Quem me leia e faça uma análise superficial pode imaginar que me arvoro de advogado trabalhista ou especialista em Direito Previdenciário. Ledo engano. Sou, no máximo, um esforçado aprendiz em Processo Civil. Ou em lógica jurídica.
Na esfera da Justiça do Trabalho atuei em um único caso, repetidas vezes – que resultou em um livro ("Os expurgos no FGTS e seus reflexos na justiça trabalhista") –, além de uma intervenção na fase de execução de outro caso distinto, porque a reclamante perdera a confiança no seu primeiro advogado. A prosseguir com sua assistência, iria receber menos de 5% (cinco por cento) do que lhe era devido (ou do que constava da condenação no Acórdão transitado em julgado, aliás, que deixara de incluir várias verbas pela falta de interposição dos embargos de declaração quanto às omissões). Quem lhe patrocinava a causa estava a ponto de pôr seu "de acordo" a um valor marginal, porque a Contadoria Judiciária errara feio, e o erro, gritante (não computara o principal, correspondente a treze meses de salário), não fora detectado. Não dera, ainda, o "sim" porque não fora à Vara do Trabalho, tanto que nem soube informar à reclamante a quantas andava o processo, sequer se já estava na fase de execução que não requerera – fora calculada por iniciativa do Juiz e a reclamada, espertamente, já depositara o quantum debeatur calculado, aquela importância muitas vezes menor.
Na esfera da Justiça Federal, não advoguei qualquer causa previdenciária, nem mesmo pedindo aquelas revisões devido ao IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).
Contudo, escrevi um artigo divulgado na internet (Jus Navigandi) sobre o benefício da aposentadoria especial (arts. 57 e 58 da L. 8.213/91), e desde então recebo pelo menos duas consultas semanais, às vezes três, como se eu fora uma autoridade, um doutrinador, um especialista na matéria. A solução, para responder e orientar, foi estudar e procurar me manter atualizado.
A Constituição Federal brasileira de 05 de outubro de 1988, em seu texto original, assegurava aposentadoria "após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei"(artigo 202, inciso II, grifos acrescidos).
Observe-se que o exercício do magistério já não se enquadrava no disposto naquele inciso, por merecer inciso próprio, de número III, estabelecendo tempo mínimo de trabalho, para os homens, de 30 anos e, para as professoras, 25 anos de efetivo exercício. Ou seja, apesar de certa semelhança (trabalha-se cinco anos menos), a aposentadoria de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino médio e fundamental (CF/88, art. 201, § 8º., após a EC 20/98) não é dita "aposentadoria especial".
A citada Emenda Constitucional nº. 20, promulgada em 15/12/1998, promoveu uma mudança completa na Seção III do Capítulo II do Título VIII da CF/88 (Da Ordem Social / Da Seguridade Social / Da Previdência Social), inclusive, transportando os dispositivos que tratam da matéria antes abordada no artigo 202 e seus incisos I, II e III para os parágrafos 7º. e 8º. do novo artigo 201. E a Constituição Federal não fala mais, literalmente, em condições especiais.
Entretanto, a lei em vigor dava direito ao benefício àqueles que houvessem exercido por um longo período ("longuíssimo", a meu ver, de no mínimo 15 anos), e de forma continuada, atividades "sob condições especiais consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física" do trabalhador envolvido. Note-se que a lei diz textualmente "segurado", qualquer que seja seu cargo.
Desde 29/4/1995, quando da entrada em vigor da Lei nº. 9.032/95 que alterou a L. 8.213/91, inexiste em nosso ordenamento jurídico aposentadoria especial devido a periculosidade. Hoje, só existe aposentadoria especial por exposição a agentes nocivos (químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física). E esta exposição, bem como a nocividade dos agentes, deve ser comprovada por laudo técnico.
Antes da entrada em vigor da Lei nº. 8.213/91, nosso ordenamento previdenciário era a Lei nº. 3.807/1960. Esta lei, em seu artigo 31, previa a concessão de aposentadoria especial ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta ) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tivesse trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos pelo menos, "conforme a atividade profissional", em serviços, que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
Com a Lei nº. 8.213/91, a expressão "serviços (....) penosos, insalubres ou periculosos" fora substituída por "condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física". Os decretos que regulamentaram a primeira lei (nº. 53.831, de 25 de março de 1964, e nº. 83.080, de 24 de janeiro de 1979), definiam o direito à aposentadoria especial por exposição a agentes e por grupo profissional. Quanto aos grupos profissionais, esses dois decretos tiveram eficácia durante a Lei nº. 8.213/91 até 28/4/95, quando a modificação introduzida pela L. 9.032/95 retirou a possibilidade de aposentadoria especial apenas por pertencer a um grupo profissional, mantendo, no entanto, a possibilidade de obtê-la pela exposição a agentes nocivos sem necessidade de laudo, exceto ruído e calor (que sempre tiveram necessidade de laudo, por exigirem determinação quantitativa). A partir de 06/3/1997, o Decreto nº. 2.172/97 revogou os decretos que regulamentavam a Lei nº. 3.807/60. Grupos profissionais que não constavam explicitamente dos referidos decretos não davam direito ao benefício.. De forma que, em princípio, quem a eles pertencesse não tinha direito à conversão do referido período. Porém, quem sabe, teria direito por exposição a agentes nocivos ao qual estivera exposto, sem laudo (na vigência dos citados decretos) e com laudo após o término da vigência deles.
Hoje, o que determina o direito à aposentadoria especial é o anexo IV ao Decreto nº. 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social). E só a exposição a agentes nocivos é que confere direito à aposentadoria especial, sendo a nocividade confirmada por laudo técnico (não basta a exposição). É necessária a avaliação do risco real na exposição a agentes nocivos a saúde e integridade física caso a caso, normalmente por meio de laudo.
Até então, havia uma listagem de agentes nocivos e, por exemplo, o único considerado periculoso era a eletricidade. O Decreto nº. 2.172/97, a partir de 6/3/1997, retirou a eletricidade do rol de agentes nocivos, revogando neste ponto o Decreto nº. 53.831, de 1964, que tinha a eletricidade como agente que dava direito a aposentadoria especial. O atual Decreto nº. 3.048/99, no anexo IV, repetiu o quadro do Decreto nº. 2.172/97, e a eletricidade não consta do anexo sobre agentes que reconhecem o direito à aposentadoria especial. Outro exemplo é a exposição à umidade, que só enseja direito à aposentadoria especial até 6/3/1997.
Veja-se outro caso curioso: especificamente quanto a grupos profissionais antes de 29/4/1995, existia, na tabela do Decreto nº. 53.831, o código 2.3.3 cujo campo de aplicação era edifícios, barragens, pontes. Englobava serviços e atividades profissionais em edifícios, barragens, pontes e torres, e era considerado serviço perigoso ensejando aposentadoria aos 25 anos. Então, se a pessoa fosse pedreiro e trabalhasse nestas atividades, tudo bem. Mas se o pedreiro trabalhasse em construção de casas somente, não havia presunção de periculosidade tão grande que ensejasse aposentadoria especial. Salvo decisão judicial. No INSS, ele teria de provar que, além de trabalhar como pedreiro, trabalhava em obras de tal magnitude que o risco fosse alto o suficiente para justificar a aposentadoria especial.
Então, pelo anexo IV do Decreto nº. 3.048/99, agora, somente exposição a agentes nocivos que impliquem atividade insalubre pode propiciar aposentadoria especial. Agentes periculosos não mais.
A Constituição determina que o disposto se aplica "nos termos da lei", forma de remeter à legislação infraconstitucional o regramento legal, enquanto a legislação ordinária (em tese, aquela que, segundo a Constituição, é que vai dizer como as coisas são ou devem ser) transfere ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o "poder" de estabelecer os critérios do que sejam condições especiais ou do que seja prejudicial à saúde ou à integridade física. Essa, uma interpretação permitida da redação do texto legal ou, pelo menos, a utilizada pelo MPAS e pelo INSS para definir e decidir se concede ou não o benefício. O "direito adquirido" encontra, aí, uma primeira barreira, na esfera administrativa.
Aproveitando-se da "delegação" recebida (uma verdadeira "carta branca"), o MPAS e o INSS, mediante Portaria ou Instrução Normativa, limitaram e continuam limitando o direito àquele tipo de aposentadoria (na verdade, uma espécie da aposentadoria por tempo de serviço, dando direito a 100% do salário-de-benefício) cada vez mais.
Ora, Portarias e Instruções Normativas são Atos Administrativos Normativos cujo objetivo imediato é explicitar a norma legal, ou expressar em minúcia o mandamento abstrato da lei. Por serem de menor hierarquia, não poderiam limitar o que a lei não limitara (nem Decreto poderia fazê-lo; só outra lei). Ademais, desde 29 de abril de 1995, mudaram completamente os critérios que, até a véspera, considerava o tempo trabalhado naquelas tarefas e condições como ensejador de aposentadoria especial.
Há controvérsias na interpretação do texto legal. Minha "lógica" diz que somente quem houvesse trabalhado 25 anos (repito, tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente) em uma tal atividade poderia multiplicar seu tempo de serviço por 1,4 e integralizar, assim, 35 anos (tempo corrigido, digamos); quem trabalhasse 20 anos, poderia multiplicar por 1,3; e para 15 anos, o fator era 1,2. Já li decisões judiciais mandando aplicar o plus ficto de 40% até a períodos inferiores a 15 anos.
Nos dois últimos casos (15 e 20 anos de exercício contínuo e ininterrupto em condições que muitos chamam de "especiais"), pode ser somado o tempo trabalhado em outras condições menos adversas. Por exemplo, 15 anos em condições especiais mais 17 anos em atividade comum, não considerada especial,, somam 15 x 1,2 + 17 = 35; 20 anos "no sacrifício" mais 9 em melhores condições, também soma 35 anos, para fins de aposentadoria "especial" (20 x 1,3 + 9).
Pode-se argumentar que ninguém fica tanto tempo, de forma continuada e permanente, trabalhando nas condições descritas exigidas para a concessão do benefício. Mas, por outro lado, todo o tempo em que você esteja à disposição do empregador é tempo trabalhado, ainda que não produza rigorosamente nada – caso da equipe de plantão que não venha a ser chamada a se deslocar para um atendimento de emergência, por exemplo. Por tal motivo, muitas empresas criam a dita situação de sobreaviso que dá direito à percepção de um adicional menor, em termos de horas extras.
Entendo que o que importava, até 28/04/1995, era que o empregado – fosse ele um técnico ou um engenheiro, um trabalhador de qualquer nível funcional, enfim – estava exercendo atividade(s) que a lei beneficiava com um plus (como constitui um plus o acréscimo no salário de quem trabalha no horário noturno: cada 52min30s trabalhados entre as 22h00 de um dia e as 05h00 do dia seguinte equivalem a 1 h trabalhada; ou seja, há um acréscimo de 20% no cômputo da jornada) e de quem percebe adicional de insalubridade ou de periculosidade (por oportuno, cabe dizer que uma coisa não tem nada a ver com outra: quem faz jus ao adicional de periculosidade ou de insalubridade nem sempre exerce (exercia) atividade nas condições especiais que davam direito àquela aposentadoria especial, e vice-versa).
Registre-se, ainda e por fim, que o trabalho em condições "especiais" é inerente a muitas das tarefas de certas empresas, e nada pode ser feito para excluir ou evitar os riscos ou prejuízos à saúde e integridade física de seus empregados envolvidos nessas tarefas. Portanto, é postura incompreensível da empresa negar o famoso SB-40 (posteriormente, DSS 8030 ou Dirben 8030, e hoje, PPP). Esses empregadores nunca tiveram a incumbência legal de, previamente, procurar impedir que um seu empregado busque aquele benefício – que o INSS nega, na maioria dos casos, pois a análise da documentação que comprove o atendimento aos requisitos legais e normativos é bastante rigorosa –, ao escusar-se a fornecer aquela declaração, ou redigi-la de forma tendenciosa, dúbia, omissiva, com o fito maior de contribuir, na origem, para que o INSS tenha mais e mais fortes argumentos para negar sua concessão. Essas empresas não detêm procuração do INSS para atuar em seu favor e, naquele caso, o fazem graciosamente.
Quem sabe, devido a atitudes que tais, o INSS vez por outra altera a ON que trata da comprovação das ditas condições especiais, que, na origem, prejudiquem a saúde ou a integridade física dos empregados, e, conseqüentemente, a concessão da correspondente aposentadoria por tempo de serviço integral, embora em tempo menor que os 35 anos (30 anos para as mulheres). A que está em vigor é a nº. 11, de setembro de 2006, como que cassando, ou atenuando contratempos dos segurados que são ou eram prejudicados com o expediente adotado pelos empregadores que agem ou agiam daquela forma, a meu ver, abusiva e despropositada.
Nossa doutrina e a jurisprudência,, desde há muito, reconhecem que a lei não distingue que espécie de segurado é que tem direito à aposentadoria especial, o que permite seja ela concedida a qualquer um deles ("a condição fundamental é o trabalho comprovado, em atividade penosa, insalubre ou perigosa, que coloque em risco a saúde e a integridade física do segurado", segundo Sérgio Pinto MARTINS, in Direito da Seguridade Social, ed. Atlas), e já o extinto Tribunal Federal de Recursos, sumulara seu entendimento segundo o qual (Súmula 198), "atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial (.....) a atividade exercida pelo segurado (....) mesmo não inscrita no Regulamento". Posteriormente a 1988, as Cortes Federais continuaram entendendo que "as atividades constantes do regulamento são exemplificativas e não taxativas" e que "provando o segurado que trabalhou em condições perigosa, insalubres ou penosas" deve ter direito ao benefício.