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A cessão de direitos hereditários no Código Civil Brasileiro.

Análise dos arts. 1.793 e seguintes

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05/02/2007 às 00:00

Resumo:


  • A cessão de direitos hereditários é permitida no Código Civil, mas deve ser formalizada por escritura pública e observar as regras de indivisibilidade da herança.

  • Até a partilha, a herança é considerada um todo unitário e indivisível, e os bens não podem ser individualizados para fins de cessão.

  • Co-herdeiros têm o direito de preferência na aquisição de quotas hereditárias cedidas a terceiros, e a cessão sem autorização judicial ou desrespeitando a indivisibilidade é ineficaz.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A cessão de direitos hereditários interpreta-se restritivamente. Os direitos conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer presumem-se não abrangidos pela cessão anterior.

Sumário:I – Introdução. II – Da indivisibilidade da herança. III – Artigos 1.793 e seguintes do Código Civil. IV – Conclusões. Referências bibliográficas.

Palavras-chaves: cessão de direitos hereditários; indivisibilidade; bem imóvel; saisine; autorização judicial.


I - INTRODUÇÃO

            Este trabalho visa a abordar a cessão de direitos hereditários no Código Civil (Lei 10.406, de 10/janeiro/2002), especificamente os artigos 1.793 a 1.795.

            O tema, na prática, tem gerado controvérsias e merecem uma abordagem.

            Temos de rever noções de alguns institutos básicos do Direito Civil, o que será feito no correr do texto. Contudo, a fim de não o alongar, trataremos de maneira sucinta sem que percamos de vista o nosso objetivo de aclarar a cessão de direitos hereditários, expressamente contemplada no Código Civil de 2002.

            Propositadamente, esclarecemos ao leitor que os artigos citados são do Código Civil em vigor, e quando se tratar de norma revogada, haverá clara menção ao Código Civil de 1916. Assim sendo, evitamos a adoção das expressões Novo Código Civil, NCC, novo Código Civil e outras designativas do Código das Pessoas, que de novo nada mais tem, eis que vigente e bem estabelecido.


II – DA INDIVISIBILIDADE DA HERANÇA

            Abre-se a sucessão causa mortis com o falecimento do autor da herança. Esta, pelo princípio da saisine (1), defere-se imediatamente aos herdeiros do de cujus, independente de terem ou não ciência da morte do autor da herança (art. 1.784, Código Civil).

            O direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel por dicção legal (art. 80, II, Código Civil). Mesmo que o acervo se constitua exclusivamente de bens móveis, ou de direitos pessoais, ou de ambos, enquanto não individuados com a partilha, considerar-se-ão imóveis, por ficção jurídica.

            Da mesma forma, por disposição legal, defere-se a herança como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros (art. 1.791, caput, Código Civil). E o direito dos co-herdeiros será indivisível, até que se ultime a partilha (art. 1.791, par. único, Código Civil). A doutrina já indicava a indivisibilidade no Código Civil de 1916, exposta no seu art. 1.580, in verbis: "Sendo chamadas simultaneamente, a uma herança, duas ou mais pessoas, será indivisível o seu direito, quanto à posse e ao domínio, até se ultimar a partilha."

            A respeito do Código Civil de 1916, Washington de Barros Monteiro leciona que

            "A indivisibilidade, a que se refere o legislador, diz respeito ao domínio e posse dos bens hereditários, abrangendo todas as fases da vida do direito sucessório, todos os seus acidentes e transformações, desde a abertura da sucessão até que, pela partilha, se concretizem os quinhões." (2)

            Sílvio Rodrigues coaduna desse pensamento, dispondo que na legislação de 1916

            "A herança é uma universalidade iuris, e a lei, contemplando a hipótese de existirem dois ou mais herdeiros, declara que o direito dos mesmos, quanto à posse e ao domínio daquela, é indivisível até se ultimar a partilha." (3)

            Este autor continua, afirmando o seguinte:

            "De fato, o patrimônio e a herança são coisas universais (CC, art. 57), e como tais, se pertencerem a mais de uma pessoa, cada um dos condôminos daquela universalidade é titular de uma parte ideal do todo e jamais de qualquer dos bens individualizados que compõem o acervo." (4)

            Orlando Gomes, tratando da indivisibilidade da herança, acordando em uns pontos, discordando em outros, leciona que, tendo em vista o Código Civil de 1916,

            "O estado de indivisão existente até a partilha não consubstancia a herança num todo unitário, valendo, para os créditos e débitos, o princípio de que se dividem ipso jure entre os co-herdeiros pela respectiva quota." (5)

            Atualmente, por expressa disposição legal (art. 1.791, caput, Código Civil), a herança é transmitida como um todo unitário, não importando o número de herdeiros. E será indivisível, regendo-se pelas normas atinentes ao condomínio (art. 1.791, par. único, Código Civil).

            Sílvio Rodrigues, tratando do Código Civil de 1916, já dispunha que se aplicavam à hipótese as regras do condomínio (6).

            A indivisibilidade hereditária não é tema novo. No Direito Romano encontrávamos a disposição, segundo descreve Paul Jörs:

            "Se observa por lo dicho que la herencia, de primera intención, pasaba a los coherederos como uma universalidad indivisa. En tal estado podía persistir y los herederos beneficiarse de ella y explotarla en común.. .; pero también podían exigir su división, que se llevaba a efecto por la actio familiae herciscundae" (7).


III – ARTIGOS 1.793 E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL

            Etimologicamente, cessão provém do latim cessìo, ónis, que significa a ação de ceder, cessão, transferência.

            Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery conceituam a cessão de direitos hereditários como sendo

            "o negócio jurídico inter vivos celebrado, depois de aberta a sucessão (CC 1784), entre o herdeiro (cedente) e outro co-herdeiro ou terceiro (cessionário), pelo qual o cedente transfere ao cessionário, a título oneroso ou gratuito, parcial ou integralmente, a parte que lhe cabe na herança" (8).

            Pelo art. 1.793, caput, Código Civil, o legislador confirma o entendimento de que o direito à sucessão aberta pode ser cedido. Observe que se trata de direito à sucessão aberta e não direito à sucessão futura – hereditas non addita non transmittitur (9) -, eis que qualquer contrato que envolva herança de pessoa viva é vedado e, portanto, nulo – hereditas viventis non datur (10) (arts. 426 e 166, VII, Código Civil).

            Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, comentando o art. 1.793 do Código Civil, afirmam que

            "Desde a morte do autor da herança, seus herdeiros já são proprietários e possuidores, independentemente de qualquer outra providência. Assim, podem dispor desses direitos hereditários, cedendo-os a outros herdeiros ou mesmo a terceiros, observadas as limitações impostas na sucessão (v.g., cláusula de inalienabilidade), bem como as condições da norma sob comentário e do direito de preferência do CC 1794" (11).

            Da mesma forma, sob pena de nulidade (art. 166, IV, Código Civil), pela letra do art. 1.793, caput, Código Civil, requer seja feita a cessão por meio de escritura pública, o que já era recomendado pelos doutrinadores, em comento ao Código Civil de 1916 (12).

            Saliente-se que se faz indispensável a outorga conjugal, sob pena de anulação do negócio jurídico, exceto se o regime do casamento for o da separação absoluta (art. 1.647, I, Código Civil), devendo esta ser dada na própria escritura de cessão, em observância ao art. 220 do Código Civil.

            Do mesmo modo, em se tratando de cessão onerosa de ascendente para descendente, há necessidade do consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante (13), que deverá ser dado também na própria escritura (art. 220, Código Civil), sob pena de anulabilidade do negócio, conforme preceitua o art. 496 do Código Civil. Nada obstante este artigo fale em "venda", deve-se entender todo e qualquer ato oneroso de disposição.

            Observe-se igualmente que o art. 496, Código Civil, fala em descendentes. Logo, em se tratando de filho pré-morto, os herdeiros deste passam a integrar a herança pelo chamado direito de representação, previsto no art. 1.851, Código Civil. Assim sendo, os netos do autor da herança (no caso em tela o cedente) deverão integrar a escritura pública, ao lado dos demais descendentes, tecnicamente como intervenientes, a fim de consentirem na cessão onerosa.

            As dificuldades práticas têm se apresentado nas hipóteses dos §§ 2º e 3º do art. 1.793, Código Civil.

            Diz o § 2º do art. 1.793, Código Civil:

            "É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente."

            Sobre o tema dos planos de existência, validade e eficácia do fato/negócio jurídico, importante é a lição de Antônio Junqueira de Azevedo, in verbis:

            "Fato jurídico é o nome que se dá a todo fato do mundo real sobre o qual incide norma jurídica. Quando acontece, no mundo real, aquilo que estava previsto na norma, esta cai sobre o fato, qualificando-o como jurídico; tem ele, então, existência jurídica. A incidência da norma determina, como diz Pontes de Miranda, sua entrada no mundo jurídico. O fato jurídico entra no mundo jurídico para que aí produza efeitos jurídicos. Tem ele, portanto, eficácia jurídica. Por isso mesmo, a maioria dos autores define o fato jurídico como o fato que produz efeitos no campo do direito" (14).

            Caio Mário da Silva Pereira leciona que "a validade do negócio jurídico é uma decorrência da emissão volitiva e de sua submissão às determinações legais" (15). E completa, afirmando:

            "Inversamente, se o agente se não conformou com elas, falta à declaração a condição a priori, para que atinja o resultado querido. Inválida, lato sensu, quando é contrariada a norma, isto é, quando foram deixados sem observância os requisitos indispensáveis à sua produção de efeitos, seja por ter o agente afrontado a lei, seja por não reunir as condições legais de uma emissão útil de vontade" (16).

            E explica a ineficácia stricto sensu como sendo:

            "a recusa de efeitos quando, observados embora os requisitos legais, intercorre obstáculo extrínseco, que impede se complete o ciclo de perfeição do ato. Pode ser originária ou superveniente, conforme o fato impeditivo de produção de efeitos, seja simultâneo à constituição do ato ou ocorra posteriormente, operando contudo retroativamente" (17).

            Tratando da ineficácia dos atos negociais, Paulo Nader esclarece que "negócio jurídico ineficaz é o que existe, mas não produz efeitos jurídicos" (18) (19).

            A par de todos os posicionamentos, parece que assiste razão a Antônio Junqueira de Azevedo. Sintetizando o seu pensamento, veja o seguinte:

            "Se tomarmos, a título de exemplo, um testamento, temos que, enquanto determinada pessoa apenas cogita de quais as disposições que gostaria de fazer para terem eficácia depois de sua morte, o testamento não existe; enquanto somente manifesta essa vontade, sem a declarar, conversando com amigos, parentes ou advogados, ou, mesmo, escrevendo em rascunho, na presença de muitas testemunhas, o que pretendo que venha a ser sua última vontade, o testamento não existe. No momento, porém, em que a declaração se faz, isto é, no momento em que a manifestação, dotada de forma e conteúdo, se caracteriza como declaração de vontade (isto é, encerra em si não só uma forma e um conteúdo, como em qualquer manifestação, mas também as circunstâncias negociais, que fazem com que aquele ato seja visto socialmente como destinado a produzir efeitos jurídicos), o testamento entra no plano da existência; ele existe. Isso, porém, não significa que ele seja válido. Para que o negócio tenha essa qualidade, a lei exige requisitos: por exemplo, que o testador esteja no pleno gozo de suas faculdades mentais, que as disposições feitas sejam lícitas, que a forma utilizada seja a prescrita. Por fim, ainda que estejam preenchidos os requisitos e o testamento, portanto, seja válido, ele ainda não é eficaz. Será preciso, para a aquisição de sua eficácia (eficácia própria), que o testador mantenha sua declaração, sem revogação, até morrer; somente a morte dará eficácia ao testamento, projetando, então, o negócio jurídico, até aí limitado aos dois primeiros planos, no terceiro e último ciclo de sua realização" (20).

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            Já vimos que a herança é um todo unitário, indivisível, situação que perdura até a partilha do acervo hereditário. Para clarear o pensamento, imaginemos uma herança composta de dois imóveis rurais, três imóveis urbanos, quatro automóveis e semoventes, tendo cinco herdeiros. Até que se ultime a partilha, cada herdeiro terá fração ideal correspondente a 1/5 (um quinto) do acervo hereditário e não 1/5 (um quinto) do imóvel rural X, ou do imóvel urbano Y, ou do automóvel tal etc. Ou seja, terá fração ideal sobre o todo e não sobre um bem individualizado.

            Por essa razão, não se mostra correto individualizar o bem para o fim de cedê-lo. E se o fizer, esse negócio, por força do § 2º do art. 1.793, Código Civil, será ineficaz, isto é, não produzirá efeitos com relação ao Juízo da Sucessão e aos herdeiros, ficando o cessionário na dependência da vontade destes para que o negócio tenha eficácia jurídica.

            Coaduna do nosso pensamento Maria Helena Diniz, para quem a cessão

            "Só pode incidir no todo ou em parte sobre quinhão ideal do co-herdeiro, visto que herança, enquanto não ocorrer a partilha, é uma universalidade de direito e não um conjunto de bens individualmente determinados" (21).

            Há quem sustente (22) a desnecessidade de autorização judicial quando se tratar de cessão em que todos os herdeiros participam da escritura, seja alienando, seja anuindo na cessão, isto é, se todos alienarem não haverá necessidade de alvará.

            Esse posicionamento deve ser refutado. Pode haver um herdeiro preterido, que dolosamente não foi chamado a suceder, como também pode haver um herdeiro que, até então, era desconhecido de todos. E ambos, tendo ciência da morte do de cujus, certamente reclamarão a sua parte na herança.

            Pode ser que a alegação de ineficácia do negócio jurídico, por parte de todos aqueles que participaram da escritura, fique obstada. Todavia, aquele (ou aqueles) que dela não participou poderá alegá-la em seu proveito.

            A situação torna-se mais grave se esse herdeiro preterido ou desconhecido quiser exercer o seu direito de preferência na aquisição, tanto por tanto, a teor do que dispõe o art. 1.794, Código Civil, desde que o faça no prazo decadencial de seis meses, a contar da data da transmissão (art. 1.795, caput, Código Civil). E o melhor é não visualizar esse herdeiro preterido ou desconhecido como um incapaz, com todo um aparato jurídico protetor, inclusive intervenção do Ministério Público.

            E nada obstante ter deixado o de cujus viúva e filhos, pode haver também uma companheira, com quem ele convivia em união estável, pois estava separado de fato da ex-mulher há muito tempo. E, como se sabe, a companheira tem proteção jurídica, respeitante aos direitos sucessórios (23) (24) (25).

            As hipóteses de alegação de ineficácia são inimagináveis. E há de se lembrar que a norma do art. 1.793 (e seus parágrafos) do Código Civil, data maxima venia, é de ordem pública, e sua inobservância acarreta a nulidade do negócio jurídico, a teor do que dispõe o art. 166, V, Código Civil.

            E sendo indispensável a intervenção do notário (pois lavrará a escritura pública), é mister que ele tenha na lembrança os princípios de publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos negócios jurídicos, insertos no art. 1º da Lei 8.935/94.

            O § 3º do art. 1.793 do Código Civil prescreve o seguinte:

            "Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade."

            A indivisibilidade do acervo hereditário, como vimos, perdura até a partilha, regendo-se, nesse ínterim, pelas normas atinentes ao condomínio (par. único do artigo 1.791, Código Civil).

            Pretendendo o herdeiro ceder sua cota hereditária a terceiro, sobre um bem considerado individualmente, deverá requerer ao Juízo da Sucessão autorização para tal negócio, materializada através de Alvará, a ser requerida pelo inventariante, por força do art. 992, I, Código de Processo Civil (26), ouvidos todos os interessados.

            Contudo, se não individualizar bens, poderá dispor do seu quinhão livremente, obedecendo-se a preferência dos demais co-herdeiros. Exemplificando, suponhamos um herdeiro que detenha 20% do acervo hereditário. Poderá ele ceder 10%, ou 15% do seu quinhão na herança sem que o negócio seja ineficaz, pois o que a lei veda é a individualização do bem.

            Remontando ao primeiro exemplo, o que a lei veda é a cessão de 20% sobre o imóvel rural X, ou 20% sobre o imóvel urbano Y; ou 15% do imóvel rural X, ou 15% (ou 10%) do imóvel urbano Y, ou seja, cessão de bem considerado singularmente, isoladamente.

            Redizendo, poderá o co-herdeiro dispor livremente de parte do seu quinhão na herança, sem que haja vício no negócio, ou seja, poderá dispor de 5%, 10%, 40%, 70%, ou 1/2, ou 1/4, ou 1/78, mas sempre de sua parte ideal na herança, sem especificar bens, pois, como visto, não se permite a individualização dentro da universalidade jurídica (27).

            O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota no acervo hereditário a pessoa estranha, sem que os demais co-herdeiros exerçam o direito de preferência. É o que diz o art. 1.794, Código Civil.

            O direito à sucessão aberta é bem imóvel (art. 80, II, Código Civil) e indivisível por determinação legal (arts. 88, 1.791, par. único, e 91, todos do Código Civil). Por essa razão, o direito do co-herdeiro na aquisição da quota hereditária deve prevalecer ao de terceiro.

            Assim sendo, o co-herdeiro deverá dar aos demais co-herdeiros a oportunidade de exercerem o direito de preferência na aquisição do bem (ou quota hereditária), através de notificação, sob pena de anulabilidade. É o que prescreve o art. 1.795, caput, Código Civil:

            "O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão."

            A notificação do co-herdeiro interessado na cessão deverá conter o preço do negócio, prazo e forma de pagamento, assinando aos demais co-herdeiros um prazo para o exercício do direito de preferência. Inexistindo prazo estipulado, o direito de preferência caducará em sessenta dias, contado da data do recebimento da notificação (art. 516, Código Civil).

            Contudo, nada obsta que o co-herdeiro interessado na aquisição do bem ou quota cedida, ciente do negócio a ser realizado, notifique o co-herdeiro cedente do seu interesse no negócio, por aplicação do art. 514, Código Civil.

            Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que os co-herdeiros têm preferência na aquisição somente se se tratar de negócio jurídico oneroso (28).

            Do mesmo pensamento coaduna Maria Helena Diniz, para quem "Cessão onerosa de quota de herança não pode ser feita a estranho sem que o cedente a tenha oferecido aos co-herdeiros para que exerçam o direito de preferência, tanto por tanto" (29).

            Lavrada a escritura pública sem a aquiescência dos demais co-herdeiros, o prejudicado, depositando o preço do negócio, poderá haver para si a quota cedida a estranho. Ter-se-á, porém, o prazo de cento e oitenta dias, contado da lavratura do ato notarial, para pedir a anulação do negócio jurídico, sob pena de decadência. Vencido o prazo, convalescerá o negócio sem se cogitar de invalidade.

            Em se tratando de co-herdeiro incapaz, deverá haver requerimento para que o mesmo se manifeste sobre a preferência, através de procedimento próprio, dirigido ao Juízo da Sucessão, ouvidos o curador e o Ministério Público, cuja manifestação, notadamente sobre a aquiescência, será dada por si e seu assistente, ou simplesmente pelo seu representante, conforme seja a incapacidade relativa ou absoluta.

            Se mais de um co-herdeiro se interessar pela aquisição do bem ou quota hereditária, o objeto da cessão ser-lhes-á distribuído na exata proporção do quinhão de cada interessado, segundo o parágrafo único do art. 1.795, Código Civil, in verbis:

            "Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias."

            Segundo Maria Helena Diniz não há direito de preferência entre co-herdeiros, ou melhor, "Não haverá direito de preferência, se o co-herdeiro ceder seu quinhão a outro co-herdeiro." O mesmo, segundo a autora, se a cessão for gratuita (30).

            Pela dicção do par. único do art. 1.791, Código Civil, já mencionado, o direito dos co-herdeiros, até a partilha, é regido pelas normas relativas ao condomínio. Dessa forma, entendemos que entre os co-herdeiros há direito de preferência, devendo ser aplicado o art. 1.118, III, do Código de Processo Civil, quando houver desigualdade de quinhões, visto que há direito de preferência entre condôminos em bem indivisível, conforme preceituam os arts. 504, caput e 1.322, caput, todos do Código Civil. Exemplificando: suponhamos um acervo hereditário com cinco herdeiros (A, B, C, D e E). Se o co-herdeiro cedente A quiser alienar sua quota de 20% do acervo hereditário ao co-herdeiro B, poderá fazê-lo sem se preocupar com os demais. Mas, uma vez realizada essa cessão, o co-herdeiro B passará a ter uma quota hereditária correspondente a 40% do acervo hereditário, devendo, em caso de novas cessões de direitos hereditários, ser-lhe oferecida a quota em primeiro lugar, para que exerça a preferência, visto possuir quinhão maior.

            É também o caso do cônjuge meeiro. Se algum dos co-herdeiros quiser ceder sua quota hereditária a estranho, deverá obter a aquiescência do cônjuge meeiro e dos demais co-herdeiros. E se quiser alienar sua quota a um outro co-herdeiro, deverá primeiramente oferecê-la ao cônjuge meeiro, para que exerça a preferência. Não a querendo, ou vencido o prazo assinado, poderá o co-herdeiro ceder livremente sua quota ao outro.

            Outra questão que surge diz respeito à possibilidade de cessão, por co-herdeiro, ao próprio espólio. Entendemos que não há óbice a esse negócio, até mesmo por que é interessante às partes e ao Direito diminuir o número de condôminos, a fim de atenuar os conflitos existentes em uma comunhão.

            O que se rejeita é o ato simulado, em que sob a aparência de uma renúncia de herança, o co-herdeiro cedente aliena sua quota hereditária aos demais co-herdeiros cessionários, operando-se, na realidade, uma transmissão onerosa, sem o pagamento do imposto devido (ITBI). Ou o conluio celebrado na renúncia, em que o co-herdeiro, na realidade, doa sua quota hereditária, ajustando com os demais co-herdeiros que a mesma fique para o co-herdeiro X, lesando o fisco estadual (ITCD). Em ambos os casos, esse negócio é nulo, de conformidade com os respectivos artigos 166, VI e 167, § 1º, I, do Código Civil.

            A análise do § 1º do art. 1.793, Código Civil, não traz qualquer problema. A sua redação é a seguinte:

            "Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente."

            A cessão de direitos hereditários interpreta-se restritivamente. Por isso, os direitos conferidos ao herdeiro, em conseqüência de substituição ou direito de acrescer, presumem-se não abrangidos por esse negócio jurídico.

            Contudo, as partes (cedente e cessionário), prevendo essa hipótese, podem estabelecer regra oposta, afastando a presunção legal (31).

            Por fim, com as modificações do Código de Processo Civil, impostas pela Lei 11.441/2007, o inventário poderá ser feito extrajudicialmente, por meio de escritura pública lavrada em cartório de notas, desde que inexistam incapazes e disposições de última vontade.

            Isso levantou algumas questões que reflexamente atingiram a disciplina dos arts. 1.793 e seguintes do Código Civil. Todavia, trataremos disso oportunamente.

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Sobre o autor
Samuel Luiz Araújo

Doutorando em Direito pela PUC-SP; mestre em Direito das Relações Econômico-Empresariais (Unifran); especialista em Direito Civil e Processual Civil (Unifran); bacharel em Direito (Faculdade de Direito de Franca); membro do GEA-USP; associado do IBRAA, do IRIB e do Colégio Notarial do Brasil; 2º Tabelião de Notas de Sacramento/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Samuel Luiz. A cessão de direitos hereditários no Código Civil Brasileiro.: Análise dos arts. 1.793 e seguintes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1314, 5 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9464. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Versão atualizada e acrescida de texto originalmente publicado na Revista Jurídica Unijus (v. 8, n. 8, maio 2005, pp. 185-194), ISSN 1518-8280, editada pela Universidade de Uberaba (MG) e Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

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