia, já têm em seu ordenamento jurídico dispositivos visando a redução e a punição dos casos de assédio moral. Em outros países, como Chile, Uruguai, Portugal, Suíça e Bélgica, tem-se notícia de projetos de lei nessa direção.

No Brasil, diversos municípios já têm leis que coíbem o assédio moral, porém, especificamente na Administração Pública, como os municípios de Americana, Bauru, Campinas, Guarulhos, São Paulo, Iracemápolis, Sidrolândia, Reserva do Iguaçu, Cascavel, Natal e Jaboticabal.

Para ilustrar, a Lei Municipal n. 13.288, de 10 de janeiro de 2002, da Cidade de São Paulo, aplicável aos servidores públicos municipais (administração pública direta e indireta), conceitua assédio moral, assim:

"Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".

Segundo dispõe precitada lei, o servidor público responsável pelo assédio moral poderá sofrer as penalidades de suspensão, multa ou demissão.

Também tem leis regulando esta matéria os Estados do Rio de Janeiro e Sergipe. Existem projetos em tramitação nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná e Bahia.

No âmbito federal, há propostas de alteração do Código Penal e outros projetos de lei. Há que ser destacado o Projeto de Lei n. 4.742/01, da autoria do Deputado Federal Marcos de Jesus, o qual estabelece o art. 146-A no Código Penal, com a seguinte redação:

"Desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral".

A pena fixada é de detenção de três meses a um ano, além da multa.

O Relator desse projeto, Deputado Aldir Cabral, alterou o texto original e após uma série de justificativas, entendeu que a matéria deveria ser tratada no Capítulo Relativo a Periclitação da Vida e da Saúde, logo após o crime de maus-tratos, com o número 136-A, com a seguinte redação:

"Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica".


9 Decisões judiciais sobre assédio moral

Reproduzem-se, abaixo, três decisões judiciais, mais precisamente acórdãos, a respeito de pedidos de reparação por assédio moral:

Assédio moral – Contrato de inação – Indenização por dano moral. A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar a sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassada o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer o trabalho, fonte de dignidade do empregado. Recurso improvido" (TRT – 17ª R – RO nº 1315.2000.00.17.00-1 – Relª. Sônia das Dores Dionísa).

I – Dinâmica grupal – Desvirtuamento – Violação ao patrimônio moral do empregado – Assédio moral – Indenização. A dinâmica grupal na área de Recursos Humanos objetiva testar a capacidade do indivíduo, compreensão das normas do empregador e gerar a sua socialização. Entretanto, sua aplicação inconseqüente produz efeitos danosos ao equilíbrio emocional do empregado. Ao manipular tanto a emoção, como o íntimo do indivíduo, a dinâmica pode levá-lo a se sentir humilhado e menos capaz que os demais. Impor pagamentos de prendas publicamente, tais como, ‘dançar a dança da boquinha da garrafa’, àquele que não cumpre sua tarefa a tempo e modo, configura assédio moral, pois, o objetivo passa a ser o de inferiorizá-lo e torná-lo ‘diferente’ do grupo. Por isso, golpeia a sua auto-estima e fere o seu decoro e prestígio profissional. A relação de emprego cuja matriz filosófica está assentada no respeito e confiança mútua das partes contratantes, impõe ao empregador o dever de zelar pela dignidade do trabalhador. A CLT, maior fonte estatal dos direitos e deveres do empregado e empregador, impõe a obrigação de o empregador abster-se de praticar lesão à honra e boa fama do seu empregado (art. 483). Se o empregador age contrário à norma, deve responder pelo ato antijurídico que praticou, nos termos do art. 5º, X, da CF/88. (Recurso provido)..." (TRT – 17ª R – RO n. 1294.2002.007.17.00.9 – Relª. Juíza Sônia das Dores Dionísio).

Dano moral – Empregado submetido a constrangimentos e agressão física, em decorrência de sua orientação sexual, praticados por empregados outros no ambiente de trabalho e com a ciência da gerência da empresa demandada – Imputabilidade de culpa ao empregador. Se a prova colhida nos autos revela, inequivocamente, que o autor sofrera no ambiente de trabalho discriminação, agressões verbais e mesmo físicas por sua orientação homossexual, mesmo que não pudesse o empregador impedir que parte de seus empregados desaprovasse o comportamento do reclamante e evitassem contato para com ele, não poderia permitir a materialização de comportamento discriminatório grave para com o autor, e menos ainda omitir-se diante de agressão física sofrida pelo reclamante no ambiente de trabalho; mormente se esta agressão fora presenciada por agentes de segurança do reclamado, os quais não esboçaram qualquer tentativa de coibi-la. Se o reclamante, como empregado do demandado, estando no estabelecimento do réu, sofre, por parte de seus colegas de trabalho, deboches e até chega a sofrer agressão física, e se delas tem pleno conhecimento a gerência constituída pelo empregador, este último responderá, por omissão, pelos danos morais causados ao reclamante (CCB então vigente, art. 159 c/c art. 5º, X, da CF). Sendo o empregador pessoa jurídica (e não física), por óbvio os atos de violação a direitos alheios imputáveis a ele serão necessariamente praticados, em sentido físico, pelos obreiros e dirigentes que integram seus quadros. Recurso ordinário do reclamado conhecido e desprovido" (TRT – 10ª R – 3ª T – RO n. 919/2002.005.10.00-0 – Rel. Paulo Henrique Blair – DJDF 23.5.2003 – p. 51).

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10 Conclusão

O assédio moral embora existente há muito tempo, nos últimos anos vem ganhando contornos mais nítidos no mundo do trabalho, potencializado pelo modo atual de produção capitalista, a globalização, e todos os males que suscita, a exemplo da exacerbada competitividade entre as empresas e entre os trabalhadores, a incessante e desumana busca pelo lucro, a redução dos postos de trabalho, o aumento de oferta de mão-de-obra, a valorização do individualismo, o desprezo ao trabalho em grupo e a inversão da escala hierárquica de valores humanos, tudo em prol da produção e do capitalismo.

Muitos estudos têm sido desenvolvidos em diversas áreas do conhecimento científico, notadamente nos campos do Direito, da sociologia, da medicina do trabalho e da psiquiatria, contribuindo expressivamente para a identificação do assédio moral, objetivando coibi-lo, atuando na escala de prevenção e, caso consumado, fixando as suas conseqüências jurídicas em relação ao assediador, à vítima e ao empregador, bem como, servindo ao diagnóstico de doenças e indicação de tratamento adequado.

Alguns Municípios e Estados brasileiros já têm legislação a respeito do assédio moral, outros têm projetos de leis e, em nível nacional, há projeto de lei objetivando modificações em alguns dispositivos do Código Penal.

O assédio moral, sem dúvida alguma, gera muitas conseqüências jurídicas, incluindo a possibilidade de ocorrência de dano moral, justificando reparação pecuniária a ser exigida do empregador.


REFERÊNCIAS

BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC – Editora da Puc-SP, 2000.

CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. O Direito do Trabalho e o assédio moral. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 22 maio 2006.

DARCANCHY, Mara Vidigal. Assédio moral no meio ambiente de trabalho. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 22 maio 2006.

EGE, Harald. Mobbing. Che cos’é il terrore psicológico sul posto de lavoro. Bolonha-IT: Pitágoras Editrice, 1996.

GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003.

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

_______. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. 2ª ed. Trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

LEYMANN, Heinz. The mobbing encyclopaedia. Home page do autor.

MENDES, Carolina de Aguiar Teixeira. Identificando o assédio moral no trabalho. Disponível em: www.partes.com.br. Acesso em: 22 maio 2006.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Revista da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA). Brasília-DF: maio/2003.

SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Ética e assédio moral: uma visão filosófica. Disponível em: www.sociologia.org.br. Acesso em: 22 maio 2006.

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. Assédio moral no trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1196, 10 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9021. Acesso em: 25 abr. 2024.

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