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O direito de arrependimento do consumidor:

exceções à regra e necessidade de evolução legislativa no Brasil

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16/03/2007 às 00:00
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4. Recepção na doutrina brasileira dos anseios internacionais de proteção do consumidor nos contratos formalizados fora do estabelecimento comercial.

A Exposição de Motivos do anteprojeto de lei que deu origem ao CDC certamente representa um importante elemento para a interpretação dessa norma jurídica. No entanto, não é a única a revelar a psicologia da norma consumerista.

Por isso, sobre a intentio legislatoris acerca do art. 49 do CDC, não há melhor fonte a analisar senão a interpretação doutrinária que nos é apresentada pelos próprios autores do anteprojeto de lei que deu origem ao CDC.

Destacamos Ada Pellegrini GRINOVER et al. (2004, p. 550):

"Dentro do estabelecimento comercial [o consumidor] pode efetivar a esperada compra e venda, de acordo com suas previsões. Entretanto, o fornecedor pode oferecer-lhe outras alternativas, de modo a ampliar o rol de possibilidade de fechamento do contrato de consumo.

De todo modo, o consumidor está sujeito às variações naturais decorrentes de sua vontade de contratar, não se podendo falar que terá sido surpreendido pelo oferecimento das alternativas pelo fornecedor.

Quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.

Além da sujeição do consumidor a essas práticas comerciais agressivas, fica ele vulnerável também ao desconhecimento do produto ou serviço, quando a venda é feita por catálogo, por exemplo. Não tem oportunidade de examinar o produto ou serviço, verificando suas qualidades e defeitos etc."(grifo nosso)

Mas não é só: a doutrina remansosa interpreta o art. 49 da mesma maneira. Entre os muitos expoentes, citamos Arruda Alvim (1995, p. 243), que, a seu turno, ensina:

"Trata-se de um prazo de reflexão, justificável em virtude da circunstância de que o consumidor que contrata fora do estabelecimento comercial tem, evidentemente, menos condições de avaliação do que estava contratando, sobretudo, se tratar-se de venda por telefone ou na casa do consumidor, pois, em casos que tais, a impotência do consumidor para avaliar o contrato e suas possíveis implicações é ainda maior. A venda feita fora do estabelecimento comercial é nitidamente mais agressiva, e imprime, à relação de consumo, um caráter acentuado de desequilíbrio." (grifo nosso)

Na mesma direção acena Eduardo Gabriel Saad(2002, p. 416):

"O Código de Defesa do Consumidor vem dificultar sobremaneira a prática já bastante difundida de vendas por telefone, via postal ou a domicílio, notadamente nos grandes centros urbanos. [...] Há métodos agressivos de vendas que induzem o consumidor a adquirir um produto que não o faria se estivesse em outro local e em circunstâncias diferentes."

Junta-se a esses doutrinadores Josué de Oliveira Rios (2001, p. 63-64):

"[...] este prazo de sete dias, estipulado para o consumidor desistir de contratos firmados fora dos estabelecimentos comerciais é chamado ´prazo de arrependimento´. Isso beneficia o consumidor principalmente em dois tipos de situação, nas quais as lesões são muito freqüentes. A primeira está nas práticas agressivas de vendas porta a porta, em que o consumidor, mesmo não estando predisposto a comprar, acaba caindo na ´hábil´ conversa de vendedores bem treinados, que o levam a comprar até terreno em alto-mar! Na segunda situação, o consumidor é induzido por publicidade a comprar produtos vendidos pelo sistema de reembolso postal, telemarketing ou até mesmo pela internet. Nessas condições, ele não tem contato direto com o produto, e acaba se surpreendendo negativamente quando este chega à sua casa." (grifo nosso)

Por fim, trazemos a lição de Inajara Silva Assis(2004, p. 154), que, com muita objetividade, preleciona:

"No direito de arrependimento, presume-se que o consumidor por celebrar o contrato sem examinar o produto ou serviço, ou pelas circunstâncias, não esteja preparado para a aquisição, sua vulnerabilidade sendo ainda maior que a do consumidor comum, e portanto é conferido a ele desistir do contrato."

Não há dúvida, portanto, de que a intenção do legislador e o espírito da lei ao conferir tal faculdade ao consumidor eram a de protegê-lo das práticas comerciais agressivas que lhe tolhessem ou diminuíssem a ampla capacidade de decidir sobre o negócio jurídico ou, ao menos, de lhe assegurar a plena correspondência entre sua expectativa sobre o bem ou serviço e a respectiva utilização ou execução.

Entretanto, os estudos, análises e comentários já elaborados acerca do direito de arrependimento e as decisões judiciais dos tribunais brasileiros não abordam o tema à luz das transformações sociais, políticas e até mesmo tecnológicas da atualidade, decorridos 16 anos da edição do Código de Defesa do Consumidor.

O que se observa é, em sua maioria, a aplicação do direito de arrependimento em uma exegese simplista e imediatista, realizada à luz do mecanismo gramatical, sem a necessária observância de outros recursos engenhosos de interpretação normativa.

O desprezo às demais modalidades de exegese jurídica, em especial a teleológica e a sistemática, têm gerado verdadeiros prejuízos financeiros, em primeiro lugar, aos comerciantes e prestadores de serviços e, em segundo lugar, aos próprios consumidores, que vêem os custos daqueles produtos ou serviços serem majorados por envolverem o fator risco na composição do seu preço. Mas essa será, também, uma outra análise mais aprofundada que faremos adiante.

Essas constantes privações de técnicas exegéticas, em grande parte, são causadas pela absoluta simplicidade gramatical do art. 49 do CDC e de seu parágrafo único, os quais, por outro lado, revelam uma complexa situação jurídica em torno da relativização da autonomia da vontade nos contratos de consumo e de potencialmente nefastos resultados econômicos, seja em relação ao consumidor seja em relação ao empresário.

Muito embora concluiremos pela necessidade de evolução legislativa desse dispositivo, a verdade é que a norma brasileira de proteção ao consumidor já sofreu uma meia dezena de modificações, em nada comparadas ao que se ora propõe, como veremos a seguir.


5. Reformas legislativas na Lei nº 8.078/90.

Com aproximadamente uma década e meia de existência no mundo jurídico, a lei consumerista brasileira ainda é atual e moderna, servindo inclusive de inspiração para outras reformas normativas nacionais, como a atualização da principal norma jurídica que rege os direitos civis – a Lei nº 10.406, de 2002 (Novo Código Civil) – mantendo-se praticamente incólume desde sua edição.

De fato, no decorrer de sua vigência, a lei sofreu algumas poucas modificações legislativas, a saber:

a)Lei nº 8.656, de 21 de maio de 1993, que "altera dispositivo da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que ´dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências´." Essa lei veio modificar o art. 57 do CDC, inserido na Seção que trata de sanções administrativas, dispondo acerca da aplicação da pena de multa em caso de descumprimento das normas consignadas no Código, sua gradação e destinação dos valores arrecadados, revogando o parágrafo único que dispunha dos valores mínimo e máximo para fixação da multa pecuniária, utilizando como indexador o BTN. A nova redação melhorou o texto, simplificando-o. Também foi estipulado prazo de 45 dias para que o Poder Executivo regulamentasse o procedimento de aplicação das sanções administrativas e, ao final, foi determinada obrigação ao Governo de atualizar os valores da pena de multa, respeitando os parâmetros vigentes à época da promulgação do CDC.

b)Medida Provisória n° 333, de 6 de julho de 1993, convertida na Lei nº 8.703, de 6 de setembro de 1993, que "acrescenta parágrafo único ao art. 57 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, e revoga o art. 3° da Lei n° 8.656, de 21 de maio de 1993." Como a própria ementa explicita, foi acrescentado novamente parágrafo único ao dispositivo, desta feita alterando o indexador para Ufir e adequando os limites mínimo e máximo da multa. Revogou-se, ainda, o dispositivo da primeira lei reformadora, que impunha ao Poder Executivo a atualização dos valores.

c)Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que "transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências." Esse diploma legal alterou o caput do art. 39 do CDC, acrescentando ainda dois incisos, redefinindo o escopo de vedações a práticas abusivas praticadas por fornecedores de produtos ou serviços.

d)Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, que "cria, na estrutura organizacional do Ministério da Justiça, o Conselho Federal de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, altera os arts. 4º, 39, 82, 91 e 98 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e dá outras providências." Como a própria ementa traduz, a lei reformadora veio alterar os artigos mencionados, que dispõem sobre a proteção do consumidor. As alterações alcançam a redefinição da Política Nacional das Relações de Consumo e a promoção de ações coletivas na tutela de defesa do consumidor.

e)Lei nº 9.298, de 1° de agosto de 1996, que "altera a redação do § 1° do art. 52 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, que ‘dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências’." Esse parágrafo estipulava o teto de 10% sobre o valor da prestação a título de multa moratória. Com a nova redação, o limite foi diminuído para 2%.

f)Medida provisória nº 1.890-67, de 22 de outubro de 1999, convertida na Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999, que "dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências." Essa norma jurídica apenas acrescentou o inciso XIII ao artigo 39 do CDC, vedando ao fornecedor de produto ou serviço aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

Da análise das alterações normativas, conclui-se que o projeto de lei aprovado pelo Congresso mantém-se, na essência, inalterado, tendo apenas passado por uma evolução sistemático-legislativa em alguns pontos.

Dado o dinamismo das relações comerciais face ao desenvolvimento do sistema capitalista mundial, podemos afirmar que o Brasil não inovou substancialmente nas pequenas e pontuais reformas legislativas do CDC ao longo desses 16 anos de vigência, preservando o texto do diploma legal à luz da realidade social e econômica da época de sua edição, muito embora com grandes reflexos contemporâneos.

Nesse contexto, partindo-se do estudo de diversas normas consumeristas internacionais, observaremos que o Brasil tem muito a ensinar, como também tem a aprender com as propostas estrangeiras. Para tanto, focando o objeto do nosso estudo no direito de arrependimento, faz-se necessário um breve exercício de hermenêutica jurídica compreendendo tanto a norma brasileira como as legislações alienígenas.


6. Direito comparado.

6.1 Resolução A/39/248, de 16 de abril de 1985.

A Resolução nº 39/248 editada pela Assembléia Geral da ONU é considerada como a verdadeira origem dos direitos básicos do consumidor. Sua menção neste estudo não se relaciona especificamente ao direito de arrependimento, mas aos alicerces da proteção consumerista no âmbito internacional, que serviu, inclusive, de reconhecida inspiração ao legislador brasileiro quando da edição do CDC.

A bem da verdade, a Resolução não é o primeiro esforço internacional em prol dos consumidores, pois sua concepção foi precedida de outros dois momentos, segundo cronologia traçada por Newton de Lucca (1995 apud ALLEMAR, 2002): a iniciativa de criação de uma política específica dos consumidores no âmbito da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE) em 1969 e, posteriormente, já no âmbito da ONU, o reconhecimento pela Comissão das Nações Unidas sobre Direitos do Homem de que todo consumidor tem direitos básicos a serem respeitados, como, por exemplo, ser suficientemente informado sobre produtos e serviços, condições de negociação, direito de escolher livremente produtos semelhantes em um ambiente saudável de concorrência etc.

Assim, destacamos os trechos da citada norma, que certamente inspiraram os autores do anteprojeto de lei do CDC:

"I. OBJETIVOS

1. Considerando-se os interesses e necessidades de consumidores em todos os países, particularmente aqueles nos países em desenvolvimento; reconhecendo que aqueles consumidores freqüentemente enfrentam desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e jogo de forças; e tendo em mente que consumidores devem ter o direito de acesso a produtos seguros, assim como direito de promover o justo, eqüitativo e sustentável desenvolvimento econômico e social, estas diretrizes para a proteção do consumidor têm os seguintes objetivos:

[...]

(c) Encorajar níveis altos de conduta ética para aqueles encarregados da produção e distribuição de mercadorias e serviços para os conumidores;

[...]

III. diretrizes

[...]

B. Promoção e proteção dos interesses econômicos do consumidor

[...]

14. [...] Os governos devem intensificar seus esforços para prevenir práticas danosas para os interesses econômicos dos consumidores assegurando que os fabricantes, distribuidores e outros envolvidos na distribuição de mercadorias e serviços observem as leis estabelecidas e padrões obrigatórios. Organizações de consumidores devem ser encorajadas para monitorar práticas adversas, tais como a adulteração de alimentos, propagandas falsas ou enganosas, e as fraudes no comércio e na prestação de serviços.

[...]

20. O marketing promocional e as práticas de vendas devem ser guiadas pelo princípio de tratamento justo dos consumidores e devem encontrar respaldo legal. Este requer a provisão do necessário de informações que habilite os consumidores a tomarem decisões informadas e independentes, bem como medidas que assegurem que a informação fornecida é a correta. [...]" (grifo nosso)

Analisando o teor da referida Resolução 39/248 a que o legislador referiu-se, vemos as orientações básicas que ensejaram a reprodução do direito de arrependimento no ordenamento jurídico nacional, a saber:

a)O reconhecimento de uma situação de desequilíbrio econômico, educacional e negocial do consumidor;

b)O reconhecimento da necessidade de comercialização de bens e serviços com base em informações precisas e adequadas sobre todo o negócio jurídico;

c)A implementação de medidas que assegurem correspondência entre as informações fornecidas e os produtos ou serviços comercializados; e

d)A boa-fé na relação comercial.

Com base nesses elementos, o legislador internacional orientou os Estados-partes a adotarem medidas de proteção ao consumidor, especialmente quanto à equivalência da expectativa na aquisição do produto ou do serviço com a publicidade promovida pelo comerciante.

Por tais razões, o Brasil reproduziu no direito doméstico as diretrizes contidas na norma internacional, conferindo status normativo privilegiado à proteção do consumidor quando recepcionou o compromisso internacional em direitos protegidos na Constituição.

6.2 A legislação comunitária européia.

Quase que simultaneamente à mobilização internacional das Nações Unidas, outro importante grupo econômico supranacional, entre cujos membros estavam alguns signatários da Carta das Nações Unidas, reuniu-se em esforços concentrados visando orientar seus membros na adoção de normas protetivas dos consumidores.

Trata-se da a Comunidade Econômica Européia (CEE), posteriormente denominada União Européia (UE) – uma entidade jurídica, política, econômica e socialmente organizada na Europa e um dos maiores fenômenos havidos no mundo contemporâneo.

Sua principal existência fundou-se no desejo intracontinental de diversas nações em, por assim dizer, criar um bloco regional europeu face a um mercado internacional cada vez mais competitivo e instável, integrando mais de 25 países em torno de objetivos comuns, como, por exemplo, a formação de uma unidade política e econômica na Europa.

Entre as principais aspirações da nova entidade, destacam-se o mercado único europeu (união aduaneira), a moeda única (euro) e políticas comuns de pescas, agrícola, comercial e de transportes. Das instituições criadas para administrar a UE, destacam-se a Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu, cada qual com suas atribuições próprias. E foi a partir da deliberação desses órgãos que diversas normas comunitárias foram editadas enfocando a regulação do comércio eletrônico e a necessidade de proteção do consumidor nesse ambiente tecnológico.

Isso se deveu, em grande parte, à pressão das organizações de consumidores, que foram surgindo após a Segunda Guerra Mundial, conforme leciona o professor Atanair Nasser Ribeiro Lopes (2002):

"A evolução histórica da proteção do consumidor europeu iniciou em 1950, quando surgiram na Europa as primeiras organizações de proteção. Logo em 1962, a Comissão da Comunidade Européia criava o Comitê de Contato dos Consumidores19 , que em setembro de 1973 passou a se chamar Comitê Consultivo dos Consumidores, e em 1990 passou a Conselho de Consumidores. Funcionava na época também o Instituto Europeu Inter-regional do Consumo. Em 1968, criou-se o Serviço de Representação dos Interesses dos Consumidores na Direção-Geral da Concorrência da Comunidade.

Em 1975, conforme leciona MAURO FINATTI, foi votado o ‘Primeiro Programa’ da Comunidade para uma ‘Política de Proteção e de Informação do Consumidor’, vindo a estabelecer um plano de ação comunitária e um carta contendo os cinco direitos fundamentais do consumidor: ‘(1) proteção da saúde e da segurança; (2) proteção dos interesses econômicos [...]; (3) ações de indenização para rápida reparação do prejuízo sofrido; (4) aconselhamento e informação [...]; (5) representação e participação[...]para exprimir seu parecer sobre projetos de lei [...].’

Em 1981 foi lançado o Segundo Programa, que permaneceu até 1985, quando foi lançado o Terceiro Programa. A partir de reuniões especiais dos Ministros dos Estados-membros foi adotado em 1985 o ‘Livro Branco’, com a finalidade de eliminar os entraves ao comércio além fronteira dos países, que se resumiam em barreiras físicas por meio de controles de fronteira; as normas e regulamentos nacionais que obstaculizavam o regime comunitário; e as barreiras fiscais através de taxas e regimes diferenciados no âmbito nacional.

Os três Programas de Proteção do Consumidor deram origem, em seguida, ao Plano de Ação Trienal de 1990 , que durou até 1992, e o Plano de Ação Trienal de 1993. Assim sucessivamente.

Por fim, é de se ressaltar um dos resultados dessa proteção, consistente na criação de uma rede européia de informação sobre os direitos dos consumidores, denominada, segundo MAURO FINATTI, de COLINE."

Essas mobilizações internacionais foram cruciais para a concretização e pela difusão das atuais normas de proteção do consumidor. E foi precisamente a Europa o berço das principais instituições jurídicas, como veremos a seguir.

6.2.1 Diretiva 85/577/CEE, de 20 de dezembro de 1985.

Editada pelo Conselho da então denominada Comunidade Econômica Européia (CEE), a Diretiva aborda a proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, especificamente os negócios door-to-door, que foram rapidamente disseminados tantos nos Estados Unidos, e, em especial, na Europa, segundo nos informa a professora CLÁUDIA LIMA MARQUES (2004, p. 704-705):

"Na década de 70, calculava-se que 35% das vendas ao consumidor nos Estados Unidos tratavam-se de vendas door-to-door. Na Europa, igualmente, o volume de contratos originados por esta técnica, chamada agressiva, de vendas era grande, o que levou a doutrina a defender a necessidade de uma disciplina específica para este tipo de vendas, tendo em conta suas peculiaridades."

Dessa forma, após constatar o abuso nessa nova modalidade de promoção de vendas, podemos observar na motivação dessa norma comunitária os seguintes aspectos:

"Considerando que o programa preliminar da Comunidade Econômica Européia para uma política de proteção e de informação dos consumidores prevê, nomeadamente nos nºs 24 e 25, que é necessário proteger os consumidores através de medidas apropriadas contra práticas comerciais abusivas no domínio das vendas de porta a porta; que o segundo programa da Comunidade Econômica Européia para uma política de proteção e de informação dos consumidores confirmou que as ações e prioridades do programa preliminar deviam ser prosseguidas;

Considerando que os contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais do comerciante se caracterizam pelo fato de a iniciativa das negociações provir normalmente do comerciante e que o consumidor não está, de forma nenhuma, preparado para tais negociações e que foi apanhado desprevenido; que, muitas vezes, o consumidor nem mesmo pode comparar a qualidade e o preço da oferta com outras ofertas; que este elemento surpresa é tomado em linha de conta, não apenas nos contratos celebrados por venda ao domicilio mas também noutras formas de contrato em que o comerciante toma a iniciativa de vender fora dos estabelecimentos comerciais;

Considerando que é necessário conceder ao consumidor um direito de resolução por um período de pelo menos sete dias, a fim de lhe ser dada a possibilidade de avaliar as obrigações que decorrem do contrato;

Considerando que devem ser tomadas medidas apropriadas de forma a assegurar que o consumidor seja informado, por escrito, deste prazo de reflexão;" (tradução nossa)

O legislador comunitário, ao tecer tais considerações como forma de justificar a edição da Diretiva, na verdade partiu de um elemento constante do processo de criação das normas: a regulação posterior de fato social anterior.

Constatou-se, assim, o seguinte: as práticas comerciais door-to-door eram realizadas de forma abusiva, revelando prejuízo ao consumidor; a iniciativa das atividades comerciais, nesse tipo de negócio, eram principalmente dos próprios comerciantes; o consumidor que os recebe em sua residência encontra-se desprevenido, não preparado para avaliar com sabedoria e independência a necessidade de adquirir aquele produto ou as vantagens daquele negócio em relação ao mercado; e, em vista disso, a necessidade de conceder ao consumidor abordado nesse tipo de comercialização um prazo de reflexão que importe na retratação do negócio.

A título de ilustração, MARQUES (2004, p. 705), citando ORIANA, explica o porquê dos abusos cometidos nas vendas em domicílio:

"[...] o fornecedor que utiliza essa técnica vai ao encontro do cliente, que sem poder comparar os preços e a qualidade do produto apresentado e, por vezes, tento tentado livrar-se do importuno vendedor, decide-se pelo produto oferecido. Igualmente, dos vendedores a domicílio não é exigido um nível profissional maior, pois não existe vínculo empregatício entre ele e o fornecedor do produtos, sua remuneração se dera por prêmios ou porcentagens. Tudo acaba por incentivar que o vendedor utilize de qualquer artifício, inclusive o de mascarar ou omitir informações importantes para o consumidor sobre o preço, a qualidade e os riscos do produto, para vender mais e alcançar uma retribuição adequada."

E prossegue:

"De outro lado, o consumidor perturbado em sua casa ou no local de trabalho não tem o necessário tempo para refletir se deseja realmente obrigar-se, se as condições oferecidas lhe são realmente favoráveis; não tem o consumidor a chance de comparar o produto e a oferta com outras do mercado, nem de examinar com cuidado o bem que está adquirindo."

Assim, a partir desse contexto, a Diretiva prescreveu as normas orientadoras que serviriam de base para o desenvolvimento do direito de arrependimento na UE, vindo influenciar, ainda, outras nações ocidentais.

No comando normativo, as primeiras hipóteses de aplicação do direito de arrependimento fundamentaram-se em contratos celebrados conforme dispunha o art. 1º da Diretiva, que buscou definir as situações fáticas de contratação fora do estabelecimento comercial:

"Artigo 1º

1. A presente diretiva é aplicável aos contratos celebrados entre um comerciante que forneça bens ou serviços e um consumidor:

- durante uma excursão organizada pelo comerciante fora dos seus estabelecimentos comerciais, ou

- durante uma visita do comerciante:

i) à casa do consumidor ou à casa de outro consumidor;

ii) ao local de trabalho do consumidor, quando a visita não se efetua a pedido expresso do consumidor.

2. A presente diretiva é igualmente aplicável aos contratos concernentes ao fornecimento de outro bem ou serviço que não o bem ou serviço a propósito do qual o consumidor tenha pedido a visita do comerciante, desde que o consumidor, ao solicitar a visita, não tenha tido conhecimento ou não tenha podido razoavelmente saber que o fornecimento desse outro bem ou serviço fazia parte das atividades comerciais ou profissionais do comerciante.

3. A presente diretiva é igualmente aplicável aos contratos relativamente aos quais tenha sido feita uma oferta pelo consumidor em condições semelhantes às descritas nos nº 1 e nº 2, embora o consumidor não tenha ficado vinculado por essa oferta antes da aceitação desta pelo comerciante.

4. A presente diretiva é igualmente aplicável às ofertas contratuais feitas pelo consumidor em condições semelhantes às descritas nos nº 1 ou no nº 2 quando o consumidor fica vinculado pela sua oferta." (tradução nossa)

Logo nesse primeiro dispositivo, a Diretiva alcançou tacitamente a primeira exceção à aplicação do direito de arrependimento: na hipótese de o consumidor convocar o comerciante à sua residência, fica ele desguarnecido da retratação imotivada, salvo se pretendia adquirir um produto e adquiriu outro antes não solicitado.

Mais adiante, no art. 3º, a Diretiva excepcionou claramente a sua aplicabilidade normativa a determinados tipos de contrato, a saber:

"Artigo 3º

[...]

2. A presente diretiva não se aplica:

a) Aos contratos relativos à construção, venda e aluguel de bens imóveis, nem aos contratos respeitantes a outros direitos relativos a bens imóveis. Os contratos relativos ao fornecimento de bens e à sua incorporação nos bens imóveis ou os contratos relativos à reparação de bens imóveis são abrangidos pela presente diretiva;

b) Aos contratos relativos ao fornecimento de gêneros alimentícios ou de bebidas, ou de outros bens de consumo doméstico corrente entregues pelos distribuidores que efetuam visitas freqüentes e regulares;

c) Aos contratos relativos ao fornecimento de bens ou serviços, desde que se encontrem preenchidas as três condições seguintes:

i) que o contrato seja celebrado com base no catálogo de um comerciante que o consumidor teve oportunidade de consultar na ausência do representante do comerciante,

ii) que seja prevista uma continuidade de contato entre o representante do comerciante e o consumidor no que se refere a essa transação ou a qualquer transação posterior,

iii) que o catálogo e o contrato mencionem claramente ao consumidor o seu direito de devolver os bens ao fornecedor no prazo de pelo menos sete dias a contar da data da recepção, ou de rescindir o contrato no decurso desse período sem qualquer outra obrigação, exceto cuidar razoavelmente dos bens;

d) Aos contratos de seguro;

e) Aos contratos relativos a valores móveis." (tradução nossa)

Como se pode observar, afastou-se a eficácia da norma comunitária dos contratos imobiliários – salvo quando o objeto negócio forem os bens pertencentes ou incorporados ao imóvel –, de contratos de fornecimento continuado de bens domésticos, de contratos de fornecimento de bens e serviços que, simultaneamente, tenham sido celebrados a partir da oferta em catálogos fora do estabelecimento comercial, para a qual se preveja um tratamento continuado após a sua execução, desde que haja expressa menção ao direito de rescisão (sic) e de devolução dos bens no prazo de sete dias, devendo o consumidor zelar pelo produto em sua posse. Também se excepcionaram os contratos de seguro e relativos a valores mobiliários.

Muito embora esse dispositivo não trate especificamente do direito de arrependimento, já traz as bases para sua aplicação ao caso concreto assim como para as suas exceções.

Mais adiante, no art. 5º, consta a previsão do direito de arrependimento:

"Artigo 5º

1. O consumidor tem o direito de renunciar aos efeitos do compromisso que assumiu desde que envie uma notificação, no prazo de pelo menos sete dias a contar da data em que recebeu a informação referida no artigo 4º, em conformidade com as modalidades e condições prescritas pela legislação nacional. Relativamente ao cumprimento do prazo, é suficiente que a notificação seja enviada antes do seu termo.

2. A notificação feita desvincula o consumidor de qualquer obrigação decorrente do contrato rescindido" (tradução nossa)

Eis, portanto, o embrião do direito de arrependimento instituído na lei consumerista brasileira. As semelhanças são evidentes: possibilidade de resilição contratual no prazo de 7 dias – muito embora, nesse ponto, conte-se o prazo a partir de quando o comerciante comunicou o consumidor do seu direito de arrepender-se.

Exige-se ainda a notificação ao fornecedor para o exercício do direito, ficando o consumidor desobrigado a qualquer título em relação à rescisão contratual, e, uma vez exercido esse direito, os efeitos jurídicos decorrentes dessa retratação serão, conforme dispõe o seguinte art. 7º, regulados pela legislação nacional.

Impõe-se destacar, ainda, uma peculiaridade da Diretiva por meio da qual também se afasta a sua incidência: o parágrafo 1 do artigo 3º, que somente torna obrigatória a aplicação da norma comunitária em contratos nos quais a prestação a cargo do consumidor exceda 60 unidades de contas européias (UCE), uma unidade monetária antecessora do euro.

Além disso, a norma aplica-se exclusivamente aos contratos celebrados por iniciativa do comerciante, e não do consumidor, em razão da forma como se realizavam essa modalidade de negócios fora do estabelecimento comercial. Até então, a tecnologia não havia ainda permitido a ampla difusão de contratos formalizados à distância e a prática comercial mais difundida era a venda porta-em-porta, apesar de já haver relatos de comércio por serviços postais – nada, porém, significativos.

Acreditamos, enfim, que a expressão "fora do estabelecimento comercial" que fora incorporada pelo legislador brasileiro tenha encontrado nessa norma a sua original projeção, vindo a ser reutilizada e atualizada posteriormente às novas modalidades de comércio.

6.2.2 Recomendação da Comissão 92/295/CEE, de 7 de abril de 1992.

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Posteriormente, a então denominada Comunidade Econômica Européia editou a Recomendação 92/295/CEE relativa a códigos de conduta para proteção dos consumidores em matéria de contratos negociados à distância.

No seu preâmbulo, a Recomendação apresenta a motivação que levou a CEE a editá-la, a saber:

"A Comissão das Comunidades Européias,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Econômica Européia,

[...]

Considerando que foi decidido apresentar, sob forma de diretiva, uma plataforma de regras mínimas de proteção do consumidor com caráter necessário para o bom funcionamento deste mercado; que esta iniciativa foi também inspirada pela preocupação de evitar a fragmentação das legislações nacionais;

[...]

Considerando que as empresas que efetuam transações por meio de contratos à distância utilizam determinadas técnicas de promoção de vendas; que estas técnicas de promoção podem apresentar características específicas por via das técnicas de comunicação utilizadas; que se torna, portanto, especialmente necessário velar para que o consumidor seja suficientemente informado a este respeito;" (tradução nossa)

Fixam-se nessa manifestação orientadora os alicerces para a moderna concepção do direito de arrependimento, pois, então, já havia uma consciência coletiva da evolução tecnológica e negocial na publicidade empresarial e na realização dos contratos de consumo, os quais se revelavam cada vez mais freqüentemente concluídos fora do estabelecimento comercial.

E mais: o tratamento legislativo sobre a espécie de negócio jurídico passou de "fora do estabelecimento comercial" – tipicamente vinculada às vendas door-to-door – para "à distância" – mais propriamente afetas a negócios formalizados através de diferentes meios de comunicação.

A Recomendação, porém, tinha objeto mais específico, focado na preocupação em estimular a adesão de organizações profissionais aos códigos de conduta comercial. Por isso, concluía:

"1. Que as organizações profissionais de fornecedores se dotem de códigos de conduta, tendo designadamente por objeto especificar, consoante os sectores afetados ou as técnicas utilizadas, as regras mínimas constantes da diretiva relativa aos ‘contratos negociados à distância’;

2. Que as organizações profissionais de fornecedores insiram nestes códigos disposições respeitantes sobretudo aos pontos enunciados em anexo;" (tradução nossa)

No anexo referido, os seguintes pontos foram descritos:

"- promoção das vendas: disposições relativas às técnicas de promoção das vendas (descontos, prêmios, brindes, rifas e concursos), com o objetivo de respeitar os princípios de uma concorrência saudável e leal e, em particular, a informação inequívoca do consumidor,

[...]

- direito de resolução: no caso de utilização do direito de resolução pelo consumidor, prazo de reembolso de pagamentos adiantados," (tradução nossa)

Eis aí mais um elo da evolução do direito de retratação, onde a CEE já reconhecia a necessidade de se criar um ambiente legislativo em todos os Estados-membros que propiciasse garantias mínimas de proteção ao consumidor do negócio à distância. Trata-se, na verdade, do precedente normativo de uma Diretiva de enorme importância para o objeto do presente estudo, conforme passaremos a expor a seguir.

6.2.3 Diretiva 97/7/CE, de 20 de maio de 1997.

Tendo em vista ainda a necessidade de promoção de diretrizes jurídico-legais para concretização dos objetivos da agora denominada UE, os seus Parlamento europeu e o Conselho têm atuado no sentido de indicar aos países-membros o norte de sua atuação comunitária, sobretudo jurídica e legislativa, visando ao bem comum.

Em vista disso, foi editada a Diretiva 97/7/CE, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância, que regula os contratos formalizados em domicílio e similares, as vendas automatizadas e as vendas especiais esporádicas, estabelecendo modalidades proibidas de vendas de bens ou de prestação de serviços.

Trata-se de importante norma do sistema legislativo comunitário que privilegia, sobretudo, o princípio da lealdade e da isonomia nas transações comerciais. Através dela, os países-membros têm promovido adaptações normativas aos seus respectivos ordenamentos jurídicos, seja instituindo novos direitos, seja adequando direitos preexistentes, com o intuito de viabilizar os negócios à distância com garantias mínimas de proteção aos consumidores.

Em seu preâmbulo, a Diretiva ostenta algumas considerações interessantes que merecem ser aqui reproduzidas, de forma a evidenciar a mens legis comunitária:

"(2) Considerando que a livre circulação de bens e serviços diz respeito não só aos profissionais do comércio, mas também aos particulares; que implica, para os consumidores, a possibilidade de acederem aos bens e serviços de um outro Estado-membro nas mesmas condições que a população desse Estado;

(3) Considerando que as vendas transfronteiriças à distância podem constituir, para os consumidores, uma das principais manifestações concretas da realização do mercado interno, conforme observado, notadamente, na comunicação da Comissão ao Conselho intitulada "Para um Mercado Único da Distribuição"; que é indispensável ao bom funcionamento do mercado interno que os consumidores se possam dirigir a uma empresa fora do seu país, ainda que esta tenha uma filial no país de residência do consumidor;

(4) Considerando que a introdução de novas tecnologias implica a multiplicação dos meios postos à disposição dos consumidores para conhecerem as ofertas apresentadas em toda a Comunidade e fazerem as suas encomendas; que alguns Estados-membros já tomaram disposições diferentes ou divergentes de projeção dos consumidores em matéria de vendas à distância, com incidências negativas na concorrência entre as empresas que operam no mercado interno; que, por conseguinte, é necessário adotar um mínimo de regras comuns a nível comunitário neste domínio;

(5) Considerando que nos pontos 18 e 19 do anexo da Resolução do Conselho de 14 de Abril de 1975, relativa a um programa preliminar da Comunidade Econômica Européia para uma política de projeção e informação dos consumidores (4), se salienta a premência de proteger os compradores de bens ou serviços contra o pedido de pagamento de mercadorias não encomendadas e métodos de venda agressivos;

[...]

(14) Considerando que o consumidor não tem, em concreto, possibilidade de ver o produto ou de tomar conhecimento das características do serviço antes da celebração do contrato; que importa prever, salvo disposição em contrário da presente diretiva, um direito de rescisão; que é necessário limitar quaisquer custos suportados pelo consumidor para o exercício do direito de rescisão aos custos diretos de devolução do bem, dado que, caso contrário, este seria um direito meramente formal; que este direito de rescisão não prejudica os direitos do consumidor previstos na legislação nacional, nomeadamente em matéria de recepção de produtos e serviços deteriorados ou de produtos e serviços que não correspondem à descrição desses produtos ou serviços; que compete aos Estados-membros determinarem as outras condições e modalidades que resultem do exercício do direito de rescisão;" (grifo e tradução nossos)

Adiante, já no corpo normativo da Diretiva, temos o seguinte dispositivo:

"Artigo 2º - Definições

Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

1. Contrato à distância, qualquer contrato relativo a bens ou serviços, celebrado entre um fornecedor e um consumidor, que se integre num sistema de venda ou prestação de serviços à distância organizado pelo fornecedor, que, para esse contrato, utilize exclusivamente uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração." (tradução nossa)

Logo de início, no artigo 2º, a norma comunitária busca homogeneizar a espécie jurídica "contrato à distância", o que foi adotado literalmente em muitos países signatários, definindo-o com fundamento especial na maneira como se dá a formalização do contrato, ou seja, através de técnicas de comunicação à distância, desde as negociação prévias até a celebração do negócio.

A Diretiva utiliza-se da expressão "à distância", tendo já incorporado a definição anterior da Recomendação da Comissão 92/295/CEE, evitando, assim, controvérsias como as que se instauraram no Direito brasileiro, em que o conceito de estabelecimento comercial gerou dúvidas sobre o significado jurídico dessa expressão.

Mais à frente, no artigo 3º, a Diretiva apresenta a sensibilidade jurídica que embasa nosso estudo, quando dispõe das exceções regulamentares entre os diversos tipos de contratos:

"Artigo 3º - Exclusões

1. A presente diretiva não se aplica a contratos:

- relativos a serviços financeiros, cuja lista não exaustiva consta do anexo II,

- celebrados através de distribuidores automáticos ou de estabelecimentos comerciais automatizados,

- celebrados com operadores de telecomunicações pela utilização de cabinas telefônicas públicas,

- celebrados para a construção e venda de bens imóveis ou relativos a outros direitos respeitantes a bens imóveis, exceto a locação,

- celebrados em leilões." (tradução nossa)

Passemos a uma análise seccional dessas hipótese de afastamento da Diretiva européia, uma vez que essas orientações são perfilhadas, em muitos casos literalmente, pelas legislações nacionais dos diversos países-membros, sofrendo pequenas modificações redacionais ou adequações aos respectivos ordenamentos jurídicos.

Serviços financeiros: existe uma preocupação real e justa do legislador europeu em afastar a incidências de normas que envolvam negócios comerciais daquelas referentes a negócios bancários ou financeiros – o que não chega a ser uma exclusividade internacional, pois, no Brasil, em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade nº 2591, em que se pretendia, resumidamente, afastar a exegese do CDC dos negócios financeiros.

Isso porque, sendo o modelo estatal atual derivado de uma evolução político-social na Idade Média (decadência do sistema feudal em favor da burguesia e da monarquia absolutista, Constituição pactuada etc.), o impacto econômico-financeiro na vida social é de tal forma significativo que afeta a própria soberania do Estado, reclamando, assim, legislações específicas que disciplinem esse setor conforme suas peculiaridades macro-sociais.

Vending Machines e estabelecimentos automatizados (ou self-service): posteriormente, quando o legislador comunitário excepciona bens e serviços negociados em vending machines (distribuidores automáticos), buscou adaptar ao mundo jurídico um comodismo de consumo que não se enquadra perfeitamente ao conceito de contrato à distância.

Afinal, pairava um resquício do conceito histórico de negócio realizado fora do estabelecimento comercial, o que poderia conduzir ao entendimento de que, às compras feitas através dessas máquinas, aplicar-se-ia o direito de arrependimento por estarem localizadas fora do estabelecimento comercial.

Entretanto, deve-se entender essa exceção a partir da Consideração nº 14, por meio da qual devem os Estados-partes proteger o consumidor que "não tem, em concreto, possibilidade de ver o produto ou de tomar conhecimento das características do serviço antes da celebração do contrato".

Isso não ocorre também nas vendas de produtos ou na prestação de serviços automatizados em que o consumidor tem pleno acesso às informações sobre o bem comercializado, inclusive visualmente.

A título de ilustração, podemos citar as máquinas de distribuição de refrigerantes em lata. Apesar de não ter acesso táctil ao produto, o consumidor dispõe de mostruário gráfico (imagens publicitárias) ou concreto (exposição do produto que lhe será entregue), além de todas as informações sobre o bem.

Outro exemplo são as lavanderias self-service, nas quais o consumidor prescinde de um atendente para usufruir do serviço de lavagem e secagem de roupas. Com a simples inserção de valores em moedas, notas ou até cartões de crédito, o consumidor tem pleno acesso às funcionalidades da máquina que irá lhe prestar o serviço, a partir da manipulação de botões. Nesse caso, o consumidor tem total acesso à extensão do serviço que lhe será prestado, de tal forma que se dispensa até mesmo a presença e a orientação de uma pessoa humana respondendo pelo estabelecimento comercial. De fato, é o próprio consumidor o prestador de serviço, pois apenas utiliza o maquinário alheio através de contraprestação monetária.

Cumpre observar ainda que, em ambas as situações, é do próprio consumidor a iniciativa da contratação, o que por algum tempo foi considerado um relevante fator para excepcionar a aplicabilidade do direito de arrependimento.

Operadores de telecomunicações em cabines públicas: outro ponto interessante é a exceção incidente sobre negócios eventualmente formalizados através de operadores de telecomunicação em cabines públicas. Os tipos de contratação realizados através desses operadores são restritos e normalmente voltados à prestação de serviços de telecomunicação, como a intermediação de ligações de longa distância, a aquisição de créditos para telefones pré-pagos etc. Daí a razão de não se aplicar o conceito de contrato à distância nesses negócios, pois, em sua essência, são atividades-meio e não atividades-fim.

Além disso, o serviço é exauriente e prescinde de maiores detalhamentos sobre sua execução. Não é um serviço muito comum no Brasil, mas é bastante difundido nos países desenvolvidos.

Contratos imobiliários: a seu turno, os negócios imobiliários remetem às normas protetoras do direito à propriedade, outro legado do pacto político-econômico do final do séc. XV. Sendo a proteção à propriedade privada a base de toda a sociedade moderna, nada mais lógico do que relegar os contratos imobiliários às leis imobiliárias. Afora isso, é princípio recorrente do Direito que a excepcionalidade afasta a generalidade, resguardadas as hierarquias e a natureza das normas conforme cada Estado.

Leilões particulares: no caso dos leilões, também não encontram guarida os direitos que regulamentam os contratos à distância. A peculiaridade desse negócio requer, como pressuposto, a plena consciência do arrematante quando manifesta o lance, ou seja, sua declaração de vontade em adquirir determinado bem sob determinado preço.

Assim, não tem respaldo a Consideração nº 14 que acabamos de observar. O consumidor que adquire um bem em leilão o faz de livre e espontânea vontade, com a pressuposição de consciência absoluta e voluntária sobre o negócio jurídico, sobretudo sobre o bem leiloado.

Além disso, é da própria essência do contrato de leilão sua forma de negociação, incluindo a irreversibilidade da decisão, ressalvados os casos de ilegalidade ou de abuso de direito.

A esse respeito, entendemos ser aplicável a Diretiva 97/7 ao leilão em sentido estrito, ou seja, ao negócio jurídico realizado através de lances que representam valores sobrepondo-se uns aos outros, entre diferentes interessados na aquisição do produto leiloado, este culminando com a concretização do negócio pelo maior lance.

No Brasil, sites especializados em leilão virtual desfiguraram essa forma de negócio, com o que passaram a denominar "leilão instantâneo", "compra instantânea", "compra imediata" etc. Não há ali um consórcio de interessados, nem a disputa em lances. Literalmente, é um contrato de compra e venda comum, do tipo "pagou, levou".

Mais adiante, no artigo 6º, cujos parágrafos comentaremos individualmente, a Diretiva européia dá início à previsão do direito de arrependimento, que denomina right of withdrawal em sua versão inglesa, diritto di recesso em italiano, droit de rétractation em francês, derecho de resolución ou desistimiento em espanhol:

"Artigo 6º - Direito de rescisão.

1. Em qualquer contrato à distância, o consumidor disporá de um prazo de, pelo menos, sete dias úteis para rescindir o contrato sem pagamento de indenização e sem indicação do motivo. As únicas despesas eventualmente a seu cargo decorrentes do exercício do seu direito de rescisão serão as despesas diretas da devolução do bem.

Para o exercício deste direito, o prazo é contado:

- em relação a bens, a partir do dia da sua recepção pelo consumidor sempre que tenham sido cumpridas as obrigações referidas no artigo 5º,

- em relação a serviços, a partir do dia da celebração do contrato ou a partir do dia em que tenham sido cumpridas as obrigações referidas no artigo 5º, se tal suceder após a celebração do contrato, desde que o prazo não exceda o prazo de três meses indicado no parágrafo seguinte.

Se o fornecedor não tiver cumprido as obrigações referidas no artigo 5º, o prazo é de três meses. O prazo é contado:

- em relação a bens, a partir do dia da sua recepção pelo consumidor,

- em relação a serviços, a partir do dia da celebração do contrato.

Se as informações referidas no artigo 5º forem fornecidas dentro do prazo de três meses, o consumidor dispõe, a partir desse momento, do prazo de sete dias úteis indicado no primeiro parágrafo." (tradução nossa)

O parágrafo 1º desse dispositivo traz as orientações sobre o conceito e o exercício do direito de arrependimento. Segundo a Diretiva, trata-se de direito para rescindir o contrato de consumo (de bens ou de serviços) desmotivadamente e sem qualquer ônus, exceto o custeio da remessa do bem de volta ao fornecedor e, ainda assim, "eventualmente", pois, não raro, muitas empresas suportam esse custo como técnica de marketing, visando ganhar a simpatia do consumidor diante de seu produto.

O prazo é semelhante ao previsto no CDC. Contudo, trata-se de dias úteis, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde o prazo flui em dias corridos. Parece-nos, nesse caso, que a utilização de dias úteis para efeito de contagem de prazo é mais condizente com a necessidade e a finalidade desse direito. Na prática, equivale a uma diferença de dois dias corridos em relação ao prazo hebdomadário brasileiro.

Ocorre que a sua contagem recebe uma distinção que não tem paralelo na legislação brasileira: o termo inicial varia de acordo com o objeto do negócio. Tratando-se de produto, conta-se a partir da recepção do bem. Sendo serviço, a partir da contratação. A norma brasileira permite ambas as formas de contagem, mas não faz distinção quanto à espécie do objeto contratual.

Outra diferença interessante é que a contagem do prazo depende do cumprimento de obrigações como o fornecimento de informações por escrito sobre o endereço para o qual o produto será devolvido, além de outras previstas no art. 5º. Uma vez descumprido o disposto nesse artigo, a norma comunitária previu uma prorrogação do prazo para exercício do direito de arrependimento em até três meses. Entretanto, caso o disposto no art. 5º seja cumprido dentro desse período, a partir de então tem início a fluência do prazo de sete dias úteis.

Adiante, o parágrafo 2º prevê a forma e o prazo para ressarcimento e os ônus com que deverá o consumidor arcar:

"[...] 2. Quando o direito de rescisão tiver sido exercido pelo consumidor, nos termos do presente artigo, o fornecedor fica obrigado a reembolsar os montantes pagos pelo consumidor sem despesas para este. As únicas despesas eventualmente a cargo do consumidor decorrentes do exercício do seu direito de rescisão serão as despesas diretas da devolução do bem. O reembolso deverá ser efetuado o mais rapidamente possível, e sempre no prazo de trinta dias." (tradução nossa)

O parágrafo 3º trata, enfim, do cerne dos nossos estudos. Excepciona os tipos contratuais que não comportam, em regra, o direito de arrependimento:

"[...] 3. Salvo acordo em contrário entre as partes, o consumidor não pode exercer o direito de rescisão previsto no nº 1 nos contratos:

- de prestação de serviços cuja execução tenha tido início, com a anuência do consumidor, antes do termo do prazo de sete dias úteis previsto no nº 1,

- de fornecimento de bens ou de prestação de serviços cujo preço dependa de flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar,

- de fornecimento de bens confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados ou que, pela sua natureza, não possam ser reenviados ou sejam susceptíveis de se deteriorarem ou perecerem rapidamente,

- de fornecimento de arquivos digitais de áudio e de vídeo ou de aplicativos informatizados dos quais que o consumidor tenha retirado o lacre,

- de fornecimento de jornais e revistas,

- de serviços de apostas e loterias." (tradução nossa)

Como se pode observar, a legislação comunitária está bastante atualizada em relação às evoluções tecnológicas e seus reflexos no mundo comercial. As exceções retratam com bastante amplitude a harmonia entre proteção ao consumidor e proteção ao fornecedor, no verdadeiro espírito do princípio da isonomia.

A fim de melhor compreendermos essas exceções, passa-se à análise seccional do quanto disposto no parágrafo 3º.

Acordo em sentido contrário: logo no início do parágrafo 3º está consignada que o direito de arrependimento e as exceções de que trata esse dispositivo podem ser aplicados se consumidor e fornecedor assim dispuserem claramente, mediante acordo, o que se revela uma boa solução dadas as peculiaridades de cada negócio e de cada negociação.

Anuência expressa do consumidor: reside no primeiro inciso do parágrafo 3º uma valorização da autonomia e da declaração de vontade do consumidor que, muito embora tenha a seu favor o gozo do direito de arrependimento, ainda assim determina ao fornecedor que dê início à execução do seu serviço antes de findado o intervalo legal. Agindo dessa forma, perde o direito à retratação. Trata-se, na verdade, de renúncia tácita ao direito de arrependimento, através da prática de ato incompatível com a proteção legal.

Flutuação do preço alheia à vontade do fornecedor: também se objetivou resguardar a "situação do negócio" no decurso do tempo. Se o preço para execução do serviço está de alguma forma vinculado à flutuação do mercado financeiro (gastos, risco negocial, captação de recursos, taxas, impostos específicos etc.), não importando se para mais ou para menos, não pode o consumidor usufruir desse direito, sob pena de ganhar vantagem indevida em detrimento de prejuízo do comerciante.

Produtos personalizados ou altamente perecíveis: o legislador protegeu ainda a negociação de bens feitos sob encomenda, ou seja, personalizados, cujo nível de especificação na fabricação ou no acabamento seja de tal forma atrelado ao pedido do consumidor que o bem somente poderá ser comercializado àquele indivíduo, não tendo qualquer valor de negócio perante terceiros.

Também se enquadram nesse parágrafo os bens que, de alguma forma, somente possam ser aproveitados por aquele consumidor contratante ou, ainda, que sejam perecíveis ou de fácil deterioração.

As idéias nucleares aqui são: resguardar o negócio personalizado, que, por motivos óbvios, uma vez feito não pode ser desfeito ao bel prazer de uma das partes e, ainda, o negócio que tenha por objeto bens rapidamente deterioráveis, de forma que o prazo de 7 dias úteis implica relevantes modificações em seu valor ou em sua utilidade, acarretando prejuízo ao comerciante.

Arquivos digitais e softwares: a exceção prevista em seguida, além de muito atual, tem chamado a atenção de todo o mundo moderno e está diretamente relacionada ao boom de negócios eletrônicos ou cibernegócios, em que se adquirem bens imateriais (ou virtuais), como são os casos das músicas em formato digital (MP3, WMA etc.) e os videoclipes digitais.

Ora, a internet é um fenômeno que provocou surpreendentes modificações na história da Humanidade, notadamente em todas as formas de relacionamento, inclusive comercial. Nesse contexto, uma das principais fontes de negócios virtuais é a comercialização de arquivos digitais que contêm informação proprietária nos diversos níveis de comunicação: áudio, vídeo, texto, imagens etc.

A própria facilidade de reprodução dessas informações, o que, em parte, viabiliza sua negociação, também pode facilitar pequenos atos delituosos, como a reprodução desautorizada e ilegal, ou seja, a pirataria.

Por isso, ao baixar dados, por exemplo, de um arquivo de música em formato MP3, a legislação comunitária impede que o consumidor possa posteriormente "desfazer" esse negócio, pois, de outra forma, haveria uma verdadeira promiscuidade negocial amparada no direito de arrependimento – o que, futuramente, iria desestimular esse setor e impedir a evolução natural do negócio e da própria tecnologia.

Jornais e revistas: de forma similar, revistas, periódicos e jornais, muito embora sejam principalmente materializados em papel impresso, na verdade têm por objeto a comercialização da informação neles estampada – que nada mais é do que outro elemento virtual e imaterial. Muito embora a mídia seja, em regra, papel impresso, o objeto é o mesmo que se comercializa em um sítio da internet. Por essa razão, uma vez adquirido o jornal e lida a informação que nele se encontra, não pode o consumidor desistir do negócio.

A razão é um pouco mais peculiar que a do caso dos arquivos em MP3: o objeto do negócio, uma vez executado o contrato pelo fornecedor, é exauriente, ou seja, não caberia o "retorno da informação" ao veículo que já a propagou.

Serviços de apostas e lotéricas: no caso das apostas e lotéricas, as razões também são óbvias. Cada dia de apostas revela um peso diferente para aquelas remanescentes, que afetam o quadro geral e os preços. Por isso, tal como ocorre no mercado financeiro, a manutenção da declaração de vontade é elemento essencial para a execução do serviço, sob pena de afetar o resultado final de forma prejudicial aos demais apostadores ou à própria empresa promotora.

Logo, não há de se utilizar o direito de arrependimento em lotéricas, pois, se assim fosse, o consumidor que não lograsse êxito poderia "arrepender-se" e requerer o ressarcimento pelas apostas frustradas, uma vez dentro do prazo legal para o "arrependimento". Isso também afetaria o prêmio, o que não pode prevalecer.

Em suma, podemos observar que o legislador comunitário atentou às especificidades de tipos distintos de contratos, segundo a repercussão econômica que o direito de arrependimento poderia causar às partes contratantes, com vistas, inclusive, a impedir o desestímulo e a extinção de determinados negócios jurídicos, bastante sensíveis à intervenção estatal.

Em vista disso, naqueles contratos em que o desfazimento imotivado iria nitidamente acarretar prejuízos unilaterais ao fornecedor e, assim, ao setor comercial envolvido, a orientação contida na Diretiva tratou de excepcioná-los, preservando o equilíbrio das relações comerciais entre fornecedores e consumidores.

6.2.4 Resolução C/23/01, de 19 de janeiro de 1999.

Em 1999, o Conselho da União Européia editou a Resolução nº 23/01, dispondo sobre "aspectos relativos ao consumidor na sociedade da informação". Essa também não é uma norma internacional que trata especificamente do direito de arrependimento, mas, assim como a Resolução da ONU A/39/248, contém elementos que merecem destaque neste estudo.

Por isso, analisando mais esse ato normativo comunitário, observamos que a Resolução veio estabelecer normas regulamentares aos Estados-membros no âmbito do comércio eletrônico, considerando a evolução tecnológica atual e seus reflexos nas transações comerciais.

Inicialmente, as considerações que antecedem o texto normativo delineiam com precisão o contexto econômico-social da sociedade informacional de hoje, a saber:

"(1) Considerando que o desenvolvimento contínuo de novas tecnologias de transmissão e armazenagem de informação está a conduzir a inovações a nível organizativo, comercial, técnico e jurídico com profundo impacto na sociedade em geral;

(2) Considerando que as novas tecnologias das comunicações terão um impacto substancial na vida quotidiana de todos os cidadãos, independentemente do caráter ativo ou passivo da sua atitude em relação a essa evolução;

(3) Considerando que as novas tecnologias da informação e das comunicações bem como o desenvolvimento paralelo da sociedade da informação oferecem inúmeras vantagens potenciais para os consumidores, mas também criam novos contextos comerciais com que estes estão pouco familiarizados e que podem pôr em perigo os seus interesses;

[...]

(5) Considerando que a confiança dos consumidores constitui uma condição indispensável para que estes aceitem a sociedade da informação e nela participem;

(6) Considerando que, para instaurar essa confiança, é necessário facultar, relativamente às novas tecnologias, um nível de proteção equivalente ao existente nas transações tradicionais, através da aplicação dos princípios existentes da política dos consumidores aos novos produtos e serviços disponíveis na sociedade da informação, nomeadamente:

[...]

c) A proteção dos consumidores contra práticas comerciais não solicitadas, enganosas e desleais, inclusive publicitárias, e o apoio à criação de meios fiáveis que lhes permitam filtrar o conteúdo dos sistemas de comunicação;

[...]

II. ACORDA O SEGUINTE:

[...]

2. Reexaminar periodicamente a evolução do papel dos consumidores e dos riscos e oportunidades com que deparam na sociedade da informação." (tradução nossa)

O objetivo dessa Resolução era o de convidar os Países-membros a analisar a legislação então editada pela Comunidade Européia e voltada à proteção dos consumidores no contexto da sociedade da informação, identificando lacunas e apontando melhorias.

Referida norma ao final estabeleceu com muita propriedade um dos pontos do nosso estudo: a necessidade reiterada de rever a situação fática dos consumidores e dos fornecedores com determinada periodicidade, implicando evolução jurídico-legal da matéria para sua adaptação no âmbito da sociedade informacional.

Como veremos na conclusão desse estudo, o CDC necessita passar por essa revisão, especificamente quanto ao direito de arrependimento retratado no art. 49.

6.3 A legislação francesa: Code de la Consommation.

Na França, o Código do Consumo foi consolidado pela lei nº 93-949, de 16 de julho de 1993 (parte legislativa). Posteriormente, foi regulamentado pelo decreto nº 97-298, de 27 de março de 1997 (parte reguladora). Sofreu diversas modificações em seus artigos, em grande parte através das Ordonnances, que são uma espécie de decreto expedido pelo Poder Executivo, bastante utilizado para modificar disposições legais em cumprimento às diretivas da Comunidade Européia.

A norma consumerista francesa, apesar de antiga, já previa a retratação do contrato desmotivadamente para os negócios realizados em domicílio (door-to-door), chamado droit de rétractation (a doutrina francesa também o intitula droit de repentir). Entretanto, era tal qual a brasileira, irrestrita e plenamente aplicável:

"Art. L.311-28.

Em caso de venda ou entrega em domicílio, o período de retratação é de sete dias qualquer que seja a data de fornecimento ou fornecimento do bem ou da prestação de serviços. Nenhum pagamento à vista pode ser exigível antes da expiração deste prazo." (tradução nossa)

Após a Diretiva comunitária, o legislador francês adequou o sistema doméstico à nova realidade jurídica internacional. A lei francesa foi modificada, destinando toda a seção 2 do capítulo primeiro do título II – voltado às práticas comerciais – a ventes de biens et fournitures de prestations de services à distance, ou, em tradução livre, venda de bens e fornecimento de serviços à distância (artigos L121-16 a L121-20-16).

Interessa-nos, particularmente, a atual subseção 1. Já no caput do artigo L121-16, o legislador francês prescreveu:

"Artigo L. 121-16.

As disposições da presente subseção aplicam-se a toda venda de bem ou fornecimento de serviço concluído sem a presença física simultânea dos contratantes, entre um consumidor e um profissional que, pela conclusão desse contrato, utiliza exclusivamente uma ou mais técnicas de comunicação à distância. Todavia, as disposições não se aplicam aos contratos relativos a serviços financeiros." (tradução nossa)

No artigo seguinte, são apresentadas as exceções, em correspondência muito semelhante à Diretiva 97/7/EC:

"Artigo L. 121-17.

Não se submetem às disposições da presente seção os contratos:

1º celebrados com operadores de telecomunicações pela utilização de cabinas telefônicas públicas;

2º celebrados para a construção e venda de bens imóveis ou relativos a outros direitos concernentes a bens imóveis, exceto locação;

3º celebrados envolvendo recursos públicos." (tradução nossa)

Passemos agora ao artigo que mais importa ao nosso estudo, ou seja, àquele que prevê o direito de arrependimento. Esse direito foi modificado pela Ordonnance nº 2001-741, de 23 de agosto de 2001, publicado no Journal Officiel de 25 de agosto de 2001: Artigo L121-20-2. Este dispositivo também reproduz boa parte da Diretiva da 97/7/EC:

"Artigo L. 121-20.

O consumidor dispõe de um prazo de sete dias úteis para exercer o seu direito de retratação sem ter de justificar motivos nem pagar penalidades, exceto, se for o caso, as despesas de devolução. O consumidor pode não observar esse prazo no caso não poder deslocar-se e quando simultaneamente tiver necessidade de recorrer à uma prestação imediata e necessária às suas condições de existência. Neste caso, ele continuará a exercer o seu direito de retratação sem ter de justificar motivos nem pagar penalidades.

O prazo mencionado no parágrafo anterior correrá a partir da recepção dos bens ou da aceitação da oferta para as prestações dos serviços.

Quando as informações previstas no artigo L. 121-19 não foram fornecidas, o prazo para o exercício do direito de retratação será prorrogado a três meses. No entanto, quando o fornecimento destas informações ocorrer no intervalo dos três meses a contar da recepção dos bens ou a aceitação da oferta, ficará deflagrado o curso do prazo de sete dias mencionado no primeiro parágrafo.

Quando o prazo de sete dias expira em um sábado, em um domingo ou em um feriado ou dia não-útil, ficará prorrogado até ao primeiro dia útil seguinte." (tradução nossa)

Adiante, temos as exceções ao exercício do direito de retratação, praticamente idêntica à da Diretiva 97/7/CE:

"Artigo L. 121-20-2.

O direito de retratação não pode ser exercido, exceto se as partes convencionarem diferentemente, para os contratos:

1º de fornecimento de serviços cuja execução começou com a anuência do consumidor, antes do fim do prazo de sete dias úteis;

2º de fornecimento de bens ou de serviços dos quais o preço é fixado em função de flutuações das taxas do mercado financeiro;

3º de fornecimento de bens confeccionados de acordo com as especificações do consumidor ou claramente personalizados ou que, devido à sua natureza, não podem ser reaproveitados comercialmente ou são suscetíveis de deteriorar-se ou de perimir-se rapidamente;

4º de fornecimento de arquivos digitais de áudio e de vídeo ou de aplicativos informatizados dos quais que o consumidor tenha retirado o selo;

5º de fornecimento de jornais, de periódicos ou de revistas;

6º de serviço de apostas ou de lotéricas autorizadas." (tradução nossa)

Observa-se, assim, que a legislação francesa adotou integralmente a Diretiva, com pequenas modificações redacionais, ratificando a necessidade de excepcionar a aplicação do direito de arrependimento conforme o objeto do negócio jurídico entabulado na relação de consumo.

Uma peculiaridade sobre a norma francesa reside na forma como esse legislador tratou do vínculo contratual entre consumidor e fornecedor durante o prazo de reflexão. CLAUDIA LIMA MARQUES (2004, p. 708), citando CALAIS-AULOY, afirma que, dentro do intervalo de sete dias, o contrato não se conclui de imediato nem deve ser executado instantaneamente. Se, contudo, o produto for entregue ao consumidor, este atuará como seu depositário (ORIANA apud MARQUES, idem).

6.4 A legislação alemã: Bürgerliches Gesetzbuch – BGB.

No direito alemão, o comércio à distância, ou comércio em domicílio, é regido pelas disposições presentes no Código Civil de 1900 – Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) – precisamente nos art. 312 e 312a, segundo os quais o consumidor goza do direito de retratação limitado no tempo (art. 312, 355).

Os dispositivos encontram-se no Livro 2 (Buch 2), destinado a regulamentar o direito das obrigações (Recht der Schuldverhältnisse). Situam-se no campo normativo da Seção 3 (Abschnitt 3), voltada para as obrigações nos contratos (Schuldverhältnisse aus Verträgen), Título 1 (Titel 1), relativo à justificação, conteúdo e realização (Begründung, Inhalt und Beendigung), Subtítulo 2 (Untertitel 2), que trata das formas especiais de publicidade (Besondere Vertriebsformen).

Ali está consignado o direito de arrependimento, definido pelo legislador alemão como direito de retratação nas vendas em domicílio ou door-to-door (Widerrufsrecht bei Haustürgeschäften):

"§ 312 - Direito de retratação nas vendas em domicílio.

(1) quando um consumidor for levado a concluir um contrato a título oneroso com um empresário,

1. em decorrência de negociações verbais em seu local de trabalho ou domicílio particular,

2. na ocasião de um evento de lazer promovido pelo empresário ou por terceiro agindo em seu interesse, ou

3. subseqüentemente a uma abordagem inadvertida em um meio de transporte ou em espaço público aberto.

Tornando-se determinado (o negócio à distância), o consumidor terá direito de retratar-se de acordo com o art. 355a. Ao invés do direito de retratação, o consumidor poderá ter garantido o direito de retorno conforme o art. 356, se entre o consumidor e o empresário for mantida um vínculo constante relativo a esse ou a um negócio posterior.

(2) a notificação necessária sobre o direito de revogação ou o direito de retorno deve obedecer aos efeitos legais previstos no art. 357, parágrafos 1 e 3.

(3) Sem prejuízo de outras regulamentações, não existe direito de retratação ou de retorno no caso de contratos de seguro ou se:

1. no caso do parágrafo 1, nº 1, as negociações verbais em que a conclusão do contrato se baseia forem conduzidas de ordem do consumidor, ou

2. a execução é paga para e realizada imediatamente à conclusão do contrato e o pagamento feito para tal não exceda 40 euros, ou

3. a declaração de vontade do consumidor tiver sido registrada em cartório." (tradução nossa)

Segundo conceitua a norma, o comércio à distância consiste nas transações pelas quais o cliente (consumidor) é levado a concluir um contrato em seu domicílio particular, em seu local de trabalho, na ocasião da promoção de um evento de lazer – por exemplo, uma excursão ou uma festa promocional –; ou após ter sido abordado sem prévio aviso em um meio de transporte ou em uma via pública.

A lei alemã dispõe sobre os contratos de prestação a título oneroso (art. 312, par. (1), do BGB). Não há venda a domicílio quando um trabalhador autônomo, por exemplo, recebe a visita de um representante no âmbito da sua atividade profissional em seu domicílio, no seu escritório ou em sua loja. Fala-se ainda de venda ao domicílio apenas quando a outra parte age no âmbito da sua atividade profissional. Assim, o direito de arrependimento alemão não se aplica, segundo esse dispositivo, às seguintes situações:

1.Quando o cliente convidar o vendedor ou qualquer prestador de serviço para realizar as negociações em seu lugar de trabalho ou em seu domicílio;

2.Quando a prestação for executada imediatamente após a conclusão da concretização mediante contraprestação que não exceda 40 euros; e

3.Quando o contrato for autenticado por tabelião.

Em seguida, o BGB trata de aspectos variados sobre os negócios formalizados fora do estabelecimento comercial. O art. 312b, por exemplo, disciplina exclusivamente dos contratos à distância, que não se encaixam no conceito de venda porta-em-porta:

"§ 312b Contratos à distância.

(1) Contratos à distância são contratos de fornecimento de bem ou de prestação de serviços concluídos entre um empresário e um consumidor exclusivamente através de meios de comunicação à distância, salvo se a conclusão do contrato realizar-se de outra forma que não a de uma estrutura de vendas ou a de um esquema de prestação de serviços à distância.

(2) Meios de comunicação à distância são meios de comunicação que podem ser usados com vistas a concluir um contrato entre um consumidor e um empresário sem a presença simultânea das partes contratantes, em particular, através de cartas, catálogos, ligações telefônicas, telefax, emails e serviços de rádio, televisão e multimídia.

(3) As provisões em contratos a distância não se aplicam a contratos:

1. relativos à educação à distância (§ 1 da Lei de Proteção à Educação à Distância)

2. relativos ao sistema multiproprietário de tempo compartilhado de imóveis (§ 481),

3. relativos a serviços financeiros, em particular serviços de investimento financeiro, e contratos de seguro e seus arranjos, exceto empréstimos,

4. relativos à transferência de bens imóveis ou outros direitos imobiliários, criação, à transferência e anulação de direitos reais e à construção de edificações,

5. relativos ao fornecimento de artigos alimentícios e de bebidas para consumo diário no domicílio particular ou profissional do consumidor, feito por entregadores,

6. relativos à provisão de acomodação, transporte, fornecimento ou serviços de lazer, nos quais o empresário compromete-se, quando o contrato for concluído, a fornecer esses serviços em uma data específica ou em um período determinado, ou

7. concluídos:

a) por meio de máquinas de distribuição automática ou pontos comerciais automatizados, ou

b) perante operadores de telecomunicações através do uso de telefones públicos." (tradução nossa)

Existem algumas inovações normativas nesse dispositivo, além de coincidências com a Diretiva da UE que analisamos anteriormente, entre elas, a inaplicabilidade das regulações cíveis do negócio à distância do BGB quanto aos contratos de educação à distância, conforme enquadramento do tipo em lei especial. Outra disposição inovadora está no afastamento da espécie negocial à distância nos contratos de multipropriedade, também conhecidos como time-sharing.

MARQUES (2004, p. 716-724) dedica atenção especial em sua obra para tratar dos contratos de multipropriedade, concluindo pela necessidade de regulação especial para essa modalidade de negócio jurídico, a que acrescenta a denominação "vendas emocionais de time-sharing". Nesse sentido, portanto, a norma alemã anteviu a necessidade de disciplinar esse tipo de negócio, o que faz inclusive em outros trechos do BGB (art. 481 e seguintes).

Dando continuidade à regulação dos contratos à distância, o BGB trata, em seu art. 312d, do direito de retratação e do direito de retorno:

"§ 312d Direito de retratação e de retorno em contratos à distância.

(1) No caso de um contrato à distância, o consumidor tem direito à retratação conforme o § 355. No caso de contratos de fornecimento de bens, o consumidor tem garantido o direito de retorno previsto no § 356 ao invés do direito de revogação.

(2) Na hipótese de incidência do previsto no § 355 (2), sentença 1, o prazo de retratação não terá início antes de cumpridas as obrigações de fornecimento de informação conforme dispõe o § 312c (1) e (2); não se aplica o § 355 (2), sentença 2, no caso do fornecimento de mercadoria, não antes do dia em que alcançam o destinatário; no caso de entregas recorrentes de mercadoria da mesma espécie, não antes do dia em que a primeira prestação alcança o destinatário; e, no caso de serviços, não antes do dia em que o contrato é concluído.

(3) No caso de um serviço, o direito de retratação também se extingue se o empresário tiver iniciado a execução do serviço com o consentimento expresso do consumidor antes do término do prazo de retratação ou se o próprio consumidor tiver provocado essa situação.

(4) Salvo se houver acordo em sentido contrário, não há direito de retratação no caso de contratos à distância:

1. para o fornecimento de bens fabricados conforme as especificações do consumidor ou claramente personalizados ou que, pela sua própria natureza, não puderem ser reaproveitados ou estejam sujeitos à deterioração ou ao desgaste imediato ou quando o período recomendado para seu consumo tiver-se exaurido,

2. para o fornecimento de gravações de áudio ou vídeo ou de aplicativos de informática cujo lacre tiver sido removido pelo consumidor,

3. para o fornecimento de jornais, periódicos e revistas,

4. para serviços de lotérica e jogos, ou

5. concluídos por meio de leilões particulares (§ 156)." (tradução nossa)

Pode-se observar alguns pontos comuns do BGB com a Diretiva 87/7, como o parágrafo (3), que veda o direito de retratação quando o consumidor expressamente anui com a execução do serviço contratado à distância antes de encerrado o prazo de reflexão. A mesma similaridade ocorre com o parágrafo (4), que excepciona o citado direito dos negócios cujos objetos tenham sejam personalizados ou tenham sido encomendados conforme especificações fornecidas pelo consumidor. Além disso, também não se aplica o direito de retratação aos produtos rapidamente deterioráveis ou altamente perecíveis.

Além disso, o legislador alemão também excluiu da abrangência da norma protética ao arrependimento as gravações de áudio ou vídeo e os softwares. Curiosamente, não os restringiu aos arquivos digitais, o que, a princípio, parece-nos uma melhor solução que à oferecida pela Diretiva. Afinal, a facilidade à pirataria persiste não somente para os arquivos digitais, mas para qualquer mídia em que o conteúdo em áudio, vídeo ou texto tenha sido gravado.

Mesma inaplicabilidade estende-se a jornais, revistas, periódicos, serviços de loto e de leilões particulares. Uma inovação, contudo, está nos serviços de jogos (ou gaming), não contemplados pela Diretiva e que tem sua pertinência, eis que abrange inclusive os jogos de azar, amplamente promovidos pela internet hoje em dia.

Enfim, passamos a reproduzir os dispositivos que mais importam para nosso estudo.

O art. 355 inaugura o subtítulo 2, que trata especificamente do direito de retratação e do direito de retorno nos contratos de consumo. Referido dispositivo dispõe o seguinte:

"§ 355 Direito de retratação em contratos de consumo

(1) Se a um consumidor é concedido o direito de retratação conforme o disposto neste artigo, ele não mais fica vinculado através de sua declaração de intenção a concluir o contrato se houver retratado em tempo hábil. A retratação não necessita conter nenhuma fundamentação e deve ser declarada ao empresário em forma textual ou quando da devolução do produto dentro de duas semanas; o despacho tempestivo basta para satisfazer o prazo.

(2) O prazo tem início quando o consumidor tiver sido informado textualmente através de uma notificação claramente formulada acerca do seu direito de retratação, que lhe esclareça sobre seus direitos de acordo com os requisitos do meio de comunicação usado, a qual deve conter o nome e o endereço da pessoa a quem a retratação deverá ser destinada e que deve referir-se ao início do prazo e às regras conforme o parágrafo (1), sentença 2 acima. Salvo no caso de contratos autenticados por tabelião, a notificação deve ser assinada isoladamente pelo consumidor ou fornecida por ele mediante uma assinatura eletronicamente certificada. Se o contrato deve ser feito por escrito, o prazo não começa até que ao consumidor seja também fornecido com um original do contrato, sua aplicação escrita ou uma cópia do original do contrato ou da aplicação. Se o início do prazo for objeto de controvérsia, o empresário arcará com o ônus da prova.

(3) O exercício do direito de retratação cessará ao final de seis meses após a conclusão do contrato. No caso de fornecimento de bens, o prazo não terá início antes do dia em que alcançarem o destinatário." (tradução nossa)

Observa-se do disposto acima que o direito de retratação alemão assemelha-se ao direito de arrependimento brasileiro nos seguintes pontos: relativização da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, retratação imotivada e necessidade de declaração ao empresário da intenção de exercício do direito. No entanto, difere bastante quanto aos detalhes do exercício desse direito, desde o início do prazo, até em relação às obrigações de informação do fornecedor. Outra grande diferença é a extensão do prazo, que, na norma alemã, é de 14 dias.

Um detalhe interessante, e que observamos presente em outras normas internacionais, é a obrigação do empresário em promover o negócio à distância com a devida informação ao consumidor do seu direito de arrependimento. Certamente essa medida foi legalizada, pois, a permitir-se que os fornecedores fizessem-na voluntariamente, pouco caso fariam – como, aliás, ocorre no Brasil. Afinal, o fornecedor ainda conta com a desinformação social a esse respeito, o que, aliás, facilmente constataríamos em qualquer singela pesquisa verbal entre pessoas próximas.

Mais adiante, nos art. 356 e seguintes, constatamos que, se o contrato já tiver sido executado, cada parte deverá restituir ao outro as prestações que lhe foram fornecidas; em outros termos, o consumidor restitui a mercadoria e o comerciante reembolsa o montante cobrado, por exemplo. Se o cliente não estiver em condições de restituir o produto recebido por motivo de perda ou de deterioração, o direito de arrependimento ainda assim poderá ser exercido se for comprovado que o consumidor não agiu intencionalmente e se nem se fizer prova de negligência. No entanto, se o cliente utilizar o produto recebido até sua restituição, deve compensar a perda de valor devida a essa utilização.

Para assegurar o respeito do direito de arrependimento, a norma alemã prevê uma proibição geral de violação desse direito bem como o seu caráter irrevogável. Isso significa, primeiramente, que as regras protetoras enunciadas na lei são aplicáveis ainda que as suas disposições sejam contrárias ao direito previsto e, em segundo lugar, ainda que os acordos tenham sido concluídos às expensas do consumidor, tornando os contratos sem efeito. Algo semelhante ao que ocorre no Brasil, onde as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito.

Em relação ao vínculo contratual ao longo do prazo de reflexão, o direito alemão assevera que o contrato fica suspenso e a aceitação do consumidor somente se perfaz após decorrido o prazo. Em outras palavras, a oferta e a concordância inicial do consumidor não formam um contrato, porquanto submetidas a uma condição suspensiva (MARQUES, 2004, p. 707-708).

6.5 A legislação belga: Wet betreffende de ambulante activiteiten en de organisatie van de openbare markten. Wet betreffende de handelspraktijken en de voorlichting en bescherming van de consument.

Existem duas normas na Bélgica regulando os negócios door-to-door ou, mais genericamente, negócios realizados fora do estabelecimento comercial.

A primeira foi editada em 25 de junho de 1993 e é conhecida como a Lei de Negócios Itinerantes e Organização de Mercados Públicos (Wet betreffende de ambulante activiteiten en de organisatie van de openbare markten), cujo objeto principal era contrabalancear a vantagem competitiva que vendedores de porta em porta gozam sobre outros comerciantes. Para revogar este equilíbrio, a venda door-to-door só podia ser executada com a aprovação prévia do Ministério de Pequenos e Médios Negócios.

A legislação, porém, excepcionou certas atividades negociais, tal como vendas não comerciais com propósitos de caridade ou não lucrativos; vendas ocasionais de mercadoria que de propriedade do vendedor; leilões públicos; vendas como parte de negócios e feiras agrícolas e de exposições; e eventos esporádicos organizados por comerciantes locais (i.e., feiras de rua) devidamente autorizadas pelas autoridades locais.

Nas mesmas exceções também estão o fornecimento regular de alimentos, jornais e revistas por comerciantes e as vendas e os serviços especificamente solicitados adiantadamente pelo consumidor.

A segunda norma legal sobre o assunto é a Lei de Proteção e Informação do Consumidor e de Práticas Comerciais (Wet betreffende de handelspraktijken en de voorlichting en bescherming van de consument) de 14 de julho de 1991 (Capítulo V, Seção 11).

O objeto normativo dessa lei é a proteção das relações de consumo contra práticas comerciais abusivas, especialmente quando resultantes de negócios formalizados mediante o chamado "elemento surpresa" contido nas modernas técnicas de marketing promocional.

Segundo definição legal, consumidores são "qualquer pessoa jurídica ou física que adquire ou utiliza produtos e serviços disponíveis no mercado para fins não-profissionais."

Também dispõe que os negócios realizados com fins não-profissionais são aqueles concluídos na residência do consumidor ou no seu domicílio profissional, ou aqueles realizados na ocasião da promoção de um evento externo, como uma excursão, organizada pelo comerciante ou a seu pedido, e em show, feiras ou exibições cujo pagamento não seja em espécie e cujo preço exceda €213,20.

As exceções da aplicação da lei estão nos bens imóveis, nas vendas de produtos alimentícios, bebidas e artigos para manutenção da casa, vendas organizadas para eventos não-comerciais, sem fins lucrativos, exclusivamente para eventos filantrópicos, leilões públicos, contratos de seguro e contratos de crédito.

O direito de arrependimento tem vez na norma belga, com uma peculiaridade: o pagamento relativo ao fornecimento do produto ou à prestação do serviço deve se realizar após o decurso do prazo de 7 dias úteis, durante o qual poderá o consumidor refletir sobre o contrato realizado à distância, podendo, assim, retratar-se sem qualquer custo, exceto as despesas de correio. Basta, para tanto, notificar o comerciante.

No caso da prestação dos serviços, esta somente deverá ocorrer após o decurso desse prazo.

6.6 A legislação espanhola: Ley de Ordenación del Comercio Minorista (Ventas a Distancia).

A monarquia espanhola, sob a regência de Don Juan Carlos I, sancionou, em 15 de janeiro de 1996, a Lei de Regulamentação do Comércio Varejista. A Exposição de Motivos dessa norma merece nosso destaque, sobretudo pela consciência legislativa espanhola quanto à necessidade de revisão do arcabouço legal então vigente sobre os mercados:

"Los profundos cambios que ha experimentado la distribución comercial minorista en España, la incorporación de nuevas tecnologías y formas de venta y el reto que ha supuesto la Unión Europea, así como la dispersión de la normativa vigente obligan a un esfuerzo legislativo de sistematización, modernización y adecuación a la realidad de los mercados.

[...]

Por otra parte, y debido a la evolución experimentada en los últimos años, coexisten en España dos sistemas de distribución complementarios entre sí: el primero constituido por empresas y tecnologías modernas, y el segundo integrado por las formas tradicionales de comercio que siguen prestando importantes servicios a la sociedad española y juegan un papel trascendental en la estabilidad de la población activa, pero que deben emprender una actualización y tecnificación que les permita afrontar el marco de la libre competencia.

La relación de complementariedad entre los dos sistemas mencionados debe también ser tenida, especialmente, en cuenta por el Legislador."

É esse espírito que serve de base do nosso estudo: a necessidade de evolução legislativa da norma protetiva do consumidor no Brasil, especificamente quanto ao direito de arrependimento, uma vez que se trata de um dispositivo que, hoje, não encontra explícitas restrições legislativas, abrindo margem à sua aplicação abusiva, imprecisa e incorreta pela magistratura nacional em favor exclusivamente do consumidor, com o que não pactuamos, sem a necessária ponderação do equilíbrio negocial e legal.

A lei espanhola apresenta um título exclusivo para o tratamento daquilo que denomina vendas especiais. Trata-se do Título III, em que se destina o segundo capítulo para disciplinar as vendas à distância, onde se reúnem os arts. 38 a 48. Mas essa não é única previsão legislativa sobre as vendas à distância: assim como outras normas internacionais, existe uma clara distinção entre vendas ambulantes (door-to-door), vendas automáticas e vendas à distância. Por isso, a norma espanhola destina, nesse mesmo título, o Capítulo III (arts. 49 a 52) para as vendas automáticas e o Capítulo IV (arts. 53 a 55) para as vendas ambulantes.

Assim, constatamos que o direito de arrependimento, denominado derecho de desistimiento, está consignado no art. 44 e suas exceções, no art. 45, que dispõem:

"Artículo 44. Derecho de desistimiento. [Redação conforme a Lei 47, de 19 de dezembro de 2002].

1. El comprador dispondrá de un plazo mínimo de siete días hábiles para desistir del contrato sin penalización alguna y sin indicación de los motivos. Será la ley del lugar donde se ha entregado el bien la que determine qué días han de tenerse por hábiles.

2. El ejercicio del derecho de desistimiento no estará sujeto a formalidad alguna, bastando que se acredite en cualquier forma admitida en derecho.

3. El derecho de desistimiento no puede implicar la imposición de penalidad alguna, si bien podrá exigirse al comprador que se haga cargo del coste directo de devolución del producto al vendedor.

No obstante lo anterior, en los supuestos en que el vendedor pueda suministrar un producto de calidad y precio equivalentes, en sustitución del solicitado por el consumidor, los costes directos de devolución, si se ejerce el derecho de desistimiento, serán por cuenta del vendedor que habrá debido informar de ello al consumidor.

Serán nulas de pleno derecho las cláusulas que impongan al consumidor una penalización por el ejercicio de su derecho de desistimiento o la renuncia al mismo.

4. A efectos del ejercicio del derecho de desistimiento, el plazo se calculará a partir del día de recepción del bien, siempre que se haya cumplido el deber de información que impone el artículo 47.

5. En el caso de que el vendedor no haya cumplido con tal deber de información, el comprador podrá resolver el contrato en el plazo de tres meses a contar desde aquel en que se entregó el bien. Si la información a que se refiere el artículo 47 se facilita durante el citado plazo de tres meses, el período de siete días hábiles para el desistimiento empezará a correr desde ese momento. Cuando el comprador ejerza su derecho a resolver el contrato por incumplimiento del deber de información que incumbe al vendedor, no podrá éste exigir que aquel se haga cargo de los gastos de devolución del producto.

6. Cuando el comprador haya ejercido el derecho de desistimiento o el de resolución conforme a lo establecido en el presente artículo, el vendedor estará obligado a devolver las sumas abonadas por el comprador sin retención de gastos. La devolución de estas sumas deberá efectuarse lo antes posible y, en cualquier caso, en un plazo máximo de treinta días desde el desistimiento o la resolución. Corresponde al vendedor la carga de la prueba sobre el cumplimiento del plazo. Transcurrido el mismo sin que el comprador haya recuperado la suma adeudada, tendrá derecho a reclamarla duplicada, sin perjuicio de que además se le indemnicen los daños y perjuicios que se le hayan causado en lo que excedan de dicha cantidad.

7. En caso de que el precio haya sido total o parcialmente financiado mediante un crédito concedido al comprador por parte del vendedor o por parte de un tercero previo acuerdo de éste con el vendedor, el ejercicio del derecho de desistimiento o de resolución contemplados en este artículo implicará al tiempo la resolución del crédito sin penalización alguna para el comprador.

8. El transcurso del plazo del derecho de desistimiento sin ejecutarlo no será obstáculo para el posterior ejercicio de las acciones de nulidad o resolución del contrato cuando procedan conforme a derecho.

Artículo 45. Excepciones al derecho de desistimiento. Redacción según Ley 47/2002, de 19 de diciembre.

Salvo pacto en contrario, lo dispuesto en el artículo anterior no será aplicable a los siguientes contratos:

1. Contratos de suministro de bienes cuyo precio esté sujeto a fluctuaciones de coeficientes del mercado financiero que el vendedor no pueda controlar.

2. Contratos de suministro de bienes confeccionados conforme a las especificaciones del consumidor o claramente personalizados, o que, por su naturaleza, no puedan ser devueltos o puedan deteriorarse o caducar con rapidez.

3. Contratos de suministro de grabaciones sonoras o de vídeo, de discos y de programas informáticos que hubiesen sido desprecintados por el consumidor, así como de ficheros informáticos, suministrados por vía electrónica, susceptibles de ser descargados o reproducidos con carácter inmediato para su uso permanente.

4. Contratos de suministro de prensa diaria, publicaciones periódicas y revistas."

Como se pode observar, há também semelhanças e diferenças em relação ao direito de arrependimento brasileiro: o prazo decadencial é de 7 dias, embora sejam úteis (conforme dispuser a lei local); a retratação pode ser imotivada; não há ônus ao consumidor e as cláusulas que dispuserem em contrário são explicitamente tidas por nulas de pleno direito; a norma espanhola também não prescreve forma para o exercício do direito, admitindo claramente qualquer uma reconhecida pelo Direito; ao contrário da norma brasileira, essa lei explicitamente impõe ao consumidor apenas os ônus de envio do produto ao fornecedor – o que, no Brasil, admite-se sistemicamente, sob controvérsias –, salvo se o vendedor tiver interesse em encaminhar ao consumidor um produto de qualidade e preço equivalentes ao objeto devolvido; em relação às demais normas internacionais estudadas, a lei espanhola a elas se assemelha quanto ao início do prazo do direito de arrependimento: se e somente a partir de prestadas as informações correspondentes pelo fornecedor.

Há, porém, uma interessante inovação em relação às demais normas: tal qual as demais prescrevem, a devolução do valor adiantado pelo consumidor é medida que se impõe integralmente, sem retenção de qualquer custo ou compensação. Todavia, o fornecedor dispõe de um prazo de 30 dias, sob pena de devolver o valor em dobro, sem prejuízo de outras indenizações decorrentes da demora. Além disso, assim como ocorre com a norma alemã, uma vez exercido o direito de arrependimento, essa lei determina o cancelamento das obrigações acessórias de financiamento de crédito, sem qualquer ônus ao consumidor.

Mas reside no art. 45 o centro de nossas atenções: as exceções ao direito de arrependimento. Resumidamente, são elas:

1.Contratos de fornecimento de bens cujos preços estejam sujeitos a flutuações de taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar;

2.Contratos de fornecimento de bens produzidos conforme as especificações do consumidor ou claramente personalizados, ou que, por sua natureza, não possam ser reaproveitados ou possam deteriorar-se ou desgastar-se rapidamente;

3.Contratos de fornecimento de gravações sonoras ou de vídeo, de discos ou de programas informatizados cujo lacre tenha sido violado pelo consumidor, assim como de arquivos informatizados, fornecidos por via eletrônica, suscetíveis de serem descarregados ou reproduzidos com caráter imediato para uso permanente; e

4.Contratos de fornecimento de conteúdo diário de imprensa, publicações periódicas e revistas.

Tais exceções foram orientadas pela Comunidade Européia, através da Ley 47/2002, de 19 de diciembre, de reforma de la Ley 7/1996, de 15 de enero, de Ordenación del Comercio Minorista, para la transposición al ordenamiento jurídico español de la Directiva 97/7/CE, en materia de contratos a distancia, y para la adaptación de la Ley a diversas Directivas comunitarias.

Por isso, há também expressa "exceção da exceção" consignada no caput do art. 45, quando o legislador abriu a possibilidade de prevalência do direito de arrependimento sobre as hipóteses de exceção se houver disposição expressa nesse sentido, firmada entre fornecedor e consumidor.

Devemos destacar, ainda, que essa previsão sobre o direito de arrependimento veio revogar o quanto disposto na Ley 26/1991 relativa a la protección de los consumidores en el caso de contratos celebrados fuera de los establecimientos mercantiles. Esta norma tinha o propósito de incorporar ao direito espanhol o teor da Diretiva 85/577/CEE, cujos termos já analisamos no presente estudo e que dispensam comentários.

6.7 Outras normas internacionais.

Detectamos a presença do direito de arrependimento em diversas outras normas internacionais, tais como:

1Legislação dinamarquesa: Dørsalgsloven;

2.Legislação estônia: Võlaõigusseadus;

3.Legislação finlandesa: Kuluttajansuojalaki 38/1978; Asetus koti-ja postimyynnistä, 1601/1993; Laki kuluttajaneuvonnan järjestämisestä kunnassa, 72/1992; Laki kuluttajavalituslautakunnasta, 42/1978;

4.Legislação italiana: Decreto legislativo 15 gennaio 1992, n. 50;

5.Legislação neozelandesa: Colportagewet;

6.Legislação portuguesa: Decreto Legislativo nº 143/2001;

7.Legislação britânica: The Doorstep Selling Regulations;

8.Legislação tcheca: Ob?anský zákoník;

9.Legislação sueca: Hemförsäljningslagen;

10.Legislação austríaca: Konsumentenschutzgesetz; etc.

De um modo geral, as definições legais desses países são muito semelhantes, inclusive no tratamento da relação de consumo e do direito de arrependimento. Variações estão por conta do prazo do período de reflexão, entre 7 e 14 dias, por vezes úteis, em outras normas, dias corridos, e do momento de conclusão do contrato (algumas normas somente admitem o início do contrato após o decurso do prazo de arrependimento).

As exceções de aplicação dessas normas estão também nos contratos de seguro, negócios financeiros, leilões públicos, contratos imobiliários etc. E aquelas relativas ao direito de arrependimento, quando presentes, perfilham em sua maioria as diretrizes das normas comunitárias já analisadas.

A conclusão a que chegamos é simples: o direito de arrependimento comporta exceções, tendo o legislador alienígena enxergado isso há décadas e já promovido a devida adequação normativa doméstica à realidade social contemporânea.

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Sobre o autor
Fabrício da Mota Alves

Advogado e consultor jurídico, sócio do escritório Degrazia & Advogados Associados, associado à Banca Consultoria Empresarial, Professor de Direito Constitucional e Coordenador do curso de Pós-Graduação lato sensu em Dir. Constitucional Aplicado do Instituto Posead/UGF/FGF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Fabrício Mota. O direito de arrependimento do consumidor:: exceções à regra e necessidade de evolução legislativa no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1353, 16 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9605. Acesso em: 3 mai. 2024.

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