Princípio da Publicidade Processual, Coleta de Dados e de Provas na Internet

03/05/2021 às 08:16
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O artigo analisa as relações entre o princípio da publicidade processual e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei 13.709/2018), especialmente sobre os limites para a coleta de dados pessoais e seu uso como provas em processos judiciais.

A publicidade processual tem fundamento constitucional, no art. 93, IX: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

Ao conferir primazia à publicidade e prever o sigilo como exceção, a Constituição brasileira optou por priorizar a informação, a transparência e o interesse público no acesso aos atos praticados por agentes públicos.

Na sua principal classificação, a publicidade pode ser:

(a) interna, ou endoprocessual, tendo como destinatárias as partes do processo e seus representantes;

(b) e externa, ou extraprocessual, assegurada para qualquer pessoa fora do processo, interessada ou não.

A publicidade processual gera uma dupla consequência: a proibição de atos processuais e (especialmente os) julgamentos secretos; e a exigência de que todas as decisões judiciais sejam acessíveis ao público externo ao processo.

A publicidade externa (ao lado da fundamentação) possibilita o controle dos atos judiciais, ao permitir que todas as pessoas que não participaram do processo exerçam democraticamente a verificação dos atos praticados.

Em suma, a publicidade consiste na prática pública ou na divulgação oficial dos atos processuais, para permitir o início de seus efeitos e o controle dos atos por meio do conhecimento público. É, ao mesmo tempo, transparência e informação, usadas para o controle interno e externo dos atos processuais.

Abrange a transparência de todos os atos praticados pela Administração Pública e a permissão de acesso a todos eles, independentemente da demonstração de interesse.

A publicidade dos atos processuais é a regra no Brasil. Excepcionalmente a Constituição restringe a publicidade externa ou extraprocessual, ou seja, admite o sigilo extraprocessual, por uma razão: para preservar o direito à intimidade do interessado, quando isto não prejudicar o interesse público à informação.

A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018) trouxe a necessidade de adequação não apenas por organizações privadas, mas também pelas pessoas jurídicas de direito público. Entre elas, os tribunais brasileiros devem se adaptar à observância da LGPD nos processos judiciais e em outras atividades (tais como a consulta processual, a publicação de decisões na movimentação processual e em Diário Eletrônico, e a pesquisa de jurisprudência).

Além das controvérsias e dúvidas existentes sobre as relações entre o princípio da publicidade processual e as normas da LGPD (sobre o assunto, veja o texto que escrevi aqui), também devem ser delimitadas as regras sobre a coleta de provas na internet.

É livre a coleta de dados na internet para uso no processo judicial?

Por exemplo, a pesquisa de endereços do réu ou executado em bancos de dados de órgãos públicos, em redes sociais e em outros sites pode ser realizada sem restrições?

Uma pessoa pode adicionar outra na rede social apenas para coletar dados pessoais (que ela compartilha com parentes e pessoas próximas) a serem usados no processo judicial?

O exercício regular do direito em processo judicial, administrativo ou arbitral, base legal prevista na LGPD para o tratamento de dados pessoais, sensíveis ou não (arts. 7º, VI, e 11, II, ‘d’), é suficiente para justificar toda e qualquer operação de tratamento de dados pessoais com a finalidade de sua utilização como prova nos processos judiciais?

Quais os limites para a utilização de base legal diversa do consentimento, com a observância dos princípios de tratamento e dos direitos do titular (art. 7º, § 4º, da LGPD), para os dados pessoais coletados dos atos processuais? Considerando que a finalidade do tratamento é o exercício de um direito ou da defesa do titular, o tratamento para outros fins não deveria levar em conta a possibilidade de um consentimento específico como base legal?

Essas são algumas das questões que surgirão na prática e deverão ser enfrentadas, para compatibilizar o princípio da publicidade com a proteção de dados pessoais nos processos judiciais.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Informações sobre o texto

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