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Considerações acerca da disciplina dos crimes de furto, roubo e extorsão no Código Penal Brasileiro

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FURTO DE COISA COMUM

Aproveitando o ensejo, o artigo 156 prevê o delito de furto de coisa comum: subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, coisa comum: pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Do caput do artigo podemos extrair os seguintes elementos: a ação nuclear é a mesma do furto comum, subtrair; trata-se de crime próprio; o objeto jurídico tutelado é a detenção legítima da coisa; o dolo genérico é o de subtrair, e o dolo específico é o de subtrair para si ou para outrem; não há os requisitos de que a detenção tenha de ser mansa e tranqüila, nem de que tenha de ser definitiva; trata-se de crime de menor potencial ofensivo, podendo a demanda correr em Juizado Especial Criminal (Leis nº 9.099/95 e nº 10.259/01).

Por tratar-se de crime próprio, só podem figurar, basicamente, tanto em um como em outro pólo: condôminos, co-herdeiros ou sócios [34]. Lembra PIERANGELI que no pólo ativo haverá a comunicação das elementares: condômino, co-herdeiro e sócio, aos co-partícipes que não têm a disponibilidade da coisa comum [35]. O mesmo autor afirma que no pólo passivo podem figurar, além dos condôminos, co-herdeiros e sócios, o terceiro que tenha a posse legítima da coisa comum, como é o caso, por exemplo, do testamenteiro [36].

NUCCI entende que no furto de sócio contra a sociedade não há se falar em furto de coisa comum, e sim em furto simples [37]. CAPEZ afirma que há duas correntes para esta discussão [38]: a) a corrente que defende que se trata de crime de furto simples, argúi que a propriedade, a posse ou a detenção da coisa pertence ao patrimônio da pessoa jurídica, e não ao patrimônio de seus sócios, de modo que o sócio que subtrair bens de pessoa jurídica, estará se apropriando de bens de terceiro; b) a corrente que defende se tratar de furto de coisa comum, advoga no sentido de que o patrimônio que serve ao fim social da sociedade é de propriedade (em sentido amplo) de todos os sócios. PIERANGELI, afirma, no entanto, que, apesar dessas duas correntes, há posicionamentos mais modernos que entendem que é preciso fazer-se uma valoração individual em cada caso concreto [39]. Portanto, as correntes são três, de modo que não há um consenso nem na doutrina, nem na jurisprudência. Concordamos com a terceira, vislumbrando que será preciso analisar o caso concreto a fim de que se possa dizer se o crime é de furto simples ou de furto comum (de coisa comum).

Assim, consuma-se o delito quando o agente subtrai (dolo genérico), em proveito próprio ou de outrem (dolo específico), coisa comum. Note que a coisa deve ser comum, e não alheia. Ou seja: comum é aquela coisa que pertence a mais de uma pessoa, inclusive ao agente. Apesar de o dispositivo não apresentar em sua redação o termo móvel, necessário é dizer que a coisa comum furtada deve ser móvel, haja vista, no Brasil, não existir furto de coisa imóvel. A tentativa é definitivamente possível, por tratar-se de crime material, de modo que deve ser observado o artigo 14, II: diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

É de se observar a redação do § 2º: não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente. Portanto, estabelecemos que, para haver punição ao crime, a coisa, além de ser comum, ou seja, pertencer aos sujeitos ativo e passivo, deve ser infungível, ou, se fungível, seu valor deve exceder a quota a que tem direito o agente. Relevante estabelecer que, no caso do § 2º há o crime, o qual, no entanto, não é punível.

No caso de o condômino subtrair, para si ou para outrem, coisa comum fungível, cujo valor ultrapasse a quota a que tem direito, e, ao depois, terceiro vir a subtrair-lhe a coisa; haverá, no primeiro caso, o furto de coisa comum, e, no segundo caso, o furto simples. Bem lembra BITENCOURT que para que haja o tipo delitual do artigo 156, faz-se necessário que a coisa comum se encontre legitimamente na detenção de outrem, "encontrando-se, contudo, na posse do agente, o crime será de apropriação indébita (art. 168) [40]".

Deve-se observar que, da mesma forma, haverá crime, só que este não será punível, quando o agente cometer o delito em prejuízo do cônjuge (na constância da sociedade conjugal) ou em prejuízo de ascendente ou descendente (seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural). Não incidirá essa isenção de pena prevista pelo artigo 181, se estranho participar do crime, ou se este for cometido contra pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos (artigo 183, II e III).

Estabelece o artigo 156, § 1º, que a ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. Nesta esteira, o artigo 182 prevê que se o crime for cometido em prejuízo do cônjuge (judicial ou consensualmente separado), em prejuízo de irmão (legítimo ou ilegítimo), ou em prejuízo de tio ou de sobrinho com quem o agente coabita, também se procederá mediante representação. Neste caso entendemos não ser aplicável o disposto no artigo 183, incisos II e III, haja vista que, originariamente, o crime se procede mediante representação.


ROUBO

Roubar é subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, de acordo com o caput do artigo 157. Interessante notar que o roubo é um delito complexo, haja vista que, da tipificação do artigo retrotranscrito, pode-se identificar os elementos constitutivos de dois crimes distintos: o furto (artigo 155) e a ameaça (artigo 147). Daí o porquê de a figura do roubo ter sido, durante muito tempo, tratada como se furto fosse [41].

Além de ser um delito complexo, é, também, pluriofensivo, isto é, provoca ofensa a mais de um bem jurídico [42], de forma que a tutela jurídica se dá em relação à proteção do patrimônio (inviolabilidade do patrimônio) e da liberdade individual e da integridade corporal.

O caput do artigo 157 traz a figura do roubo próprio. Já discutimos quando tratamos do furto acerca das elementares: subtração, coisa, coisa móvel, coisa alheia, para si ou para outrem. Rememoremos: a) dolo genérico: subtração; b) dolo específico: para si ou para outrem, por qualquer espaço de tempo e definitivamente; c) coisa alheia: coisa que não pertence ao agente; d) coisa móvel: qualquer coisa que possa ser retirada do seu lugar, sem que perca suas características básicas.

Mas não é só. Além das elementares acima apresentadas, é preciso que a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel seja feita mediante grave ameaça ou violência contra a vítima, ou que seja feita depois de ter, por qualquer meio, tornado impossível a resistência da vítima. Caso em que haverá roubo próprio. Ou, no caso de roubo impróprio, quando a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel antes do emprego da violência ou da grave ameaça à vítima.

O roubo próprio pode ser cometido pelos seguintes meios: violência própria, a qual pode ser física ou ser moral, e violência imprópria, também chamada presumida ou ficta. A violência física, ou vis corporalis, consiste na ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem (artigo 129). A violência moral, dita grave ameaça ou vis compulsiva, é definida pela promessa de causar mal injusto e grave a alguém (artigo 147). A violência presumida é aquela cometida contra vítima que: a) não é maior de quatorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente disto sabia; c) não pode, por qualquer causa, oferecer resistência (artigo 224). De acordo com a redação do artigo 157, a violência imprópria pode ser cometida por qualquer meio, o que, conforme já sabemos, dá a oportunidade de que o exegeta utilize a interpretação analógica. No entanto, conforme lição de LUIZ RÉGIS PRADO, "se a própria vítima ou a pessoa que esteja vigiando o bem se colocam em estado de incapacidade de resistir" não há que se falar em violência imprópria, nem em violência própria, de modo que o que haverá é furto e não roubo [43].

Observando-se o caput do artigo 157, extraímos o conceito de roubo próprio: subtrair, para si ou para outrem, durante ou após o uso de violência, coisa alheia móvel. Assim é que podemos extrair a ilação de que o momento consumativo ocorre com o efetivo apossamento da coisa, mesmo que por tempo curto. De se observar que deve haver a elementar violência, para que haja efetivamente o delito de roubo, e que esta seja praticada durante ou após a subtração, para que o roubo seja próprio. Ora, se não houver a violência, só a subtração, haverá furto (artigo 155); se não houver a subtração, só a violência, haverá lesão corporal (artigo 129). A tentativa é plenamente possível, haja vista que se iniciada a execução do delito, e este não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente, haverá o roubo próprio tentado. Na mesma esteira, a hipótese de haver violência, e, ao depois o agente tentar subtrair a coisa do sujeito passivo: haverá roubo próprio tentado.

Quando, alhures, nós destacamos o conceito de roubo próprio, como sendo, em linhas gerais, a subtração durante ou após a violência, iniciamos uma distinção importantíssima, qual seja: entre o roubo próprio e o roubo impróprio. O § 1º do artigo 157 traz a seguinte redação: na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. Ou seja, incorre na mesma pena de roubo próprio aquele que, logo após subtrair a coisa, emprega violência física ou violência moral contra a vítima, com a finalidade de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para outrem.

Então, devemos, também, destacar o conceito de roubo impróprio: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, e, para assegurar a impunidade deste crime ou a detenção da coisa para si ou para outrem, empregar, ao depois, violência ou grave ameaça contra o sujeito passivo. A distinção de elevada importância que estabelecemos é a de que: no roubo próprio, a violência é cometida durante ou antes da subtração; enquanto que no roubo impróprio, a violência é cometida depois da subtração. Assim, podemos dizer que todo roubo impróprio inicia-se com furto (artigo 155) e completa-se com violência física (artigo 129) ou com grave ameaça (artigo 147).

Segunda distinção importante, entre as espécies de roubo é a de que a violência imprópria só pode ocorrer no roubo próprio, uma vez que o § 1º não prevê o elemento uso de outros meios para reduzir a vítima à impossibilidade de resistência. Assim, como não há previsão legal, e não é possível a analogia in malam partem no direito penal, reputa-se o roubo impróprio, cometido com violência imprópria, fato atípico. Assim, caso haja uma situação fática em que se faça presente o roubo impróprio com emprego de violência imprópria, teríamos o delito de furto (artigo 155).

Terceira e última distinção importante entre as duas espécies tange o aspecto do momento consumativo: enquanto no roubo próprio a consumação se dá com a subtração da coisa, no roubo impróprio, a violência própria é que caracteriza a consumação, desde que haja a subtração anterior. A tentativa é plenamente possível, haja vista que uma vez já subtraída a coisa móvel alheia, o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, não consegue fazer emprego da violência própria, configura-se o roubo impróprio tentado [44]. É de se observar que, na prática, a tentativa só se faz admissível se a violência intentada for a física, haja vista que, na prática, é de difícil configuração a tentativa de ameaça [45].

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Interessante situação é aquela em que o agente já tendo subtraído a coisa, é surpreendido com ela, de modo que emprega violência própria para fugir, contudo, sem a coisa. Há duas correntes: a primeira identifica a hipótese como roubo impróprio tentado; a segunda qualifica a ação como furto tentado em concurso com crime contra a pessoa. Neste caso, devemos acolher a segunda corrente, uma vez que o § 1º do artigo 157 prevê que, além da violência empregada logo depois da subtração, esta tem de ter a finalidade e assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa [46].

Estabelecida a diferença entre as duas espécies de roubo simples, passemos à qualificação do tipo penal de roubo, para, em seguida, tratarmos sobre as causas de aumento de pena, sobre o roubo qualificado por lesão corporal e sobre o roubo qualificado por morte (também denominado latrocínio).

Como se trata de crime comum, o sujeito ativo, bem como o sujeito passivo, pode ser qualquer pessoa. Atente-se para o fato de que o proprietário não pode ser sujeito ativo, haja vista a presença da elementar alheia, de modo que se o proprietário figurar como sujeito ativo, o delito poderá ser o do artigo 345 (exercício arbitrário das próprias razões), além das penas correspondentes à violência (artigo 129), de modo a haver concurso material (artigo 69). Sobre a figura do sujeito passivo, este é, em geral, o proprietário, o detentor ou o possuidor da coisa subtraída. Entretanto, pode ser sujeito passivo do delito de roubo, terceiro, o qual possa estar perto da vítima – mesmo que com ela não tenha qualquer vínculo –, caso em que haverá a incidência do § 1º (roubo impróprio).

A doutrina ainda qualifica o delito de roubo como sendo crime comissivo, doloso, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo ou de concurso eventual, plurissubsistente.

O § 2º apresenta causas que aumentam a pena de um terço até metade. Tais causas tanto servem ao delito de roubo próprio quanto ao delito de roubo impróprio. Vejamos:

Se a violência própria é exercida com emprego de arma. O emprego de arma imputa maior temor à vítima, diminuindo-lhe a capacidade de resistência. Arma, deve-se salientar, não é apenas aquele instrumento destinado ao ataque ou à defesa (arma própria), mas também qualquer outro instrumento que possa ser utilizado com o fim de diminuir a capacidade de resistência da vítima (arma imprópria). O emprego de arma, mesmo que não efetue disparo, propicia ao agente maior êxito na ação delituosa, acentuando a gravidade do injusto, bastando, pois, que o sujeito ativo porte a arma ostensivamente, isto é, não é preciso que faça uso da arma.

Questão tormentosa é a das armas de brinquedo e das armas desmuniciadas. O problema do porte se estende ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), o qual revogou expressamente a Lei nº 9467/97, a qual previa como crime o porte de arma de brinquedo ou de simulacro, lei esta que era coadunada pela Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça: nos crimes de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena, tal Súmula foi, todavia, revogada pelo mesmo Tribunal, de modo que se operou a abolitio criminis em relação à arma de brinquedo. Duas são as correntes para a questão da arma de brinquedo e da arma desmuniciada.

A corrente minoritária, defendida por CAPEZ (2005: 295), entende que "se o porte é ostensivo, usado com o propósito de infundir medo, ocorre a majorante". Isto é: no caso da arma de brinquedo, mesmo que o porte desta não seja mais previsto como crime, se ela for utilizada para infundir medo na vítima, ocorre a majorante do § 1º. Ora, há que se observar a redação do artigo 157, § 2º, I: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma. De acordo com esta redação, tanto faz se a arma é própria ou imprópria, e tanto faz se a violência é física ou moral, o importante é que a violência própria seja provocada mediante o emprego de arma, de modo a, idoneamente, facilitar a finalidade de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem. BITENCOURT (2003: 86-87), apesar de não fazer coro ao posicionamento de CAPEZ, faz importante ponderação: "a simulação de estar armado ou a utilização de arma de brinquedo, quando desconhecida ou não percebida pela vítima, constituem grave ameaça, suficientemente idônea" para poder reduzir o sujeito passivo à impossibilidade de resistência. Ora, não se pode exigir da vítima, que esta saiba ou não que a arma é de brinquedo, ou que a arma esteja desmuniciada.

A corrente francamente majoritária argumenta que a razão de ser da qualificadora está sedimentada na potencialidade lesiva e no perigo que a arma real causa, e não no maior temor infligido à vítima. O Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto no julgamento do RHC 81.057 (25/ 05/ 2004 – Informativo 385, Supremo Tribunal Federal), afirma que a teoria moderna do direito penal, partindo dos princípios da necessidade da incriminação, da lesividade e da ofensividade, mesmo que o crime seja de mera conduta (para a sua configuração não é necessário resultado material exterior à ação), não se pode admitir a existência de delito sem que haja lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado. Para que haja a ofensividade típica (aquela reprovável pela norma penal), é preciso que estejam aliadas a danosidade real do objeto (arma real – no sentido de não ser de brinquedo – e municiada, ou com possibilidade real de ser municiada) e a conduta criadora de risco proibido relevante (isto é, o dolo do agente).

Assim, podemos depreender que, para a corrente francamente majoritária, a inaptidão da arma (seja ela de brinquedo, seja ela desmuniciada) proporciona a atipicidade da conduta, haja vista que não há potencialidade lesiva da arma de fogo simulada, de brinquedo ou desmuniciada. Além disso, o sistema penal brasileiro tem por escopo punir a culpa lato sensu do agente, e, como no delito sob estudo só há a forma dolosa, a análise deverá recair sobre o dolo do agente, ou seja, sobre a conduta criadora de risco proibido relevante do agente, risco este que inexiste quando o agente porta arma de brinquedo ou arma desmuniciada, haja vista que tais armas não produzem a ofensividade típica definida alhures.

São dois posicionamentos que apresentam argumentos fortes, de modo que, por ora, nos posicionamos favoráveis à linha de entendimento majoritária.

Se há concurso de duas ou mais pessoas. Está abrangida tanto a co-autoria quanto a participação, de modo que não importa o modo como o agente concorre para a produção do resultado criminoso, havendo a incidência da qualificadora em qualquer caso. A doutrina majoritária e o Supremo Tribunal Federal zelam pela necessidade de os agentes (sejam co-autores, sejam partícipes) encontrarem-se no local do crime; assim não entendemos, porque o Código quando quer que os agentes se encontrem no local do crime utiliza-se da expressão se o crime é cometido por duas ou mais pessoas ou da expressão para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas. Há que se observar que, em regra, o delito de roubo é monossubjetivo, não sendo necessária a participação de mais de uma pessoa, ou seja, o concurso é eventual. A razão de ser da qualificadora é a da maior reprovabilidade, seja o crime cometido com co-autoria seja com participação [47].

Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhecia tal circunstância. O Estatuto Penal protege, aqui, aqueles que têm por ofício o transporte de valores. Valores são aqueles representados por dinheiro, ou qualquer outro bem valioso que se costuma transportar. Deve-se observar que o sujeito ativo deve conhecer a circunstância de o sujeito passivo estar em serviço de transporte de valores.

Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Veículo automotor, de acordo com o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), é todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. Assim, quem subtrai, para si ou para outrem, veículo automotor (que é coisa móvel) alheio, incorre no aumento da pena, dês que o leve para outro Estado ou para o exterior.

Note bem que a expressão para outro Estado, permite a interpretação de que o veículo automotor deverá ser levado de um Estado para outro Estado da Federação. Assim, de Município para Município, desde que dentro de um mesmo Estado, ou do Distrito Federal para um Município ou Estado, desde que não se passe por outro Estado, ou vice-versa, não haverá aumento de pena. A doutrina majoritária considera que o Distrito Federal não é Estado, assim entendemos haja vista que o Distrito Federal apresenta natureza jurídica complexa, de forma que se pode alegar, em conformidade com o artigo 32 da Lei Fundamental, que o Distrito Federal é entidade federativa que acumula as competências legislativas reservadas pela Constituição aos Estados e aos Municípios [48].

Situação interessante é a de que se o veículo automotor for desmontado, e suas peças levadas para o exterior, não haverá a incidência da causa de aumento de pena. Deve-se observar que é necessário o efetivo transporte do veículo; desta forma, a tentativa será possível se, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o delito não se consumar, ou seja, subtraído o veículo, mediante violência própria ou imprópria, o agente for pego quando fazia a travessia de um Estado para o outro, ou de um Estado para outro País.

Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. O inciso leva ao entendimento de que a vítima mencionada deve ser a do roubo, uma vez que se for diferente, haverá o concurso material entre os crimes de roubo e de seqüestro. Se os agentes do roubo privarem da liberdade a vítima com desígnio autônomo, o crime será o de extorsão mediante seqüestro (artigo 159). Assim, a restrição da liberdade deve concorrer com o roubo, liberando-se a vítima depois de cometido o roubo. O inciso V deste § 2º do artigo 157 é uma das possíveis hipóteses que se pode denominar de "seqüestro-relâmpago".

Por fim, o § 3º apresenta dois tipos de roubo qualificado: o primeiro qualifica-se pela lesão corporal grave, de modo que a pena em abstrato será de reclusão sete a quinze anos, além de multa; o segundo qualifica-se pela morte e é chamado de latrocínio, de forma que a pena em abstrato será de reclusão de vinte a trinta anos e multa. As duas formas qualificadas se aplicam tanto ao roubo próprio quanto ao roubo impróprio, e, além disso, tratam acerca de delitos preterdolosos, isto é, dolo no antecedente culpa no conseqüente, ou dolosos. Alguns autores [49] afirmam que a violência a que se refere o § 3º é a vis corporalis, não concordamos com tal entendimento, haja vista que, como o roubo qualificado pode ser preterdoloso, se o agente ameaçar de forma grave o sujeito passivo e este vier a sofrer um infarto e morrer logo em seguida, haverá a incidência do § 3º, e a violência empregada terá sido a moral. Vejamos cada tipo qualificado:

Roubo qualificado por resultado lesão corporal grave.

A lesão corporal que qualifica o roubo é aquela prevista pelo artigo 129, §§ 1º e 2º, de modo que, necessariamente, deve o resultado qualificador decorrer pelo menos de conduta culposa do agente (artigo 19). O sujeito ativo só responde pelo roubo qualificado pelo resultado lesão corporal, se esta for grave, independentemente de a ter produzido mediante conduta culposa (caso em que o delito seria preterdoloso) ou mediante conduta dolosa.

Latrocínio. Latrocínio, ou, como denomina o Código, roubo qualificado pelo resultado morte. BITENCOURT pondera que não ocorre latrocínio quando há a morte de co-autor ou partícipe do delito de roubo, uma vez que a morte do comparsa "não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvalisosa do latrocínio"; ora, o tipo penal exige que a violência seja cometida contra o sujeito passivo, e não contra um dos sujeitos ativos [50]. Deve-se, contudo, conforme lembra o citado autor, tomar cuidado com o erro quanto à pessoa (artigo 20, § 3º): se o agente, pretendendo matar a vítima, acabar matando o co-autor, responde pelo crime de latrocínio, como se tivesse atingido quem realmente queria atingir. Quando há a morte de terceiro resultante da troca de tiros entre policiais e assaltantes, para que haja latrocínio, deve-se comprovar que um dos assaltantes foi quem efetuou o disparo da bala que atingiu o terceiro; entretanto, havendo dúvida, os assaltantes não podem ser responsabilizados, em virtude do princípio in dubio, pro reo [51].

A doutrina muito discute acerca da consumação e da tentativa no latrocínio. O entendimento só é pacífico em duas situações: quando há morte e subtração consumadas, há o latrocínio consumado; quando há morte e subtração tentadas, há latrocínio tentado. No entanto, duas situações apresentam diversas correntes: quando há morte consumada e subtração tentada; e quando há morte tentada e subtração consumada.

No primeiro caso, quando há morte consumada e subtração tentada, há cinco correntes, a saber:

a) há latrocínio consumado, conforme estabelece a Súmula 610, do Supremo Tribunal Federal: há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima. É o entendimento que prevalece;

b) há latrocínio tentado, haja vista que "o crime complexo decorre da combinação de delitos que formam um novo, ou seja, mesmo que consumado o crime-meio, e não consumado o crime-fim, não há consumação [52]";

c) há homicídio qualificado consumado em concurso formal com tentativa de furto. O homicídio reputa-se qualificado em virtude do artigo 121, § 2º, V, haja vista que se consumou para assegurar a vantagem de outro crime, o qual, todavia, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não veio a se consumar. O furto, por seu turno, ocorreria na forma tentada, uma vez que inexistiu o emprego de violência para sua prática;

d) há homicídio qualificado consumado em concurso material com roubo tentado. O homicídio apresenta-se qualificado graças ao artigo 121, § 2º, V, tendo-se consumado para assegurar a vantagem de outro crime, o de roubo, o qual, contudo, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não veio a se consumar. Há, pois, roubo tentando porque houve emprego de violência para sua prática;

e) há homicídio tentado qualificado pelo artigo 121, § 2º, V.

Apesar de haver divergências doutrinárias e jurisprudenciais, optamos pela primeira corrente, acompanhando o atual entedimento do Supremo Tribunal Federal. Ora, trata-se de crime complexo, o qual não pode ser cindido em sua unidade; assim entende a Egrégia Corte: "para o § 3º do artigo 157 do Código Penal é irrelevante que a subtração patrimonial tenha ocorrido ou não; o que importa é, exclusivamente, a nota de violência contra a pessoa, durante a tentativa ou consumação do roubo [53]".

No segundo caso, quando há morte tentada e subtração consumada, há duas correntes, a saber:

a) há latrocínio tentado. É o posicionamento do STF e o nosso;

b) há homicídio tentado qualificado pelo artigo 121, § 2º, V.

Por fim, há que se estabelecer que o latrocínio é crime hediondo, de acordo com o artigo 1º, II, da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos): são considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: II – latrocínio (art. 157, § 3º, in fine).

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Sobre o autor
Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Diretor Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH). Membro do Comitê de Pesquisa da Faculdade Estácio de Sá, Campus Vitória (FESV). Professor de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Financeiro, Direito Tributário e Processo Tributário, no Curso de Direito da FESV. Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da FDV. Consultor de Publicações; Advogado e Consultor Jurídico sócio do Escritório Homem de Siqueira & Pinheiro Faro Advogados Associados. Autor de mais de uma centena de trabalhos jurídicos publicados no Brasil, na Alemanha, no Chile, na Bélgica, na Inglaterra, na Romênia, na Itália, na Espanha, no Peru e em Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem. Considerações acerca da disciplina dos crimes de furto, roubo e extorsão no Código Penal Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1302, 24 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9420. Acesso em: 26 abr. 2024.

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