Estado Constitucional Social (liberdade coletiva) x Estado Constitucional Liberal (liberdade individual)

15/01/2022 às 09:31
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A paz, para ser duradoura, deve assentar sobre a justiça social

Declaração de Filadélfia - OIT

Resumo: No presente trabalho nos reportamos exclusivamente às tendências neoliberais brasileiras, uma vez que o processo investigativo de toda a América Latina e Caribe demandaria um tempo maior. Procuramos demonstrar, através da história brasileira, como o Estado Constitucional Social, quando adotado, significa desenvolvimento econômico, sem ferir conquistas e direitos dos trabalhadores. Analisamos a forma como o governo de Michel Temer tem conduzido as políticas brasileiras, com total submissão ao capitalismo, o que tende, em futuro próximo, escravizar a classe trabalhadora. Ao final, confrontamos o Estado Constitucional Social com o Estado Constitucional Liberal, que traduzem a liberdade coletiva frente à liberdade individual. E ainda nos reportamos, mesmo que an passant, sobre a importância da luta teórica e educacional para reverter o processo de investidas capitalistas.

Palavras-chave: Direitos Sociais. Burguesia. Classe Trabalhadora. Política. Governo. Constituição. Social. Liberal. Capitalismo. Hegemonia. Liberdades.

Introdução Direitos Sociais: breve escorço histórico

A ideia de seguridade social é inerente à própria existência do ser humano. Ao viver em grupos, desde tempos imemoriais, o homem entendeu que o coletivo teria que ser responsável por aqueles que por doença, incapacidade e invalidez não estariam aptos para o trabalho. E que o trabalho decente, com igualdade de oportunidades, é o caminho para a emancipação social.

Após a hegemonia burguesa romper com o estado absolutista no século XVIII, nasceram os direitos fundamentais de primeira geração: liberdade, igualdade e fraternidade (os lemas da Revolução Francesa de 1.789). No entanto, a atuação livre do mercado, sem interferência estatal (expressão teórica-filosófica laissez-faire, cujo conteúdo determina o liberalismo econômico, que traduz o capitalismo puro), impôs uma série de medidas aos trabalhadores das indústrias (com crescimento acelerado, para substituir a manufatura), explorando o potencial de trabalho, com longas jornadas e ausência de direitos (leiam-se férias, descanso semanal remunerado, etc.).

A exploração do trabalho pelo capital foi nitidamente observada por Karl Marx (1818-1883), o impulsionando a elaborar sua mais famosa teoria: a mais-valia (Mehrwert), e que em termos gerais, explica que o valor dos meios de produção, somado ao valor do trabalho, é o lucro do sistema capitalista. A mais-valia seria a diferença entre o valor final do produto, com esses valores, o que para concretização, abarca a exploração do proletariado. Com a expansão da teoria, surge uma série de reivindicações por parte de trabalhadores de todo o mundo: trabalhadores do mundo, uni-vos!

Em 1883 e com fulcro nesse movimento, o alemão Otto Von Bismarck, inaugurou um processo legislativo securitário, em resposta às greves e pressões dos trabalhadores. O modelo bismarckiano é considerado o precursor do Welfare State, ou Estado do Bem-Estar Social. A aprovação das medidas legislativas Seguro Doença, Seguro de Acidentes e Seguro Invalidez e Velhice, num modelo visivelmente corporativista, serviram para evitar uma revolução popular, já em vias de acontecer. Ou seja, a proteção social nasce e se desenvolve a partir das lutas dos trabalhadores. São, portanto, conquistas e não benesses dos governantes.

Neste contexto, importante frisar que após a Revolução Industrial e o avanço do capitalismo Industrial ou Industrialismo (séculos XVIII e XIX), operários de fábricas dão início a um intenso processo de reivindicações, pois estavam sendo explorados, com jornadas duras de trabalho e sem quaisquer direitos previdenciários. Portanto, foi a Revolução Industrial um movimento significativo para a consolidação das leis de proteção à seguridade social do trabalhador (final do século XVIII), que atuou no sentido de transferir as reivindicações securitárias para o Estado, que toma para si a função de garantidor da seguridade social pública.

Impende analisar que com os movimentos, a liberdade criada pela burguesia fragiliza-se com a demonstração da necessidade da intervenção estatal nas políticas públicas, notadamente quando nos referimos às sociais. A par das constatações, de que o estado não poderia ser mínimo, na medida em que não poderia relegar essas políticas ao mercado financeiro, vez que o lucro rechaça os direitos sociais (e por ser assim, não promove desenvolvimento econômico nacional), germina a constitucionalização de direitos sociais, notadamente a partir da primeira década do século XX, com as pioneiras Constituições Sociais: do México de 1917 e logo depois, a de Weimar, de 1919. Ditas constituições inovaram no sentido de incluir em seus corpos normativos, medidas eficazes de proteção social, evoluídas para a época, na medida em que positivaram direitos sociais.

Vale dizer que a Constituição Mexicana de 1917, rechaçando o Constitucionalismo liberal, foi responsável por abrolhar a escola do Constitucionalismo Social, em contraposição ao estado absenteísta criado através das revoluções burguesas e que deram surgimento às ideias liberais e às relações capitalistas de produção, de maneira exploratória. O movimento constitucional passa a tratar o estado, de mero expectador passivo, para estado intervencionista, elevando normas sociais como valores supremos nas cartas magnas, ocupando-se o estado então, do Bem-Estar Social  Welfare State, termo cunhado em 1930, pelo britânico Sir Alfred Simmern, e que seria em termos genéricos, a configuração do estado democrático de direito, em contraposição ao Power State (o estado regido pelo poder, sem qualquer ingerência popular sem representatividade e participação). Registre-se que o Bem-Estar Social vem a ser acentuado no período do pós-guerra, atingindo seus anos dourados, do final dos anos 1940 a meados dos anos 1970.

Como veremos no decorrer da presente monografia, é o Estado Constitucional Social responsável pela aplicabilidade de políticas públicas em prol dos trabalhadores, em contrário ao Estado Constitucional Liberal, que tende, a despeito de servir ao capital, aniquilar direitos sociais e até mesmo promover escravidão em pleno século XXI e depois de longo percurso de injustiças.

A conquista de Direitos Sociais no Brasil

Desde a sua invasão[1] (que a maioria dos historiadores prefere chamar de descobrimento), pelos portugueses em 1.500, o Brasil tem vivenciado vários momentos em sua formação jurídica, ora seguindo ideologia social, ora liberal.

Na época da invasão portuguesa, estava iniciando-se o sistema capitalista mercantil (com origem no século XV), marcado pela decadência do sistema feudal, que dominou a Europa do século V ao século XV (Idade Média). A sociedade estamental formada por senhores feudais e servos paulatinamente era substituída pela nova classe social, a burguesia.

Com as expansões ultramarinas, surge a moeda, em substituição às trocas comerciais e para fortalecimento do poder central e controle da economia. Vale dizer que esse controle foi a base do mercantilismo, que essencialmente tinha a finalidade de lucro, que era alcançado com a balança comercial favorável exportar mais do que importar (superávit).

O monopólio comercial em franca expansão, ocasionou a busca pela mão de obra. Após a invasão portuguesa nas terras brasileiras, o índio foi usado em larga escala como meio de produção do capital. Os séculos XVI e XVII no Brasil foram marcados por um verdadeiro genocídio dos povos indígenas (situação semelhante em toda América Latina e Caribe, onde nações inteiras foram dizimadas pela ganância humana, como os povos incas, maias e astecas).

Com o quase extermínio da população indígena e expansão do capitalismo mercantil, buscou-se em solo africano, a força de trabalho dos negros, que eram arrancados de suas terras e comercializados como objetos. Não era a força do trabalho o produto de comercialização, mas o próprio ser humano. Os escravos não eram destinatários de quaisquer direitos sociais laborais e previdenciários. Não tinham voz, não tinham vez. Não tinham respeito e dignidade.

O Brasil, como colônia de Portugal, não era um país independente e não tinha sua própria Carta Constitucional, sendo regido pelas Ordenações Manuelinas e sucessivamente pelas Ordenações Filipinas. Estas últimas entraram em vigor em 1603 e perduraram até 1830 (em Portugal) e no Brasil até a outorga (imposição) de sua primeira carta constitucional.

Com quatro poderes instituídos Moderador (delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação), Legislativo, Executivo e Judiciário, a Carta Constitucional de 1824 refletiu a independência do Brasil, ocorrida em 1822, quando deixou de ser colônia e passou a ser império como reino unido com Portugal, sua ex-metrópole.

Apesar de taxativamente prever em seu artigo 179, inciso XIX, que: Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis, a norma não era observada quando se tratava de escravos, que continuavam a ser contrabandeados, trazidos em condições desumanas em grandes navios para serem vendidos aos senhores escravocratas, especialmente os donos dos latifúndios de cana-de-açúcar.

Vale abrir parênteses para destacar que logo após sua independência de Portugal, em 1826 o Brasil assina uma convenção com a Inglaterra (o país mais poderoso da época), em que se compromete a acabar com a escravidão. No entanto, não cumpre o convencionado. Na realidade, a pressa inglesa deu-se pelo fato de que por haver abolido a escravidão em seus domínios, seu comércio de cana-de-açúcar restaria prejudicado, uma vez que o Brasil continuaria a valer-se da mão-de-obra escrava e a concorrência assim, seria desigual. Foi a primeira vez que o Brasil não respeitou uma convenção internacional[2], fato que hodiernamente, tem sido frequente no governo de Michel Temer.

Um dos retratos mais fiéis sobre a escravidão no Brasil vem da literatura poética de Castro Alves (Curralinho14 de março de 1847  Salvador6 de julho de 1871), notadamente em seu poema Navio Negreiro, escrito em 1869, do qual copiamos um trecho para ilustração[3]:

Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm'lo de maldade,

Nem são livres p'ra morrer.

Prende-os a mesma corrente

Férrea, lúgubre serpente

Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoute... Irrisão!..

O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão, fato ocorrido com a Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1988 (Lei Áurea) e oitenta e quatro anos após a revolta de escravos ocorrida no Haiti Revolta de São Domingos (1791 1804), liderada por Toussaint Louverture e que culminou com a sua independência e abolição da escravatura, dando azo a que outros países latino-americanos e caribenhos seguissem o mesmo passo libertatório e emancipatório.

No entanto, com a extinção formal da escravidão no Brasil, não foram adotadas políticas públicas de inclusão social dos ex-escravos, que foram entregues à própria sorte. Neste diapasão, vale salientar que muitos deles não tiveram como abandonar seus postos de trabalho e continuaram sob o julgo dos senhores. Outros foram mendigar, já que não conseguiam qualquer trabalho. A marca dos ferros e chicotes acompanhava os libertos, onde quer que os mesmos, estivessem. Marca que até os dias atuais é largamente vista na cultura discriminatória brasileira.

Em 1889, um ano após a edição da Lei Áurea, que teoricamente pôs fim à escravidão no Brasil, ocorre a Proclamação da República Brasileira, que instaurou a forma republicana federativa presidencialista de governo, acabando com a monarquia constitucional parlamentarista. Sequencialmente, em 1891, é promulgada a segunda Constituição do Brasil.

Com a Proclamação da República, iniciou-se a República Velha, dividida em dois períodos: i) República da Espada (1889 à 1893), com domínio das forças do exército e apoio dos republicanos, para se evitar a volta da monarquia; e ii) República Oligárquica (1894 à 1930), que marcadamente deu maior poder para as elites forças políticas, notadamente do sul e sudeste do Brasil. É deste período que se subtrai a política do café com leite, quando São Paulo (lavoura de café) e Minas Gerais (criação de gado leiteiro) se revezavam na presidência da República.

Como não era mais possível a escravidão, o Brasil abre suas portas para a imigração estrangeira, que foi acentuada com a primeira guerra mundial, notadamente de alemães vindos da Alemanha nazista e italianos da Itália fascista.

A República Nova, que teve início com a Revolução de 1930, foi um reflexo da crise econômica de 1929 queda da bolsa de Nova Iorque. Dita Revolução, que foi resultado do rompimento da aliança oligárquica entre paulistas e mineiros, culminou com um golpe de estado, que depôs o então Presidente da República Washington Luís. O gaúcho Getúlio Vargas assume o Governo Provisório (1930-1934) e após o Governo Constitucional (1934-1937) e sucessivamente o governo do chamado Estado Novo (1937-1945).

Ao final do Governo Provisório e início do Governo Constitucional de Vargas, é promulgada a Constituição Federal de 1934, que com influência do movimento denominado de Constitucionalismo Social, adotado pela Constituição do México de 1917 e pela Constituição de Weimar de 1919 (não nos olvidando da Revolução Russa de 1917), adotou, em seu artigo 34, o direito ao trabalho decente e políticas assistenciais: A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência.

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Referida Carta Constitucional teve curta vigência, sendo substituída pela Constituição Republicana de 1937, a quarta do Brasil, outorgada e cujo texto foi inaugurado com os seguintes dizeres[4] (redação original):

ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;

ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;

ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo;

Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;

Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o País.

A Suprema Carta ficou conhecida como Constituição Polaca, uma vez que foi inspirada na da Polônia, de regime semifascista. A Carta teve o condão de concentrar os poderes do presidente Vargas. Era, portanto, autoritária e atendia anseios dos grupos políticos desejosos de um governo forte e ilimitado. Por força disso, o governo de Vargas, durante o Estado Novo (expressão copiada do governo de Salazar em Portugal), foi tomado como verdadeira ditadura.

Contudo, e contrario sensu, foi nesse período que o governo de Vargas mais se acentuou em relação às políticas públicas sociais, em resposta às reivindicações dos trabalhadores, ficando conhecido como o pai dos pobres.

Em 1º de maio de 1943, através do Decreto-Lei nº 5.452, Vargas compilou a legislação trabalhista brasileira, o que deu origem à Consolidação das Leis do Trabalho. Uma conquista importante e que, apesar de ter sido reformulada durante sua existência em vários de seus dispositivos, marcadamente seguiu servindo ao trabalhador, dando-lhe condições de trabalho decente e possibilidades reais para enfrentamento, inclusive judicialização de suas questões. Com a CLT e suas reformas ao longo de mais de sete décadas, direito ao salário mínimo, férias, organização sindical[5], regulamentação do trabalho de menores e mulheres, repouso semanal remunerado, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), dentre tantos outros, foram devidamente assegurados e respeitados.

Como resultado, o país avançou economicamente, já que somente o estado social, com parâmetros estabelecidos em sua Constituição como norma suprema, é capaz de criar desenvolvimento econômico, vez que colabora com a diminuição das desigualdades sociais e promove inclusão social fatores determinantes a qualquer política desenvolvimentista em prol da coletividade, com resguardo do interesse público.

Importante ressaltar que à época, a oligarquia brasileira perdeu sua hegemonia. As greves de trabalhadores iniciadas nas primeiras décadas do século XX mobilizaram trabalhadores e deram nascimento aos primeiros sindicatos, fazendo que com Vargas, para acalmar a tensão, acabasse por regulamentar as relações entre patrões e empregados, alicerçando as reivindicações.

Entre 1945 e 1951, o Brasil foi governado por José Linhares (1945-1946), como interino (vez que era integrante do Supremo Tribunal Federal) e pelo Marechal Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), que foi Ministro da Defesa de Vargas. Durante o governo deste último, foi editada a Constituição Federal de 1946, responsável por constitucionalizar uma série de direitos sociais (laborais e previdenciários), os quais foram expressamente elencados em seu artigo 157, visando a melhoria de condições dos trabalhadores, inclusive, dentre outros, com a instituição de salário mínimo, que fosse capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família; participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar; duração diária do trabalho não excedente a oito horas, exceto nos casos e condições previstos em lei; proibição de trabalho em indústrias insalubres, a mulheres; estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei estatuir; reconhecimento das convenções coletivas de trabalho; assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante; assistência aos desempregados; previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte; obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho. Em seu artigo 158 reconheceu o direito de greve e no artigo 159 reconheceu a liberdade de associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público.

Vargas voltou ao poder em 1951, eleito democraticamente e em agosto de 1954, cometeu suicídio no Palácio do Catete, com um tiro no coração. Em uma carta de despedida, escreveu: "Deixo a vida para entrar na História." Até hoje o suicídio de Vargas gera polêmicas. O que sabemos é que seus últimos dias de governo foram marcados por forte pressão política por parte da imprensa e dos militares. A situação econômica do país não era, fato que gerava muito descontentamento entre a população[6].

Em outra versão mais detalhada, John Gerassi analisa o suicídio de Vargas como uma resposta pelas pressões que vinha sofrendo não por parte de políticos e militares nacionais, mas sim de grupos internacionais econômicos e financeiros, que não concordavam com a política nacionalista e desenvolvimentista adotada por Vargas e queriam, dentre outros, o controle da Petrobrás, empresa criada por ele. Nesta liça, vale colacionar parte das conclusões de Gerassi:

A 24 de agosto de 1954 Vargas escreveu uma brilhante carta emocional ao seu povo, na qual acusava os grupos internacionais econômicos e financeiros, sem mencionar especificamente nossas empresas, de domínio e saque

nacional, já que os lucros das empresas estrangeiras chegavam a 500% ao ano. Acusou os grupos internacionais de se terem unido aos grupos nacionais. E, dramaticamente, escreveu: Dei-lhes minha vida, agora lhes ofereço minha morte. E suicidou-se com um tiro.[7]

Juscelino Kubitscheck foi o presidente que substituiu o getulismo, sendo responsável por empregar algumas dezenas de dólares provenientes do sistema previdenciário nacional na construção de Brasília. Sequencialmente, Jânio da Silva Quadros, em 1961, assumiu a presidência, sendo deposto pela Revolução de 1964, quando os militares (com apoio expresso dos Estados Unidos da América) tomaram o poder.

Vale repisar que o golpe militar de 1964 (estrategicamente apoiado pelos EUA) pode e deve ser tomado como uma série de ataques aos trabalhadores brasileiros, tanto na seara política como na laboral-social. Nos 21 (vinte e um) anos da ditadura militar, houve supressão de direitos, mitigação de benefícios e direcionamento da economia a serviço do capital.

Como forma de legitimar o golpe militar de 1964, foi outorgada (imposta) a Constituição de 1967, que aumentou o controle do Poder Executivo sobre o Legislativo e Judiciário, de forma hierarquizada e centralizada. Ou seja, deflagrou forma de governabilidade através de decretos-leis e os chamados atos institucionais. O pior deles, o AI-5, foi editado no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo e a despeito de suprimir direitos políticos, acabou por calar a voz dos trabalhadores suprimindo-lhes inclusive, o direito à reivindicar seus direitos sociais, uma vez que dirigentes sindicais foram, por mais de 21 (vinte e um) anos, perseguidos, exilados, torturados e mortos.

Mas nem trabalhadores nem seus representantes sindicais desistiram de lutar pelo retorno do Estado Constitucional Social!

Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988

O movimento de redemocratização do Brasil, que deitou suas raízes a partir da abertura promovida em 1985, faz ressurgir a ideologia do Estado Constitucional Social, manifestada através da vontade popular.

Em 1985 iniciou-se o processo de redemocratização do país, sendo que a instalação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, culminou na promulgação (fruto da vontade popular) da Constituição Federal de 1988. Dita Norma Superior, é tida como Constituição Cidadã, na medida em que elevou e reconheceu vários direitos dos trabalhadores como fundamentais, ou seja, como direitos irretocáveis e irretiráveis, fazendo parte do núcleo das chamadas cláusulas pétreas, não podendo sofrer alteração nem mesmo por meio de emendas constitucionais.

Na Constituição Federal de 1988 (que adotamos como Constituição Social Brasileira), o princípio do Bem-Estar Social foi destacado em seu preâmbulo, ou seja, o pacto social celebrado baseou-se na diretriz de se buscar, dentre os caminhos traçados pela Carta Maior, o princípio invocado como direito fundamental social de todo trabalhador brasileiro (e aqui leia-se trabalhador em sua terminologia ampla: formal, informal, ativo, inativo, temporário, terceirizado, etc.).

Não é demais lembrar que a Magna Carta de um país, além de expressar sua soberania, expressa a vontade política e, por conseguinte, deve expressar a vontade popular. É a Constituição que contém o ordenamento jurídico supremo do Estado e conforme acentua Bonavides, o Direito Constitucional da sociedade de massas e do Estado intervencionista do século XX cada vez mais se aparta da teoria pura do Direito e se acerca da Ciência Política[8]Em outras palavras, hodiernamente as leis não podem ser dissociadas, através de uma leitura puramente literal, das suas finalidades teleológicas, o que abrange a análise da complexidade de todo o sistema político que lhes dão sustentabilidade de existência.

No campo do combate às desigualdades sociais, a seguridade social foi constitucionalizada como um direito fundamental, tendo como núcleo substancial a garantia de reposição de renda justa, que induz à ideia das políticas públicas securitárias voltadas ao atendimento do Estado no que concerne à existência de vida digna a todo trabalhador e seus dependentes. Ou seja, a ratio quaestio da seguridade social firmou-se no campo do combate às desigualdades sociais, na medida em que seu cerne (conteúdo finalístico), como núcleo substancial, deve proporcionar distribuição de renda, de forma solidária e com aplicação de justiça social, posto que a reposição de renda justa daqueles que perderam a capacidade laborativa (aposentadoria, invalidez, doença) ou que dependiam economicamente do ex-segurado (pensão por morte e ausência), é um dos principais caminhos a serem trilhados quando se busca desenvolvimento econômico, que somente pode ser alcançado em plenitude com o bem-estar geral e não apenas de uma minoria exploradora.

No que concerne ao trabalho decente (orientação da Organização Internacional do Trabalho OIT), a Constituição Federal de 1988, deu-lhe ampla cobertura, consagrando direitos que lhe são inerentes e indissociáveis, de forma a garantir aos trabalhadores brasileiros existência digna, o que tende a promover desenvolvimento econômico.

Não é demais afirmar que matéria relativa aos direitos fundamentais e sociais não comporta retrocessos sob nenhuma hipótese e argumentação. Sob a ótica constitucional, as políticas públicas sociais devem ser implementadas para resguardar direitos humanos. Qualquer modificação a ser proposta deve levar em consideração também o histórico de lutas e conquistas desses direitos. A deliberada investida de mitigar e até mesmo exterminar direitos sociais fundamentais deve ser eficazmente combatida.

Apesar do debate acerca da decadência do Estado Social, que se travou acentuadamente a partir da década de 70, a Constituição Federal de 1988, o tomou como arcabouço do ordenamento jurídico brasileiro, em contraposição ao Estado Liberal. Vale registrar que a força normativa das normas constitucionais de ordem social devem prevalecer sobre qualquer interpretação que tendem a afastá-las de suas finalidades teleológicas. Neste contexto, Célia Lessa Kerstenetzky, nos dá a seguinte lição:

O termo welfare state foi originalmente cunhado pelo historiador e cientista político britânico Sir Alfred Zimmern nos anos 1930. Estudioso das relações internacionais, não propriamente das políticas sociais, Simmern visava registrar terminologicamente a evolução do Estado britânico, em seu entender positiva, de um power state para um welfare state. Este último de caracterizaria pelo predomínio da lei sobre o poder, da responsabilidade sobre a força, da Constituição sobre a revolução, do consenso sobre o comando, da difusão do poder sobre sua concentração, da democracia sobre a demagogia. Nessa acepção, um welfare state não se distinguiria muito de um estado democrático de direito[9].

E com escólio na mesma doutrinadora, temos a delimitação do conceito de Bem-Estar Social:

Duas grandes definições de bem-estar social foram identificadas nesse percurso, de acordo com The Handbook of Social Policy. A primeira: uma condição ou estado do bem-estar humano que existe quando as necessidades das pessoas são satisfeitas, os problemas são administrados e as oportunidades (pra que as pessoas satisfaçam seus objetivos de vida) são maximizadas. A segunda: um conjunto de serviços providos por caridades e agências de serviços sociais do governo para os pobres, necessitados e vulneráveis[10].

As duas acepções são tomadas no conjunto de princípios insertos no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 (e que não podem ser analisados isoladamente), que induzem à própria existência do sistema político-democrático e se empregados, materializam justiça social. Neste diapasão, vale colacionar o preâmbulo da CF/88:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Já na sua fase preambular, inaugurando todo o texto normativo, a Constituição Social de 1988, dita os valores e princípios a serem seguidos por todo o ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de o preâmbulo da Carta Constitucional não ser tomado como norma central, ou seja, não ter força normativa (STF, ADI 2.076, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-8-2002, P, DJ de 8-8-2003), a atual Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Ministra Carmén Lúcia, assim se posicionou:

Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preâmbulo da Constituição, no qual se contém a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de 1988 (...). Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...). E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, escolia José Afonso da Silva que "O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores supremos. Assegurar, tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu exercício. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de assegurar, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico" (...). Na esteira destes valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade. [ADI 2.649, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-5-2008, P, DJE de 17-10-2008.]. (Assinalei).

Da exegese do destaque, temos que, por posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o preâmbulo da Constituição Federal, não pode ser tomado unicamente na sua expressão de ser uma simples diretriz de valores, mas sim de um verdadeiro condutor dos princípios e valores expressados no seu corpo, quer seja de forma explicita ou implícita.

Dentre esses vetores, o Princípio do Bem-Estar Social deve ser tomado em sua mais ampla concepção, o que não é permitido e possível através da condução minimalista do Estado. Desde a sua construção com Bismarck, passando pela Escola de Estocolmo de pela Escola Escandinávia (com fulcro nas políticas econômicas socialmente orientadas), o Bem-Estar Social vem acompanhando, indissociavelmente, a proteção social, o que como já posto, dá sustentabilidade ao desenvolvimento econômico nacional.

Pelo uso correto da hermenêutica, pela leitura sistemática e teleológica de seus comandos normativos não há como negar e rechaçar que a Constituição Federal de 1988 é de cunho social. Com Carlos Maximiliano, temos que o campo social deve ser valorado em supremacia ao campo econômico, nos advertindo que:

Considera-se que o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida[11].

E é dentro do conteúdo social, que devemos priorizar a exegese constitucional, uma vez que nossa Carta Magna é o instrumento formal de ruptura com o sistema ditatorial, que sufragou liberdades individuais. É a declaração da vontade popular, e não simples desiderato dos responsáveis (representantes do povo) pela sua formalização e caracterização de seu conteúdo. Portanto, é a declaração de vontade do povo brasileiro, que maculado pelos anos de chumbo, optou por viver em uma sociedade enraizada nos ideais democráticos e sociais. No sentido de fortalecer a assertiva, recorremos às valorosas lições do filósofo húngaro Georg Lukács (LUKÁCS, As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem), que assim raciocina:

Por um lado, a praxis é uma decisão entre alternativas, já que todo indivíduo singular, sempre que faz algo, deve decidir se o faz ou não. Todo ato social, portanto, surge de uma decisão entre alternativas acerca de posições teleológicas futuras. A necessidade social só se pode afirmar por meio da pressão que exerce sobre os indivíduos (freqüentemente de maneira anônima), a fim de que as decisões deles tenham uma determinada orientação[12].

Ora, não há como rechaçar, através de errônea interpretação unicamente literal, que a praxis do povo brasileiro (tomada em sua acepção como atividade voluntária orientada para um determinado fim ou resultado e que se contrapõe a teoria pura), presente quando da instalação da Assembleia Nacional Constituinte era visivelmente em favor do Estado Social, tal como prenunciado em seu preâmbulo e reafirmado em seus primeiros e principais capítulos. Traduz-se, nessa linha de ilação, em uma constituição popular, que segundo Paulo Bonavides (BONAVIDES, 2015), as Constituições populares ou democráticas são aquelas que exprimem em toda a extensão o princípio político e jurídico de que todo governo deve apoiar-se no consentimento dos governados e traduzir a vontade soberana do povo.

Cumpre-se, portanto, reforçar medidas para a manutenção dos direitos sociais, elevados à posição superior de direitos fundamentais na CF/88, cuja imposição constitucional determina ao governante - aquele que guia as ações políticas do Estado, a incumbência de atuar no sentido de ser garantida existência digna para todos os indivíduos. E no território afeto à seguridade social, essa existência digna pressupõe a capacidade de se repor renda, o que contrapõe decisões arbitrárias e unilaterais. O Brasil que adotou como regime de governo a democracia deve ser governado em nome do povo e este deve ter participação ativa na condução dos negócios públicos. Políticas públicas devem ser vistas como a prevalência dos fins constitucionais, a razão de ser do Estado Democrático de Direito e não favorecimento de uma minoria que se julga senhora do poder. A tarefa maior do homem público é concretizar o texto constitucional e não apenas uma fatia dele, com interpretações isoladas para servir aos interesses de uma minoria.

A política ultraneoliberal de Michel Temer e o desmonte do Estado Constitucional Social

Em 2016 a presidente Dilma Rousseff, eleita legitimamente pelo voto popular, sofreu um processo de impeachment, sendo afastada de suas funções institucionais, assumindo seu posto Michel Temer. Para muitos brasileiros, o processo foi um verdadeiro golpe de estado (corrente da qual nos filiamos).

Após o processo, os direitos fundamentais sociais dos trabalhadores brasileiros têm sofrido uma série de investidas, chamadas pelos golpistas de reformas modernizadoras. Na verdade, ingressamos na maior crise positivista jamais vista na história do Brasil, uma verdadeira crise existencial do direito social. É o neopositivismo a rechaçar o neoconstitucionalismo (que foi responsável pela reconstitucionalização da Europa após a 2ª Guerra Mundial). E o neopositivismo, de forma acerbada, não considera princípios e valores, na medida em que segue o que expressa e literalmente determina a lei o que acaba por legitimar o que dentro de um contexto finalístico, histórico, teleológico e valorativo não poderia ser legitimado, transmudando a Constituição Social em Constituição Liberal.

Não podemos nos olvidar de que a Carta Social de 1988 tem sido responsável pela estabilidade institucional de nossa República. É ela dotada de um conjunto de princípios e valores que estão sendo deliberadamente infringidos e no mais das vezes, simplesmente ignorados. Tudo em consonância com a ditadura financeira instalada pelo golpe de 2016. É esse estado de caracterizado pelo domínio político do capital financeiro e que impõe sua pauta o responsável direto que faz com que a maioria do Parlamento aprove medidas draconianas e que desconsideram até mesmo o aviso do Banco Mundial de que levarão milhões de brasileiros para a linha de pobreza e patrocinarão novo ciclo de escravidão.

Conquanto o direito à segurança social (aqui englobando o trabalho decente e a previdência social) faz parte do rol dos direitos fundamentais sociais, como direito público subjetivo, na medida em que pode ser invocado frente à inércia do Estado, que tem o dever de prestá-lo, de forma satisfatória aos administrados e contra todos, hodiernamente tem sido sistematicamente atacado, frente às reformas patrocinadas e propostas pelo governo de Michel Temer.

As medidas, propostas sob o discurso da contenção dos gastos públicos, são favoráveis às políticas neoliberais e inversamente contrárias aos trabalhadores. Uma delas, já editada, a Emenda Constitucional n. 95, de 16 de dezembro de 2016, que ficou conhecida no Brasil como a PEC dos gastos públicos, dentre outros, congela por 20 (vinte) anos, gastos do governo em todas as esferas (federal, estadual e municipal), gostos com saúde, previdência, assistência e educação, sendo que o novo regime fiscal inclui os orçamentos da seguridade social[13].

Vale ressaltar que dentre as sanções contidas na EC n. 95 no que tange ao seu descumprimento, dentre outras, estão proibições de aumentos salariais, contratações de pessoal (inclusive via concurso público), criação de novas despesas (e o rol é extenso) e a concessão de novos incentivos fiscais, para todos os entes federados (União, estados e municípios) e os órgãos aos mesmos vinculados, direta ou indiretamente.

Ao lado da Emenda Constitucional n. 95, duas importantes leis que retiram direitos dos trabalhadores brasileiros foram recentemente aprovadas: i) a chamada Lei da Terceirização, Lei nº 13.429/2017, que foi sancionada (parcialmente, com apenas três vetos) pelo Presidente Michel Temer; e ii) a Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017, que basicamente rasga a Consolidação das Leis do Trabalho editada por Vargas. E ainda a EC 103 Reforma da Previdência, que basicamente retirou a palavra social que acompanhava a previdência e em seu lugar cunhou a expressão Previdência Financista.

As medidas têm sofrido forte pressão dos trabalhadores, com apoio do movimento sindical, de forma a impedir a exploração visada pelo capitalismo, numa repetição cíclica. E assim o é porque as proposições, somadas, retiram direitos dos trabalhadores brasileiros, ao ponto de os privarem de recursos que possam lhes assegurar uma vida digna, com garantia de direitos básicos, neles compreendidos o direito ao trabalho decente, à saúde, à previdência e à assistência, de forma elementar.

Analisando meritoriamente a questão, a especialista em saúde pública, em planejamento da saúde e doutora em economia, a Professora Laura Soares, se posiciona no sentido de que as reformas sociais devem ser projetadas não apenas de forma emergencial (como vem sendo feito), mas, sobretudo, para atingir toda a sociedade numa perspectiva de longo prazo. Para ela, que acredita no desenvolvimento econômico com base na igualdade distributiva de renda:

Para os países onde não existia um Estado de Bem-Estar Social constituído, as políticas de ajuste vieram mais pelo lado econômico abertura comercial, deslocalização de indústrias e atividades e desemprego do que pelo lado da distribuição de aparelhos de política social. Uma vez que estes não existiam, dependendo da intensidade do ajuste, vários países foram obrigados a fazer programas sociais de caráter emergencial, focalizados, contando com a solidariedade comunitária. Em todos os casos, porém, essas políticas foram manifestamente insuficientes para diminuir a desigualdade social e a pobreza preexistentes e, sobretudo, agravadas pelo próprio ajuste.

Nos casos em que já existiam políticas sociais universais (Previdência Social, Saúde, Educação Básica), o desmonte dessas políticas agravou consideravelmente as condições sociais, já de per si precárias, em particular no caso dos países da periferia capitalista.

[...] mesmo reconhecendo as gritantes evidências do fracasso social do ajuste, os organismos internacionais mascaram a impossibilidade de que, a persistir a mesma política econômica, esse fracasso possa ser revestido, impondo uma visão de que os problemas sociais hoje existentes são apenas um problema de administração do ajuste, culpabilizando, mais uma vez, os Estados Nacionais de serem incompetentes na gestão econômica e social. É nessa perspectiva que se situam as recomendações recorrentes da necessidade de reformas, baixo o argumento de que elas ou ainda não foram realizadas ou foram mal implementadas nos países latino-americanos[14]. (Os grifos são originais).

Nesta linha elucubrativa, temos que a política neoliberal, foi e continua sendo a responsável pela virtual minimização do papel do estado na persecução de políticas públicas que possam garantir o sistema securitário com base no princípio do bem-estar social, haja vista a transferência maciça de recursos públicos para o setor privado da economia, privilegiando o capital estrangeiro. A submissão de governos ao capitalismo financeiro, que resulta na transferência para centros de decisões situados no plano externo, ou seja, do poder decisório sobre políticas econômicas, nelas compreendidas as de natureza sociais, está a deliberar sobre a edição desenfreada de normas que significam verdadeiros retrocessos sociais, em oposição às conquistas angariadas pelos trabalhadores.

O que se está vendo hoje no Brasil é o rompimento do pacto social celebrado através da Constituição Federal de 1988, com a quebra de garantias constitucionais, a derrocada de direitos fundamentais e a inobservância irrestrita e ilimitada de direitos sociais. A onda neoliberal, que é direcionada unicamente ao lucro, tende a intensificar o tratamento de seres humanos como coisas, e não sujeitos de direitos. Isto porque, o sistema capitalista financeiro e hegemônico, que é marcado pela especulação financeira e pela bolsa de valores, tem engendrado ações para privatização dos sistemas de proteção à saúde, previdência e assistência, com apoio do governo neoliberal instalado no Brasil, de forma ilegítima.

Neste sentido, vale trazer à baila as ilações do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, que enfaticamente faz uma leitura sobre as diretrizes traçadas pelas normas constitucionais, que refletem o momento político-econômico-jurídico na condução dos processos (inclusive institucionais):

Sobre a autora
Rosana Colen Moreno

Rosana Cólen Moreno. Procuradora do Estado de Alagoas. Membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (CLATE). Especialista em previdência pública pela Damásio Educacional e em direitos humanos pela PUC/RS (em finalização). Autora do livro Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção, publicado pela LTr. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe. Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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