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Direitos políticos

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10/01/2007 às 00:00
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Os partidos políticos

            São uma forma de agremiação de um grupo social que se propõe organizar, coordenar e instrumentar a vontade popular, com o fim de assumir o poder para realizar seu programa de governo.

            J. M. Gil Robles os define como "un grupo humano formado en torno a un contenido ideológico, que busca la defensa de unos intereses por la conquista legal del poder, inmediato o en un plazo de duración razonable" (Por un Estado de derecho, p. 121 e 122).

            Na Constituinte do Império, os partidários da Independência distribuíram-se em quatro grupos: a) os corcundas queriam-na, mas não liberdade; b) os monárquico-constitucionalistas, liberdade com estabilidade; c) os republicanos, de pouca expressão; d) os federalistas queriam ser republicanos de várias repúblicas.

            De 1834 a 1838, os exaltados unidos aos revolucionários e republicanos agruparam-se no Partido Liberal, que compreendia uma ala radical e outra moderada. Na mesma época, os moderados e os restauradores uniram-se, formando o Partido Conservador. Só em 1870 é que os republicanos criaram o Partido Republicano.

            Com a Revolução de 1930, surgem novas formações partidárias ainda de caráter regional: Partido Democrático em São Paulo, Partido Nacionalista em Minas Gerais, Partido Libertador no Rio Grande do Sul, além do Clube Três de Outubro e a Aliança Renovadora Nacional.

            De 1946 a 1965 floresceu um sistema partidário com alguma institucionalização efetiva com base em três partidos grandes de âmbito nacional (PSD, UDN e PTB) e um conjunto de pequenos partidos de expressão basicamente regional (PSP, PL, PDC, PRT, PTN e MTR), embora o PDC estivesse mais desenvolvido, além do Partido Comunista, na clandestinidade após 1948.

            Tais partidos foram extintos em 1965, por força do AI-2, dando margem ao surgimento do bipartidarismo artificial representado pela Arena e o MDB, também extintos em 1979, quando recomeça a estrutura partidária, ainda em curso, com cerca de vinte partidos regularizados, com ponderável transformação. Tal situação foi modificada pelas eleições de 2002, que revelaram a existência de quatro grandes formações partidárias, ou seja, PT, PFL, PMDB e PSDB; um partido médio-alto, PPB; os anteriores PDS e PPR; quatro partidos médios, PTB, PL, PSB e PDT; dois partidos pequenos, PPS e PC do B; quatro partidos minúsculos, Prona, PV, PSD e PST; quatro minipartidos, PMA, PSL, PSC e PSDC; e, finalmente, oito micropartidos, PSTU, PTN, PT do B, PRT, PRTB, PGT, PHS e PAN.

            Realidade social e política, os partidos foram analisados pelo filósofo David Hume (1711-1776) – Essays, Moral, Political and Literary, p. 76 et seq. – como um julgamento de valor (um mal) e um julgamento de fato (entidades históricas). Hume tenta classificá-los em partidos pessoais e partidos reais: os primeiros baseiam-se na amizade ou na animosidade entre os que compõem os partidos em luta; os segundos, em partidos de interesse, de princípio e de afeição.

            A criação de correntes partidárias dá formação aos sistemas de partidos políticos, isto é, um modo de organização partidária de um país. Nos termos do art. 17, o sistema brasileiro é o pluripartidarismo.

            A Constituição vigente liberou a criação, organização e funcionamento de agremiações partidárias, com previsão de mecanismos de controle qualitativo (ideológico), mantido o controle financeiro.

            A função dos partidos é organizar a vontade popular e exprimi-la na busca do poder, visando a aplicação de seus programas de governo. Pelas normas constitucionais eles devem assegurar o regime democrático e o pluripartidarismo, a autenticidade do sistema representativo e defender os direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17).

            A Constituição definiu os partidos políticos como pessoa jurídica de direito privado, ao teor do art 17, § 2º, segundo o qual os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

            Se adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, é porque são pessoas jurídicas de direito privado, devendo registrar-se no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, para depois serem seus estatutos levados a registro no TSE.

            O fato de precisarem de registro para sua formação denota que não se cuida de pessoa jurídica de direito público. Eles agora estão definidos como pessoas jurídicas de direito privado.

            Nenhuma pretensão de serem enquadrados como órgãos do Estado. O partido político é uma associação de pessoas, para fins políticos comuns e de caráter permanente, no que se encontram os elementos básicos do conceito de instituição.


A organização partidária

            O art. 17 da Constituição é claro: "É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (...)".

            São condicionados, no entanto, a serem de caráter nacional, a não receberem recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou a subordinação a estes, a prestarem contas à Justiça Eleitoral e a terem funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

            Regra importante é que a estrutura de poder não poderá interferir nos partidos, para extingui-los, como várias vezes aconteceu.

            Mas a liberdade partidária não é absoluta: fica sujeita a vários princípios que confluem para o seu compromisso com o regime democrático, no sentido constitucional.

            Assim está no preâmbulo e no art. 1º. A Constituição institui um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, livre, justa e solitária e sem preconceitos (art. 3º, II e IV). Tudo isso fundamentado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.

            Trata-se assim de um regime democrático baseado no princípio da soberania popular, segundo o qual o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (parágrafo único do art. 1º).

            A liberdade de criar partido exige que seja de caráter nacional. Vale dizer que não se pode criar partido de vocação estadual ou local. Nossos constituintes de 1988, infelizmente, não disseram quando um partido se considera nacional. Apenas ficou estabelecido que os partidos políticos terão "funcionamento parlamentar de acordo com a lei" (art. 17, IV).

            No art. 17, § 1º, destaca-se o princípio da autonomia, conquista sem precedente, de tal sorte que a lei muito pouco tem que fazer em matéria de estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos.

            O texto constitucional transmite a idéia de que os partidos hão de se organizar e funcionar em harmonia com o regime democrático e que a sua estrutura interna também fica sujeita ao mesmo princípio. A autonomia é conferida na suposição de que cada partido busque, de acordo com suas concepções, realizar uma estrutura interna democrática.

            A disciplina e a fidelidade partidárias passam a ser um determinante estatutário (art. 17, § 1º). Não se trata de obediência cega aos ditames dos órgãos partidários, mas o acatamento do programa e objetivos do partido subordinados às regras de seu estatuto, cumprimento de seus deveres e probidade no exercício de mandatos ou funções partidárias.

            A infidelidade partidária é o ato indisciplinar mais sério. Manifesta-se na oposição a diretrizes legitimamente estabelecidas pelo partido e no apoio ostensivo ou disfarçado a candidatos de outra agremiação.

            A Constituição não permite a perda do mandato por infidelidade partidária. Até o veda quando, no art. 15, declara proibida a cassação de direitos políticos, só admitidas a sua perda e a suspensão nos restritos casos nele indicados.

            Não há controle quantitativo constitucional aos partidos, mas a possibilidade de que venha a existir por via de lei ("funcionamento parlamentar de acordo com a lei" – art. 17, IV). É que o controle quantitativo não atua no momento da organização, mas no seu funcionamento.

            O controle qualitativo (ideológico) é consignado constitucionalmente em função do regime democrático. Os princípios do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos fundamentais da pessoa humana constituem condicionamento à liberdade partidária; funcionam como forma de controle ideológico, de modo que será ilegítimo um partido que, porventura, pleiteie um sistema de um só partido ou um regime de governo que não se fundamente no princípio de que o poder emana do povo (parágrafo único do art. 1º).

            Controle qualitativo é ainda o da vedação de utilização, pelos partidos políticos, de organização paramilitar, o que significa repelir partido fascista, nazista ou integralista dos tipos que vigoraram na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler e no Brasil de Plínio Salgado.

            O controle financeiro (art. 17, II) proíbe o recebimento, pelos partidos, de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou subordinados a estes. Temos aqui um preceito que constitui um desdobramento do dever de resguardo da soberania. Ademais (art. 17, III), os partidos têm o dever de prestar contas da sua administração financeira à Justiça Eleitoral.

            Em compensação (art. 17, § 3º), eles têm direito a recursos de fundo partidário regulado por lei.


Partidos e representação política

            O fenômeno partidário permeia todas as nossas instituições político-governamentais, como o princípio da separação de poderes, o sistema eleitoral e a técnica de representação partidária. É que os partidos políticos exercem influência decisiva no governo dos Estados contemporâneos. Destinam-se a assegurar a autenticidade do sistema representativo. No nosso direito constitucional, não se admitem candidaturas avulsas, porque o art. 14, § 3º, V, da Constituição, exige a filiação partidária como uma das condições de elegibilidade.

            Conseqüência da função representativa dos partidos é que o exercício do mandato político, que o povo outorga a seus representantes, faz-se no sentido de ser um instrumento por meio do qual o povo governa. É como se o povo participasse do poder por meio dos partidos políticos.

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            De acordo com o sistema constitucional vigente, os partidos políticos deverão desenvolver atividades que ofereçam várias manifestações, tais como: permitir aos cidadãos participar nas funções públicas; atuar como representantes da vontade popular e da opinião pública; instrumentar a educação política do povo; e facilitar a coordenação dos órgãos políticos do Estado.

            Ainda simples miragem no Brasil, mera visão teórica, sua função primordial deveria apoiar-se em suas atividades eleitorais, tanto no momento de designar os candidatos como no de condicionar sua eleição e o exercício do mandato.

            Não obstante ser ainda uma ilusão, eles tendem a transformar a natureza do mandato político, dando-lhe feição imperativa, vinculando o representante a cumprir programa e diretrizes de sua agremiação, tornando-se bem concreto em função de vínculos partidários que interligam mandante e mandatário.

            Os dois mecanismos de expressão da vontade popular na escolha dos governantes são o sistema eleitoral e o sistema de partido. Seu objetivo imediato é a organização da vontade popular. Essa circunstância revela a influência mútua entre eles. Para Maurice Duverger (Les partis politiques, p. 235 e 269), "o sistema majoritário de escrutínio a um só turno tende ao bipartidarismo, enquanto o sistema majoritário de escrutínio a dois turnos e o de representação proporcional tendem ao multipartidarismo".

            Apesar de muito discutida essa tese, a doutrina considera aquela influência como mais importante e até chega a lhe atribuir caráter de condicionamento necessário, em relação ao efeito multiplicador da representação proporcional. Foi esta que imputou o exagerado pluripartidarismo do período de 1946 a 1965.

            Nelson Sampaio (Os partidos políticos na IV República, in: Paulo Bonavides et al. As tendências do direito público: estudos em homenagem ao Prof. Afonso Arinos, p. 326) diz que "a proliferação dos partidos decorreu de vários fatores: a) a falta de tradição de partidos nacionais; b) o personalismo ainda vigoroso na política brasileira; c) o regionalismo; d) o sistema de representação proporcional".

            Lamentavelmente, o sistema de representação proporcional nada tivera com a multiplicação dos partidos. Nem com o fenômeno atual de liberdade partidária.

            O que consegue empolgar não são as eleições parlamentares, mas as eleições para a presidência da República, que atendem ao princípio majoritário. Pois, se a representação proporcional pode influir na multiplicação dos partidos, isso só ocorre nos sistemas parlamentaristas de governo. Aí a polarização de forças se concentra nas eleições de parlamentares, sem haver a atração principal que se dá nos sistemas presidencialistas.

            O mais importante de tudo isso, o que realmente interferia era a relação de forças oligárquicas, que sempre presidiram à realidade política nacional. Enquanto puderam acomodar-se em partidos regionais, estaduais ou locais, como acontecia na Primeira República, não havia necessidade de criar partidos próprios.

            Hoje, com a exigência constitucional de haver partidos nacionais (art. 17, I), essas forças retrógradas utilizam o expediente de formação de partidos formalmente nacionais, mas regionalmente regionais. De 1965 a 1979 as forças regionais e locais foram constrangidas a agrupar-se em dois partidos. Elas no entanto não se acomodavam a um mando político unitário em nível nacional; levavam para cada partido os conflitos de interesse de sempre, razão da instituição do sistema das sublegendas, para repartir o partido em setores de dominação regional e local.

            No regime de 1946, o que se deve entender por pluripartidarismo e por bipartidarismo? Maurice Duverger alertou para a dificuldade de estremar os dois conceitos, "por causa da existência de pequenos grupos ao lado dos grandes partidos. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, se encontram alguns pigmeus atrás dos dois gigantes democrata e republicano: Partido Trabalhista, Partido Socialista, Partido dos Fazendeiros, Partidos Proibicionistas, Partidos Progressistas" (op. cit., p. 237).

            Se, no Brasil, fosse permitido criar partidos de âmbito regional, certamente muitos daqueles partidos aparentemente nacionais, como PSP, PRT, PST, PL, seriam praticamente desconhecidos na maioria dos Estados. Nessa época, de 1946, só havia três partidos: a UDN, o PSD e o PTB, que dominavam cerca de 75% das cadeiras nas duas Casas do Congresso.

            Isso mostra que o efeito que se atribui ao sistema de representação proporcional não se verificou nem se verifica. E a estatística eleitoral sugere que, à medida que as forças populares compreenderam a importância do voto universal no seu interesse, passaram a prestigiar os partidos populares, que cresceram.

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Sobre o autor
Máriton Silva Lima

Advogado militante no Rio de Janeiro, constitucionalista, filósofo, professor de Português e de Latim. Cursou, de janeiro a maio de 2014, Constitutional Law na plataforma de ensino Coursera, ministrado por Akhil Reed Amar, possuidor do título magno de Sterling Professor of Law and Political Science na Universidade de Yale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. Direitos políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1288, 10 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9375. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Texto resultante da compilação de artigos do autor publicados no “Jornal da Cidade”, de Caxias (MA), entre 12/09 e 14/11/2004.

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