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Direito à privacidade

09/01/2007 às 00:00
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            O programa Big Brother Brasil, da Rede Globo, celebrizou Bambam, Dhomini, Manuela, Sabrina, Alan, Xaiane e tantos outros. Viviam confinados numa casa, sendo a sua intimidade mostrada pelo apresentador Pedro Bial e por vários canais da Net. Refletindo sobre essa violabilidade, encontramos o preceito constitucional de que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (CF, art. 5º, X).

            O Ocidente, entre as duas guerras mundiais, viu o declínio da democracia. O conflito de classes era grande, porque os aristocratas, industriais e financistas não estavam dispostos a renunciar ao seu considerável poder em favor das maiorias menos privilegiadas. As condições econômicas atuavam contra a criação de democracias estáveis, pois a fundação de novas nações estimulava rivalidades econômicas debilitantes. Finalmente, o sentimento nacionalista fomentava a insatisfação entre as minorias nos recém-criados estados da Europa Central. Essa situação os levava para o totalitarismo, um sistema que oferecia a promessa de eficiência e força de propósito, realizadas pela autoridade centralizadora, em troca da renúncia das liberdades individuais.

            Foi assim que surgiram o totalitarismo na Rússia comunista de Lenin e Stalin, o fascismo na Itália de Mussolini e o nazismo na Alemanha de Hitler.

            As tendências intelectuais e culturais entre as duas guerras foram marcantes. Os antimetafísicos descartavam a busca de Deus ou do significado da vida como uma tarefa inútil e despropositada. O pessimismo dominava com a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980) e de Sören Kierkegaard (1812-1855).

            Protagonista dessa época foi George Orwell (1903-1950). Insistia que todos os movimentos políticos são corruptos. Instava os escritores a reconhecerem o dever de só escrever com base no que houvessem experimentado eles próprios. Seu romance 1984 é uma expressão vigorosa de sua desconfiança em relação aos regimes políticos, quer da esquerda, quer da direita, que se declaram democráticos, mas, na verdade, destroem a liberdade humana. A frase "O Grande Irmão te vigia" (Big Brother is watching you) ficou famosa com a história de 1984. Winston Smith mora em Londres, que faz parte do país Oceania. O mundo estava dividido em três países: Oceania, Eurásia e Estásia, uma sociedade totalitária dirigida pelo Grande Irmão (Big Brother), que censura o comportamento de cada um, inclusive seus pensamentos.

            Funcionário do Ministério da Verdade, seu trabalho consiste em corrigir dados históricos, para que sempre estivessem em harmonia com a doutrina do Partido, cujas ordens são: a) a guerra é a paz; b) a liberdade é a escravidão; e c) a ignorância é a força. Mas Winston não suporta mais essa situação. Seu maior desejo era ver cair o regime. Seu crime foi descoberto pela Polícia do Pensamento, cuja pena é a vaporização, ou seja, a eliminação total do indivíduo assim como qualquer prova de existência prévia.

            O aparecimento de 1984 em plena guerra fria foi uma espécie de caixa acústica do anticomunismo, um exemplo do perigo das sociedades comunistas. Orwell estava contra o comunismo soviético e sua revolução e contra o fascismo. 1984 traz o espírito revolucionário contra qualquer tipo de totalitarismo, numa luta para preservar a democracia.

            Como fica o direito à privacidade diante da vigilância do Grande Irmão (Big Brother is watching you)? O juiz americano Cooly, em 1873, identificou a privacidade como o direito de ser deixado tranqüilo, em paz, de estar só: right to be alone. O texto constitucional (art. 5º, X) abarca todas as manifestações da esfera íntima, privada, e da personalidade, direito de toda a pessoa tomar sozinha as decisões na esfera da sua vida privada.

            O direito à intimidade (right of privacy) é sinônimo de direito à privacidade. Ao estatuir que "a casa é o asilo inviolável do indivíduo" (art. 5º, XI), a Constituição está reconhecendo o direito de vida doméstica livre de intromissão estranha.

            A vida privada é também inviolável (art. 5º, X), pois é o repositório de segredos e particularidades do foro moral e íntimo do indivíduo.

            A honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X) são invioláveis. A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. A inviolabilidade da imagem consiste na tutela do aspecto físico, como é perceptível visivelmente.

            A privacidade das pessoas é ameaçada pela complexa rede de fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais. O sistema de informações computadorizadas (Big Brother is watching you) gera um esquadrinhamento das pessoas que ficam com sua individualidade inteiramente devassada. O habeas data é o instituto específico para a efetividade dessa tutela.

            A violação da privacidade assegura ao lesado o direito à indenização por dano material ou moral, decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, ou seja, do direito à privacidade. Vale para a Constituição a frase ‘Big Brother is watching you’?

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Sobre o autor
Máriton Silva Lima

Advogado militante no Rio de Janeiro, constitucionalista, filósofo, professor de Português e de Latim. Cursou, de janeiro a maio de 2014, Constitutional Law na plataforma de ensino Coursera, ministrado por Akhil Reed Amar, possuidor do título magno de Sterling Professor of Law and Political Science na Universidade de Yale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. Direito à privacidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1287, 9 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9345. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado no "Jornal da Cidade", de Caxias (MA), em 22/06/2003.

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